A Grande Trapaça

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ESTUDO DE CASO - PLANO “NET ZERO” DA JBS: UM COMPROMISSO DO MAIOR PRODUTOR DE CARNE DO MUNDO PARA CONTINUAR O DESMATAMENTO Em março de 2021, e no dia seguinte ao anúncio de lucros recordes,94 a JBS, maior produtora de carne do mundo, comprometeu-se a eliminar o desmatamento em sua cadeia de abastecimento global até 2035 e a abordar as emissões em toda a sua cadeia de abastecimento (Escopo 1-3) para alcançar emissões “net zero” até 2040.95

A JBS se comprometeu a investir 1 bilhão de dólares na próxima década em seu programa “net zero” (sem detalhar o que esse programa envolve) e a alocar 100 milhões de dólares até 2030 em “projetos de pesquisa e desenvolvimento”. Os dois tipos de projetos destacados como prioritários incluem captura de carbono e “tecnologias de mitigação de emissões em fazendas” –em outras palavras, compensação de carbono.96 (Para obter mais informações sobre por que esses esquemas não são soluções reais que evitam emissões, consulte a caixa Distrações Perigosas). Além disso, os detalhes são confusos, pois a JBS ainda precisa fornecer um roteiro detalhando exatamente como irá cumprir os componentes de sua promessa de emissões “net zero”.

O compromisso da JBS de eliminar o desmatamento em sua cadeia de abastecimento até 2035 é preocupante e atrasado. Está atrasado porque a JBS já está ligada a mais de 100.000 hectares de desmatamento no Brasil (mais do que qualquer outro produtor de carne na Amazônia brasileira), cerca de 3/4 dos quais podem ser ilegais.97 É preocupante porque, com efeito, o cronograma para isso significa essencialmente que a JBS continuará contribuindo para o desmatamento pelos próximos 14 anos (até 2035), em vez de encerrar imediatamente o desmatamento associado à sua cadeia de abastecimento, sem dúvida uma das formas mais eficazes e rápidas para a JBS diminuir suas emissões.

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O histórico preocupante da JBS vai muito além do suposto desmatamento ilegal. Em 2017, sua controladora concordou em pagar 3,2 bilhões de dólares para resolver um caso que alegava ter subornado 1.900 políticos no Brasil.98 Esta é uma das maiores multas da história corporativa.

ESTUDO DE CASO - COMPROMISSOS “NET ZERO” DA SHELL: UM ROTEIRO PARA SEGUIR NEGÓCIOS COMO DE COSTUME A Shell se comprometeu a se tornar um “negócio de energia com emissões líquidas zero até 2050” e afirma que suas emissões totais de carbono atingiram o pico em 2018.99 Também se comprometeu a reduzir as emissões dos consumidores que queimam os combustíveis fósseis que ela extrai e refina. Mas uma análise detalhada de seus planos desmente suas afirmações e expõe fendas em sua armadura. Assim como as palavras de seu próprio presidente-executivo, Ben van Beurden, que foi citado recentemente em 2019, dizendo: “Apesar do que muitos ativistas dizem, é inteiramente legítimo investir em petróleo e gás porque o mundo assim o exige”.100

A Shell se comprometeu a reduzir gradualmente a produção de petróleo em cerca de 1-2 por cento a cada ano por meio de desinvestimentos e declínio natural. No entanto, a comunicação da Shell com seus acionistas indica que a produção de petróleo e gás da empresa continuará a representar uma grande parte de seu orçamento de 8 bilhões de dólares.101 Além disso, ainda vai gastar 4 bilhões de dólares em seus negócios de gás natural liquefeito (GNL) e até 5 bilhões de dólares em produtos químicos e refino. A Shell planeja aumentar os volumes e mercados de gás natural liquefeito (GNL) para entregar mais de 7 milhões de toneladas por ano de nova capacidade até 2025.

Para atingir seu compromisso de emissões “net zero” até 2050, a Shell pretende contar com o uso de Soluções Baseadas na Natureza (SBN, ou NBS, do inglês Nature-Based Solutions) para compensar suas emissões. Em 2035, a Shell também precisará capturar

e armazenar 25 milhões de toneladas de carbono por ano. A Shell também se propõe a compensar um total de emissões de cerca de 120 milhões de toneladas por ano até 2030 e quer estabelecer um mercado global de SBN.102 Isso é irreal, dado que todo o mercado voluntário de compensação de carbono (ou seja, as compensações disponíveis para compra por todos os atores globais) em 2019 era de apenas 104 milhões de toneladas. A magnitude das Distrações Perigosas nas quais a Shell está contando para atingir emissões “net zero” aponta claramente para sua intenção de continuar a poluir, em vez de diminuir as emissões na fonte. De acordo com o Carbon Brief, a visão global de energia da Shell “Sky 1.5” apresenta uma visão para o mundo que planeja o uso contínuo de petróleo, gás e carvão até o final do século, o que também é indicativo de sua própria intenção.103 Esse cenário global também propõe que um grande programa de reflorestamento exigirá 700 milhões de hectares de terras ao longo do século, uma área aproximadamente do tamanho do Brasil.104 A Shell está escondendo sua intenção de seguir fazendo negócios como de costume por trás de uma fachada de “net zero”. Nas palavras do professor Wim Carton, da Universidade de Lund: “Se começarmos a normalizar o uso dessas emissões negativas em escala planetária, isso permitirá que uma empresa como a Shell basicamente alegue que está alinhada com aparentemente qualquer meta climática que você proponha, apenas por assumir emissões negativas em grande escala e ao mesmo tempo dizer que precisamos investir no desenvolvimento de petróleo e gás ”.105

ESTUDO DE CASO - TOTAL SA: APROPRIAÇÃO DE TERRAS NO CONGO PARA ALCANÇAR EMISSÕES “NET ZERO” E EVITAR A REDUÇÃO DE EMISSÕES A Total SA se comprometeu a atingir emissões “net zero” até 2050.106 Parte de seus planos envolve a exploração de mais de 10 milhões de hectares de reserva de terra na África para o plantio de árvores.107 Mas de onde virá essa terra e a Total pode tomá-las para si? A intenção da Total de continuar a poluir pode

ser acomodada, cientificamente ou moralmente, a qualquer número de árvores?

Em 16 de março de 2021, a Total SA e a consultoria francesa Forêt Ressources Management (FRM) assinaram um acordo com a República do Congo para o plantio de uma floresta de 40.000 hectares no planalto de Batéké.108 A intenção da Total era que as árvores plantadas servissem como sumidouros de carbono que sequestrariam mais de 10 milhões de toneladas de dióxido de carbono ao longo de 20 anos. Este é apenas um dos muitos acordos que a Total precisará fechar para alegar que está “compensando” por suas emissões contínuas.

Mas grande parte dessas terras nesta área do Congo é o lar de pigmeus indígenas Aka e dos produtores rurais Bantu. O mapeamento dessa terra sugere que ela é usada para sustentar a vida e a cultura dessas comunidades e é cuidada por elas.109 É provável que eles sejam despejados dessas terras pela Total ou pelo governo. A Total não abordou isso publicamente, alegando apenas que seus projetos de compensação criarão empregos e terão “impacto positivo para milhares de pessoas”.110 Também se comprometeu a iniciar um fundo para apoiar a saúde e a educação nas “aldeias vizinhas”. Mas não divulgou detalhes sobre esses planos, nem se tudo isso foi sequer discutido com essas comunidades, ou se elas estão mesmo cientes da possibilidade de serem despejadas desta terra.

O tipo de árvores que a Total planta também é problemático. Em seus projetos no Congo, eles supostamente usaram árvores estrangeiras da Austrália ou da Ásia, que minam a biodiversidade local e correm o risco de destruir o ecossistema natural.111 Além disso, a Total pretende cortar as árvores e processá-las para obter madeira ou energia. Portanto, há poucos benefícios ambientais, se houver. Na realidade, a Total provavelmente está criando uma fazenda de madeira usando espécies invasoras de árvores sob o pretexto de ação climática.

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