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Lutas, vitórias, derrotas
by ONG FASE
Os trabalhadores nunca deixaram de travar suas lutas de resistência à expropriação e às más condições de trabalho que lhes são impostas. Essa é uma história não contada, ou má contada: a das reações do dia-a-dia contra situações de opressão, através de movimentos mais organizados ou mais espontâneos e imediatos, isolados ou mais generalizados, individualizados ou coletivos, com formas de consciência diferenciadas ... É a história "invisível" das lutas sociais, mais escondida e não registrada ainda quando seus atores são trabalhadores rurais, os marginalizados por excelência.
Qualquer trabalho de intervenção social vai-se fazer em cima dessa experiência acumulada do grupo, com seus saldos negativos ou positivos. lnfelizmerite não temos um registro e uma avaliação mais 'COmpletos da história passada de lutas e conflitos na área.
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Já durante o período de atuação da primeira equipe da FASE no município, ocorreram algumas lutas de resistência contra a expulsão da terra pelos grileiros. Delas têm saído lideranças e trabalhadores que se· engajam em outros movimentos, como o sindical.
A questão da saúde é evidentemente crítica para esses setores da. população, e lutas nesse sentido também começaram a surgir, nesse período, com um caráter reivindicativo, dirigido aos serviços públicos. Com relação ao sindicato, a luta pela distribuição efetiva das guias de atendimento médico a todos os trabalhadores, combatendo as relações de clientelismo, foi um movimento importante.
Assessorados pela equipe da FASE, os trabalhadores começaram a implementar, também, algumas formas organizativas de resistência económica. Criou-se a primeira cantina comunitária, espécie de associação de compra e venda que libera os trabalhadores da eterna dependência aos comerciantes locais. Os "mutirões" - formas de trabalho agrícola em comum - começam a ser valorizados nesse período. Essas atividades de cunho económico têm, obviamente, desdobramentos a outros níveis de ordem mais propriamente política, e serão retomadas mais adiante.
Esses poucos exemplos servem para se ter uma idéia do clima vivido pelos trabalhadores na área, nesse período de finais da década de 70 e inícios de 80: um recrudescimento de lutas pela terra, de lutas de resistência às pressões dos grandes proprietários, comerciantes e grileiros da região, de lutas pela melhoria das condições de vida. Conflitos, pequenos grupos mobilizados em torno dessas questões, surgem aqui e ali, pelo município. Ao lado disso, desenrolava-se a luta da oposição sindical. Por duas vezes consecutivas, viram-se derrotados os esforços de tomada da diretoria do Sindicato por um grupo de trabalhadores que se ligava às lutas de sua categoria e se firmava enquanto oposição aos setores dominantes locais. Foram duas as eleições em que os lavradores enfrentaram os pelegos do sindicato e seus aliados: 1979 e 1982. Duas derrotas cujo pano de fundo, como normalmente acontece no campo, foram a violência e a corrupção mais grosseiras. Os trabalhadores ainda não estavam organizados o .·sufic.iente para enfrentarem com sucesso esse tipo de tática usada pelos seus opositores, na realidade todos os setores dominantes locais, defendidos pelo aparato policial e do Estado.
A intervenção educativa da FASE deu-se no interior de todo esse quadro de lutas, visando fundamentalmente à formação das lideranças surgidas no movimento e à grupalização dos lavradores, em torno das lutas travadas no murJicfpio. Como fruto desse trabalho, surgiu o Movimento Lavradores Unidos, com o objetivo de não só os próprios lavradores,
como também suas mulheres e filhos. O eixo central do Movimento era o trabalho sindical, tendo-se criado uma equipe de educação nesse sentido, composta de sete trabalhadores. Sua função era a de realizar o trabalho nas bases, dividindo-se seus elementos em quatro áreas, com o objetivo de fundar delegacias sindicais em três delas e de revitalizar uma quarta já existente, funcionando com as práticas tradicionais do sindicalismo descomprometido, ou seja, existindo apenas para fornecer guias de atendimento no FUNRURAL e receber mensalidades. Como se vê, os esforços da equipe de educação popular centraram-se na construção de um sindicato combativo, visto como a organização básica e fundamental para a condução das lutas dos trabalhadores do município. Essa conquista, no entanto, não se mostrou fácil exatamente por isso: manter o controle da entidade sindical é ponto central, na estratégia de dominação sobre os trabalhadores, construfda localmente. Se, por um lado, todos esses anos de trabalho pela construção de uma oposição certamente trouxeram saldos importantes para a mudança de consciência e a organização dos trabalhadores, por outro lado as derrotas sofridas tiveram um efeito desmobilizador a curto prazo. No final de 1983, o movimento de trabalhadores em Nova Timboteua encontrava-se envolvido com uma série de impasses, e com ele também os agentes da FASE.
Os impasses
O trabalho de intervenção educativa, durante esse perfodo, caracterizou-se por dois tipos de atividades: a grupalização e a formação de quadros. O saldo desse trabalho, em finais de 1983, pode-se resumir da seguinte forma:
a) A existência, na região, de vários grupos de reflexão e ação com diferentes composições, orientados por diferentes objetivos especfficos e dispersos nas diferentes comunidades de atuação da FASE e da Pastoral (Comissões de terra, grupos jovens, de mulheres, de catequese, etc.).
b) Grupos de lideranças que vinham cultivando a prática do estudo e da avaliação passando pelas duas eleições sindicais, o que lhes facultava o conhecimento de informações básicas importantes para a continuação do trabalho sindical.
c) A capacidade de reunir periodicamente cerca de 40 lavradores vindos de todo o município, para discussão de propostas de trabalho, intervenções nas assembléias sindicais, mobilizações em datas Dia do Trabalhador Rural, 1 º de Maio, etc. como o
d) O incentivo e desenvolvimento de alguns mecanismos tradicionais de resistência econômica, como os mutirões e o início da implantação das cantinas comunitárias.
No entanto, por essa época, a mesma preocupação começava a ser expressa tanto por camponeses como por agentes da FASE e da Pastoral: por que o trabalho por eles desenvolvido não estava crescendo? Nos termos em que os agentes colocavam as questões: "o trabalho não conseguiu ampliar para além dos seus núcleos combativos; e não foi falta de encontros ou articulações - os camponeses foram lançados até no CONCLAT ... " Ou então, mais incisivamente, nas palavras de um agente de pastoral: "nosso trabalho está esfacelado, não penetrou na massa". Ou ainda: "temos aqui grupos de mulheres, de agricultores, etc., mas são grupos funcionando em separado; alguns começam a entrar em estagnação". Entre os lavradores também se encontrava presente a preocupação com o crescimento do movimento. Já num encontro realizado em janeiro de 83, colocavam na pauta para debate dois pontos: "como crescer o movimento" e "necessidade de pensar sobre uma coordenação atuante para o movimento".
Exemplos da fragilidade da organização conseguida davam-se sobretudo em situações de confronto com a diretoria sindical. Lê-se num relatório elaborado nessa época pela equipe de agentes, a respeito da atuação do grupo de lideranças considerado então como o mais combativo: "Esse grupo é realmente aceito pela massa: não só pelo discurso que é convincente, mas por toda a história de compromisso deles com os companheiros. Sempre têm marcado sua presença nas lutas sindicais, nos conflitos de terra, na busca de melhoria no campo da saúde. Nas assembléias sindicais apresentam posições que são bem aceitas, realmente; só que às vezes faltam-lhes
garra ou táticas para fazê-las prevalecer ante os manobrismos da diretoria pelega. Já aconteceu que a oposição, tendo maioria, não conseguiu fa-
zer prevalecer suas reivindicações." Outro exemplo importante, pela significação que adquiriu num determinado momento, foi o da expulsão de 31 sócios do sindicato, por manobras da diretoria -obviamente, 31 camponeses com atuação na oposição sindical. O movimento que se fez para reintegrá-los à entidade não deu resultado, sendo que a maioria dos trabalhadores expulsos dispersou-se, abandonando o quotidiano das lutas.
Essas derrotas atestaram a crise de crescimento do movimento de trabalhadores na área. Ao mesmo tempo, cada uma delas repercutia de forrna negativa sobre os ânimos dos lavradores.