Edição 52, março / 1992

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Saber e deixar de saber

Pedro Benjamim Garcia*

"Mas, por outro lado, a comunicação entre essa camada e a massa realmente do povo é dificultada pela distância enorme que se formou . É preciso ter em conta que o povo é analfabeto até o presente, que o povo não tem acesso às escolas e, por outro lado, ele recebeu contribuições culturais não européias mais importantes do que a camada superior. Este povo é, em grande parte, culturalmente africano'' .(Celso Furtado, depoimento ao jornal Versus, no 13, agosto/ setembro, 1977, RJ, páginas 35 a 37). Temos, neste depoimento, uma imagem bastante difundida da diferenciação entre cultura erudita e cultura popular. A primeira européia, letrada, bebendo Três falas do que ocorre "lá fora" ; e a segunda, criando "um sistema de cultura próprio Celso Furtado aftrmou que ' 'a cacom uma força consimada superior é altamente vulnerável a • derável, com uma origitudo o que ocorre lá fora; ela é extremanalidade evidente" . (Celmente aberta ao que está ocorrendo fora, so Furtado, op. cit.) porque é preciso ter em conta que ela é a Opondo-se a este projeção de uma cultura muito dinâmica, modelo de "transplante fecunda e que está se transformando percultural'', Roberto manentemente( ... )- da cultura que havia Schwarz dirá que por "sua criado a Revolução Industrial e que cológica o argumento oculnhecia a explosão do progresso técnico, ta o essencial, pois conno século XIX. E desde antes, da excentra a crítica na relação plosão mercantil que criou o sistema entre elite e modelo, econômico mundial que vem desde o quando o ponto decisivo século XVI até os nossos dias.' ' está na segregação dos pobres, excluídos da cultura contemporânea" . (Roberto Schwarz, ''Nacional porsubtração", in Tradição Contradição, • Educador e poeta, da equipe Nova Pesquisa e Jorge Zahar Editor/FuAssessoria em Educaçio. Professor do Departamennarte, RJ, 1987, p. 109). to de Educaçio da PUC-RJ. A relação entre saber erudito e saber popular é nebulosa. Bakthin, que recentemente aportou no Brasil, mostra como estes saberes se interpenetram~ . .·. Interpenetrar-se é admitir a diferença reaftrmando a coexistência de ambos (saber erudito/saber popular) em movimento e mudança. Sendo assim, proponhome esboçar algumas questões acerca deste árido tema, tendo como ''pano de fundo" as relações de poder. Para este empreendimento utilizo-me de quatro reflexões distintas acerca de~ta questão. Todas se dão no âmbito da cultura na qual se situa a questão do saber.

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Já José MurilodeCarvalho, em Os Bestializados (Companhia das Letras, SP, 1987, p. 156), analisa a relação entre culturas diferenciadas a partir de uma pesquisa sobre a cidade do Rio de Janeiro do final do século passado: ''O que acontecia na capoeiragem, a convivência de classes distintas, era o que se dava tradicionalmente nas irmandades religiosas e nas organizações de auxílio mútuo. E foi o que passou a dar-se cada vez mais em instituições e atividades inicialmente exclusivistas ou mesmo vetadas e perseguidas. A população do Rio foi reconstruindo algumas ocasiões de auto-reconhecimento dentro da metrópole modema que aos poucos se formava. A grande festa da Penha foi tomada do controle branco e português por negros, ex-escravos, boêmios; as religiões africanas passaram a ser freqüentadas por políticos famosos (... ); o samba foi aos poucos encampado pelos brancos; o futebol foi tomado aos brancos pelos negros." Apesar dos pontos de vista distintos podemos reter, de cada uma das falas, elementos importantes para a nossa reflexão . Na de Celso Furtado, a formação extremamente diferenciada da elite e do povo, que toma a comunicação entre · ambos extremamente difícil; na de Ro-

proposta Nll 52 mar9o 1992


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