Fazer (em) comum: memórias e tributos a Jean Pierre Leroy

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3. Tomado pelo mar. Noêmia e o Rio de Janeiro É curiosa essa divisão em capítulos! O que me parece agora ser uma história que tem certa lógica e momentos bem definidos, na época se assemelhava mais a uma aventura desarticulada cujo desenlace não se sabia qual seria. Fiquei ainda assim com o coração apertado ao deixar a Amazônia. Eu já me sentia um amazonense de coração, ali deixando amigos como Matheus e sua esposa Aldalice. Além disso, o compromisso de Matheus com os oprimidos era total. Ele é alguém audacioso que ainda hoje enfrenta todas as batalhas. Mas aí está! Uma bela canção brasileira começa assim: “Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar”15. E me vi então chegando ao Rio de Janeiro ao sabor dos ventos e das ondas, eterno viajante seduzido pelo desconhecido, mas também alguém emoldurado por um desejo de servir que se manifestava na convocação da FASE. Bem, está certo, não vou dar uma de Lamartine16. Na mesma canção: “Olha, o mar não tem cabelos que a gente possa agarrar”. Eu já tinha ouvido essa frase com os jangadeiros no Ceará, ao me contarem sobre suas duras vidas. Era muito mais fácil para mim, que tinha colegas em quem eu podia confiar. E o Rio de Janeiro não é a “cidade maravilhosa, coração do meu Brasil” da canção? Que sorte: a mãe Noêmia e sua irmã Isolina estavam no Rio de Janeiro. Noêmia se viu assim obrigada a me apresentar a elas, as quais amei de imediato. As férias estavam chegando ao fim, e Noêmia voltou a Caratinga, não sem que eu tivesse exercido alguma pressão: não havia mais razão para procrastinar; poderíamos marcar o casamento para dezembro. Noêmia, que nunca havia pensado em um dia se casar, cedeu. Ela me disse mais tarde que sua pequena estada em Santa Luzia, que poderia ter marcado o fim de nosso amor ainda inicial, a tinha feito admirar o que eu fazia. Falemos dela e de sua família, já que ela passou a ser uma presença constante, ainda que oculta, nessa história. É claro: sem ela, essas páginas permaneceriam em branco. Não há muito o que falar da família de seu pai, de origem camponesa, mas a trajetória do ramo materno faz força para ser contada. 15 Canção de Paulinho da Viola. (N. do T.) 16 Referência a Alphonse de Lamartine, escritor, poeta e político francês (1790-1869). (N. do T.)

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