Relatório Final do Projeto
Apoio e atenção às vítimas e vulneráveis ao trabalho escravo no estado da Bahia ETAPA I
COETRAE - BA Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo da Bahia
Relatório Final do Projeto
Apoio e atenção às vítimas e vulneráveis ao trabalho escravo no estado da Bahia ETAPA I
Salvador, Bahia - abril 2017
COETRAE - BA Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo da Bahia
FICHA TÉCNICA
REALIZAÇÃO:
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO - ESCRITÓRIO NO BRASIL – OIT BRASIL Coordenador do Programa de Combate ao Trabalho Forçado Antonio Carlos de Mello Rosa
MINISTERIO PÚBLICO DO TRABALHO Procurador do Trabalho Ilan Fonseca
AVANTE – EDUCAÇÃO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL Coordenação do Projeto Ana Luiza Oliva Buratto
APOIOS INSTITUCIONAIS
SECRETARIA DO TRABALHO, EMPREGO E RENDA – SETRE
SECRETARIA DE JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS E DESENVOLVIMENTO SOCIAL DA BAHIA SJDHDS
COETRAE – Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo da Bahia
GRUPO DE PESQUISA GEOGRAFAR DA UFBA
ELABORAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO RELATÓRIO
AVANTE – EDUCAÇÃO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL Equipe Técnica responsável pelo projeto e elaboração do relatório Ana Luiza Oliva Buratto Gláucia Lara Borja Ivanna Paula Castro de Oliveira José Humberto da Silva Judite Amélia Lago Dultra Projeto Gráco e Editoração KDA Design
APRESENTAÇÃO
O presente relatório buscou sistematizar os resultados do diagnóstico e do mapeamento local realizados nos municípios de Tanhaçu e Itambé, no âmbito do Projeto de Apoio e Atenção às Vítimas e Vulneráveis ao Trabalho Escravo no Estado da Bahia – Etapa I. Ele é o produto nal de uma parceria rmada entre a Organização Internacional do Trabalho (OIT), Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Avante - Educação e Mobilização Social e contou com o apoio da Secretaria do Trabalho, Emprego Renda e Esporte - SETRE e da Secretaria de Desenvolvimento Social, Justiça e Direitos Humanos – SDSJDH. Este projeto teve como propósito contribuir para prevenção e enfrentamento do trabalho em condições análogas à escravidão no estado da Bahia. Esse relatório compõem-se de duas partes: a primeira refere-se ao Diagnóstico de Trabalho análogo à escravidão na Bahia com foco nos dois municípios envolvidos no Projeto; a segunda parte refere-se ao mapeamento situacional desse tipo de trabalho, feito a partir de entrevistas individuais e coletivas realizadas como 107 representantes dentre autoridades, agentes públicos, lideranças comunitárias e trabalhadores dos municípios de Tanhaçu e Itambé. O Diagnóstico foi realizado com base na pesquisa e análise de dados secundários e em relatórios produzidos por parceiros do Projeto no Estado da Bahia1 e foi elaborado previamente ao mapeamento situacional. Buscou aprimorar o conhecimento sobre a realidade deste tipo de trabalho e preparar a equipe técnica do projeto para o planejamento e a implementação das ações nos referidos municípios. Assim, por meio de revisão bibliográca e de dados secundários disponibilizados por órgãos governamentais e não governamentais parceiros do Projeto, bem como mediante informações colhidas, analisadas e sistematizadas a partir das 107 entrevistas realizadas. Tomando por base esses dados, buscou-se aqui fazer uma cartograa do trabalho análogo à escravidão no estado da Bahia, com foco em Tanhaçu e Itambé, municípios que foram selecionados a partir da incidência e prevalência de trabalhadores deles oriundos entre os resgatados em condições análogas à escravidão, trabalhando em outros municípios baianos ou em até municípios dos estados de Minas e de São Paulo. Vale dizer que estes dois municípios ocupam respectivamente o 1º e o 4º lugares como cidades de origem de parte expressiva dos trabalhadores resgatados, segundo dados do cadastro do Seguro Desemprego. Espera-se que este relatório possa contribuir para a ampliação do conhecimento sobre o trabalho escravo na Bahia e para a difusão de informações que auxiliem no entendimento do fenômeno, tanto em sua complexidade, quanto em sua expressão na contemporaneidade.
1 São eles o GTI/PAI Grupo de Trabalho Intersetorial para implementação do Projeto Ação Integrada na Bahia, a COETRAE – Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo da Bahia, o SEI - Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia e o Grupo de Pesquisa GeografAR da UFBA.
SUMÁRIO
Diagnóstico do trabalho análogo à escravidão no estado da Bahia 1. Trabalho Escravo contemporâneo: reexões sobre fenômeno 2. Trabalho análogo a escravidão na Bahia 3. Tanhaçu e Itambé: municípios de origem dos egressos do trabalho análogo a escravidão no estado 4. Caracterização Socioeconômica e demográca dos 2 municípios 5. Referências
Pesquisa de campo nos 2 municípios integrantes do projeto
07 09 13 18 19 23
25
Introdução
27
1 – Relatório da visita a Tanhaçu
27
1.1 A percepção dos entrevistados
28
a. Visão dos entrevistados sobre o trabalho análogo a escravidão b. Sobre a existência do problema no município c. Fatores determinantes do problema d. Período em que mais os trabalhadores saem do município
1.2 A trajetória dos trabalhadores egressos do trabalho análogo a escravidão a. Quem são esses sujeitos b. Situação atual dos resgatados
28 28 29 31
32 32 32
1.3 Apontando caminhos: propostas para o enfrentamento do problema
33
2 – Relatório da visita a Itambé
34
2.1 A percepção dos entrevistados
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a. Visão dos entrevistados sobre o trabalho análogo à escravidão b. Sobre a existência do problema no município c. Fatores determinantes do problema
2.2 A trajetória dos trabalhadores egressos do trabalho análogo a escravidão a. Quem são esses sujeitos b. Situação atual dos resgatados
35 35 36
38
39 39
2.3 Apontando caminhos: propostas para o enfrentamento do problema
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Algumas reexões sobre a problemática à luz da aproximação com o campo de pesquisa
43
Diagnóstico do trabalho análogo à escravidão no estado da Bahia
1
TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO: REFLEXÕES SOBRE O FENÔMENO
Mais de um século após a abolição da escravatura no Brasil, evento que possibilitou a liberdade do trabalhador e o seu consequente assalariamento, é ainda frequente encontrar agrantes de trabalhadores operando em condições tão degradantes como à época da escravidão, evidenciando que o trabalho escravo ainda não é uma página virada na história. Apesar de não mais amparado legalmente pelo estado, este tipo de trabalho não deixou de existir. Tal fenômeno se manifesta na atualidade com características bastante especícas e com muita invisibilidade por parte da sociedade. Na escravidão contemporânea, por exemplo, não existe mais a gura do “capitão do mato”, mas existe o “gato”, pessoa responsável pela cooptação de trabalhadores, por coerção e/ou violência. Não há mais o/a escravizado/a trazido/a da África, mas há uma innidade de mão de obra desempregada e pobre em vários municípios brasileiros, facilmente aliciável por acreditar ter conseguido um bom emprego, quando na verdade está indo trabalhar em alguma das novas formas de trabalho escravo. Apesar da longa trajetória de enfrentamento ao trabalho escravo no Brasil, que se estende desde a colonização até século XXI, somente em 1995, perante sucessivas denúncias, principalmente vindas da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o governo brasileiro reconheceu ocialmente a existência de tais práticas no território nacional e começou a tomar medidas para erradicá-las, como, por exemplo, a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel – GEFM (Oliveira e Germani, p 257 e 258, 2010). O reconhecimento da existência desse tipo de trabalho no país representou e representa, sem dúvida, importante passo para a prevenção, enfrentamento e erradicação do fenômeno, uma vez que o entendimento do que se trata e de como se dá este tipo de trabalho é condição relevante para se combater o problema. Igualmente importante é o entendimento do que é considerado trabalho escravo no Brasil, denição esta que, por vezes, já foi, e ainda é, alvo de discussões em projetos de lei que visaram e visam sua alteração, como, por exemplo, a discussão trazida pelo Projeto de Lei 432/2013, que busca tirar os termos “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho” da denição do crime, alterando o Código Penal (Decreto-Lei 3.689/41). Para as Nações Unidas, este projeto pode aumentar a impunidade e representa um retrocesso frente aos avanços obtidos pelo país nesse tema. Por essa razão, recomenda a rejeição da proposta. Considerando este contexto, cabe aqui um destaque para a denição atualmente adotada pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, BRASIL (2016) e prevista no Código Penal Brasileiro (Art. 149) sobre trabalho escravo. Considera-se trabalho realizado em condição análoga à de escravo, práticas laborais, em conjunto ou isoladamente, que resultem das seguintes situações:
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A submissão de trabalhador a trabalhos forçados; a submissão de trabalhador a jornada exaustiva; a sujeição de trabalhador a condições degradantes de trabalho; a restrição da locomoção do trabalhador, seja em razão de dívida contraída, seja por meio do cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, ou por qualquer outro meio com o m de retê-lo no local de trabalho; a vigilância ostensiva no local de trabalho por parte do empregador ou seu preposto, com o m de retê-lo no local; a posse de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, por parte do empregador ou seu preposto, com o m de retê-lo no local de trabalho. (MTE, BRASIL, 2016)
Entende-se, assim, o trabalho em condições análogas a de escravo como o exercício do trabalho humano em que há restrição, em qualquer forma, à liberdade do trabalhador, e/ou quando não são respeitados os direitos mínimos para o resguardo da dignidade do sujeito. A escravidão moderna caracteriza-se não somente pelo trabalho forçado ou obrigatório, mas também pela não garantia das condições mínimas de dignidade, sujeitando o trabalhador a tarefas degradantes, exaustivas ou mesmo a ambientes de trabalho inadequados à sadia qualidade de vida. Atualmente a legislação brasileira protege os trabalhadores com a Constituição Brasileira (1988) e o Código Penal. Este último, em três artigos, trata especicamente do trabalho escravo e da punição aos empregadores, sendo eles: Art. 149 - Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1o - Nas mesmas penas incorre quem: I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o m de retê-lo no local de trabalho; II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o m de retê-lo no local de trabalho. § 2o - A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I - contra criança ou adolescente; II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena - detenção, de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º - Na mesma pena incorre quem: I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida; II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais. § 2º - A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deciência física ou mental. 10
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Art. 20- Aliciar trabalhadores, com o m de levá-los de uma para outra localidade do território nacional: Pena - detenção, de um a três anos, e multa. § 1º - Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem. § 2º - A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deciência física ou mental.
Vale ressaltar que o artigo 149 do Código Penal existe desde o início do século passado, (Decreto Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940), e é o instrumento legal que ainda hoje é empregado em casos onde há trabalho escravo. Sua pena prevê reclusão de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente à violência. A extensão da legislação trabalhista no meio rural tem mais de 30 anos (lei n.º 5.889 de 08/06/1973). Além disso, há acordos e convenções internacionais que tratam da escravidão contemporânea. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) trata do tema nas convenções número 29, de 1930, e 105, de 1957 – ambas raticadas pelo Brasil. Em maio desse ano a OIT lançou a campanha “50 for Freedom” que busca a raticação por parte de mais de 50 países, dentre eles o Brasil, do Protocolo sobre trabalho forçado. Esse protocolo atua em três níveis: prevenção, proteção e reabilitação. O Brasil precisa raticá-lo para que ele entre em vigor. Uma vez raticado, deveremos prestar contas regularmente sobre as medidas concretas tomadas para pôr m à escravidão moderna, dentre elas, a garantia, às vítimas, de acesso a ações jurídicas e a indenização. A assinatura desse Protocolo representará, sem dúvida, um grande avanço no enfrentamento ao trabalho análogo ao de escravo. O enfrentamento ao trabalho escravo atualmente tem vinculação direta com a campanha mundial pelo trabalho decente, que converge nos quatro objetivos estratégicos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sendo eles: (I) liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; (II) eliminação de todas as formas de trabalho forçado; (III) abolição efetiva do trabalho infantil; (IV) eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação, a promoção do emprego produtivo e de qualidade, a extensão da proteção social e o fortalecimento do diálogo social. (OIT, 2011) Segundo relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Organização Internacional do Trabalho (OIT) - o décit de trabalho decente no Brasil, no período de 1990 a 2006, revelou-se, sobretudo, em quatro traços principais: elevadas taxas de desemprego e informalidade; expressiva parcela da mão de obra sujeita a baixos níveis de rendimentos e produtividade; alta rotatividade no emprego e alto grau de desigualdade entre diferentes grupos, principalmente as mulheres e a população negra. (CEPAL; PNUD; OIT, 2008) Dentre os fatores que conduzem muitos indivíduos para o trabalho degradante citase a carência de oportunidades de trabalho decente e a falta de acesso à terra como 11
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condições que impulsionam, cada vez mais, a incidência do fenômeno. Como destaca Germani (2005), há que se considerar ainda as condições históricas e sociais que regularam a ocupação, com vistas à exploração do espaço agrário brasileiro. Estas não só geraram como também consolidaram uma estrutura de propriedade das mais concentradas do mundo. Por essa razão e, infelizmente, há registros de mão de obra escrava em todos os estados brasileiros. As consequências desta má distribuição de terras têm reexos diretos na prevalência do trabalho escravo no campo, como revelam os dados do MTE (2009). Estes apontam que atividades como limpeza e preparo do pasto em fazendas de criação de gado, seguido das lavouras temporárias, principalmente relacionadas ao cultivo da cana-de-açúcar, cereais, algodão herbáceo, fumo e soja, representam a maioria do trabalho escravo contemporâneo. A categoria produção orestal foi a terceira, com 11% do total de trabalhadores resgatados. (Oliveira e Germani, 2010) Por meio do relatório da CEPAL, PNUD e OIT (2008), observa-se que o Brasil tem tido alguns avanços no enfrentamento a este tipo de trabalho. Em 2003, o país adotou uma política nacional de erradicação do trabalho escravo, que incluiu o lançamento do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (PNETE) (BRASIL, 2003). No mesmo ano, houve a criação da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e a inclusão dos trabalhadores libertados no sistema de concessão de Seguro-Desemprego, por meio da Lei nº. 10.608, que passou a garantir ao trabalhador resgatado o direito de receber três parcelas do segurodesemprego, no valor de um salário mínimo cada. Conforme dados publicados no Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, BRASIL (2008), entre 1995 e 2002, haviam sido libertadas 5.893 pessoas em território nacional, ao passo que, entre 2003 e 2007, 19.927 trabalhadores em condições análogas à escravidão foram resgatados pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel. Ao se observar os registros compilados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, no documento denominado Lista Suja - cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas a de escravo - consta que, no período de 1995 a 2015, 49.816 trabalhadores foram resgatados e libertados de trabalhos em condições degradantes, sendo esse elevado número um reexo das medidas adotadas pelo Brasil para o enfrentamento de tais práticas. Em 2014, esta lista suja deixou de ser atualizada após o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) conceder liminar a pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias para suspender a divulgação. Depois de quase três anos sem ser atualizada e após uma intensa disputa judicial entre governo e Ministério Público do Trabalho (MPT), ela voltou a ser divulgada a partir de 23 de março de 2017. Vale dizer que o Governo brasileiro tem centrado seus esforços para o combate ao trabalho escravo principalmente mediante scalização de propriedades e repressão por meio da punição administrativa e econômica de empregadores agrados utilizando esse tipo de mão de obra. Porém, chama a atenção a ONG Repórter Brasil 12 R E L AT Ó R I O F I N A L
(2015) que a erradicação do problema só pode ser efetivada por meio da garantia de outros dois aspectos, quais sejam, a prevenção e a assistência ao trabalhador libertado, ambas realizadas pela adoção de políticas públicas que visem reverter a situação de pobreza e de vulnerabilidade para que o trabalhador não retorne a uma relação de exploração. Outra questão que diculta o enfrentamento a este tipo de trabalho é a invisibilidade do problema e o não reconhecimento social, já que o entendimento e a percepção sobre as novas maneiras da escravidão se manifestar ainda é um desao a ser superado, o que faz com que pouco se saiba sobre as vítimas do trabalho escravo e suas realidades de vida. O imaginário popular, quando expressa o que pensa sobre trabalho escravo contemporâneo, ainda tende a atrelar este tipo de trabalho à escravidão dos tempos da colonização, o escravo era preso, coagido e forçado trabalhar, mas sabe-se que hoje essa forma já não existe mais.
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TRABALHO ANÁLOGO A ESCRAVIDÃO NA BAHIA
A exploração e o trabalho escravo na Bahia vêm sendo constatados e denunciados, com destaque para o Oeste do estado, região onde mais frequentemente tem sido revelado este tipo de trabalho. Vale ressaltar que esta região também é, contraditoriamente, um dos maiores polos de empresas do setor rural no Brasil. Em 2003, mediante denúncia feita à Comissão Pastoral da Terra (CPT) e à Comissão de Direitos Humanos de Itaberaba (BA) 745 trabalhadores foram resgatados em ação conjunta entre o Ministério Público, a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e a Polícia Federal (PF), da fazenda Roda Velha, no município de São Desidério, localizado nesta referida região Oeste da Bahia, em condições de trabalho análogas a de escravo em lavouras de café. (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA, 2006). Infelizmente, casos como este, ainda vem se repetindo no estado. A maioria deles se concentra, especialmente à margem esquerda do Rio São Francisco, nos municípios de: São Desidério, Luís Eduardo Magalhães, Barreiras, Formosa do Rio Preto e Correntina. Esta é uma área de ocupação recente e de rápido e dinâmico crescimento econômico devido ao agronegócio, em particular à cadeia produtiva dos grãos, do algodão e do café. O oeste é caracterizado por sua grande extensão, relativo vazio demográco, enormes propriedades rurais e difíceis condições de acesso e locomoção, criando, portanto, um cenário ideal para a existência de privação de liberdade pelo isolamento geográco e presença de guardas armados. O quadro a seguir retrata o número de sujeitos resgatados nesta região, entre os anos de 2006 e 2007, um total de 525 trabalhadores escravizados. (ONG Repórter Brasil, 2008) 13
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MUNICÍPIOS
RESGATADOS
01/2006
BAIANÓPOLIS
20
03/2006
CORRENTINA
23
04/2006
BARREIRAS
05/2006
FORM. DO RIO PRETO
05
06/2006
JABORANDI
111
07/2006
SÃO DESIDÉRIO
18
08/2006
RIACHÃO DAS NEVES
30
09/2006
STA. RITA DE CÁSSIA
74
10/2006
FORM. DO RIO PRETO
06
01/2007
RIACHÃO DAS NEVES
15
03/2007
SÃO DESIDÉRIO
65
04/2007
BARREIRAS
02
156
Fonte: ONG Repórter Brasil, 2008
Entre os anos de 2003 a 2012, conforme levantamento, feito pelo grupo de pesquisa do Geografar/UFBA (2016) houve um total de 3.117 resgates realizados pelos auditores scais na Bahia. Muitos desses eventos ocorreram em fazendas na região oeste, outros foram registrados na construção civil e em atividades de distribuição de listas telefônicas em Salvador e região metropolitana e outros ainda na lavoura de café, no sudoeste do estado. Nas operações realizadas pela Superintendência Regional do Trabalho (SRTE-BA), de 2010 a 2014, foi constatado que os municípios com mais trabalhadores resgatados foram Barreiras (94), seguido de Correntina (53), Luis Eduardo Magalhães (48) e Vitória da Conquista (41). Número de Trabalhadores Resgatados em Trabalho Análogo ao Escravo (Bahia, 2003 a 2012) 1200 Trabalhadores resgatados
1000
1089
800 665
600 400
285
312
200
175
150
0
2003
2004
2005
2006
2007
106
2008
101
2009
2010
173
61
2011
2012
Fonte: Geografar/UFBA
Considerando a agregação dos municípios, conforme classicação de território de identidade, percebe-se que a libertação de trabalhadores resgatados do trabalho análogo ao escravo teve mais ocorrências em quatro territórios: Sertão Produtivo (72), Sudoeste Baiano (63), Baixo Sul (62) e Metropolitano de Salvador (47). No entanto, é importante destacar que 22 dos 27 territórios do estado tiveram ocorrência, conforme ilustração a seguir: 14
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Trabalhadores resgatados do trabalho análogo ao de escravo Bahia 2014/2016
72
Sertão Produtivo Sudoeste Baiano Baixo Sul 63
Metropolitano de Salvador Litoral Sul
22
Médio Sudoeste da Bahia
22
62 47 Fonte: SEI, 2016
Em 2014, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE, 2014) divulgou um balanço que posicionou a Bahia em quarta colocação na lista de estados com maior número de resgates de trabalhadores em situação semelhante à escravidão. Conforme o levantamento do MTE, 135 resgates foram feitos em 2013, quantidade que deixa o estado atrás apenas de Minas Gerais (446), São Paulo (419) e Pará (141). Em todo o país, no mesmo ano, foram resgatados 2.063 trabalhadores em 27.701 ações de scalização, sendo os ramos da construção civil (849), da agricultura (342) e da pecuária (276) aqueles com maior quantidade de registros. O destaque que a Bahia tem ganhado entre os estados com maior taxa de trabalho escravo, sem dúvida, deve ser correlacionado à taxa de desemprego no estado, que vem aumentando consideravelmente nos últimos anos. Conforme dados da PNAD/Contínua, IBGE (2016), a Taxa de Desocupação na Bahia que era de 10,1% no segundo trimestre de 2014, evoluiu para 15,4% no segundo trimestre de 2016, o que representa um aumento de 5,3% em dois anos. Transformando isto em números, neste período, o número de desempregados aumentou de 732 mil para 1,151 milhão, o que correspondente a mais 419 mil pessoas desocupadas. Esse aumento é bem relevante, equivalendo ao somatório das populações residentes nos municípios de Vitória da Conquista e Caetité em 2015. Sem dúvida, o fechamento de postos de trabalho e as consequentes perdas de vagas formais de emprego tem contribuído para o aumento de trabalho em situações degradantes. Além disso, ao observarmos o perl do trabalhador resgatado, percebe-se uma forte correlação com a baixa escolaridade. É importante destacar que a construção deste perl tomou por base os dados da planilha de Seguro Desemprego no período de 2014-2016, quando foram resgatados um total de 407 trabalhadores baianos. Estes dados foram trabalhados pelo grupo de pesquisa Geografar da Universidade Federal Bahia. Em complementariedade, segundo a ONG Repórter Brasil (2015), as pessoas resgatadas de trabalhos degradantes são migrantes que deixaram suas casas em
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busca de melhores condições de vida e de sustento para as suas famílias. Saem de suas cidades atraídas por falsas promessas de aliciadores, os chamados gatos, ou migram forçadamente devido à situação de muita pobreza em que vivem. Na Bahia como no restante do país, a maioria dos trabalhadores explorados é do sexo masculino, o que leva a inferir que a menor presença das mulheres entre os sujeitos resgatados se atrela possivelmente a dois fatores. Primeiramente, à invisibilidade destas nas situações de vulnerabilidade, seja por estarem acompanhando o cônjuge, seja por ocuparem funções em bordeis ou no domicílio, em situações de exploração sexual ou de trabalho doméstico forçado, espaços estes que sendo privados apresentam maior diculdade de scalização. Em segundo lugar, a vulnerabilidade de homens e mulheres à condições de escravidão se encontra sujeita a papéis sexuais estabelecidos socialmente, papeis estes que reservam aos homens as responsabilidades com a provisão nanceira da família, e as mulheres, os cuidados e a valorização da sexualidade. Entre os trabalhadores baianos resgatados entre 2014-2016, a maioria é relativamente jovem, com idade variando entre 18 e 44 anos, A faixa etária abrange toda a faixa economicamente ativa da maioridade, sendo a de 26 a 35 anos a de maior frequência (160), seguida da faixa de 36 a 50 anos (108), 19 a 25 anos (107), de 51 a 64 anos (28), até 18 anos (3) e por m a faixa de 65 anos ou mais (1). Estes dados estão ilustrados no gráco a seguir: Idade dos trabalhadores resgatados do trabalho análogo ao de escravo Bahia 2014/2016 1 3 28 Até 18 anos 107
19a 25 anos
108
26 a 35 anos 36 a 50 anos 51 a 64 anos 65 anos ou mais 160 Fonte: SEI, 2016
O maior contingente destes trabalhadores possui pouca ou nenhuma escolaridade, grande parte é analfabeta ou tem, no máximo, o ensino fundamental completo. Contudo, fugindo à regra, foi noticado nos dados levantados, dois casos peculiares de trabalhadores com nível superior incompleto. Nestes, ambos eram mulheres: uma garçonete baiana, casada, de 30 anos, que trabalhava em um navio cruzeiro e a outra, trabalhadora na cultura do café, solteira, de 25 anos. A seguir apresentamos o gráco ilustrativo da escolaridade dos trabalhadores resgatados: 16
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Escolaridade dos trabalhadores resgatados do trabalho análogo ao de escravo Bahia 2014/2016
2 37
50
Analfabeto
18
Até 50 ano incompleto
20
50 ano completo 60 ao 90 ano incompleto Fundamental completo
73
Ensino Médio incompleto
167
Ensino Médio completo 40
Superior incompleto Fonte: SEI, 2016
O predomínio da baixa escolaridade é um forte indício de que a cooptação das pessoas para trabalhos degradantes tem vinculação com uma lógica de mercado de trabalho em que pesa os altos níveis de seletividade e exclusão para pessoas de baixa qualicação escolar, tornando-as assim mais vulneráveis socioeconomicamente e mais suscetíveis ao aliciamento para trabalhos escravos. No que tange aos aspectos relacionados a raça/cor, 130 trabalhadores foram declarados de cor parda, 74 da cor branca, 73 da cor preta, 3 amarelos e 127 não tiveram a informação da raça/cor. Sabendo-se que a escravidão contemporânea está relacionada com as diversas mazelas sociais do país, ela encontra laços diretos com a história de exploração e exclusão social do negro no Brasil, já que as relações sociais e de trabalho aqui empreendidas colocam o negro em condições de maior vulnerabilidade, tornando-o, portanto, mais susceptível a vivenciar o trabalho forçado. Raça/cor dos trabalhadores resgatados do trabalho análogo ao de escravo Bahia 2014/2016 73 127
Não informado Branca Amarela Parda
130
Preta 74
Fonte: SEI, 2016
3
No estado da Bahia, como no restante do país, as ações de repressão dependem muito de denúncias, o que, em alguns casos, subnotica o problema. Outro grande desao é o da reincidência: observa-se ainda um índice relativamente alto de retorno à condição de escravidão por parte dos trabalhadores liberados, dada a ausência de políticas públicas ecazes para o combate à vulnerabilidade social. 17 R E L AT Ó R I O F I N A L
Buscando tornar mais efetivo o enfrentamento do problema, em 2007 o estado lançou a Agenda Bahia do Trabalho Decente e, a partir dessa iniciativa, a erradicação do trabalho escravo ganhou prioridade na atuação do Governo do Estado. Como consequência, em 2009, foi criada a Comissão Estadual de Combate ao Trabalho Escravo – COETRA/BA. Posteriormente, em 2011, foi sancionado o Decreto que instituiu o Programa Bahia de Trabalho Decente, que abarca o Plano Estadual de Combate ao Trabalho Escravo. Este Plano se divide em 03 áreas prioritárias: prevenção, repressão e apoio ao atendimento às vítimas. Este último ponto, cuja atuação prioritária reside na ação de políticas públicas, é ainda um grande desao a ser superado no Estado, já que não existe, até o presente momento, uma política pública especíca para o atendimento dessas vítimas. Outro importante passo que a Bahia tem dado no enfrentamento ao trabalho análogo ao escravo é a implantação do Projeto Ação Integrada que tem como objetivo conjugar esforços para promover a modicação social, educacional e econômica dos resgatados e vulneráveis a esse tipo de trabalho, tomando por base o modelo implementado em Mato Grosso, replicando e adequando essa iniciativa nos municípios do estado que queiram aderir ao movimento. Hoje, além do Mato Grosso e da Bahia, o Projeto Ação Integrada também está sendo executado no Rio de Janeiro. (Movimento Ação Integrada, 2016)
3
TANHAÇU E ITAMBÉ: MUNICÍPIOS DE ORIGEM DOS EGRESSOS DO TRABALHO ANÁLOGO A ESCRAVIDÃO NO ESTADO DA BAHIA
A Bahia contabilizou, entre os anos de 2014 a 2016, 407 trabalhadores resgatados do trabalho análogo ao de escravo, sendo 242 no primeiro ano, 159 em 2015 e 6 no ano de 2016. Conforme esse mesmo levantamento, os municípios de maiores ocorrências de trabalhadores resgatados foram Tanhaçu, Aracatu, Salvador e Itambé. Tanhaçu é município que aparece no primeiro lugar da lista de municípios que origina mão-de-obra escrava para outros lugares, com 58 trabalhadores resgatados, e Itambé ocupa o 4º lugar no ranking, com 20 trabalhadores resgatados, de acordo com dados da SEI em 2016. Apesar de ser o 4ª da lista, a incidência de casos de resgates de trabalhadores naturais de Itambé tem sido contínua, por isso a escolha do município para se desenvolver as ações do Projeto Ação Integrada. Vale ressaltar que os dados não nos permitem armar que os municípios de origem são os mesmos locais de aliciamento ou contratação. A seguir pode-se visualizar os 10municipios com maior incidência desse problema:
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R E L AT Ó R I O F I N A L
Municípios com mais ocorrências dos trabalhadores resgatados do trabalho escravo Bahia 2014/2016
Tanhaçu Aracatu 58 Salvador Itambé Teilândia 40 Serra do Ramalho
12
Taperoá
13
Camaçari
27
15 16 17
Brumado
20 19
Feira de Santana Fonte: SEI, 2016
4
CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA E DEMOGRÁFICA DOS 2 MUNICÍPIOS
TANHAÇU Tanhaçu é um município do estado da Bahia, com população de 20.013 habitantes (IBGE/Censo 2010) e com população estimada, em 2016, de 21.299 habitantes. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,577 (Atlas Brasil, 2013), considerado médio desenvolvimento econômico e qualidade de vida oferecidos à população. O PIB do município para 2013 foi de R$191,104 milhões. (fonte: http://www. deepask.com/goes?page=tanhacu/BA-Conra-o-PIB---Produto-Interno-Bruto--no-seu-municipio) Outros dados sociodemográcos do município podem ser visualizados a seguir: Densidade populacional
16,1 habitantes por Km2
IDI (2004)
0,536
Taxa de analfabetismo 15 anos ou mais - 2010
25,9%
Renda per capita
R$ 266,78
Incidência de podreza
41,79%
Indice Gini
0,38
A comunidade se originou em meados do século XVIII, em virtude da expedição comandada pelo bandeirante André da Rocha Pinto, que se estabeleceu na região pela alta fertilidade dos solos, desenvolvendo a agropecuária. O nome do município vem da língua Tupi-Guarani, cujo signicado é 'Porco Grande', pois seu território era primitivamente habitada por índios e nele existia grande quantidade de porcos. (IBGE, 2010) 19
R E L AT Ó R I O F I N A L
Apesar da ocupação pelos índios, o distrito só foi criado em 1935, pela Lei Estadual n° 9.321, e o município em 22 de setembro de 1961 pela Lei Estadual n° 1.676, com território desmembrado de Ituaçu. Atualmente Tanhaçu possui quatro pequenos povoados: Sussuarana, Ourives, Várzea da Pedra e Laços. Ele é um município típico do interior nordestino, sobrevivendo da agricultura, da pecuária e do comércio. É ligado pelas rodovias BA-030 e BR-116 à capital do estado e às regiões nordeste e sudoeste do país. O município sofreu certo progresso pelo intercâmbio comercial ocorrido, principalmente, com os municípios de Brumado, Vitória da Conquista e Jequié, a partir da pavimentação e do asfaltamento das rodovias acima referidas, mas este não foi suciente para sua autonomia. Sua estrutura fundiária é formada por pequenas propriedades, não existindo a herança de grandes latifúndios. Esta característica provavelmente tem ligação com lugar que o município ocupa no ranking de municípios celeiros de mão de obra escrava já que, por não possuir extensos latifúndios - pelo contrário, boa parte do seu território é formada por pequenas propriedades de terras – isto faz com que o pequeno agricultor, pelas adversidades climáticas e condições econômicas, não consiga sua subsistência e migre para trabalhar em regiões de grandes fazendas no Sudoeste ou Oeste do Estado ou até mesmo fora da Bahia, submetendo-se a condições de exploração. Ao se analisar outros dados do município também se pode perceber algumas possíveis condições que levam os trabalhadores a serem cooptados para as formas contemporâneas de escravidão. Conforme a PNAD (2015) a taxa de desocupação no município era de 8,3% e a taxa de formalidade era de 21,2%. No mesmo ano, a quantidade de trabalhadores/as com jornada superior a 44 horas semanais foi de 23,6%. O nível de ocupação entre pessoas com idade entre 14 e 15 anos foi de 15,6%, sendo que não houve, em 2015, nenhum jovem aprendiz. Além disso, 21,4% dos jovens do município nem estudavam, nem trabalhavam. A administração pública foi responsável por 50,3% (642 de 1.276) dos empregos formais no município. Em setembro de 2016, haviam 3.422 de famílias beneciadas pelo Programa Bolsa Família, e nenhuma matrícula no PRONATEC em 2015. Neste mesmo ano de 2015 o IDEB da 8ª série/9º ano caiu para 3,5, quando em 2013 era de 4,4. Quanto ao nível de instrução, 7,8% da população local possui muito baixa escolaridade, tendo, no máximo, o fundamental incompleto. Baixa escolaridade, redução do IDEB, ausência de incentivo a prossionalização, poucos empregos formais, alta taxa de desemprego e jornada de trabalho excessiva evidenciam as condições atuais de Tanhaçu, condições estas que favorecem a saída do trabalhador da sua cidade de origem em busca de ocupações ou falsas promessas de melhores condições de vida em outras localidades. 20
R E L AT Ó R I O F I N A L
ITAMBÉ Itambé é um município pertencente à microrregião de Itapetinga, no estado da Bahia, com área é de 1.469,597 km² e habitada por 23.089 pessoas (IBGE 2010). O índice de desenvolvimento humano (IDH) do município é 0,578, índice este considerado de médio desenvolvimento. (Atlas Brasil, 2013). O PIB do município para 2013 foi de R$169,906 milhões. (fonte: http://www. deepask.com/goes?page=tanhacu/BA-Conra-o-PIB---Produto-Interno-Bruto--no-seu-municipio) Outros dados sociodemográcos do município podem ser visualizados a seguir: Densidade populacional
16,41 habitantes por Km2
IDI (2004)
0,396
Taxa de analfabetismo 15 anos ou mais - 2010
24,8%
Renda per capita
R$ 288,00
Incidência de podreza
60,04%
Indice Gini
0,38
A comunidade teve origem a partir do Povoado do Verruga, que pertencia ao município de Vitória da Conquista até 1927. De acordo com a Lei Estadual nº 2.042 de 12 de Agosto de 1927 o povoado do Verruga adquiriu a sua emancipação política, sendo elevado à categoria de Vila com o nome de Itambé, pelo Sr. Góes Calmon, que foi o Governador da Bahia na época. A palavra “Itambé” é de origem tupi e signica “Pedra Aada”, através da junção de i'tá (pedra) e aim'bé (aada). No dia 1º de Janeiro de 1928 foi instalada e inaugurada a nova Vila de Itambé, sendo empossado o Órgão Legislativo local e o primeiro prefeito, o coronel Hygino dos Santos Melo. Após 10 anos, através do decreto de Lei nº 11.089, o município de Itambé desmembra o distrito de Itapetinga que pertencia ao município de Vitória da Conquista. Em 1948 iniciou-se a povoação do distrito de Catolezinho, numa área doada pelo então vereador e fazendeiro, o Sr. Cassiano Fernandes Ferraz e em apenas nove meses foram edicadas uma média de 300 casas. Assim, Catolezinho de tornou o primeiro distrito e Itapetinga, o segundo. Além destes Itambé possuía ainda os distritos de Arraiás de Sapucaia, Palmares e Bandeira. Em 12 de dezembro de 1952, Itambé perdeu o distrito de Itapetinga quando este foi emancipado politicamente. A economia de Itambé é baseada principalmente na pecuária, agricultura, extração mineral e indústrias de pequeno porte, sendo o destaque a pecuária com rebanhos de bovinos, equinos, suínos, ovinos e aves. As culturas agrícolas mais fortes são: feijão, mandioca, milho e banana. O comércio é baseado principalmente nas vendas a varejo. Na mineração se extrai berilo, calcário e cristal de rocha. A cidade também possui indústrias de selaria, capotaria, olaria e sapataria. 21
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Pessoas ocupadas por setor - 2007 a 2013 2013 Agricultura
295
320
316
347
356
361
392
Comércio
83
85
114
136
124
128
159
Indústria
676
718
764
814
866
754
151
Serviços
851
1062
1132
1280
1163
1146
1251
Fonte: IBGE, Cadastro Central de Empresas 2014
Conforme dados do Censo Educacional 2007 – 2013, INEP (2013) Itambé possui o IDEB crescente nos anos observados, passando de 2,2 pontos em 2007 para 2,9 em 2013, denotando pequeno crescimento e mantendo este índice em um patamar muito baixo, abaixo inclusive da sua própria meta, da média do estado e, por consequência, muito abaixo também da média do país. Esta defasagem pode ser observada no quadro a seguir:
Pessoas ocupadas por setor - 2007 a 2013 2007
2009
2011
2013
Itambé
2,2
2,1
2,3
2,9
Meta municipal
2,3
2,5
2,8
3,3
Bahia
2,8
2,9
3,1
3,2
Brasil
4
4,4
4,7
4,9
Fonte: IBGE, Censo Educacional, INEP 2013
Como se pode observar os dados sociodemográcos de Tanhaçu e de Itambé não diferencem muito entre si. Ambos são municípios de pequeno porte, que sofrem com a pobreza, com a falta de oportunidades e perspectivas no mercado formal de trabalho, com índices de escolaridade e de desempenho escolar muito baixos o que, por sua vez, se interconectam com a alta incidência de pessoas, na sua população, que se submetem ao trabalho análogo ao de escravo.
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R E L AT Ó R I O F I N A L
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ATLAS BRASIL. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/PNUD. 2013. Consultado em Novembro de 2016. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Fiscalização e Combate ao Trabalho Escravo. Disponível em: http://trabalho.gov.br/scalizacaocombate-trabalho-escravo. ________. Ministério do Trabalho e Emprego. Cadastro de empresas e pessoas autuadas por exploração do trabalho escravo. 20103-2016. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/trab_escravo/ portaria-do- mtecria-cadastro-de empresase-pessoas-autuadas-por-exploracao-do-trabalhoescravo.htm _________. Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo. Brasília: MTE, 2011. _________. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. II Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo / Secretaria Especial dos Direitos Humanos. – Brasília : SEDH, 2008. CEPAL; PNUD; OIT. Emprego, desenvolvimento humano e trabalho decente: a experiência brasileira recente. Brasília, 2008. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Populacional 2010. Consultado em 06 de outubro de 2016. OIT - Organização Internacional do Trabalho - Escritório no Brasil. O que é trabalho decente? 2011. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/ content/o-que-e-trabalho-decente. Acesso Outubro de 2016. OLIVEIRA, G. E GERMANI, G. Caracterização e incidência do trabalho análogo a escravo no estado da Bahia. Bahia anál. dados, Salvador, v. 20, n. 2/3, p.255-271, jul./set. 2010. OLIVEIRA E GERMANI et al. Trabalho análogo a escravo na Bahia (Brasil): uma condição real. VII Jornadas Interdisciplinarias de estudios agrarios y agroindustriales. Facultad de Ciencias Económicas, UBA. 2011. ONG REPÓRTER BRASIL. Dados sobre trabalho escravo no Brasil. Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/dados/trabalhoescravo/. Acesso Novembro de 2016. 23
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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. Código Penal. DECRETO-LEI No2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. PROJETO AÇÃO INTEGRADA. Disponível em: http://www.acaointegrada.org/bahia/. Acesso em Novembro de 2016. REPORTER BRASIL; ESCRAVO, NEM PENSAR! O ciclo do trabalho escravo contemporâneo. São Paulo, 2015. SALES, J.; FILGUEIRAS, V. A. Trabalho análogo ao escravo no Brasil: natureza do fenômeno e regulação. CESIT/UNICAMP e Ministério do Trabalho. 2013. SECRETARIA DO TRABALHO EMPREGO RENDA E ESPORTE – SETRE. Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em: http://www2.setre.ba. gov.br/trabalhodecente/guia_trabalho_escravo.asp. Acesso em Outubro de 2016. SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS SOCIAIS E ECONÔMICOS DA BAHIA - SEI. Trabalhadores resgatados do trabalho
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Pesquisa de campo nos 2 municĂpios integrantes do projeto
INTRODUÇÃO 2007
2008
2009
2010
2011
2012
Na perspectiva de fazer um diagnóstico circunstanciado da situação do Trabalho análogo ao Escravo nos município de Tanhaçu e Itambé, foi realizada a coleta de dados primários, escutando de forma qualicada diferentes atores sociais dos referidos municípios, mediante entrevistas coletivas e individuais. A visita aos municípios se deu entre os dias 06 a 10 de março de 2017, na qual foram realizadas algumas atividades dentre as quais destacam-se: audiência pública com autoridades locais, entrevistas individuais e coletivas com representantes do poder público municipal e técnicos da educação, assistência social e saúde; representantes de sindicatos; do comércio local, de associação quilombola, lideranças locais. Além destas, houve a realização de um grupo de escuta com trabalhadores em situação de vulnerabilidade e ou submetidos a condições análogas à escravidão em Tanhaçu e entrevistas individuais com trabalhadores resgatados do trabalho análogo à escravidão em Itambé. A receptividade e validação da pesquisa de campo foi grande, tanto por parte da gestão municipal, quanto por parte dos trabalhadores, das lideranças, dos técnicos das secretarias, professores e outros atores entrevistados. A maioria reconhece a necessidade de ações que venham contribuir com a melhoria das condições de vida da população, principalmente ligada à geração de emprego e renda para que os trabalhadores permaneçam no município.
1
RELATÓRIO DA VISITA À TANHAÇU
Consultores responsáveis: Ivanna castro e Glaucia Lara Borja Número de entrevistados: 42 A coleta de dados, em Tanhaçu, foi realizada na sede do município e em um pequeno povoado quilombola denominado Tucum, no distrito de Suçuarana. A seguir apresenta-se tabela com a relação dos sujeitos entrevistados: SEGMENTO
Nº DE ENTREVISTADOS
Autoridades locais (prefeito e secretários municipais)
6
Agentes públicos (Educação, Saúde e Assistência)
15
Representantes da Polícia Civil
1
Representantes de Sindicatos Rurais
2
Representante da Comunidade Quilombola
10
Representantes dos Trabalhadores Rurais
6
Conselheiros Tutelares
2
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R E L AT Ó R I O F I N A L
1.1
A PERCEPÇÃO DOS ENTREVISTADOS: a) Visão dos entrevistados sobre trabalho análogo à escravidão
De um modo geral a visão dos entrevistados sobre o conceito de trabalho análogo a escravidão condiz com o que é acordado na normativa sobre a temática e suas características. Os entrevistados, por exemplo, conceituam que trabalho análogo ao de escravo é “quando as pessoas trabalham em situações precárias, muitas vezes sem remuneração”; ou “é o trabalho de exploração que aproveita do ser humano que tem necessidade”; ou “é o trabalho irregular, sem direitos e muitas vezes forçado”; ou “é o trabalho sem condições dignas, com muitos maus tratos”; ou “são pessoas que são colocadas para trabalhar sem condições de trabalho e em situação de risco” ou “eu entendo como sendo todo e qualquer trabalho que seja desumano e exagerado” ou “quando sai com uma promessa de trabalho, e quando chega lá é outra coisa” ou “tem pessoas que ficam presas por dívidas e mulheres que são até exploradas sexualmente”, ou “vão crianças também, 10 / 11 anos botam para trabalhar, por volta das 14 horas, o povo da fazenda vinha chamar e tinham que sair correndo para tomar banho, pegar os cadernos porque vinha a fiscalização, no ano passado essa fazenda foi multada, tinha muita coisa errada” ou “hoje já melhorou muito, já tem casa para os trabalhadores ficarem, eles já dão mais suporte, antigamente as crianças iam e já teve até caso de morte por picada de cobra”. As considerações dos participantes sobre trabalho escravo contemporâneo, de uma forma geral, seguiram a linha do reconhecimento da falta de condições decentes de trabalho, da exploração da mão de obra e da ausência de direitos que tais práticas se amparam. As opiniões evidenciam um alinhamento conceitual, por parte dos entrevistados, com as situações que resultam no trabalho análogo a escravidão dispostas na legislação. b) Sobre a existência do problema no município Todos os entrevistados relatam estar cientes da saída dos trabalhadores para outros municípios, principalmente, para a colheita do café. Contudo, desconheciam que Tanhaçu, atualmente, ocupa o primeiro lugar no ranking de municípios de origem de trabalhadores resgatados em trabalhos análogos a escravidão na Bahia. A grande maioria entrevistada tem consciência de que a colheita do café é um trabalho que exige muito esforço físico e, em algumas fazendas, as condições de alojamento são ruins. O transporte até a chegada ao local é perigoso, já que é feito em ônibus clandestinos, em vias alternativas para evitar a scalização, ocorrendo muitos assaltos no percurso. A alimentação é de responsabilidade do trabalhador e o frio é intenso. Conforme relato de uma trabalhadora rural entrevistada que dividiu sua experiência na colheita do café em Minas: “Eu trabalhei na colheita do café em Minas Gerais. É um trabalho muito sofrido. O patrão manda os ônibus vir nos buscar, vamos pra lá nesses ônibus clandestinos. É bem perigoso, porque o ônibus quebra no meio do caminho, as vezes rola assalto. Já demorei 3 dias para conseguir chegar
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R E L AT Ó R I O F I N A L
lá em Minas. Chegando lá o patrão não dá comida, temos que fazer nossa marmita, acordamos 4 horas da manhã para cozinhar e dividimos a comida com os outros. Para ganhar depende da nossa produção. Às vezes eu não alcanço os pés mais altos porque sou baixinha. Quando eu vou, passo 3 meses e volto, deixo minha filha com minha mãe, e vou com meu marido. Esse ano eu vou de novo”. Outro trabalhador diz: “andei indo para Minas Gerais, é muito arriscada a viagem. Para comer dão 5 reais por dia para a despesa, aí a gente compra e é a gente mesmo quem faz. Se o sindicato não pegasse eu gostaria de voltar. Só não iria se aqui tivesse água, que aí tem como a gente trabalhar para a gente mesmo, mas nesse período sem chuva tá tudo parado e é por isso que tá todo mundo saindo para fora”. Um agente público local informa que “sazonalmente, quando vão para Minas Gerais, acabam levando pessoas em péssimas condições de alojamento. Algumas fazendas oferecem condições, mas outras, são precárias. A maioria originária da zona rural, mas devido o desemprego, também pessoas da cidade vão para manter suas famílias. Na realidade, aqui, as pessoas tem educação atrasada, não tem interesse em cursos profissionalizantes, pela baixa escolaridade." Outro trabalhador complementa trazendo mais detalhes sobre como é esse trabalho na colheita do café: “os donos das fazendas procuram alguém daqui, chamam as pessoas e levam de lotação. Algumas fazendas tem condições, outras não. Já voltei antes de terminar o trabalho. As condições eram muito ruins, apanhava caixas de feira para por o colchão em cima, banho frio... Comida, a gente chega, o dono da fazenda vai no mercado e abre a conta, a gente compra toda feira e quando acaba a colheita a gente paga. Mas tem fazendas boas, no ano passado foi ótimo, cama, tv, banheiro bom. Se precisasse ir para a rua, o dono da fazenda levava a gente.” c) Fatores determinantes do problema; A quantidade de pessoas que saem de Tanhaçu para trabalhar em outros municípios é bastante expressiva e acontece de forma recorrente a cada ano. A grande maioria das pessoas vai para os estados de Minas Gerais e São Paulo, para trabalhar tanto na colheita do café como na construção civil. As razões para a recorrência deste uxo de saída em busca de trabalho passa por algumas questões estruturantes que vão desde ao enfrentamento da seca no município à uma cultura enraizada de trabalho sazonal em fazendas de café. O município de Tanhaçu está convivendo com uma longa estiagem, e, por conta disso, teve decreto de emergência reconhecido em setembro de 2016. Na cidade, 49,4% são prejudicados com a seca, ou seja, 10,5 mil dos 21,3 mil habitantes. Atualmente, o município conta com o apoio do Governo Federal que, juntamente com o exército, distribui água em caminhões pipa. Contudo, a qualidade desta água é bastante criticada pelos usuários, que alegam ser salobra, não sendo adequada para o consumo. O agravamento da crise hídrica tem trazido consequências diretas para a subsistência das pessoas no município, uma vez que provoca incapacidade de realizar
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plantações ou criação de animais. A agricultura familiar e os pequenos produtores rurais estão sendo afetados diretamente e incapacitados de produzirem em suas terras. Além disso, o município não se torna atrativo para a implantação de fábricas ou de outras alternativas de geração de emprego e renda, já que vive em constante racionamento de água. Fala de um trabalhador: “O serviço aqui na roça não tem, não tem mais como plantar, não tem mais como passar o dia na roça. O grande problema é água, toda água que vem, vai embora, porque não temos uma barragem.” “Com um sol deste e uma crise dessa, até a palma já está morrendo”! Os agentes públicos complementam, armando: “Infelizmente o município não oferece muitos empregos, aqui não tem uma fábrica, uma indústria. A Prefeitura é a única que oferta trabalho, mas não dá para empregar todo mundo. Na época da construção da ferrovia oeste-leste muita gente daqui foi empregada, e agora que terminou e as pessoas voltaram a ficar sem trabalho” "A realidade aqui, não tem empresa nem indústria que possa oferecer força de trabalho, os empregos oferecidos aqui são no comércio local e prefeitura e na zona rural. Aqui tem plantação da cultura da subsistência; feijão, milho, mandioca e agro pecuária com ovinos, bode e carneiro, boi e criação de galinha caipira. Tem plantação de maracujá na área que beira o rio. Mas, muitas regiões já estão sem água para consumo e se não chover entraremos com a solicitação de estado de calamidade, pois faltará água para o consumo humano.” "Existe um convênio com o exército para abastecimento de água, mas a partir de janeiro tem uma portaria do ministério que precisa ter um controlador, o qual não é centralizado e muitas pessoas não tem como vir buscar. Fizeram um levantamento que a população tem diminuído, mas devem ter feito este levantamento em época de colheita, quando diminui significativamente o número de moradores na zona rural. Tínhamos 21 caminhões e hoje apenas 11 abastecem o município, está piorando o atendimento, a última chuva foi em janeiro de 2015.” “A Embasa cobra caro pela água imprópria para consumo. A água fornecida é salobra, é importante a atuação do Ministério Público, mas nem parece que o promotor mora na cidade." Outro grande fator que impulsiona a saída dos moradores está atrelado à cultura de trabalho nas fazendas de café, que provoca intensa saída de trabalhadores rurais à procura de renda em outros locais. Alguns dos entrevistados relataram que muitas pessoas optam por ir trabalhar nas fazendas de café em razão do período de trabalho se resumir de 3 a 4 meses por ano e também porque, ao retornar, os trabalhadores têm dinheiro para adquirir bens materiais como motos, eletrodomésticos, fazer construção ou reforma de casa entre outras formas de melhoria das condições de vida, e ainda sobra dinheiro o suciente para poder sobreviver o resto do ano.
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Os trabalhadores informam: “As casas das pessoas que vão trabalhar em Ibiraci são tudo luxuosas, trabalham de 3 a 4 meses e depois passa o ano sem precisar trabalhar. Voltam com muito dinheiro, uns com 15 mil reais ou mais”. “Com a falta de água, o jeito é ir para as colheitas, se tivesse irrigação eu plantaria. Porque não tem coisa pior que você arriscar a vida! Já fui assaltado uma vez no ônibus, levou tudo, documentos e tudo. Os ônibus são clandestinos, eles não vem pela estrada por causa da policia. Vem por dentro e volta com tudo, animais, passarinhos dentro das malas, para a fiscalização não pegar e alguns acabam morrendo. Fora o perigo com cobras nas plantações que a gente não vê e é todo tipo de cobra perigosa. ” “Comecei a ir desde pequeno com meus pais, nem lembro a idade, mas quando eu era pequeno não trabalhava não...por agora não vou voltar não, quero ver o São João daqui que eu nunca vi, só ouço falar das barraquinhas, E neste mandato consegui um trabalho para cuidar do ginásio de esportes”. Os agentes públicos corroboram as informações dizendo: “Para não arriscar se haverá chuva e correr o risco de perder o plantio, as pessoas vão porque o trabalho lá é certo. O trabalhador rural quer sobreviver, tendo para a subsistência e viver com o suor do corpo, este é o lema do sertanejo... Não muda, porque aqui, não há trabalho.” "Os motivos são a seca e a falta de trabalho. O grande problema é garantir como irão passar o ano. Lá quem imprime o ritmo de trabalho são eles, pois ganham de acordo com a produção. Eles aplicam bem o dinheiro quando retornam, as casas são confortáveis, tem tudo. As casa são bem equipadas, com aparelhos eletrônicos, televisão a cabo, carro, moto." “O município está sem bolsa estiagem, pois o prefeito anterior não homologou em 30/11/2016 junto a Secretaria Estadual da Agricultura, por ter perdido a eleição, mesmo com a Câmara dos Vereadores sinalizando o prazo.” d) Períodos em que mais os trabalhadores saem do município O período de saída dos trabalhadores do município de Tanhaçu em busca de trabalho se dá, em geral, na época da colheita do café, que acontece entre os meses de maio a setembro. Estima-se que saem em torno de 5.000 pessoas ou mais, em ônibus clandestinos, para as cidades de Barra da Estiva, Cascavel e especialmente para o município de Ibiraci em MG. Prevalecem, entretanto como estados que mais recebem trabalhadores baianos Minas Gerais e São Paulo. “As pessoas começam a sair aqui no mês de maio até junho. Sai ônibus e mais ônibus para levar o povo para Minas. A maioria vai para Ibiraci, quase não fica ninguém por aqui. Lá paga barato mas que jeito! Paga por produção, dependendo do café e do dia que mais pega, a gente ganha 40 reais, no dia que pega menos o ganho é de R$ 25.”
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Vale destacar que, conforme informações de moradores, alguns pequenos povoados de Tanhaçu cam completamente esvaziados neste período. Diretores de escolas também relataram que cerca de 40% a 50% dos alunos se evadem das escolas durante a colheita do café, seja para trabalhar, seja para acompanhar suas famílias. A alternativa que as escolas encontraram para lidar com esse problema foi a de fazer uma espécie de reforço e avaliações extras para recuperar as unidades perdidas, de modo a garantir que o aluno, ao retornar ao município, permaneça na escola. Infelizmente, por conta da grande evasão neste período, há prejuízos para o IDEB do município. “De 40 alunos, a sala fica com 10 a 15. Às vezes, enquanto escola, nos sentimos tão impotentes! Já fizemos palestras de conscientização, mas não conseguimos ir contra a sobrevivência. Já é uma cultura a colheita. Você percebe neles, que se tiverem uma alternativa eles querem ficar, mas por outro lado, querem ter uma boa qualidade de vida, além da sobrevivência, claro, querem ter moto, arrumar a casa. Eles querem só o ensino médio: 70% desta escola não pensa em seguir os estudos.” 1.2
AS TRAJETÓRIAS DOS TRABALHADORES EGRESSOS DO TRABALHO ANÁLOGO A ESCRAVIDÃO a) Quem são esses sujeitos
Ao analisar a planilha do Seguro Desemprego, entre os anos de 2014 e 2016, observa-se que 81 vítimas de trabalho análogo ao escravo resgatadas na Bahia eram naturais do município de Tanhaçu. A maioria foi resgatada no ano de 2015- 58 sujeitos resgatados, em sua maioria, nas colheitas de café. Das 81 pessoas resgatadas, 60 são do sexo masculino e 21 do sexo feminino. 45 delas possuem estado civil solteiro; 27 casado e 9 não classicado. Quanto ao grau de instrução, 7 pessoas eram analfabetas; 60 possuíam o Ensino Fundamental incompleto; 4 possuíam o Ensino Médio incompleto; 9 possuíam o Ensino Médio Completo e 1 possuía o Superior incompleto. As pessoas resgatadas do município de Tanhaçu eram, exceto 3 delas, majoritariamente provenientes do meio rural do município. Na visão dos entrevistados, o problema atinge ambos os sexos: desde jovens de 17 anos à adultos de 50 anos. Só não vão os aposentados. Muitas crianças acompanham os pais, pois eles não têm com quem deixar, embora essas crianças não trabalhem, devido ao aumento da scalização e o conhecimento que trabalho infantil é crime. Armam que geralmente a escolaridade é baixa. b) Situação atual dos resgatados Em Tanhaçu não foi possível identicar nenhum trabalhador resgatado porque, durante a visita aos órgãos públicos, fomos informadas que a antiga gestão destruiu diversos documentos da prefeitura. Apenas um computador cou com alguns registros, pois o funcionário não permitiu que mexessem. 32
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Ao conversar com a coordenadora do CREAS, a mesma conrmou não ter cado nenhuma pasta no arquivo, assim como no CRAS. Restou apenas uma lista com os nomes das pessoas que estavam sendo acompanhadas, mas sem nenhum histórico. Assim, conversamos apenas com trabalhadores que continuam a ir para as colheitas, por ser o modo de sobrevivência que encontram. Eles temem a scalização, por não terem outro tipo de oportunidade de trabalho para garantir o sustento. Temem também a denúncia, porque o proprietário que é denunciado não contrata mais as pessoas da região. Todos os que foram entrevistados disseram que as condições melhoraram diante do que era antes trabalhar na colheita. Já possuem alojamento, mas às vezes se deparam com locais precários, além de enfrentarem o risco da viagem nos ônibus clandestinos. A seguir alguns depoimentos dos agentes públicos entrevistados que apontam para outros perigos a que estão submetidos os trabalhadores de Tanhaçu: “Existe o chamado gato para Minas Gerais e para Barra da Estiva. Os trabalhadores voltam das colheitas com a vida mas com problemas cancerosos: 80% de mortes por câncer devido ao uso do agrotóxico. Primeira coisa necessária é o trabalho educativo com os trabalhadores, agricultores familiares e juventude para conscientizar o nosso trabalhador." "Gostaria de fazer um apelo: a comunidade de Laços, vive um problema sério de esquistossomose, não podem utilizar a água de lá e bebem a água de um poço. A SEDES disse que está fazendo a análise ambiental para colocar água lá, mas não temos retorno. Já me disseram até que os documentos sumiram. As pessoas sofrem muito com a carência, ficam doentes, abandonados por falta de água"! 1.3
APONTANDO CAMINHOS: PROPOSTAS PARA O ENFRENTAMENTO DO PROBLEMA
No decorrer das entrevistas, foi uníssona a necessidade da construção de uma barragem e reservatórios de água. Todos os entrevistados falaram dos impactos da seca, como empecilho para geração de trabalho, tanto na implantação de indústrias, quanto, a péssima qualidade da água fornecida, que não pode ser utilizada para as plantações e nem animais. Fazendo com que mais pessoas saiam para as colheitas. “Com a seca deste ano, vai aumentar o número de trabalhadores para as colheitas, até pessoas da cidade irão.” “A terra é boa, precisa saber o que plantar e como cuidar. è preciso ensinar o que plantar naquela região, para não perder toda a roça com a falta de água." Não foi identicada nenhuma ação no município que ofereça prevenção ao trabalho escravo e proteção ao trabalhador resgatado. Conforme assessoria da prefeitura, por enquanto, não há nenhuma ação para o enfrentamento da problemática no município, já que a gestão ainda está se iniciando. Somado a isto, antes da visita da Avante ao município, a gestão desconhecia que Tanhaçu está entre os municípios na Bahia que mais origina mão de obra escrava para outras cidades. Neste sentido, a 33
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visita teve um caráter muito importante, pois subsidiou o município com informações até então desconhecidas. Mediante a coleta de informações com os agentes públicos, as ações existentes são do CRAS, para geração de renda através de cursos como manicure, cabeleireiro, confecção de doces e salgados. Iniciaram também aulas de crochê e, no término das capacitações, todas saem com um kit para iniciarem o trabalho. A coordenadora do CREAS pensa em construir uma horta comunitária com as beneciárias, plantando hortaliças e frutas para subsistência e, caso a produção cresça, pensa em distribuir para comercialização na feira. Outra expectativa de todos é a chegada de alguma indústria. “Não há miséria, ninguém passa fome, mas há necessidade. Tem bairros bem pobres, sempre tem homens na praça esperando ofertas de bicos, muitas mulheres ajudam a renda familiar com seus dotes culinários, vendendo doces e salgados.” “Os umbus, eles pegam verdes ainda e vendem para fora, quando poderiam ficar aqui para fazer doces. As vezes nessa tirada de umbu, derrubam o pé e não plantam de novo.” Conforme as informações coletadas, é muito importante ampliar as oportunidades de trabalho, emprego e renda no município, através de cooperativas, associações para comercializar o artesanato produzido, implantação de indústrias, fortalecimento das famílias, elevação da escolaridade fortalecendo o sentido da escola, fortalecimento da agricultura familiar, fortalecimento do SGD para realizarem ações articuladas no combate ao TE. “Trazer escolas técnicas voltadas para o setor agrícola para capacitar jovens, orientando o sistema produtivo no meio rural. “
2
RELATÓRIO DA VISITA À ITAMBÉ
Consultores responsáveis: Jose Humberto Silva e Judite Amélia Lago Dultra Nº de entrevistados : 65 pessoas A coleta de dados em Itambé foi toda realizada na sede do município. A seguir apresenta-se tabela com a relação dos sujeitos entrevistados. SEGMENTO
Nº DE ENTREVISTADOS
Autoridades locais (prefeito e secretários municipais)
11
Agentes públicos (Educação, Saúde e Assistência)
41
Trabalhadores resgatados
02
Esposa do trabalhador (em situação de trabalho análogo ao escravo)
01
Representante da Pastoral da Família
01
Representantes de Sindicato
04
Técnicos SINE-BA
04
Técnico da ADAB - Associação de Defesa Agropecuária da Bahia
01
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2.1
A PERCEPÇÃO DOS ENTREVISTADOS: a) Visão dos entrevistados sobre o trabalho análogo a escravidão
De modo geral os entrevistados compreendem o conceito de trabalho análogo a escravidão, descrevendo-o como: “trabalho em condições subumanas” ou “trabalho sem as mínimas condições de dignidade: higiene, alimentação e direitos”; ou “trabalho com baixa remuneração, menor do que o salário mínimo, sem carteira assinada ”; “ com jornada de trabalho exaustiva”. Os representantes do sindicato dos trabalhadores rurais resumiram a questão, conceituando o trabalho escravo como “aquele em que a pessoa tem seus direitos violados como ser humano e como trabalhador.” Consideram difícil caracterizar o trabalho como análogo à escravidão porque o trabalhador não é forçado a trabalhar nessas condições. Pontuaram que “o trabalhador não vê a falta de direitos como um problema.” Outros entrevistados, entretanto, levantaram dúvidas sobre o que é trabalho análogo ao de escravo, questão que foi posteriormente esclarecida pelos consultores. b) Sobre a existência do problema no município. Na consulta aos atores locais sobre a existência de trabalhadores de Itambé que se submetem ao trabalho análogo a escravidão, realizada mediante entrevistas, grande parte deles reagiu com estranheza, dizendo desconhecer a existência de trabalhadores de Itambé submetidos à condição de trabalho análogo ao de escravo, embora todos conheçam famílias vivendo em condições precárias, sobretudo as que vivem e trabalham no campo - com alto grau de vulnerabilidade. Contudo, aos poucos, os depoimentos foram emergindo casos de trabalhadores que saem do município em busca de emprego. Os agentes públicos da educação relataram alguns fatores que contribuem para a saída dos trabalhadores de Itambé: “o município tem um solo fértil mas que Itambé está situado numa região de pecuária . Para um professor, “ a pecuária é uma atividade que favorece apenas ao dono da terra porque emprega pouca gente”. O representante da Pastoral da família, em seu depoimento, ilustrou o problema ressaltando um paradoxo: “ A zona rural é pobre. Hoje quem vive na zona rural vem para a cidade comprar alface”. Ele, também critica o fato do município insistir em apoiar a pecuária, uma atividade que hoje não emprega. Na sua opinião, ”a agricultura emprega mais e a pecuária não gera mais emprego”. Segundo a base de dados do município, na data que foi realizada a coleta, Itambé possui 5.206 famílias cadastradas no Programa Bolsa Família, tendo apenas 3.171 famílias recebendo o benefício. Entre as comunidades citadas como mais vulneráveis, destacam-se as quilombolas, como a Comunidade da Pedra e as famílias do bairro Felipe Achy, conhecido como “Paraguai”; além do bairro Durvalina Andrade, conhecido como “Casinhas” e o Jardim Vitória. 35
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Foi dito que as famílias do “Paraguai”, todo ano, no período de maio a julho, quando ocorre a colheita do café em Ribeirão do Lago e Conquista, deslocam-se para o campo, para trabalhar na lavoura. Lá submetem-se a alojamentos coletivos e a condições precárias de trabalho, condições muito comuns nos empregos temporários. Nesse período famílias inteiras saem da sede, levando crianças e adolescentes para ajudar na colheita do café. Os representantes do sindicato dos trabalhadores rurais revelaram que a entidade tem diculdades para combater este tipo de trabalho no município, porque o próprio trabalhador não quer sair do emprego. Além disso, este trabalhador não vê o sindicato como parceiro e há casos, inclusive, em que é perigoso para o próprio sindicato denunciar a existência desse trabalho. c) Fatores determinantes do problema Os principais fatores apontados pelos entrevistados como determinantes do trabalho análogo a escravidão entre os cidadãos de Itambé é a falta de oportunidade de emprego e renda no município, além da baixa escolaridade e a falta de qualicação prossional do trabalhador. Os representantes do sindicato dos trabalhadores rurais também consideram que a certeza da impunidade pelo empregador é um fator que estimula o trabalho análogo ao de escravo. Foi dito que o empregador se aproveita disso e da baixa escolaridade do trabalhador, embora considerem que essa é uma questão histórica. Os entrevistados pontuaram que no Brasil “contratar um trabalhador é caro e demitir é pior ainda”. Consideram que “a carga tributária é enorme e o pequeno produtor rural, ou o pequeno comerciante não suporta.” Denunciaram que no município poucas pessoas recebem o salário mínimo. Os entrevistados apontaram ainda a desaceleração da economia da região e do município nos últimos anos como um fator importante a ser observado, responsável pela redução do número de empregos e causador da queda da renda do trabalhador. A principal atividade produtiva do município hoje é a pecuária, considerada extensiva, voltada para o gado leiteiro e de corte. Segundo o técnico da Agencia de Defesa da Agropecuária da Bahia – ADAB, Sr. Edmundo R. Araújo, 'Itambé já foi a maior bacia leiteira do Nordeste mas hoje, em função do clima, a indústria do leite está bem reduzida.” Esse entrevistado pontuou que o forte do município hoje é o gado de corte que não precisa de muita mão de obra. E esclareceu: “o boi daqui vai para o abate na JBS e em Conquista. Aqui não tem abatedouro regulamentado. A ADAB tenta coibir o abate clandestino.” Os depoimentos apontaram ainda que, ao longo do tempo, o processo de modernização fez o município de Itambé, há alguns anos atrás, expandir suas atividades produtivas, atraindo industrias de leite, couro, sapatos, olarias e outros. Houve também uma diversicação das atividades em função do crescimento do comercio e serviços. No início dos anos 2.000, o município de Itambé conseguiu sediar unidades de produção da indústria de calçados como a Azaleia e a Barbára Krass, que juntas
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geravam mais de 1.000 empregos. Também havia a Fetiere, indústria que fabricava moveis de banheiro. Posteriormente houve o fechamento das unidades da Azaleia e da Fetiere e, com isso, muitos postos de trabalho desapareceram e o desemprego aumentou. A unidade da fábrica Barbara Krass é a única que permaneceu, mas esta gera apenas 200 empregos. Segundo a maioria dos entrevistados, esse fato afetou signicativamente a economia e o mercado de trabalho local, já prejudicado com as condições climáticas, em função da seca e da redução das chuvas, fazendo com que a pecuária sofresse uma retração. Foi dito que Itambé sofre atualmente com a redução dos seus rebanhos, fato que concorre também para a redução da produção na indústria de derivados do leite. Outra mudança no processo produtivo de Itambé ocorreu com a chegada do agronegócio, agravado pelo fato de Itambé possuir vocação para a pecuária extensiva, que faz uso de pouca mão de obra enquanto que a pecuária intensiva, que é voltada para o gado connado, gera mais emprego. O técnico da ADAB, em seu depoimento, ressaltou: “Emprega-se aqui, muitas vezes, apenas um vaqueiro para cuidar de um rebanho de 800 a 1.000 cabeças! “. Esse tipo de empreendimento afeta também o mercado de trabalho local, uma vez que a aquisição de novas tecnologias reduz postos de trabalho. Os entrevistados mencionaram outra mudança em função da redução da informalidade do trabalho no campo. Há um tempo atrás, o produtor rural raramente assinava a carteira de trabalho dos vaqueiros, bem como de outros trabalhadores rurais, prevalecendo no campo relações de trabalho informais e exíveis. Em função disso, o custo da força de trabalho era baixo, e as fazendas absorviam maior contingente de trabalhadores, enquanto hoje, o número de trabalhadores é reduzido, pelo fato do produtor rural ser obrigado a recolher todos os encargos. Apesar da scalização, é sabido que ainda existem empregadores que burlam a legislação trabalhista, bem como trabalhadores que se submetem ao trabalho informal. Dados do IBGE, também dão conta de que o município de Itambé apresentou, nas últimas décadas, um crescimento demográco razoável na zona urbana, em função da falta de oportunidades e condições favoráveis à produção no campo, estimulando a migração dos cidadãos para a sede ou para outros municípios em busca de melhores condições de vida. Esse movimento tem gerado impactos diversos na vida da cidade e dos munícipes, que tiveram que enfrentar um processo de acomodação do ponto de vista de moradia e dos serviços públicos oferecidos, afetados pela queda da arrecadação do município. Atualmente, em Itambé, o poder público aparece como a principal fonte empregadora, apesar da Prefeitura ter sofrido com a queda da sua receita. Essa realidade impõe ao gestor municipal o desao de administrar recursos públicos escassos e ao mesmo tempo oferecer à população serviços públicos de qualidade, necessários às suas crescentes demandas.
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Foi dito que o município Itambé possui um comércio pequeno, no qual o dinheiro pouco circula. O trabalhador autônomo pouco ganha e o dinheiro do Bolsa Família já chega comprometido. Segundo o representante da Pastoral da Família, os Empresários locais pouco investem no município de Itambé, preferindo investir nos municípios vizinhos. Para ele, “a posição geográca de Itambé favorece e prejudica o município” uma vez que a economia local depende da economia das cidades vizinhas, como Itapetinga e Vitória da Conquista, economias que possuem uma dinâmica diferente. Em sua opinião, a situação econômica de Itambé também se agrava porque o município “insiste em investir na pecuária, atividade que pouco emprega”. O entrevistado considera ainda que as oportunidades para a geração de renda são poucas no município, uma vez que as pessoas gastam seu dinheiro nos centros urbanos mais desenvolvidos. Quanto à baixa escolaridade e a falta de qualicação prossional, os entrevistados consideram que a realidade afeta tanto o trabalhador jovem quanto o adulto e, principalmente o idoso, que quase não frequentou a escola. Os prossionais da educação entrevistados destacaram que o índice de evasão escolar é alto, principalmente na fase de colheita do café, período em que famílias inteiras se deslocam, deixando crianças e adolescentes fora da escola. Pontuaram que alguns alunos se matriculam no começo do ano, mas não conseguem concluir a série porque precisam trabalhar. Esse ciclo se repete ano a ano e, em função disso, o índice de evasão e de distorção idade série é alto no município. Outro problema apontado como consequência da falta de oportunidade de emprego e renda para os jovens é o aumento de alunos envolvidos com o tráco de drogas. Os prossionais da educação informaram que existem duas facções em disputa e que os jovens consomem drogas nas escolas. Uma professora, em seu depoimento, desabafou: “O jovem não quer vir a escola. Prefere ganhar dinheiro do tráco porque tem a sensação do poder, a possibilidade de ter um carro, dinheiro e prestígio”. Ela concluiu expressando o seu sentimento: “É uma situação que deixa a gente impotente.” Pontuou ainda que o “tráco de drogas está na zona rural de forma assustadora”. 2.2
AS TRAJETÓRIAS DOS TRABALHADORES DE ITAMBÉ EGRESSOS DO TRABALHO ANÁLOGO A ESCRAVIDÃO a) Quem são esses sujeitos
Em relação ao perl dos trabalhadores que se submetem às condições análogas a escravidão, os entrevistados foram unânimes em dizer que predomina o trabalhador do sexo masculino, na faixa etária de 17 a 60 anos, com baixa escolaridade e sem qualicação prossional. Há também predomínio do trabalhador que tem habilidades principalmente para o trabalho no meio rural.
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Em Itambé foram identicados dois trabalhadores resgatados mediante força tarefa no ano de 2016. Também foi entrevistada a companheira de um trabalhador que se encontra atualmente em situação de trabalho análogo a escravidão. Foram realizadas entrevistas com o Sr Raimundo Aguiar Almeida e o Sr. Zezito da Silva, ambos submetidos a condições degradantes de trabalho em uma fazenda localizada fora do município de Itambé. Foi apurado que esses casos de trabalhadores resgatados foram noticados ao CREAS por integrantes da força tarefa, composta por representantes do Ministério Público do Trabalho MPT (Promotor Ilan Fonseca); da Organização internacional do Trabalho - OIT (Patricia Lima); da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte SETRE (Josinélia Chaves Moreira); da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social - SJDHDS (Marcia Santos) e o coordenador da Comissão Estadual de Combate ao Trabalho Escravo – COETRAE/BA (Admar Fontes Jr). Um dos 5 trabalhadores resgatados pela força tarefa foi o Sr. Raimundo Aguiar Almeida, morador da Rua Alterelis Maciel. Em entrevista realizada com ele, foi apurado que possui 64 anos de idade, é casado, tem 9 lhos e cria uma neta. O outro trabalhador resgatado foi Sr Zezito, uma pessoa com 55 anos, analfabeto, casado, pai de 4 lhos, atualmente desempregado, assim como sua esposa. b) Situação atual dos resgatados No seu depoimento, Sr Raimundo, o primeiro trabalhador resgatado que foi entrevistado, contou que começou a trabalhar muito cedo, ainda adolescente, “pegando no pesado”. Também informou que já prestava serviço ao último empregador há algum tempo, trabalhando com ele de “obra em obra”, mas que nunca teve carteira de trabalho assinada. Morava em um alojamento com outros empregados e recebia pelo serviço um salário de R$ 1.500,00. O Sr Raimundo declarou que hoje está passando necessidade porque, quando foi resgatado, recebeu o salário de um mês e mais três meses do seguro desemprego e, como não encontrou outro emprego, esse dinheiro já acabou. Informou ainda que é um homem doente, deciente visual, portador de glaucoma, e que sofre de incontinência urinária, em consequência de uma cirurgia de próstata. Expressou o desejo de voltar a trabalhar fora de Itambé, caso consiga outro emprego, uma vez que precisa de recursos para sobreviver. Expressou seu sentimento em relação à situação atual: “Hoje sei como o meu emprego faz falta”. E acrescentou: “o período em que trabalhei lá foram os melhores anos da minha vida, porque podia pagar minhas contas.” Todo tempo lamentou ter perdido o emprego porque, segundo ele, “ não era um trabalho ruim”. Armou que só trabalhava 8 horas por dia e que ganhava mais do que um salário mínimo. Hoje, só recebe o bolsa família da neta e tem ajuda de pessoas da família para pagar R$ 200,00 de aluguel da casa em que mora, comer e comprar o colírio que controla o glaucoma que custa, segundo ele, o valor de R$ 70,00.
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Durante a entrevista, emocionado, pediu ajuda aos técnicos da Prefeitura que estavam presentes à entrevista. Disse que precisa se aposentar, mas não sabia como fazer para conseguir a aposentadoria. Os agentes públicos da Assistência Social prometeram estudar o caso junto aos equipamentos públicos existentes no município. O segundo trabalhador entrevistado, Sr. Zezito, vive basicamente do recurso do bolsa família. No último emprego ganhava R$ 1.300,00, mas diferentemente do que armou Sr Raimundo, ele informou que no alojamento arcava com as despesas de alimentação. Contou que a comida era feita por ele e seus colegas de trabalho em um fogão a lenha, que dormia em uma cama de tábua juntamente com galinhas e vacas, e que o alojamento não possuía banheiro. Disse também que a água que bebia e lavava as suas roupas era do açude, a mesma que os animais bebiam e tomavam banho. Sr. Zezito informou ainda que trabalha desde criança, “no cabo da enxada”. Apesar das condições de trabalho apresentadas, ele armou que se submeteria a contratação de trabalho semelhante em função da necessidade de sobrevivência. Referindo-se ao resgate ocorrido dos 5 trabalhadores pela força tarefa, Sr Zezito considera que o fato de o Sr Raimundo ter sido o “cabo de turma”, fez com que ele tomasse o partido do empregador - Sr. Haroldo, e que casse contra os seus colegas trabalhadores. O terceiro caso identicado durante a visita foi de um trabalhador, marido de uma empregada doméstica, Ana Paula Campos. Esse rapaz, atualmente trabalha na zona rural fora de Itambé, em um alojamento em condições precárias, semelhante ao trabalho análogo ao escravo. Pelas informações dadas por ela, o marido tem 24 anos, só estudou até o 2º ano do antigo primário, e trabalha desde os 10 anos de idade. Na sua entrevista, Ana Paula informou que seu marido trabalha atualmente como cozinheiro para um alojamento de tratoristas localizado na mata. Todos os trabalhadores desse acampamento dormem em uma barraca de lona, em um único cômodo, com muitas camas. Salientou ainda que seu marido acorda 4 horas da manhã e trabalha até as 18 horas, só descansando depois que serve o jantar aos tratoristas. Para fazer esse serviço recebe um salário de R$700,00, trabalha nos ns de semana, sendo que no domingo trabalha até o meio dia. Declarou também que ele permanece no alojamento durante 30 a 35 dias, retornando a Itambé por um período de quatro dias, para visitar a família. Além disso, Ana Paula relatou que o atual patrão do seu marido mora em Vitória da Conquista e que realiza obras em vários lugares. Quando a obra acaba, o alojamento é transferido para outro lugar. Lembrou que o marido trabalha assustado porque já encontrou uma cobra e uma onça perto do alojamento. Ana Paula pontuou ainda que o marido está nesse emprego há quase um ano e que antes trabalhou numa padaria. Lá ganhava pouco, em torno de R$400,00, e, por isso pediu demissão. Justicou que ele desejava ganhar mais para comprar um terreno e construir uma casa para a família. Contou que o marido trabalha desde criança e que só teve carteira de trabalho assinada uma vez.
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2.3
APONTANDO CAMINHOS: PROPOSTAS PARA O ENFRENTAMENTO DO PROBLEMA
Para enfrentar o problema alguns entrevistados zeram uma análise das fragilidades do município e os serviços que ele já dispõe, fazendo sugestões para fortalecê-los ou indicando outras possibilidades para enfrentamento do problema. De modo geral, os entrevistados consideram que é preciso recuperar a economia do município, castigada pelo fator climático. Foi pontuado que o poder público precisa gerar oportunidades de trabalho, emprego e renda, buscando parcerias com as universidades, como a UESB, para fazer um estudo de viabilidade econômica. Para o representante da Pastoral da Família primeiro “é preciso ver o que produzir”. Também é preciso viabilizar a chegada do SEBRAE, além de oferecer cursos prossionalizantes, olhando não apenas para o mercado de trabalho local, mas também para as demandas dos municípios vizinhos. Para esse entrevistado é importante oferecer curso técnico de hotelaria, de marcenaria e de manejo de máquinas agrícolas. O representante da Pastoral da Família também sugeriu buscar parcerias para a estabelecer incubadoras de empreendimentos populares. Informou também a necessidade de produzir uma cartilha esclarecendo o que é trabalho infantil e o trabalho análogo ao de escravo, com vistas a distribuição junto à população. Os agentes públicos municipais ouvidos lembraram que o município dispõe de CRAS- Centro de Referência de Assistência Social e de CREAS- Centro Referencia Especial de Assistência Social, oferecendo programas como: Bolsa Família, SCFV Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, Projovem adolescente, grupos de dança e de música. Também possui um CAPS – Centro de Atenção Psicossocial. O CRAS, nessa gestão ainda não está em funcionamento mas antes oferecia cursos de manicure, corte e costura, artesanato. Também foi informado que o CMDCA - Conselho da Criança e do Adolescente no passado criou o FIA – Fundo da Criança e do Adolescente, que chegou a ter até 40 mil reais, nanciando projetos sociais. Hoje está parado porque, segundo os entrevistados, a gestão anterior não continuou a contribuir com o FIA. Para eles tudo anteriormente construído foi desativado na gestão passada. A mesma coisa ocorreu com o SINE-BA, haja visto que também os cursos de aperfeiçoamento prossional, antes oferecidos, hoje não são mais disponibilizados. O representante do Sindicato de Trabalhadores Rurais armou, em seu depoimento, que a instituição oferece curso de pedreiro, de eletricista e de operador de máquinas, em parceria com o SINE-Bahia. Segundo ele, já houve parceria com associações rurais e a Secretaria da Educação para ofertar o programa Todos pela Alfabetização - TOPA. Entretanto, esclareceu que tudo isso só acontece quando há parcerias porque o sindicato não tem recursos próprios. Sugere que a Prefeitura disponibilize um prossional especializado em elaboração de projetos para ajudar a sua instituição na captação de recursos. Segundo o sindicalista, a Associação Comunitária da Gameleira foi contemplada com um projeto de piscicultura, mas ainda não foi iniciado pela falta de uma 41
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barragem para o rio. O referido projeto foi conseguido mediante chamada pública do Ministério da Agricultura. Na comunidade da Gameleira há uma bolsa verde para algumas pessoas que recebem 300 reais a cada três meses, outros beneciários já a perderam. A Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Itambé tem também um projeto na Gameleira num assentamento que tem 45 famílias. Para o Coordenador Municipal de Agricultura, as associações rurais têm enfrentado diculdades burocráticas. Segundo ele, os rios que correm no município também podem ser potencializadores do negócio no campo, com projetos de agricultura familiar. Citou a produção de banana como uma saída para geração de renda. Também foram sugeridas, na perspectiva da Economia solidária, o estímulo à criação de hortas, panicadoras comunitárias e criação de cooperativas.
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ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A PROBLEMÁTICA À LUZ DA APROXIMAÇÃO COM O CAMPO DE PESQUISA
A pesquisa de campo permitiu uma aproximação com a realidade que possibilitou algumas importantes reexões sobre o problema. Com base nos depoimentos de todos os entrevistados, ca evidente a associação estreita entre o trabalho análogo a escravidão e as condições de vulnerabilidade que circunscrevem a maioria dos trabalhadores dos municípios de Tanhaçu e de Itambé, destacadamente aqueles analfabetos, de baixa escolaridade e pouco qualicação prossional. As histórias de vida dos trabalhadores resgatados, bem como as dos entrevistados em situação de vulnerabilidade, conrmam a repetição de um ciclo de pobreza entre gerações e a relação frequentemente existente entre Trabalho Infantil e Trabalho análogo a Escravidão. Desse modo, não é à toa que os trabalhadores resgatados apresentam um perl com características comuns, quais sejam: sexo masculino, analfabetos ou com baixa escolaridade, oriundos de famílias vitimadas pela extrema pobreza. No seu percurso, esse trabalhador revelou ter deixado a escola muito cedo e ter tido sua infância roubada pelo trabalho precoce. Com pouca ou nenhuma qualicação e sem informação sobre seus direitos, submete-se até hoje a trabalhos degradantes, situação essa que tende a se agravar frente a atual crise do emprego. O problema é complexo e a pesquisa de campo evidenciou que o seu enfrentamento deve se estender para além da scalização e responsabilização dos empregadores. Pela sua invisibilidade e naturalização, a problemática do Trabalho análogo a Escravidão aponta para um percurso longo e difícil, sobretudo no caminho da sua prevenção e do seu combate. Os desaos são diversos e ligados a múltiplos fatores como: questões ambientais, seca, poucas ou nenhuma oportunidade de geração de renda, baixa escolaridade do trabalhador e a prevalência de uma cultura de valorização do trabalho temporário. Essa razões exigem várias frentes de luta, demandando do poder público e da sociedade local esforços para viabilizar ações que promovam transformações no campo econômico e social. Assim sendo, mostra-se necessário estabelecer mudanças na produção e na forma de produzir, bem como a aquisição de novas estratégias para gerar riquezas, estímulo ao comercio, alternativas para promover o aquecimento do mercado de trabalho e o desenvolvimento local sustentável. A alteração dessa realidade requer, também, maiores investimentos no campo da educação quais sejam: promoção da melhoria na qualidade do ensino, revalorização da escola, cursos de qualicação socioprossional, além de investimentos no fortalecimento da rede de proteção das famílias, com vistas a elevação de sua qualidade de vida. Os caminhos apontados até aqui talvez possam contribuir para a redução do fenômeno da reincidência do trabalhador resgatado ao trabalho análogo ao de escravo, uma vez que as condições concretas de sobrevivência desses trabalhadores estimulam o desejo de retorno ao emprego precário, que o submete a condições degradantes, mas que se apresentam a eles como única alternativa, pela ausência 43
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de políticas públicas ecazes que possam combater e reduzir a vulnerabilidade social a que suas famílias estão submetidas. Outro ponto a ser considerado é a atual crise hídrica, elemento comum que castiga aos dois municípios, especialmente Tanhaçu, afetando fortemente as suas economias. Segundo os entrevistados, o enfrentamento do problema sugere outros caminhos a serem trilhados num esforço coletivo que envolve estudo de viabilidades, denição de prioridades e a identicação de parcerias e de alternativas que permitam o aproveitamento dos recursos naturais disponíveis nos municípios. Estes devem indicar outras possibilidades de geração de renda no campo que se somem à agricultura e pecuária- atividades que já são tradicionalmente desenvolvidas em Tanhaçu e Itambé.
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O diagnóstico foi feito em dados secundårios, as fotos reetem a pesquisa de campo, feita na etapa de monitoramento.