Edição 56, março / 1993

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Como a cidade vê a luta pela preservação do meio ambiente?-

Através de pesquisas, sabemos que de uma forma geral a população urbana brasileira tem uma certa dificuldade para situar o homem em seu habitat como parte da natureza. Favela, cidade e energia são elementos bem pouco identificados com a questão ambiental, em comparação com elementos como água, mata e animais. Para sabermos como os movimentos sociais urbanos encaram atualmente a problemática ambiental e como estão agindo neste sentido, convidamos para um debate a socióloga da Universidade Federal Fluminense, Selene Herculano, que atualmente trabalha numa pesquisa sobre cidadania e ecologia; o membro da secretaria executiva da Assembléia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente - Apedema/RJ, André Luz; o técnico em educação não- formal da FASE-Rio, Jorge Florêncio de Oliveira; e o diretor cultural da Federação das Favelas do Rio de Janeiro- Faferj, Etevaldo Justino de• Oliveira.

Proposta - Nós queremos saber como está se dando a receptividade da questão ambiental na área dos movimentos urbanos. Existe ainda a diferença entre os ambientalismos preservacionista e o integrado à questão urbana ? Selene Herculano- Acredito que, ao menos no âmbito do Fórum de ONGs e movimentos sociais, essa dicotomia entre diferentes ambientalismos já ficou resolvida. Estou terminando um levantamento sobre lutas sócio-ambientais no Brasil, onde mostro que a atuação da militância se faz a partir da premissa de que as questões ambientais também são sociais e, principalmente, políticas. Quanto à população em geral, creio que é propqsitalmente mantida desinformada, para que se mantenha na inércia. Gostaria de chamar a atenção para algumas características do movimento ambientalista: em primeiro lugar, o movimento vem empurrando para a mesa de debates questões das quais mui tos tentam escapar. Quando os ambientalistas mencionam limites ao consumo, controle deproposta nll 56 março 1993

mográfico etc., apontam para a necessidade de planejamento. Ora, planejar implica, além de administrar limites e definir meios, escolher objetivos e premissas: planejar para quê, orientados por quais princípios? A resposta a essas perguntas nos leva a algo que está acima e antecede o planejamento, que é o projeto de sociedade. Nos últimos anos torcemos nossos narizes para isso, pela história de autoritarismo. É um equívoco. Devemos pensar em planejamento participativo e democrático.

A população, em geral, é propositalmente mantida desinformada, para que se mantenha . , . na tnercta

A segunda característica do movimento ambientalista decorre da resposta à pergunta: quem projeta a boa sociedade, quem a planeja e executa? Quem é o sujeito político que vai repensar tudo isso? O movimento ambientalista amplia este sujeito coletivo: em lugar do proletariado e da pobreza redentores, são homens e mulheres de diferentes segmentos sociais. Principalmente das classes médias. Aqui no Brasil, pela herança de um marxismo superficial, tendemos a definir as classes médias como reacionárias, alienadas etc. Com isso, deixamos de enxergar o potencial de mudança que ·trazem, e a presença dominante das classes médias nos diferentes movimentos sociais. É preciso que alguém de fora, como o sociólogo Alain Touraine, venha nos dizer da incrível centralidade política e cultural das classes médias na América Latina. Esse, a meu ver, foi um dos pontos positivos do Fórum : em lugar de assessorar movimentos populares, os militantes se colocaram diretamente como agentes sociais. Nesse sentido o Fórum carrega um potencial de ser o articulador de um projeto de Brasil feito pore para seus, segmentos médios. O que não significa deixar de lado a pobreza. Pelo contrário, nossos segmentos médios também são pobres . O Conselho · Nacional dos Seringueiros, por exemplo, eu os vejo como segmentos médios amazônicos. André Concordo quando a Selene diz que houve uma mudança qualitativa nos movimentos sociais superando a dicotomia entre desenvolvimento, conservacionismo e questão urbana. Mas, ainda assim, vejo, principalmente nas entidades pequenas ambientalistas e nas diversas entidades do movimento social, uma visão muito dissociada. E eles se vêem, geralmente, como inimigos e não como aliados potenciais. As entidades ambientalistas maiores procuram trabalhar junto com os movimentos de base . Por exemplo, a proposta agora é a urbanização da favela e a não-proliferação do desmatamento das encostas, até porque quem primeiro sofre a ação dessa devastação é a própria com unidade. Durante um debate, o pessoal da favela colocou: "Tudo bem, a gente até sabe que o morro cai na nossa cabeça, mas onde a gente vai morar?" Essa é uma resposta que temos que cobrar, em con37


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