Sul da Bahia - sociedade civil num chão de cacau
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Josias Gomes da Silva e Paulo Roberto Demeter*
Regiões monocultoras - notadamente no Brasil - são conhecidas pelo monopólio da terra e do poder pelas classes dominantes, cujo domínio freqüentemente se configura através do exercício de diferentes formas de violência. O sul da Babia não é uma exceção. Lá, numa área de mata atlântica, estão plantados 750 mil hectares de cacau, que respondem por 90% da produção brasileira, a maior parte destinada à exportação. Entre as unidades produtoras, 89% do número de estabelecimentos possuem 30% da área, enquanto 11% dos estabelecimentos controlam 70% da zona plantada de cacau. Nas ex trem idades, 41,7 8% das unidades têm menos de 10 hectares e retêm apenas 2, 77%, enquanto 0,67% dos estabelecimentos tem mais de 1 mil hectares e controla 24,09% da área. Conhecida como "terra dos coronéis", essa região formada por92 municípios - quase todos economicamente dependentes do cacau- abriga cerca de 450 mil trabalhadores rurais assalariados, uma mão-de-obra não qualificada, sobrevivendo em péssimas condições. Destes, atualmente 250 mil trabalhadores encontram-se desempregados. Desde o final do século XIX, quando a produção de cacau do sul da Babia começou a se expandir, esta tem sido a situação da grande massa dos
• Técnicos do Programa Trabalho e Cidadania nos Complexos Agroindustriais, da FASE, aluando na Equipe de ltabuna (BA). Este texto baseia-se na monografia "Fórum Popular e Permanente Contra a Crise -os trabalhadores rurais da região cacau eira no processo de construção e afirmação de sua cidadania", apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Gestão Ambiental, da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc).
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trabalhadores. Dependente do mercado internacional, a produção brasileira de cacau tem atravessado crises periódicas, que agravam as condições de vida dos trabalhadores, na medida em que os custos das crises são sempre repassados para eles. Esta é a situação atual.
A " crise do cacau"
As oscilações das cotações docacau no mercado internacional exercem uma influência decisiva no "desenvolvimento" do sul da Bahia. Não se pode falar de uma'""crise cíclica", uma vez que se trata de uma crise crônica, associada ao próprio modelo econômico que tem sustentado a região nos últimos 100 anos. Como economia dependente do mercado externo, as crises econômicas nacionais não causam efeitos tão devastadores <Juanto aqueles provocados pelas oscilações de preço no mercado mundial. Historicamente, o Estado tem intervindo para subsidiar os grandes fazendeiros, especialmente em períodos de crise aguda, como na Grande Depressão de 1929/30, quando foi criado o Instituto de Cacau daBabia (ICB), que é de 1931, e em 1956/57, quando os preços internacionais do cacau baixaram drasticamente e foi fundada a Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira). O Estado tem agido no sentido de socializar prejuízos com toda a sociedade c colaborar para a privatização dos resultados positivos, quando estes ocorrem. No momento, os se tores populares estão sendo cada vez mais ameaçados em
sua sobrevivência, com níveis de desnutrição, mortalidade e contaminação por doenças infecto-contagiosas em ascensão. Os índices de analfabetismo na região estão bem acima da média nacional (20% ), chegando em alguns municípios a 60% . Aumenta a criminalidade. A "crise do cacau" coincide desta vez - de forma bastante ameaçadora- com uma das mais fortes recessões dos últimos 40 anos na economia brasileira. As baixas cotações do cacau no mercado internacional não serão, desta vez, um fenômeno passageiro, ao que tudo indica. O ciclo tende a se prolongar. As indústrias de chocolate da Europa e dos Estados Unidos estão encontrando outros produtos capazes de substituir o cacau como matéria-prima (o principal deles é o azeite-de-dendê, mais barato do que a manteiga de cacau). Além disso, as zonas produtoras de cacau do Terceiro Mundo incrementaram a produção nos últimos anos em níveis bem acima do crescimento do consumo de chocolate no Primeiro Mundo, promovendo o achatamento dos preços. Os estoques nunca estiveram tão altos (ver boxe). Por outro lado, a importância do cacau na economia brasileira vem se reduzindo. Na década de 1960, chegou a ser o terceiro produto mais importante da pauta de exportações. Essa situação mudou radicalmente, e hoje o cacau é francamente secundário nas exportações brasileiras. Como "exportação tradicional", o cacau parece ter perdido, definitivamente, o espaço que um dia teve no mercado internacional de matérias-primas (commodities). No Estado da Bahia, o cacau, que já respondeu por 40% da arrecadação de tributos, torna-se também um produto
O agravamento da miséria não tem sido mobilizador; pelo contrário, expõe ainda mais os trabalhadores às imposições patronais
proposta n11 55 novembro 1992