MAPEAMENTO DE FLUXOS DE ATENDIMENTO PARA MULHERES

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Hub das Pretas SP: construção da existência Mariana Boaventura44 A palavra sobrevivência funciona como um sobrenome oculto das pessoas negras. Ninguém a tem registrada na certidão, mas todo mundo tem feito tatuagem na consciência. Sobreviver é permanecer vivo e também continuar a existir. Pessoas negras são sobreviventes. Sobreviver pode se tornar um ato corajoso sustentado pelo instinto de continuar vivendo. Eliminando o romance que o adjetivo corajoso possa insinuar aos negros, sobreviver possui um significado ampliado: sobreviver é o que se conhece por viver e viver é o que se conhece por estar em estado de alerta constante. Os efeitos são cruéis, diversos e profundos. Às vezes penso que a rigidez da pele negra, tão anunciada por aí entre as verdades do senso comum, não é algo geneticamente bom, pois essa característica foi inserida no nosso DNA como evolução para resistir ao medo e ao conjunto de abusos psicológicos, físicos e socioestruturais, que chamamos de racismo, fazendo com que nossa pele seja o artefato para que possamos sobreviver e transpor. A estrutura precisa que sigamos como sobreviventes, pois esta é uma exigência do sistema, cuja existência depende da expropriação dos corpos e da manutenção da violência. O que somos não cabe no capitalismo. Não cabe amor. E é por isso que processos como o Hub das Pretas provocam abalos sísmicos e acionam o estado de alerta da outra parte. Ter consciência de que sobreviver e viver são palavras distintas, ao mesmo tempo que assusta, também liberta.

44 Mariana Boaventura é advogada, DJ e produtora musical na Pantera Cartel.

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