Edição 54, agosto / 1992

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Reelaborando a tradiçao local

Poder local, gestão democrática e publicização dos serviços urbanos

Franklin Coelho*

As ações políticas no âmbito do . poder local constituem, hoje, um dos aspectos centrais do debate sobre reforma do Estado. As referências principais deste debate estão balizadas pelo processo de transformação do padrão de acumulação no país e pelas tendências de mudança da ordem mundial. O projeto neoliberal surge neste quadro de transição como o modo de regulação do processo de flexibilização da economia, sedimentando política e ideologicamente um novo ciclo de acumulação, que se realiza através de uma enorme velocidade, e descentralização da produção e do consumo, com uma correspondente reorganização institucional. A proposta de descentralização surge, no interior do projeto neoliberal, articulada ao desmonte de o potencial do Estado agirno sentido da democratização da esfera pública, apresentando o mercado como único capaz de generalizar e integrar uma sociedade fragmentada e em ritmo veloz de mudança. Operando o mito do · mercado, espaço onde, hoje, cartéis e oligopólios entram em conflito para se conservar e perpetuar, o projeto neoliberal significa, no plano político, o alargamento do espaço dos interesses privados e a redução da esfera pública. No plano municipal, este projeto de desregulação da esfera pública se legitima através da privatização de um

* Professor do Departamento de Economia da FEAI UFF.

proposta n11 54 agosto 1992

conjunto de serviços urbanos, historicamente considerados como função do Estado. Como outra face da mesma moeda,. propõe a descentralização político-administrativa, sem uma contrapartida financeira, deixando para os municípios o ônus do enfrentamento das questões sociais, na ausência de recursos ade~uados. No enfrentamento a este projeto, as administrações populares têm sido obrigadas a repensar sua herança política, em sua maior parte influenciada por concepções desenvolvidas no interior dos movimentos sociais . A gestão das prefeituras exige novas concepções e uma nova cultura política capaz de responderna prática à ofensiva conservadora e neoliberal. Como responder ao quadro de deterioração da administração pública sem cair apenas em procedimentos administrativos, projetando um novo papel do Estado brasileiro na construçãode uma sociedade democrática, humanista e libertária? Algumas respostas a estas indagações estão indicadas pelas experiências de prefeituras democráticas e populares, que procuram construir uma nova cultura sobre poder local e gestão municipal.

Administrar uma prefeitura não significa deter o poder ao nível local, na medida em que além dos espaços institucionais, como a Câmara de Vereadores, há a presença de poderosas elites econômicas que conservam um poder de intervenção direta nas decisões de governo. No entanto, as administrações assumem parte de um poder real, em graus que variam com o peso regional do município e de suas forças sociais dominantes. A proposta de um governo democrático e popular significa um processo de descentralização do poder. Esta concepção se materializou, inicialmente, através da proposta dos conselhos populares, surgindo a partir de experiências dos movimentos pop~lares, como a dos conselhos populares de orçamento de Vila Velha (ES), Pelotas (RS), Diadema (SP) etc. Os conselhos foram pensados a partir de duas concepções, que expressav~

A ação das prefeituras refere·se ao cotidiano da população

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