2. Tomado pelas águas. Santarém Em 1º de Janeiro de 1975, aterrissei em Santarém. Que vista maravilhosa nos dá a aproximação aérea. A “várzea”, uma zona inundável de centenas de braços d’água, canais, ilhas e lagos se arredondam, se esticam e se aguçam preguiçosamente diante de nossos olhos; a cor amarelada do Amazonas contrasta com o azul profundo do Tapajós e o encontro das duas águas; e a floresta ao redor reinava absoluta. Eu compartilhava uma casa com Cristine, minha colega e líder da equipe completada por um técnico agrícola (que servia de crooner nas festas e bailes de fim de semana) e um outro chamado, assim como eu e Cristine, de “técnico de educação não-formal”. Para nos situar, o melhor é apresentar como era o município de Santarém naquela época. Mas antes, quero antecipar uma pergunta que o leitor pode estar se fazendo. Como é possível contar em detalhes de coisas que aconteceram há 40 anos, citando inclusive as pessoas? É porque, na impossibilidade de voltar a morar em Santarém, eu a transformei em objeto de estudo. Deixei Santarém em março de 1977 com uma enorme frustração que só cresceu nos anos seguintes. Por outro lado, percebi que seria importante para mim retomar meus estudos. Por que não estudar, como parte de um mestrado em Educação, o movimento camponês de Santarém? Em 1985, tirei dois meses de férias para retornar à Santarém. Fiz, então, 49 longas entrevistas e recolhi toda a documentação possível. Um belo dia, fui ao sindicato recolher os documentos bem organizados que contavam a história do movimento, a fim de copiá-los. Na manhã seguinte cedo, um líder sindical me acordou: atearam fogo no sindicato. Tudo foi queimado! Poucos meses depois, eu retornaria a Santarém para a inauguração do novo edifício. Na frente, um banner: “O sindicato somos nós”. A área da cidade naquela época era 26.058 km². Em 1970, havia 73 mil habitantes no interior e 61 mil na cidade; em 1980, esse número pulou para 80 mil contra 111 mil. Desde então, três municípios foram criados em seu território, que foi reduzido para 16.080 km² (LoireAtlantique, na França, por exemplo, tem 6.921 km²), habitados por mais de 300 mil pessoas. A cidade se situa nas margens do Tapajós,
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