REINVENTAR
CIDADES
EM CRISE As ações da Articulação Recife de Luta na pandemia
março | 2021
março | 2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Reinventar cidades em crise : as ações da articulação Recife de luta na pandemia / organização Fase Pernambuco , Fundação Rosa Luxemburgo. -- 1. ed. -- Recife, PE : FASE : Articulação Recife de Luta, 2021. ISBN 978-65-87197-04-3 1. Ciências sociais 2. COVID-19 - Pandemia 3. Política urbana 4. Recife (PE) - Municípios I. Fase Pernambuco. II. Fundação Rosa Luxemburgo.
21-63513
CDD-300 Índices para catálogo sistemático:
1. Ciências sociais 300 Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129
ín di ce 6 Introdução
Um convite urgente à ousadia, à imaginação e à ação política
gente com fome” e “Quem tem Fome, 8 “Tem Tem Pressa”:
mover a locomotiva da História pelos caminhos de solidariedade em tempos de desesperança. Por Fase
13 A solidariedade é um convite à ação política:
a Articulação Recife de Luta e o Plano de Emergência para Prevenção do COVD-19 nas Periferias. Por Fase
pé nas instituições, milhares nos territó18 Um rios: Incidência Institucional da Articulação Recife de Luta junto à Defensoria e órgãos de Defesa de Direitos. Por Centro Dom Helder de Estudos e Ação Social (CENDHEC) e Habitat para a Humanidade Brasil
o “ninguém solta a mão de ninguém” 24 Quando se encontra com “Nós por Nós”: o Observatório Popular de Direitos Humanos de Pernambuco (OPDH). Por Centro Dom Helder de Estudos e Ação Social (CENDHEC)
da ação do poder público no 30 Monitoramento combate à pandemia para comunidades e população em situação de rua na RMR. Por Habitat Para a Humanidade Brasil
36 Vozes-mulheres:
falas, atos e propostas para um Recife de
Luta. Por Fase
42 Conclusão
Transformar luto em luta e reorganizar a esperança
Anexos
45 Monitoramento do fornecimento de água (COMPESA) na cidade do Recife
53 Resumo da avaliação dos dados de monitoramento do transporte público. Por Diogo Galvão
61 Propostas: Plano de emergência para prevenção do COVID-19 nas Periferias do Recife
64 Cartilha: Plataforma de propostas para um Recife de Luta
/INTRODUÇÃO/
Um convite urgente à ousadia, à imaginação e à ação política
P
arece muita ousadia falar em reinvenção das cidades, algo despropositado em um contexto de tantas perdas, de tanta dor,
de pandemia e pandemônio. Mas não foi justamente a isso que fomos todas(os) nós convocadas(os)? Sobreviver à pandemia na capital mais desigual do país exigiu e ainda exige muita imaginação política e resistência. Da devastação dos empregos perdidos, dos desafios do isolamento social, da falta d’água na torneira até pegar o busão lotado. Tudo exigiu de nós que não naturalizássemos a catástrofe, que encontrássemos meios de enfrentar coletivamente uma questão que era e continua sendo de saúde pública e de tantos outros direitos sociais ameaçados ou não garantidos.
A publicação que se segue tenta dar conta de algumas iniciativas criadas no âmbito da Articulação Recife de Luta (ARL), na tentativa de fortalecer os territórios populares e exigir respostas institucionais às questões evidenciadas pela pandemia. Essas iniciativas, ao contrário de representarem processos fechados, abriram caminhos para questionar escolhas políticas e desenhar novos arranjos sociais para um Recife com mais justiça social e solidariedade. Recife só não, uma das questões que envolveram esse momento foi a possibilidade de que a ARL expandisse
8
seu raio de atuação para outros municípios da Região Metropolitana, como Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Paulista.
Além de compartilhar um relato breve das experiências, essa publicação pretende trazer alguns dos materiais produzidos durante esse ano intenso de mobilizações, no qual foi necessário repensar as bases da cidade, mas também das nossas práticas políticas. Se o mundo não será o mesmo após a pandemia, que as cidades também não sejam. O que será ainda está em disputa. Esperamos que com essa contribuição possamos inspirar novas utopias urbanas a partir de ações concretas, mesmo que até então não tenhamos sido capazes de vivienciá-las por completo.
Aproveitamos para agradecer às organizações, movimentos sociais, coletivos, mandatos populares, pesquisadores, ativistas populares urbanos nos territórios de resistência e nas redes, fóruns e articulações do Recife em luta pelo compartilhamento de tantas reinvenções e aprendizados. Estendemos nossos agradecimentos à Fundação Rosa Luxemburgo que, por meio da FASE Pernambuco nos dá mais essa oportunidade de sistematização e difusão de nossas lutas e utopias.
9
/COMIDA NA MESA/
“Tem gente com fome” e “Quem tem Fome, Tem Pressa”: mover a locomotiva da História pelos caminhos de solidariedade em tempos de desesperança. por FASE Pernambuco
A
locomotiva
da
História
parece
A fome é paisagem porque nos molda
não ter superado a paisagem da
a experiência sentida, tem sua própria
fome, que reaparece com a passagem
geografia, como bem contou Josué de
por novas e velhas estações. Solano
Castro. Carolina de Jesus, que nas suas
Trindade usou o som do Trem, para falar
escrevivências, definiu a fome como uma
da questão, mostrando que a repetição
nova forma de escravatura, e fez, a sua
do “Tem Gente com Fome/Tem Gente
medida, sua caminhada de libertação.
com Fome/Tem Gente com Fome” a todo
E, assim como ela, milhões de mulheres
vapor representava bem o ritmo da
negras nas periferias podem falar de
desigualdade.
memórias e encontros com a experiência famélica de vida. A fome já deveria
Tantas caras tristes/ Querendo chegar em algum destino Em algum lugar/
ter sido superada, mas no país em que o agro(negócio) é pop, o povo é pobre
Sai das estações
e continua passando fome. A fome, a
Quando vai parando (o Trem)
questão da moradia, as violências como
começa a dizer
constitutivas de corpos e territórios.
Se tem gente com fome, dá de comer Se tem gente com fome, dá de comer
Na capital da desigualdade no Brasil,
Se tem gente com fome, dá de comer
a fome se faz bem presente. A cidade,
Se tem gente com fome, dá de comer
marcada
Mas o trem irá todo autoritário /
resistência, de disputa da terra e das
Quando trem parar («Tem Gente com Fome», Solano Trindade)
por
processos
intensos
de
águas, já foi a noiva da revolução e hoje tenta ser transformada na Miami Beach
11
do Brasil. Essas disputas vão moldando o Recife onde vivemos. Em meio a uma pandemia, que reorganizou o cotidiano de toda a humanidade e deixou exposto que as condições de enfrenta-la eram totalmente diferentes a depender do seu CEP condição de classe, raça e gênero, nos foi exigido o exercício da imaginação política. Floresceram importantes, Brincante
do
várias como Pina
iniciativas
a
da
Livroteca
e
Coletivo
Pão
e Tinta, a articulações de coletivos
«Em meio a uma pandemia, que reorganizou o cotidiano de toda a humanidade e deixou exposto que as condições de enfrentala eram totalmente diferentes a depender do seu CEP, condição de classe, raça e gênero »
na campanha Ibura Sem Fome, um novo desafio de luta para o coletivo
12
Caranguejo Tabaiares Resiste, a atuação
no combate à pandemia, distribuindo
da Rede Coppa, as ações de instalação
kit de higiene nas ocupações urbanas
de pias organizadas pela Habitat para
e seguiu propondo novas metodologias
a Humanidade Brasil, a assistência às
solidárias, como a articulação entre
trabalhadoras(es) ambulantes por parte
produtores agroecológicos e as ocupações
do SINTRACI, o apoio do Liberta Elas
com distribuição de cestas de orgânicos e
às mulheres privadas de sua liberdade,
a criação da campanha “Quem tem fome,
Fórum de Mulheres de Pernambuco e
tem pressa” da Articulação Recife de
tantas outras importantes experiências. A
Luta. É dessa última iniciativa que vamos
Fase Pernambuco foi uma das primeiras
falar um pouco mais, porque o “dar de
organizações a assumir a linha de frente
comer” se constrói com solidariedade e
articulação.
10 organizações e movimentos. Atingida
A Articulação Recife de Luta, criada
a meta inicial, além de se abrir para uma
em 2018 para incidir sobre o processo
segunda etapa com mais 14 comunidades
do Plano Diretor, foi progressivamente
e
se enraizando nos territórios e diante da
nessa rede de solidariedade, alavancou
pandemia, se viu desafiada a responder
processos de debate político e de pressão
a essa dimensão da política encarnada
organizada
da cidade, conciliando as dimensões
pautando medidas emergenciais para as
da
populações mais vulneráveis no contexto
organização
política,
mobilização,
comunicação e incidência. Partindo de um mapeamento de
agregando
diversas
na
organizações
gestão
municipal,
da pandemia. Isto, porque, como foi provado por
territórios, se pensou a primeira etapa da
estudo
realizado
pelo
Departamento
campanha. Ou seja, foram identificados
de Geografia da UFPE, a pandemia do
8 territórios, acompanhados por mais de
coronavírus, assim como a cidade, não é democrática. Ela mata na periferia o dobro do que mata em outras áreas. Foram importantes os resultados dessas incidências e falaremos dele nos próximos artigos. Mas é fundamental que se diga, mais importante do que ter conseguido arrecadar um total arrecadado, até o momento, de R$ 154.0333,20 graças a 1139 apoiadores e chegado a mais de 1500 famílias de 33 comunidades da Região
1 | Link da vakinha: https://www.vakinha.com.br/vaquinha/covid-19-kits-emergencia-para-familias-nas-periferias-do-recife
13
Metropolitana do Recife1, existem outros
local e a referência das mulheres negras e
saldos que merecem ser destacados.
da juventude periférica nos territórios.
Por
exemplo,
expressivamente
aumentou
a
amplitude
da
pela
solidariedade,
que
afirmativa nossa
da
disposição
Articulação Recife de Luta, agregando
para a construção de um Recife de Luta
novos
organizações,
levará a locomotiva da História para
ganhando escala metropolitana (já que
outros destinos, para a criação de um
atendeu a comunidades de Jaboatão,
território de justiça socioambiental, de
Olinda e Paulista) e criou vínculos
fortalecimento dos saberes tradicionais,
orgânicos de construção (como veremos
mas também de geração de novas
nos relatos das demais iniciativas da
arquiteturas sociais, de uma economia
Articulação).
política da cidade socializante de todos
territórios
e
Além disso, enfrentou o cenário de
os bônus, potencializadora dos sentidos
profunda crise vivenciada pelas famílias
comunais. Estarão no comando dessa
que não encontraram amparo imediato
locomotiva, aquelas e aqueles que nela
por parte dos Governos e manteve
nunca tiveram assento e que, por sua luta,
organizações mobilizadas num contexto
definirão novos rumos e ninguém ficará
de isolamento social. Principalmente,
para trás.
quando esteve em pauta também a questão
da
segurança
e
soberania
alimentar, o fortalecimento da economia
14
Mostrar,
/ORGANIZAÇÃO/
A solidariedade é um convite à ação política: a Articulação Recife de Luta e o Plano de Emergência para Prevenção do COVD-19 nas Periferias por FASE Pernambuco
F
omentar solidariedade em contextos
se constituindo no sentido de exigir dos
de crise é fundamental. Tão ou
Poderes Públicos medidas para a garantia
mais importante que isso é converter o
da quarentena digna, como, por exemplo,
sentimento e práticas de solidariedade em
o acesso universal à água, sendo esse um
organização e incidência política. Essa foi
serviço racionado em grande parte das
a tarefa tomada pela Articulação Recife
periferias da Região Metropolitana do
de Luta a partir da Campanha “Quem Tem
Recife’.
Fome Tem Pressa” e do questionamento
Foi a partir disso que se buscou criar
de como avançar para além de ações de
um espaço de debate político entre esses
fortalecimento das famílias com cestas
atores e se construiu isso em forma de
básicas.
seminário em 2 momentos. Um realizado
Isso
extremamente
no dia 06/05 e outra no dia 21/05, que
importante conseguir mobilizar apoio a 35
tinham em um primeiro momento o
comunidades, de 5 municípios da Região
objetivo de discutir a questão da água e da
Metropolitana
atendendo
infraestrutura nos territórios periféricos,
a 1.500 famílias. O que, em primeiro
mas os diálogos propiciaram outro nível
lugar, propiciou a integração de novas
de incidência e proposição. Isso pode ser
entidades e territórios à Articulação. A
atestado na amplitude das organizações
atuação da Articulação também já vinha
e
1
|
porque
do
foi
Recife,
territórios
que
participaram
dos
https://recifedeluta.org/2020/03/19/as-periferias-tem-o-direito-de-se-proteger-do-coronavirus-o-estado-deve-tomar-
medidas-urgentes-para-garantir-agua-para-todos/
15
momentos
propostos,
das
quais
destacamos o Centro Comunitário Mario de Andrade (Ibura, Recife), Associação de Moradores de 3 Carneiros (Recife), Ibura Mais Cultura (27 de Novembro,
Mulher de Passarinho (Recife), Ocupação
DOS ENCONTROS EM QUESTÃO SURGIU UM CONJUNTO DE ACÚMULOS E CONTRIBUIÇÕES, DOS QUAIS RESSALTAMOS 4
Nova Caxangá - Movimento Urbano
IMPORTANTES RESULTADOS:
Recife), Coletivos Populares de Paulista –
dos
COPPA
(Tururu,
Trabalhadores
Paulista),
Sem-Teto
Espaço
(MUST)
(Recife), Cooperativa Ecovida Palha de
1.
Arroz (Arruda, Recife), Associação de
Emergência
Moradores
(Recife),
COVD-19 nas Periferias, envolvendo
MTST - Aliança com Cristo, Fazendinha
medidas voltadas para População
(Recife) e Cuca Legal (Olinda), Grupo
em
Mulher Maravilha (Nova Descoberta,
Encarcerada, Imigrantes, Mulheres
Recife), CEPAS - Vila Santa Luzia, Rede
vítimas
Coque (R)Existe (Coque, Recife), Rede de
que moram em situação de risco,
Mulheres Negras, Coletivo Caranguejo
Comunidades, Medidas estruturais:
Tabaiares Resiste (Recife), Somos Todos
https://recifedeluta.org/2020/05/20/
Muribeca (Jaboatão), Livroteca Brincante
propostas-urgentes-para-prevencao-
do Pina (Bode, Recife), Pastoral do Povo
do-covid-19-nas-periferias/
da
Mustardinha
A construção de um Plano de
situação
de
para
de
Prevenção
rua,
violência,
do
População
Pessoas
de Rua, Habitat Para a Humanidade Brasil, FASE, CENDHEC, Adolescer (Santo
2.
O intercâmbio de experiências
Amaro e Vila Santa Luzia, Recife), Centro
de
enfrentamento
à
pandemia
Popular de Direitos Humanos – CPDH, Cooperativa Arquitetura, Urbanismo e Sociedade – CAUS, Núcleo de Assessoria Jurídica
Popular
-
NAJUP
/UFPE,
Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico
17
– IBDU, Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, dentre outras. que
O processo também contribuiu para
incluíram o monitoramento popular
que muitas representações populares
dos
presentes
nos
territórios
casos
nas
populares,
comunidades,
as
pudessem
ter
acesso
às
ações de solidariedade, ações de
novas ferramentas digitais, que foram
comunicação e informação, medidas
fundamentais para a construção política
reivindicatórias, etc.
em tempos de pandemia e isolamento social.
3.
A proposta de construção do
É importante reforçar que do ponto de
Observatório Popular de Direitos
vista da construção e renovação de uma
Humanos, responsável por receber e
agenda política, houve de forma evidente
encaminhar denúncias de violações
o cruzamento dos aspectos tradicionais
no período de pandemia: https://
do debate da reforma urbana e a agenda
observatoriodhpe.wordpress.com/
do direito à cidade com outros atores e sujeitos que até então não estavam tão
4.
e
presentes nas articulações locais, como
Defensoria
a população encarcerada e a população
Pública e Ministério Público para
em situação de rua. As questões de
encaminhamento das demandas.
gênero e raça também ganharam um
Realização
audiências
de
com
reuniões
assento maior nos processos, trazidos, por exemplo, a partir das questões do acesso à água. O universo de propostas ofereceu
18
uma grande diversidade também no
mais um momento de acúmulos, que
que diz respeito a direitos exigidos e
se desdobrou em necessárias ações de
demandas postas, como a ampliação dos
organização, comunicação, mobilização
restaurantes populares e do consultório
e incidência, junto à sociedade, mas
de rua; o atendimento psicossocial às
também em relação a instituições como
mulheres vítimas de violência; a garantia
a Defensoria e o Ministério Público. A
de abrigamento para elas, para populações
solidariedade
em situação de risco e de rua; campanhas
possibilidades que foram muito além de
de combate à violência contra as mulheres,
colocar comida na mesa, alimentou a luta
crianças e idosos; ações de comunicação e
e esperança em mudanças mais profundas
informação nas comunidades; a produção
e duradouras.
trouxe
aprendizados
e
de dados desagregados por raça e gênero; mas também demanda uma política urgente de saneamento e de moradia, incluindo
melhorias
habitacionais
e
utilização de imóveis vagos no centro. Habitação,
assistência,
saúde,
comunicação, alimentação, várias frentes de ação, conformando urgências para uma cidade em flagrante crise. Demandas frutos da construção de sujeitos que lidam diretamente com a realidade das desigualdades e vulnerabilidades urbanas. Como
veremos
adiante,
esse
foi
19
/MORADIA/
Um pé nas instituições, milhares nos territórios: Incidência Institucional da Articulação Recife de Luta junto à Defensoria e órgãos de Defesa de Direitos por Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (CENDHEC) e Habitat Para a Humanidade
I
deias não surgem no mundo para
Ações Judiciais pelo direito à moradia,
serem apenas ditas ou para constar em
judicializadas nas referidas Comunidades
documentos, é necessário ação política
e Territórios, fosse agora promovida pela
para defendê-las. Foi movidas(os) por
DPPE, através de seu Núcleo de Habitação
esse sentimento que a Articulação Recife
e Moradia.
de Luta buscou tirar do papel o Plano
Reforçar
os
laços
entre
atores
de Ações Concretas para a Prevenção
públicos institucionais estratégicos e as
do Covid-19 nas periferias. Por meio de
Comunidades e Territórios assumia locus
articulações previamente estabelecidas,
de centralidade para a Sociedade Civil
e nesse contexto fortalecidas, que a ARL
Organizada no contexto do Golpe de
buscou seguir. Trataremos aqui da relação
2015, marcado pela desdemocratização
que se constituiu com a Defensoria
neoliberal, a exemplo dos demais direitos
Pública de Pernambuco e outros atores
sociais, também o direito à cidade e a
institucionais.
agenda de reforma urbana passa a sentir
Temos, por exemplo, o fato de, a
a desconstrução do modelo de gestão
partir de 2017, o CENDHEC, membro da
franqueada pelo Golpe. Sob a caneta
coordenação da Articulação, ter reforçado
de Temer é aprovada a Lei 13.465 que,
a perspectiva de Diálogo Institucional
dentre outros descaminhos, culminava a
junto à Defensoria Pública do Estado
desconstrução do marco progressista da
de Pernambuco – DPPE, com especial
Regularização Fundiária.
atenção para que o acompanhamento das
Em que pese a acentuação da crise
21
democrática e de uma necropolítica num cenário de um Executivo Federal autoritário e com recortes de neofascismo, não poderia antever a Pandemia do Covid-19 e escalada sem precedentes das desigualdades demarcadas histórica e socialmente no Brasil. Isto numa Região Metropolitana de Recife que detém o
«Durante a pandemia, no ano de 2020, 320 famílias em Pernambuco foram despejadas e 2.293 famílias seguem ameaçadas de remoção.»
maior Índice de Vulnerabilidade Social - IVS (0,331) dentre as RMR’s analisadas
pela Rede Nacional de Advogados e
em estudo de abril de 2020 do IPEA1, o
Advogadas Populares, Defensoria Pública
índice está diretamente relacionado a
do Estado de Pernambuco e Tribunal
probabilidade de contágio. Dentre as duas
de Justiça de Pernambuco, originou a
cidades mais desiguais de todo o país2,
Recomendação Conjunta nº 2 de 2020, que
Recife acentua seu déficit habitacional de
orienta aos Magistrados pernambucanos
aproximadamente 300.000 pessoas.
pela não realização de reintegrações e
Durante a pandemia, no ano
despejos durante a pandemia, uma das
de 2020, 320 famílias em Pernambuco
únicas do Brasil até a edição da recente
foram despejadas e 2.293 famílias seguem
Recomendação do dia 23 de fevereiro
ameaçadas de remoção3. Neste sentido, e
de 2021, em que CNJ orienta ao Poder
desde dos instrumentos de incidência que
Judiciário a suspensão de atos de despejos
se viam construindo desde 2017, em junho
e remoções coletivas durante a pandemia
de 2020, uma atuação em rede realizada
da COVID-19, devendo-se ter em conta o
1|
Nota Técnica IPEA nº 15. Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais – DIRUR.
Apontamentos sobre a dimensão territorial da pandemia da Covid-19 e os fatores que contribuem para aumentar a vulnerabilidade socioespacial nas unidades de desenvolvimento humano de áreas metropolitanas brasileiras. Abril de 2020.
2 |
Disponível em: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/07/07/desigualdade-social-faz-com-que-o-recife-
tenha-um-dos-maiores-indices-de-mortes-por-coronavirus-diz-estudo.ghtml. Julho de 2020.
3|
22
https://www.campanhadespejozero.org/
grau de vulnerabilidade das comunidades. Outras encaminhamentos
pautas
interesse dos atores estatais e do mercado.
ajuizamento de ações sobre medidas
Foi nesse sentido que se deu a elaboração
relativas à população em situação de
de levantamentos relativos à situação da
rua, sobre o abastecimento de água. O
água e do transporte público, dois fatores
acesso à informação também foi uma
fundamentais de prevenção da pandemia.
ferramenta
aos
De um lado, a necessidade de higienizar
diversos pedidos de informação realizados
as mãos, as feiras, lavar as roupas em
pela DPPE, como, por exemplo, sobre as
um contexto em que o racionamento de
medidas tomadas pelo Consórcio Grande
água na Região Metropolitana do Recife
Recife e as empresas de ônibus durante a
foi exposto como chaga histórica dos
pandemia.
territórios populares. Por outro lado, uma
importante,
como
dados não era gerados, por falta de
o
dados,
tiveram
procedimentos foram criados e outros
devido
Acesso à informação que, diga-
verdadeira cruzada de trabalhadoras(es)
se de passagem, foi um grande desafio
e usuárias(os) para sobreviverem ao
da
serviço. Da luta para a implementação de
pandemia.
Até
porque
muitos
23
medidas de higienização, disponibilização
Os resultados desse levantamento ainda
da frota, contra a dupla função exercida
se encontram em análise, embora o que já
por motoristas até chegar ao aumento
fora trabalhado consta dessa publicação.
das passagens, vários foram os momentos
A ideia é que a parceria entre UFPE e
em que se deslocar na cidade foi se expor
Articulação
à violência e aos desmandos praticados
em relação a pesquisas com esse tema.
pelos empresários de ônibus.
Também ainda há a expectativa de que
Para mensurar o descaso relativo à questão da água nas comunidades, houve o engajamento das representações dos
aprofundamentos
haja uma ação da DPPE em relação ao transporte público. Houve
também
um
pedido
de
territórios, que receberam os calendários
informação sobre o acesso às cestas
para monitorar a chegada da água
básicas (quantidade distribuída, critérios,
nas seguintes áreas: Nova Descoberta,
fonte recursos) junto à Prefeitura do
Caranguejo
Tabaiares,
Muribeca,
Recife. Em ano eleitoral e com uma
Córrego
Euclides,
Mustardinha,
gestão marcada por relações clientelistas,
Ibura, Passarinho. Esse trabalho rendeu
a preocupação quanto ao uso dessas
resultados
cestas
do
semanais
e
uma
análise
mensal, ao fim de julho de 2020.
24
renda
para
fazer
jogo
político.
O
Conselho Municipal de Assistência Social
A pesquisa sobre o transporte
respondeu a esse pedido de informação.
público também contou com o apoio de
Em virtude das diversas barreiras
lideranças territoriais e buscou construir
encontradas no contexto do Judiciário
uma
e Executivo pernambucanos, tivemos
metodologia
adequada
para
o
acompanhamento de algo tão complexo
importantes
pontes,
como o fluxo de passageiras(os) nos ônibus.
resolutividade
relativa
mas das
uma questões.
Mas não deixa de ser importante frisar
aliança de profissionais comprometidas(os)
também
conjunta
com a defesa de direitos. Para construir
do Ministério Público e a Defensoria
agenda política para essas instituições
Pública, sobre a divulgação de boletins
é preciso ter definições estratégicas e
epidemiológicos com dados relativos à
organização política e é nessa direção que
raça/cor.
nós queremos avançar. Parafraseando um
a
recomendação
Podemos dizer que do processo de
dos slogans utilizados pela nova esquerda
várias reuniões e lives realizadas, o
no mundo, é acreditar que a mudança vai
diálogo no monitoramento, avaliação e
vir com um pé nas instituições e milhares
proposição de ações do Poder Público,
nos territórios.
os estudos e levantamentos produzidos, o principal legado foi uma interação de apoio mútuo com uma perspectiva de continuidade e de amadurecimento de metodologias que possibilitem qualificar a sociedade para a construção da incidência política e controle social. Em tempos em que as instituições foram
capturadas
por
uma
lógica
antidemocrática, importante reconhecer também que esse processo é histórico e que essa dinâmica está em disputa. Ela vai ser mudada pelo fortalecimento das organizações da sociedade civil e pela
25
/DE OLHO/
Quando o “ninguém solta a mão de ninguém” se encontra com “Nós por Nós”: o Observatório Popular de Direitos Humanos de Pernambuco (OPDH) por Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (CENDHEC)
D
iante da adoção de medidas rígidas
especial do direito à saúde, com fins de
de
da
monitorar e acompanhar o impacto da
instituição da quarentena no estado do
crise em populações e grupos em situação
Pernambuco através do Decreto nº 49.017,
de vulnerabilidade, de expressividade
de 11 de maio de 20201, em particular em
negra e pobre, no contexto da crise de
5 municípios da Região Metropolitana
pandemia do Coronavírus 19 (COVID-19)
do Recife, visando a redução do ritmo de
no Estado de Pernambuco, assegurada
crescimento de casos de COVID-19 e a
a
preparação do sistema de saúde para o
temporalidade das medidas restritivas
atendimento adequado e com qualidade
editadas no período.
distanciamento
social
e
razoabilidade,
proporcionalidade
e
às pessoas acometidas pela doença, as
Buscando criar uma metodologia de
entidades, organizações e movimentos
monitoramento da situação dos direitos
sociais signatários deste documento, se
humanos no contexto da pandemia, o
uniram para instituir o Observatório
OPDH aparece como uma demanda das
Popular de Direitos Humanos (OPDH),
comunidades e territórios e dos grupos
com atuação permanente, tendo como
em especial situação de vulnerabilidade
objetivo a proteção e defesa das liberdades
como
fundamentais e direitos humanos, em
população LGBTI, população encarcerada,
1 |
idosos,
mulheres
e
meninas,
Disponível em: https://legis.alepe.pe.gov.br/texto.aspx?id=50444&tipo=
27
migrantes, população negra, quilombolas,
dos
índios
relevância dos Direitos Humanos Sociais,
e
populações
tradicionais,
humanos,
de assentamentos rurais ou urbanos,
– DHESCA. Essa amplitude permitiu
pessoas com Covid-19 e trabalhadores
agregar outras organizações que não
da saúde ou de serviços essenciais, sob
compunham o espaço da Articulação
o marco dos princípios da razoabilidade,
Recife de Luta, como o Fórum Popular
proporcionalidade
temporalidade,
de Segurança Pública, Movimento PE de
não-discriminação,
Paz, Renap, CIMI, Comissão de Direitos
indivisibilidade e interdependência dos
Humanos da OAB/PE, Conselho Regional
direitos humanos, proibição do retrocesso,
de Psicologia, dentre outros atores.
igualdade
e
e
a
Econômicos,
e
Culturais
denotando
população em situação de rua, populações
da
Ambientais
da igualdade de gênero, do direito integral
Essa diversidade também resultou
à saúde, do acesso à informação e da
numa ampliação de temas, tendo como
segurança dos dados, da transparência
foco estabelecer atuação, especialmente,
e do direito à liberdade de expressão, da
através da recepção de denúncias com
participação popular, respeito ao Estado
foco nas de situação de risco para os
Democrático de Direito.
direitos humanos como consequência da
Essa ação se constitui, assim, de forma
exposição ao COVID-19, bem como através
independente no monitoramento das
de ação in loco para apurar violações de
ações que possam impactar, limitar ou
direitos humanos em todo o território do
restringir direitos, com vistas à prevenção
estado de Pernambuco, com a produção
e repreensão das ações, aquiescências
de relatórios para publicização e com
e omissões do Estado, ou seus de seus
recomendações ao poder público e demais
agentes, que impliquem em violações ao
atores envolvidos nos casos denunciados.
marco normativo nacional e internacional
28
direitos
Concretamente,
são
recebidas
por
Foram definidas algumas áreas para
e-mail ou via mensagem de whatsapp.
tipificação dos protocolos. Estas foram:
São divididas entre denúncias individuais, individuais emblemáticas e coletivas. A
1. Migração e refúgio, 2. Racismo, 3. Direito à cidade, 4.
Segurança Pública (socioeducativo e
política de drogas),
prioridade de encaminhamento são para as emblemáticas e coletivas, embora tenha se buscado pensar encaminhamentos para as individuais. Montou-se um exemplo de protocolo de encaminhamentos possíveis para casos de violação da população LGBTTI. Preocupou-se também com a segurança das pessoas denunciantes,
5. População em situação de rua, 6. Direito das Mulheres/Direito de Família,
abrindo a possibilidade de que as pessoas mantivessem o sigilo no momento das denúncias. O fluxo pensado para as denúncias foi o seguinte:
7. Acesso à info/controle social, Registro
8. Ambiental/Indígena, Amplificação
9. Criança e adolescente, 10.
LGBTTI,
11. Acesso ao Legislativo e 12. Saúde Pública
Encaminhamento Devolutiva Sistematização Do surgimento do Observatório até o final de 2020, além dos encaminhamentos
29
de casos individuais, ganharam relevância
Mato Grosso. A escandalosa injustiça
o acompanhamento de alguns casos.
ganhou
A saber:
mobilização
visibilidade do
na
mídia
Observatório,
por sendo
ele solto e pedida revisão criminal e O CASO MIGUEL OTÁVIO
indenizatória;
Caso da criança 5 anos morta num edifício de luxo do Recife, enquanto sua
SARA RODRIGUES E DÉBORA
mãe trabalhava de doméstica em plena
Presas sob acusação de tráfico de drogas
pandemia. O caso ganhou repercussão
durante
nacional e o OPDH deu visibilidade,
Sara estava grávida. O Observatório
participou
acompanhou
da
construção
do
ato
a
pandemia,
o
ambas
caso
da
mães.
delegacia,
#JustiçaPorMiguel e acompanha a mãe
repercutiu uma campanha de mobilização
de Miguel, Mirtes, por meio de assessoria
e
jurídica;
processo
manteve
assessorando
jurídico,
do
durante
qual
as
o
duas
respondem em liberdade; ALTO SANTA TEREZINHA Caso de violência policial. O OPDH
FERVEDOURO
recebeu a denúncia, compilou dados, deu
Conflito
visibilidade e encaminhou ofícios para a
agricultoras e Construtora. o OPDH é
PM e SDS. Após esses procedimentos, não
parte do GT da sociedade civil que está
se registraram novos casos e o território
articulando alternativas para proteção
continua em monitoramento;
dos moradores e também repercutiu o
fundiário
entre
famílias
caso; CASO ALEXANDRE DIAS BANDEIRA
30
O caso do trabalhador preso por um
LISTA ANTIFA
processo contra um homônimo seu em
Caso
de
dados
pessoais
vazados
a
partir da elaboração de uma lista de
enfrentar o caso de indígenas “marcados
ativistas rotulados como “antifas”, numa
para morrer” em Brejo dos Padres/PE. O
atitude de intimidação e perseguição
OPDH deu visibilidade ao caso;
política. Em articulação com a Comissão de
Participação
Popular
e
Direitos
OCUPAÇÃO RUA DA GLÓRIA
Humanos/ALEPE, o OPDH se reuniu com
O OPDH prestou atendimento jurídico na
representantes dos atingidos em PE para
hora da invasão policial e acompanhou os
traçar estratégias e acompanha o caso;
membros da ocupação levados à delegacia até sua liberação. Repassamos o inquérito
CISAM
pra mãe de um dos adolescentes e se
Atuação in loco no caso da menina
manteve o diálogo com a DPPE;
de 10 anos, que precisou recorrer ao procedimento de interrupção de gravidez
Os esforços que tornaram possíveis
por ter sofrido estupro do tio. O OPDH
a construção do OPDH como uma
participou também da construção de nota
ferramenta de luta em tempos de
e articulação com a Frente Nacional pelo
pandemia mostram o quanto a tecitura
Aborto e com as JUNTAS (Codeputadas/
de redes mais resistentes é possível
PSOL) para representação;
e
necessária.
Quando
uma
política
genocida está em curso e a solidariedade INVASÃO POLICIAL NO BODE
organizada é fator de vida ou morte,
O OPDH atuou em campo junto aos
precisamos mostrar que mesmo que a
moradores e seguiu com as denúncias
conjuntura não nos permita segurar as
para a corregedoria;
mãos da(o) outra(o), que a solidariedade de classe se manifesta de formas renovadas.
PANKARARU Articulação por meio do CIMI para
31
/COVID-19/
Monitoramento da ação do poder público no combate à pandemia para comunidades e população em situação de rua na RMR por Habitat para a Humanidade Brasil
ntre maio e junho de 2020 a
E
Região Metropolitana do Recife (17 em
Articulação Recife de Luta participou
Recife, 3 3m Igarassu, 2 em Jaboatão e 1
de um monitoramento nacional da ação do
em Olinda) e representantes de grupos
poder público na prevenção da COVID-19
ligados à população em situação de rua,
com grupos vulneráveis e comunidades,
entre maio e junho de 2020.
desenvolvido
pela
Articulação
por
Direitos na Pandemia.
No que se refere ao apoio humanitário, seja a partir da distribuição de alimentos,
O monitoramento foi desenvolvido
seja por repasse de auxílio financeiro,
com quase 200 comunidades ou grupos
as ações públicas foram insuficientes,
em 15 estados do país e tinha como
em
função
objetivos principais expor a situação
de
empobrecimento
desses grupos e comunidades e subsidiar
especialmente em função das restrições
ações de incidência política pela proteção
impostas
dos mesmos.
governo do estado, quanto as prefeituras,
Foram
abordados
oito
do
pela
quadro da
pandemia.
devastador população, Tanto
o
temas
priorizaram a distribuição de alimentos e
priorizados pela Articulação por Direitos
auxílio financeiro à famílias com crianças
na Pandemia no monitoramento: apoio
e jovens matriculados nas escolas públicas.
humanitário, acesso à informação, acesso à
Isso como tentativa de compensar a
serviços públicos, moradia e abrigamento,
falta da merenda escolar na vida dessas
transporte público, saúde e assistência
pessoas. Contudo, essas ações foram
social, militarização dos territórios e
questionadas pelas comunidades por sua
gênero e violência doméstica. Questões
descontinuidade, quantidade e qualidade
sobre esses temas foram respondidas por
dos alimentos e pelo valor reduzido do
representantes de 23 comunidades da
auxílio financeiro repassado pelo governo
33
do estado. Outras formas de distribuição
que havia acesso, porém restrito. Isso
de cestas básicas pelos governos foram
repercutiu especialmente na vida de
pouco reconhecidas pelas comunidades
crianças e jovens que tiveram seu direito à
escutadas. Mesmo as que reconheceram,
educação afetado durante a pandemia, seja
foi relata uma falta de transparência nos
por essas dificuldades com a internet, seja
critérios de distribuição.
pelo falta de equipamentos eletrônicos que
As comunidades também responderam
possibilitassem o acesso à aulas remotas.
quanto ao acesso ao auxilio emergencial
O acesso restrito à água foi o principal
repassado pelo governo federal e já
problema apontado pelas comunidades
naquele momento inicial do repasse desse benefício, quando ainda existiam vários problemas no acesso, pode-se observar nas respostas que em termos de abrangência, era o apoio que estava chegando a um maior número de pessoas. Os relatos sobre os problemas no acesso ao auxilio emergencial apontaram a falta de apoio para se cadastrar no programa e as dificuldades de acessar a internet como os principais problemas. O acesso à informação mais especifica para a prevenção da COVID-19 nas comunidades foi uma das importantes
«Os relatos sobre os problemas no acesso ao auxilio emergencial apontaram a falta de apoio para se cadastrar no programa e as dificuldades de acessar a internet como os principais problemas.»
lacunas da ação pública. Não considerar as
condições
especificas
desses
territórios, muitas vezes precárias, e trazer informação próxima das pessoas e em linguagem acessível foi sentida pela maioria das pessoas entrevistadas. Também se perguntou sobre as condições de acesso à internet e a maioria afirmou
34
durante a pandemia. O que já era precário, conseguiu ficar pior e medidas complementares
não
foram
tomadas
pelo governo do estado para possibilitar a devida higienização das pessoas, tão necessária para a não contaminação por
COVID-19. A água continuou chegando às torneiras apenas algumas vezes na semana para a maioria das comunidades escutadas. Muitas vezes os horários de chegada da água e a irregularidade no abastecimento sacrificavam ainda mais a vida dos moradores das comunidades, em especial das mulheres. Em relação à garantia de condições mínimas
de
isolamento,
se
buscou
saber se os governos promoveram ações especificas de melhorias habitacionais, auxílio moradia e abrigamento provisório para
moradores
Nenhuma
ação
das
comunidades.
dessa
natureza
chegou às comunidades escutadas, o que
certamente
gerou
dificuldades
na prevenção da contaminação por COVID-19, considerando a precariedade das condições de moradia nas mesmas. Por outro lado, ameaças de despejo não foram cessadas durante a pandemia, pondo em xeque a possibilidade de ficar em casa de centenas de famílias. Em duas das comunidades escutadas, Vila Sena em Recife e Selma Bandeira em Jaboatão, a ameaça de despejo foi relatada. Apesar das restrições de circulação no período em que o monitoramento foi aplicado, 80% das comunidades relataram superlotação nos transportes públicos. Isso
sinaliza fortemente para uma redução significativa de frota de ônibus no período, o que expos a população que precisava se deslocar por esse meio a um risco ainda maior. As medidas de proteção aos passageiros e trabalhadores estabelecidas pelo
Consórcio
Grande
Recife
não
foram cumpridas pelas empresas de ônibus e para mais de 60% das pessoas entrevistadas o transporte público piorou durante a pandemia. Sobre os serviços de saúde e assistência social voltados para as comunidades, ficou evidente que houve um impacto
35
Transporte público
Apoio humanitário Seja a partir da distribuição de alimentos, seja por repasse de auxílio financeiro, as ações públicas foram insuficientes.
Militarização dos territórios
Saúde e assistência social
As comunidades continuaram recebendo abordagens policiais violentas mesmo no período mais crítico da pandemia.
Há dificuldade de acesso aos testes para COVID e maior precarização do atendimento pela diminuição nos quadros de médicos locais.
na precarização ainda maior desses
comunidades
sérvios mais básicos, em função
recebendo abordagens policiais, mesmo
do
no período mais crítico da pandemia.
deslocamento
de
profissionais
para os hospitais que tratavam os infectados. Não ocorreram ações mais direcionadas de prevenção, detecção e isolamento das pessoas infectadas, o que pode ter contribuído com o grande
afirmaram
estar
Abordagens estas que ocorrem de forma violenta e expõem as pessoas a riscos adicionais, especialmente os jovens negros frequentemente alvos
volume de infectados e mortos nas
das operações policiais. Ainda sobre
comunidades da RMR. No período
a violência, perguntou-se se estava
da aplicação do monitoramento, a
existindo alguma campanha para
dificuldade de acessar os testes foi
prevenção da violência doméstica nas
um grande problema para moradores
comunidades e a resposta unanime foi
de comunidades. Mais de 80% dos entrevistados/as disseram que não contavam com testes para ninguém da comunidade. Quanto territórios,
36
Superlotação nos transportes públicos denotando uma diminuição da frota disponível.
à
militarização
cerca
de
50%
dos das
que não. Também não foi identificada instrumento ou estratégia de denuncia para os casos de violência pelas pessoas entrevistadas. No caso da população em situação de rua, foi observado que houve uma
Gênero e violência doméstica
Acesso a informação O acesso à informação mais especifica para a prevenção da COVID-19 nas comunidades foi uma das importantes lacunas da ação pública.
Não foram identificados novos instrumento ou estratégia de denúncia para combater o aumento nos casos de violência doméstica.
Acesso a serviços públicos
Moradia e abrigamento
O acesso restrito à água foi o principal problema apontado pelas comunidades durante a pandemia.
Ações de apoio à população em situação de rua foram consideradas completamente insuficientes e centralizadas.
tentativa de ampliar o atendimento,
monitoramento
contudo
negligência
com
insuficientes
ações e
completamente
poder
a
grande
público
em
Isso
promover ações especificas de proteção
ocorreu tanto com a alimentação, já
da população mais pobre das cidades.
que os restaurantes existentes estavam
Condições históricas de precariedade de
muito próximos e não asseguravam
serviços públicos e violação de direitos não
alimentação
pessoas
se alteraram e as ações emergências foram
nessa situação. Também ocorreu com os
bastante aquém do necessário. Isso pode
pontos de higienização, pias e banheiros,
explicar os altos índices de mortalidade
instalados de forma bastante insuficiente
entre moradores de territórios periféricos
e centralizada, o que de fato causou
apontados
dificuldades para o cumprimento de
tragédia seria ainda maior se não fosse
medidas básicas de higiene. Com relação
a organização dessas comunidades e as
aos abrigos, também foram considerados
diversas redes de solidariedade que se
insuficientes para a necessidade, além de
formaram para apoiá-las.
para
centralizadas.
do
identificou
todas
as
por
dados
oficiais.
Essa
estarem centralizados, o que dificulta o acesso para pessoas que vivem em outros bairros. Assim como em outros estados, o
37
/MULHERES/
Vozes-mulheres: falas, atos e propostas para um Recife de Luta por FASE Pernambuco
E
m uma de suas marcantes poesias,
mesmo que os ouvidos dominantes se
Conceição
escritora
façam de surdos, tentem silenciá-las.
brasileira, fala do eco das vozes de suas
Nesse sentido, mais do que uma agenda
ancestrais, que percorrem os porões do
política de 43 propostas para a cidade
navios-negreiros, passam pelo período
do Recife, o Seminário “áreas periféricas
de escravidão, cruzam a condição da
do Recife Construindo Agendas Locais
mulher negra trabalhadora doméstica,
para o Bem Viver nos Territórios de
chegam até ela e segue até sua filha com o
Resistência Urbana”, realizado no dia 23
ímpeto de se tornar eco da vida-liberdade.
de setembro de 2020, trouxe expressões
“Vozes-mulheres”1
importantes
Evaristo,
poderia
contar
a
para
a
construção
de
história de milhares de mulheres negras
uma cidade, partindo dessas vozes e
periféricas, mas também o encontro de
caminhadas.
suas vontades de mudanças. Não à toa é
Contemplando a realização da Plenária
evocado nesse artigo — que pretende falar
da Articulação Recife de Luta, onde foram
de um processo tocado em grande parte
definidas as propostas que constam na
por elas — vozes-mulheres e suas vidas de
Plataforma para as Eleições 2020, a
resistência.
atividade contou como a participação de
Isso porque, são essas vozes que
34 de organizações, de um campo popular
circulam as ruas das nossas cidades,
de sujeitos em luta: representações de
1 |
Texto disponível em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/literafro/autoras/24-textos-das-autoras/923-conceicao-
evaristo-vozes-mulheres . Acessado em 20 de fevereiro de 2021.
39
mais de 10 territórios, 6 organizações
atenção aos doentes, dentre outros. Por
não governamentais, entidades técnicas,
outro lado, foram elas que lideraram
grupos universitários, assim como outras
as
articulações, como a Rede de Mulheres
para que os territórios tivessem ações
Negras de Pernambuco. Nela, contou-se
de comunicação com informação da
também com uma participação de 80%
pandemia, comida na mesa, direito ao teto,
de mulheres, sendo 60% negros entre
à água e outros direitos. Em todas as lutas,
ações
de
solidariedade;
lutando
homens e mulheres. A “Plataforma de Propostas para um Recife de Luta” foi construída a partir de falas e debates realizados com 75% das intervenções feitas por mulheres. Destacamos que a Plataforma não reflete apenas um exercício
pontual.
Pelo
contrário,
representa o aprofundamento de um
«Em todas as lutas, percebe-se a liderança das mulheres, e, em grande parte, mulheres negras.»
processo e de uma aposta intencional
40
por fortalecer essas vozes e trajetórias.
percebe-se a liderança das mulheres, e, em
É do acompanhamento e vivência dos
grande parte, de mulheres negras.
territórios que surge a legitimidade e
O contexto eleitoral de 2020 foi um
criatividade dessas propostas que vem
dado da realidade ocorrido em meio à
subsidiando a agenda local de lutas. .
maior crise sanitária dos últimos tempos.
Se por um lado, é evidente que a
Por outro lado, foi aproveitado pelas
pandemia impactou mais a vida das
organizações como um espaço para
mulheres,
da
reformulação desse projeto de cidade,
população (queda da renda e aumento do
algo mais do que relevante já que falamos
desemprego), na sobrecarga de trabalho
da capital mais desigual do Brasil: Recife.
doméstico; do cuidado com a família;
Essa desigualdade ampliada na pandemia,
da exposição das mulheres à violência
revelaram condições de vida igualmente
doméstica pelo confinamento; além da
desiguais porque precipitaram a morte
no
empobrecimento
Enfim, nesse Seminário o debate foi
Moradia Popular no Centro, a defesa das
animado por esses acúmulos acima, mas,
Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS),
também pela força das vozes ecoadas
o acesso à terra, dentre outros;
pelas
mulheres
da
coordenação
da
Articulação Recife de Luta que, dentre outros, ajudaram a organizar eixos e temas abaixo:
1.
Urbano
recuperou
e
Gestão questões
relativas ao Plano Diretor, ao conflito entre a existência do Conselho da Cidade x Conselho de Desenvolvimento Urbano, etc.;
2.
Ambiente e Saneamento: aqui
diversas pautas postas, desde os Planos de
Planejamento
Democrática:
3. Meio
Manejo,
passando
pelo
próprio
desenho da política de Saneamento/ Abastecimento
de
Água,
até
a
possibilidades de construção de uma política de Agricultura Urbana para a capital;
4. Mobilidade e Transporte: colocava em
Moradia e Regularização Fundiária:
colocou a urgência da constituição de uma Política Municipal de Habitação, a necessidade de enfrentar a pauta da
contraposição da lógica da carrocracia e de mercantilização do transporte x o debate do Plano Cicloviário, da CPI/Auditoria do Transporte e outras iniciativas;
das pessoas em função da localização
que sustentam esse modelo de cidade
em que viviam na cidade, um perverso
baseado
entrelaçamento
neoliberalismo,
mulheres, da população negra e das
patriarcado e racismo desvelado pela
famílias trabalhadoras. Estremecer essas
Covid-19.
estruturas exige formulação coletiva de
entre
O que aprendemos é que não há como
pensar
um
enfrentamento
em
projetos
de
morte
de
um espaço urbano que expresse outras
à
construções, que gerem novas ativações
pandemia, sem questionar as bases
no cotidiano das pessoas, mas que
41
também vão forjando um novo sentido de
matas articulada a uma dinâmica de
produção urbanística.
moradia e usos populares.
Enfim, nesse Seminário o debate foi
De um modo geral, se afirmou que só é
animado por esses acúmulos acima, mas,
possível falar em direito à cidade quando
também pela força das vozes ecoadas
essas forem seguras para as mulheres,
pelas
quando
da
coordenação
da
efetivamente
se
valorizem
Articulação Recife de Luta que, dentre
os lugares da história negra; quando
outros, ajudaram a organizar eixos e
as mudanças e inovações do sistema
temas abaixo:
de transporte sejam para beneficiar o
Os diálogos não poderiam ir em outra
usuário dos serviços e não só os donos
direção que não fosse no intuito de tecer
de empresas. O combate à desigualdade
redes de relação entre os problemas
só se efetiva com garantia do acesso
diários dos territórios e a demanda por
aos serviços nas escolas, aos postos de
um planejamento e uma política urbana
saúde, quando a água chegar na torneira
que respondam a essas dimensões vividas.
da
Para as mulheres, não tem como discutir
quando o esgoto for tratado e não como
a revisão do plano diretor do Recife sem
se encontra hoje, passando na porta
pensar a vida de quem habita nas áreas de
das pessoas e inunda as casas de quem
morro. Não tem como pensar a questão da
mora nas comunidades populares. No
flexibilização dos parâmetros ambientais
Seminário ficou evidente que não adianta
na cidade (até aqui marcados para atender
o planejamento urbano oficial definir um
os interesses do capital imobiliário), sem
novo conceito (Comunidades de Interesse
fazer o debate do racismo ambiental e
Social - CIS) e, por outro lado, esconder
de uma perspectiva de conservação das
e atacar as ZEIS que são uma conquista
1 |
42
mulheres
https://www.instagram.com/luizzzamorgado/
casa
das
famílias
trabalhadoras,
popular.
viraram lambes, a partir da definição
Combate à desigualdade só se efetiva
de 13 propostas prioritárias que foram
com garantia do acesso aos serviços nas
ilustradas pela artista Luiza Morgado,
escolas, postos de saúde, quando a água
que também fez a relatoria gráfica
cair na torneira da casa das famílias
da plenária, diagramou a cartilha de
trabalhadoras, quando o esgoto seja
propostas e parte dessa publicação. Essas
tratado, e não passe na porta e inunde as
ideias-bandeiras
casas de quem mora nas comunidades
forma de vídeo, narrado e personificado
populares.
por mulheres em suas paisagens reais
Não adianta definir Comunidades de Interesse Social (CIS) e esconder e atacar as ZEIS.
também
ganharam
e periféricas, captados pelo olhar da cineasta e fotógrafa Priscilla Melo. Todos esses recursos surgiram para
Uma plataforma política precisa pensar
produzir alguma inovação frente às
que participação popular e planejamento
formas
urbano devem se voltar também para
da plataforma pelo Direito à Cidade no
a soberania dos territórios, para que
Recife em outros anos, além de garantir
se possa plantar e colher ali, ter seus
que
rios cuidados e, assim, esses territórios
sejam referência para os territórios e
estabelecerem suas próprias prioridades,
para a incidência junto à sociedade e aos
já que é aí onde pulsa a cidade.
governantes.
Foram
estas
demarcadas
outras
propostas
questões
duas
apresentação
Produções
coletivas
Também foi realizada uma live, que foi conduzida por Rud Rafael da Fase/
transformaram em outros instrumentos
Pernambuco, com a participação de
de
luta
Ediclea Santos do Grupo Espaço Mulher
2 |
https://www.instagram.com/priscillamelorec/
incidência.
Por
que
essas
de
se
e
nas
e
tradicionais
exemplo,
43
de Passarinho e Liliana Barros do Grupo Cidadania
Feminina,
sendo
depois
entregue a plataforma aos candidatos à prefeitura e vereadoras/es comprometidos com a luta pelo Direito à Cidade. Nesta atividade,
inclusive,
registramos
que
contamos com a participação de lideranças dos
territórios,
ONG’s,
candidatas
e
candidatos. Romper silenciamentos e trajetórias de opressão é desafio que exige organização coletiva e estratégia política. Esse tem sido um compromisso assumido pela Fase e pela Articulação Recife de Luta, assim como tem sido uma tarefa tocada cotidianamente pelas mulheres. Que a ressonância dessas vozes e práticas se convertam em morada para todas e todos em uma nova cidade que se constrói das resistências de até então e as que virão.
44
/CONCLUSÃO/
Transformar luto em luta e reorganizar a esperança
E
speramos ter trazido até aqui uma visão geral dos processos desenvolvidos em 2020 pela ARL, mas não pretendemos que esse seja um
ponto final nas dinâmicas políticas abertos nesse percurso. Ate porque seu elemento mais dinâmico é justamente o papel dos movimentos e organizações sociais no enfrentamento das diversas crises enfrentadas nesse ano que encerrou uma década marcada por muita atribulação política. Nesse sentido, a memória nos faz lembrar de processos traumáticos, mas também serve para que não esqueçamos de fatos que produziram mudanças nas nossas vidas e na realidade social como um todo. Nesse sentido, pensamos a memória como uma chave para ampliar a nossa rede hoje, mas também para dar referência de como aprendemos e intervimos nessa história para criar novos caminhos. Mais de 1.500 famílias atendidas em 35 territórios da RMR numa campanha de solidariedade pode representar um dado estatístico, mas também expressar milhares de histórias que não foram interrompidas pela política de genocídio implementada no país e honrar a dedicação de tanta gente que lutou contra ela. Lutou nos territórios, nos movimentos sociais, nas diversas organizações e instituições que formaram uma linha de frente no combate ao coronavírus, às estruturas da desigualdade e ao avanço do projeto de morte neoliberal, racista e patriarcal.
45
Não evitamos perdas como as de Miguel Otávio, menino de 5 anos, que teve sua vida interrompida ao despencar de uma das Torres Gêmeas, em virtude do abandono doloso da patroa da sua mãe, Sari Corte Real, representante de uma família tradicional da política no estado. Também não foi possível evitar a partida da querida Lucia Moura, da Associação de Moradores das Graças, que deu sua contribuição generosa à caminhada da Articulação Recife de Luta. Lembrá-las(os) aqui também é uma questão de justiça. Merece destaque também a possibilidade de aglutinar um polo de produção de informações e saberes, envolvendo diversos atores, que foram desde os coletivos periféricos até a Defensoria Pública. Criar subsídio que possa colocar em xeque a narrativa oficial, mesmo que do ponto de vista do sensível seja tarefa óbvia (porque as pessoas estão ali vivendo o problema), não foi/é tarefa simples. Nossa esperança é que a convergência de esforços que tornaram possível as ações aqui enunciadas envolvam ainda mais gente convicta de que não dá para conviver com uma cidade com tanta gente sem casa e tanta casa sem gente. Que não dá para ignorar o potencial do Recife para inovações que garantam água, transporte de qualidade, uma cidade que supere sua herança colonial e onde todas e todos partilhem dos bônus de uma cidade construída coletivamente. O Recife como uma utopia viável, que se torna vivida pela organização, criativa e combativa. Porque as reinvenções da cidade estão aí no cotidiano e é preciso atenção para percebê-las.
46
anexos
/ANEXO 1/
Monitoramento do fornecimento de água (COMPESA) na cidade do Recife
O
s movimentos e organizações não-
critérios
governamentais que compõem a
ruas estratégicos para que fosse possível
Articulação Recife de Luta produziram
compreender as dinâmicas da distribuição
este levantamento com o objetivo de
dentro dos bairros). Para complexificar
confrontar
declarações
o estudo, os dados fornecidos pelas
oficiais da Companhia Pernambucana
moradoras e moradores foram cruzados
de Saneamento (COMPESA) de que há
com as informações oficiais para cada
regularidade no fornecimento de água
bairro
nas regiões periféricas.
COMPESA em seu site oficial (https://
as
reiteradas
Nesse sentido, durante o mês de julho, o fornecimento de água foi monitorado diariamente
fornecidas
pela
servicos.compesa.com.br/calendario-deabastecimento-da-compesa/).
Córrego do Euclides, Nova Descoberta,
as informações oficiais da COMPESA
Mustardinha, Ibura e Muribeca. Para
são absolutamente inconsistentes. Os
que houvesse a maior cobertura espacial
dados coletados in-loco apontam muito
e confiabilidade dos dados levantados
mais dias sem água nas torneiras do que
as lideranças dos bairros distribuíram
o Calendário de Abastecimento aponta.
o
o
Além da ausência de abastecimento,
estudo (ANEXO I) em residências pré-
em muitos dias a pressão da água era
selecionadas,
muito baixa, o que impossibilitava o
confeccionado
escolhidas
a
para
partir
de
Texto disponível em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/literafro/autoras/24-textos-das-autoras/923-conceicao-
evaristo-vozes-mulheres . Acessado em 20 de fevereiro de 2021.
48
II),
e
De forma geral é possível afirmar que
1 |
seguintes
(ANEXO
(pontos
bairros:
calendário
nos
georreferenciados
Monitoramento do fornecimento de água (COMPESA) na cidade do Recife
abastecimento das caixas d’água.
arboviroses (dengue, chikungunya, etc.),
A heterogeneidade do fornecimento em uma mesma área de abastecimento (delimitação
oficial
da
COMPESA)
assim como facilita a disseminação da Covid-19. Para
facilitar
a
os
leitura
confirma a baixa pressão no fornecimento.
informações,
Esta é uma realidade especialmente
sistematizados
dramática nas áreas de morro da Zona
calendários, como é possível ver nas
Norte da cidade.
tabelas abaixo. Em todas elas a primeira
em
dados
das
formato
foram de
O grande intervalo no fornecimento
linha representa os dias do mês de
de água junto à baixa pressão nos raros
julho; a segunda representa os dados do
momentos de fornecimento impedem,
Calendário Oficial da COMPESA. Abaixo
até mesmo, o armazenamento adequado
estão representados os pontos em que
da água. O armazenamento inadequado
foram realizados o monitoramento.
aumenta a exposição dessas populações à LEGENDA As letras representam: OF
As cores representam:
Calendário oficial
Calendário oficial
X
Ausência de fornecimento
Inexistente fornecimento e incompatível com a informação oficial
V
Fornecimento parcial
Existe fornecimento e é melhor do que o dado oficial
O
Fornecimento durante todo o dia
N
Não houve informação
Fornecimento em um período do dia, o dado oficial aponta para fornecimento durante todo o dia. A informação não foi coletada ou coincide com o apontado pelo calendário oficial
49
50 2 X V X O X
21 V
O X X V
1
X
X
X
X
X
20
O
V
X
O
V
OF
A
B
C
D
OF
A
B
C
D
X
X
X
X
V
22
X
V
O
V
X
3
V
V
V
X
O
23
X
X
X
X
O
4
V
O
V
V
O
24
X
V
X
X
V
5
V
O
X
X
V
25
V
O
X
V
V
6
N
O
X
V
V
26
X
X
O
V
O
7
X
O
V
V
O
27
X
X
X
X
O
8
N
O
V
V
O
28
N
V
X
X
V
9
(Área 5 | Rua Alto Nossa Senhora de Fátima/Rua Eucalipto)
CÓRREGO DO EUCLÍDES
N
O
V
V
V
29
V
O
X
V
V
10
N
O
X
V
V
30
X
X
X
V
O
11
N
O
O
V
O
31
X
O
X
X
O
12
V
V
X
X
V
13
N
O
V
V
O
15
V
O
O
V
O
16
V
X
X
X
V
17
V
O
X
X
V
18
V
O
X
V
O
19
D | Rua Capixaba
C | Rua Córrego do Euclides
B | Rua Piaui
A | R. Sergipe
OF | Calendário Oficial
X
O
X
V
V
14
/ANEXO 1/
2
O
N
N
X
21
O
V
X
O
1
O
N
N
X
20
V
X
V
X
OF
A
B
C
OF
A
B
C
O
V
V
O
22
X
N
N
V
3
V
N
X
V
23
V
N
N
V
4
O
N
X
V
24
X
N
N
O
5
X
N
N
O
25
X
N
N
O
6
X
N
N
O
26
X
N
N
V
7
V
N
N
V
27
X
N
N
V
8
O
N
N
V
28
V
N
V
O
9
(Área 5 | Rua Alto Nossa Senhora de Fátima/Rua Eucalipto)
NOVA DESCOBERTA
X
N
N
O
29
X
N
V
O
10
X
N
N
O
30
O
N
X
V
11
O
N
N
V
31
O
N
V
V
12
X
V
V
O
13
X
V
X
V
15
O
X
X
V
16
X
V
V
O
17
X
X
V
O
18
V
X
X
V
19
C | Rua Pedro da Cocada
B | Segunda travessa Maripá
A | Rua José Carneiro Lins
OF | Calendário Oficial
X
V
X
O
14
Monitoramento do fornecimento de água (COMPESA) na cidade do Recife
51
52
2
V
N
X
N
21
V
V
X
V
1
V
N
X
N
20
V
V
X
V
OF
A
B
C
OF
A
B
C
MUSTARDINHA
V
O
V
V
22
N
X
N
V
3
V
O
V
V
23
N
X
N
V
4
V
X
V
V
24
N
X
N
V
5
V
V
V
V
25
N
X
N
V
6
V
V
O
V
26
N
X
O
V
7
V
V
O
V
27
N
X
O
V
8
V
V
O
V
28
N
X
O
V
9
V
X
O
V
29
N
X
V
V
10
V
X
O
V
30
N
X
N
V
11
V
X
O
V
31
V
O
N
V
12
V
V
V
V
13
V
V
X
V
15
V
V
X
V
16
V
V
V
V
17
V
V
V
V
18
V
V
V
V
19
C | Rua Dr. João Costa
B | Rua Major Mario Portela
A | Rua Ângelo Agostini
OF | Calendário Oficial
V
V
X
V
14
/ANEXO 1/
2
V
N
N
N
N
21
V
V
V
V
X
1
V
N
N
N
N
20
V
V
V
V
V
OF
A
B
C
D
OF
A
B
C
D
IBURA
X
X
X
V
V
22
N
N
N
V
V
3
X
V
X
V
V
23
N
N
N
N
V
4
V
X
X
X
V
24
N
N
N
N
V
5
X
V
V
X
V
25
N
N
N
N
V
6
N
X
V
X
V
26
N
N
N
N
V
7
X
V
V
V
V
27
N
N
N
N
V
8
N
X
V
V
V
28
N
N
N
N
V
9
X
V
V
V
V
29
N
N
N
N
V
10
N
X
X
X
V
30
N
N
N
N
V
11
X
X
X
X
V
31
X
V
V
V
V
12
V
V
V
V
V
13
V
V
V
X
V
15
X
V
V
V
V
16
V
V
V
V
V
17
X
V
V
V
V
18
V
V
V
V
V
19
D | Rua Potiguar
C | Rua Monsenhor João Olímpio
B | Rua Rio das Pedras
A | Rua Rio do Prata
OF | Calendário Oficial
X
V
V
V
V
14
Monitoramento do fornecimento de água (COMPESA) na cidade do Recife
53
54
O
O
O
X
21
X
O
O
O
X
X
X
O
20
O
V
V
X
OF
A
B
C
OF
A
B
C
X
O
O
O
22
O
X
X
X
3
N
O
O
X
23
X
V
V
O
4
N
O
O
V
24
O
O
X
X
5
N
O
O
V
25
X
V
V
O
6
N
X
X
V
26
O
X
X
X
7
N
X
X
V
27
X
V
V
O
8
N
O
O
V
28
O
O
O
X
9
N
O
X
V
29
X
O
O
O
10
N
O
O
V
30
O
X
X
X
11
N
X
X
V
31
X
O
O
O
12
*Obs: Quadra 1 não teve pressão durante os 20 dias iniciais do mês, impossibilitando o abastecimento das caixas d’água.
2
1
(Área 1 | Conjunto Muribeca, Área 2 | Conjunto Brasil Novo)
MURIBECA
O
O
O
X
13
X
V
V
O
X
X
X
15
X
O
O
O
16
O
V
O
X
17
X
V
V
O
18
O
X
X
X
19
C | Rua Cabo
B | Rua Armando Tavares
A | Rua do Espinheiro
OF | Calendário Oficial
O
14
/ANEXO 1/
2
O
X
21
X
O
1
X
V
20
O
X
OF
A
OF
A
(Área 5 | Nova Aliança)
MURIBECA
X
O
22
V
X
3
O
X
23
X
O
4
X
V
24
O
X
5
O
V
25
X
O
6
X
V
26
O
X
7
O
V
27
X
O
8
X
V
28
V
X
9
X
V
29
O
O
10
O
V
30
O
X
11
X
V
31
X
O
12
X
X
13
X
V
X
15
X
O
16
O
X
17
X
O
18
O
X
19
A | Rua Joaquim dos Amores
OF | Calendário Oficial
O
14
Monitoramento do fornecimento de água (COMPESA) na cidade do Recife
55
/ANEXO 2/
Resumo da avaliação dos dados de monitoramento do transporte público por Diogo Galvão – Prof. de Arquitetura e Urbanismo (ESUDA)
A
s informações produzidas foram elaboradas a partir de imagens
retiradas do
por
voluntários
transporte
público
usuários da
por pessoa (p/m²) (Símbolo: traçado verde); 2)
Distanciamento
Conselho
Estadual
indicado de
Saúde
pelo de
Região
Pernambuco² (CES PE), que limita a 30%
Metropolitana do Recife, utilizando a
o número de passageiros, sendo este o
ferramenta
máximo tolerável.
Timestamp Camera, que
Como o Consórcio
permite anexar nas fotos as coordenadas
Grande Recife (CGR) indica a lotação
e horário do momento
que foram
máxima de 6 pessoas por m², obtém-se
efetuadas. Posteriormente as imagens
um valor aproximado de 2 pessoas por m²
foram georreferenciadas, criando um
(2 p/m²) (Símbolo: traçado amarelo);
banco de dados com variáveis de volume de pessoas por m², horário, local e linha de ônibus. A
sistematização
dos
Análise do nível de distanciamento dos passageiros no transporte público
dados
volumétricos seguiu 3 agrupamentos de valores, a saber: 1)
Distanciamento
indicado
pela
Organização Mundial da Saúde¹ (OMS), que preconiza um espaço mínimo de 1m²
1 |
Texto disponível em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/literafro/autoras/24-textos-das-autoras/923-conceicao-
evaristo-vozes-mulheres . Acessado em 20 de fevereiro de 2021.
56
Resumo da avaliação dos dados de monitoramento do transporte público
3) Distanciamento reduzido em 60% indicado pelo CGR, observando que este
sugere aglomerações preocupantes nestes terminais.
agrupamento representa todos os valores
4) As viagens que saíram de terminais
acima dos 60% de lotação. Sendo o valor
de bairros, não saem lotadas, mas em
a partir de 4 pessoas por m² (+4 p/m²)
menos
(Símbolo: traçado vermelho)
já se classifica como indevida. Vale
*Trechos
sem
valores
ou
de 20% do percurso a lotação
não
indicar o papel crucial do cobrador nesta
informados apresentam simbologia por
perspectiva de controle do volume de
traçado de cor cinza.
usuários. 5) Os centros secundários e principais
QUANTO A OBSERVAÇÃO:
(Paulista e Recife), por óbvio, são pontos gravitacionais de escoamento de usuários,
1) Os trechos analisados estão em sua totalidade focados na mobilidade de
o que não nos permitiu analisar todo o percurso das linhas estudadas
trabalhadores no sentido subúrbio-
centro, no momento da pesquisa havia
//ANÁLISE POR PERCURSO
paralisação das atividades educacionais, bem como redução na frota (verificar percentual)
A) Alto José Bonifácio/ João de Barros: Ainda nos morros da zona norte do
2) A pesquisa calculou as distâncias
Recife o ônibus passa a ter o máximo de
percorridas por cada grupo (apresentado
ocupação tolerável, ao chegar no centro
acima), obtendo valores alarmentes:
secundário
3)
Os
terminais
integrados
da Encruzilhada, há um
se
aumento exponencial de usuário, fazendo
mostraram insuficientes ou saturados
com que até seu trecho final (retorno) seja
para o escoamento seguro dos usuários.
classificado como lotação indevida, com
Seja a viagem iniciada em terminais
mais de 4 passageiros por m²
fazendo
B) UR2 (Ibura)/ Tancredo Neves:
integração no percurso (Pelópidas, PE-
As URs são bairros de alta densidade
15, Tancredo Neves) as viaturas sempre
populacional,
saíram com a lotação indevida. O que
ônibus do terminal de bairro já na lotação
(Xambá)
ou
os
usuários
isto reflete a partida do
57
/ANEXO 2/
máxima, a viagem
tem um pequeno
Caxangá, possivelmente por escassez de
percurso até o Terminal integrado, o que
linhas que liguem zona oeste do Recife
só faz aumentar o número de passageiros
com o centro norte do Recife e Olinda. A
e poucos descem antes do ponto final.
lotação segue até o centro secundário da
É importante indicar a
Encruzilhada, onde o voluntário desce e
reclamação
quanto
a
recorrente saturação
da
E) T.I. Xambá (Cabugá): O ônibus já sai
estrutura do T.I Tancredo Neves. C) Paratibe/ Pelódias – Pelópidas/ PE-15
–
PE15/Afogados:
De
lotado do terminal (o que é corriqueiro) e
caráter
segue recebendo cada vez mais usuários
intermunicipal, este percurso utilizou ao
até pegar o eixo da Cruz Cabugá. Nesta
todo 3 linhas, sempre fazendo conexões
avenida há certo esvaziamento no centro
nos terminais (Pelópidas e PE-15). O início
expandido (Shoppings e empresas de
da viagem é caracterizado por subidas
telemarketing), mas ainda há passageiros
volumosas de
usuários, no segundo
em pé, por fim, no centro de Recife onde o
bairro (Jardim Paulista) já se encontra
sentido se torna centro-subúrbio a viatura
com lotação indevida, mas logo há uma
se encontra vazia.
redução de usuário devido a passagem pelo centro comercial de Paulista. Deste até o terminal Pelópidas não há ganho expressivo de usuários.
Entretanto, ao
fazer a troca de linha no terminal, o voluntário já sai em ônibus lotado até o terminal de PE-15. Na segunda troca, a viatura não sai lotada, possivelmente por não mais seguir no eixo principal de deslocamento (Norte-Sul). Apesar de sair deste sentido para o centro do Recife, o ônibus torna a lotar após passagem por bairro residencial (Aguazinha). D) Rio doce/CDU: Lotação no início da
58
não há mais informações.
Resumo da avaliação dos dados de monitoramento do transporte público
59
/ANEXO 2/
60
Resumo da avaliação dos dados de monitoramento do transporte público
61
/ANEXO 2/
62
Resumo da avaliação dos dados de monitoramento do transporte público
63
/ANEXO 3/
Propostas: Plano de emergência para prevenção do COVID-19 nas Periferias do Recife
64
Propostas - Plano de Emergência para Prevenção do COVID-19 nas Periferias do Recife
65
/ANEXO 3/
66
/ANEXO 4/
Cartilha: Plataforma de propostas para um Recife de Luta
2020
67
/ANEXO 4/
68
Cartilha: Plataforma de propostas para um Recife de Luta
69
Esta publicação presta a devida homenagem a um dos personagens políticos que mais pautou a necessidade de reinventar o Recife na última década: Leonardo Cisneiros (1976-2021). Professor da UFRPE, Leonardo deu importante contribuição para luta urbana como integrante do Grupo Direitos Urbanos Recife e da Articulação Recife de Luta. Difícil pensar as resistências pelo Cais José Estelita, por moradia popular no centro, pela gestão democrática da cidade sem ele. Suas utopias de socialização da cidade serão sempre lembradas e vividas nas nossas resistências. #LeonardoCisneirosPresente
Parece muita ousadia falar em reinvenção das cidades, algo despropositado em um contexto de tantas perdas, de tanta dor, de pandemia e pandemônio. Mas não foi justamente a isso que fomos todas(os) nós convocadas(os)? Sobreviver à pandemia na capital mais desigual do país exigiu muita imaginação política e resistência. Da devastação dos empregos perdidos, dos desafios do isolamento social, da falta d’água na torneira até pegar o busão lotado. Tudo exigiu de nós que não naturalizássemos a catástrofe, que encontrássemos meios de enfrentar coletivamente uma questão que era e continua sendo de saúde pública e de tantos outros direitos sociais ameaçados ou não garantidos.