Edição 53, maio / 1992

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Meio ambiente e cooperação internacional

Entrevista de Jorge Eduardo Saavedra Durão* a Pedro Dalcero e Ricardo Tavares A entrevista que se segue procura aprofundar o significado para as ONGs brasileiras da experiência de preparação da Conferência Rio92, bem como refletir sobre a interconexão das temáticas do meio ambiente e do desenvolvimento, a partir da contribuição que vem sendo dada e que pode vir a ser dada pelas ONGs. O próprio caráter dessas organizações, seus problemas e perspectivas no caso brasileiro e em comparação com outros países do mundo.fazem parte do debate. O que a questt1o ambienta/ coloca de novo para a discusst1o sobre modelos de desenvolvimento? Que questionamentos novos suscita? Que impasses enfrenta? São questões enfrentadas nesta entrevista.

Que esperar da Rio-92?

Proposta - A nova consciência da dimensão da crise ambiental da biosfera abre um amplo campo de atuação e cooperação para as ONGs de diversos países. Em que medida você acredita que a conferência paralela da Rio-92 pode representar um salto qualitativo nessa cooperação? Jorge Eduardo - Bom, eu acho que essa pergunta pode ser enfocada de dois ângulos. Em primeiro lugar, penso que se nós tomarmos o universo das ONGs brasileiras, ela já estimulou um certo salto qualitativo. Eu acho que uma série de fatores menores e problemas de relacionamento entre a tores que não estavam acostumados atuar em conjunto, particularmente a relação entre as chamadas ONGs de desenvolvimento e movimentos sociais (que entre si têm bastante tradição de relacionamento), de um lado,

• Coordenador Nacional da FASE e presidente da Associação Brasileira de ONGs.

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e de outro as chamadas ONGs ambientalistas. Acho que o processo de preparação das atividades da sociedade civil paralelamente à Rio-92 já produziu um avanço que, espero, vai ter um caráter pennanente. Quer dizer, eu não acredito que tenninada a Rio-92 as coisas voltem ao status quo anterior. Eu acho que haverá realmente, primeiro da parte de quem tem uma tradição maior de apoio aos movimentos populares e de preocupação com as questões sociais, bem como de um questionamento do modelo de desenvolvimento - haverá uma maior incorporação das preocupações e de uma ótica ambientalista na leitura da questão do desenvolvimento. Por outro lado, espero também que as ONGs ambientalistas vão incorporar novas dimensões no seu trabalho. Acredito que haverá mais vínculos práticos entre essas organizações. No programa de trabalho desse primeiro ano da Associação Brasileira de ONGs, foi aprovado por consenso explicitamente a inclusão de um item relativo à busca de uma aproximação maior com as ONGS ambientalistas. De um ponto de vista mais duradouro, a Rio-92 produziu, pelo menos

internamente no Brasil, um espaço sem precedentes para que as ONGs fossem reconhecidas como atores na sociedade brasileira e mesmo ao nível internacional. A responsabilidade social das ONGs cresce na medida em que isto acontece. Esse processo impõe para as ONGs também novos padrões de transparência. É mais um motivo para que elas invistam seriamente na superação daquilo que nós chamamos de síndrome da clandestinidade, porque se você tem uma instituição privada, mas cujas funções estão todas voltadas para a esfera pública, para interesses sociais, para a defesa de interesses dos setores populares, para a formulação de propostas ãltemativas relativas à discussão do modelo de desenvolvimento, políticas públicas, formas de produção mais sustentáveis ... tudo isso aí requer das ONGs um outro tipo de relação com o público. Isto é, a injunção de um compromisso, que eu acho que as ONGs têm quase como um elemento constitutivo na sua maneira de ser, com a construção de uma sociedade democrática no Brasil. Isto significa também que elas têm d6 se submeter a um certo crivo da opinião pública, a um certo controle, a um debate sobre a eficácia, sobre a validade de seus objetivos. A Rio-92 colocou as ONGs na boca do povo. Por exemplo: eu trabalho na FASE desde 1977; durante doze.treze anos era difícil expliéar o que era a FASE para pessoa comum, mesmo para uma pessoa razoavelmente infonnada. Era mais fácil, no caso, você explicar o que era a FASE para as lideranças populares. Talvez só as lideranças dos movimentos sociais conhecessem entidades desse tipo, ou pessoas de círculos restíi tos, da Igreja, de governos ou órgãos multilaterais de cooperação. De repente, basta você dizer: eu trabalho em uma ONG. Na verdade, as pessoas continuam não sabendo exatamente o que você faz, mas já passa a haver, pelo menos, um reconhecimento. Retomando a pergunta inicial, ell} segundo lugar eu colocaria a questão internacional. Talvez até a pergunta de vocês esteja mais centrada nisso. Eu não sei se poderia chamar de salto ou mudança qualitativa, mas eu espero que as atividades da sociedade civil agora em junho contribuam para o estabelecimento proposta n11 53 maio 1992


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