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Movimentos sociais e políticas públicas
Paulo Demeter
Nos meados da década de 80, a FASE "descobre" que, apesar de sua longa trajetória de intervenção no movimento sindical dos trabalhadores rurais e da percepção correta quanto à crescente importância social, econômica e política das relações de trabalho assalariadas no campo brasileiro, não se tinha nenhum projeto previamente pensado para este setor da população trabalhadora.
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A discussão, elaboração e imple-
1. R. RlPfER/IMAOENS DA TERRA mentação de uma proposta de intervenção educativa da FASE junto aos assalariados rurais explica a decisão de se constituir uma equipe de educadores populares na região cacaueira. Este fato foi consumado com a abertura do Escritório Local de 1 tabuna, na Bahia, em janeiro de l 9'õ7.
Após um início mais voltado para dentro de si mesma e dedicado ao processo de conhecimento da realidade regional, a FASE ltabuna vai pouco a pouco consolidando uma visão onde a priorização das ações de estímulo à organização sindical dos assalariados do cacau assume proporções quase que absolutas. Permeada por enormes dificuldades, esta etapa permitiu à FASE conhecer melhor a dinâmica regional e principalmente, avançar no
PAULO DEMETER - Engenheiro agrônomo e técnico em educação popular da FASE - ltabuna - Bahia.
entendimento do que constitui, efetivamente a categoria dos trabalhadores rurais do cacau.
Nossa primeira e mais importante descoberta foi a de que não se pode conceber os assalariados do cacau como meros "operários agrícolas", aos quais seriam aplicadas as "técnicas" desenvolvidas pelos educadores da FASE nas experiências de organização sindical feitas com trabalhadores industriais urbanos. Portanto, apesar do saldo positivo resultante da intervenção da FASE feita ao longo dos dois meiros trienais ('õ/ a 89 e 5Xl a 92), no que tange à criação e ampliação da organização, articulação e animação sindicais em dezenas de municípios que fonnam a região cacaueira, a realidade dos fatos obrigou a FASE a repensar sua intervenção.
A conjuntura regional de crise do modelo da monocultura agroexportadora de cacau (expressa, entre outros fatores, na queda da; preçoo internacionais do cacau, no aparecimento da "vassoura de bruxa", no desemprego em massa), as mudanças originadas nas transformações da economia internacional (substituição do cacau por sucedâneos orgânicos ou sintéticos, estagnação da demanda internacional pelo produto, novas relações de trabalho e deslocamento de países produtores) e os episódios em marcha no Brasil na década de 1990 obrigaram a FASE ltabuna a repensar sua atuação.
Este esforço foi sincronizado ao processo de redefinição institucional por que passa a FASE enquanto entidade que procura ter um projeto nacional. Nossas reflexões e ações concretas explicitam o entendimento de que, numa região de monocultura dependente de exportações, onde a quase totalidade da mão-de-obra ocupada pertence ao setor primário e não tem nenhuma qualificação profissional. Além disso, onde a conjuntura conforma uma situação de cancelamento crescente de postos de trabalho disponíveis, a vertente de uma inter-
A vertente de uma intervenção educativa não pode mais priorizar apenas a instância sindical porque a imensa maioria da população está fora dos sindicatos e sem a menor perspectiva de a eles se integrar.
venção educativa não pode mais priorizar apenas a instância sindical como um estuário dos esforços organizativos em curso porque a imensa maioria da população está fora dos sindicatos e sem a menor perspectiva de a eles se integrar.
A FASE JXl.Ssa a olhar o trabalhador rural não apenas como o empregado da fazenda mas sim como o cidadão que, empregado ou não, é destiluído de cidadania porque mora nas favelas das vilas e cidades, porque é um pai de família que não consegue colocar seus filhos na escola, porque é um ser humano que não tem acesso à assistência médica, à alimentação, ao saneamento básico, ao transporte, à cultura, à informação e ao lazer. Enfim, a FASE compreende que não se pode falar em defesa de direitos e conquista de melhores condições de vida e de trabalho para a maioria da população regional se não porém incorporadas as questões da construção e resgate da cidadania desses setores.
O debate sobre a constituição de um novo modelo de desenvolvimento é ponto prioritário dessa nova etapa da intervenção educativa da FASE.
Sem descuidar do acompanhamento da instância sindical - onde reconhecemos que o movimento passa por uma séria crise - a FASE vem concentrando esforços na criação de condições favoráveis à participação popular no entendimento das causas e conseqüências da crise regional. O debate sobre quê rumos devem definir a constituição de um novo modelo de desenvolvimento, bem como a melhor maneira de se utilizar os fundos públicos para a sua efetivação, t ponto prioritário dessa nova etapa da intervenção educativa da FASE.
Toda a linha de atuação da FASE na alfabetização popular está ligada a esses conceitos. É entendida não como um fim em si mesmo mas como mais um dos meios através dos quais se resgata/cria acidadania. A articulação de experiências e a formação de monitores de alfabetização popular são fatos concretos onde setores dos movimentos sociais se capacitam para adisputa pela gestão de fundos públicos a partir de uma alternativa concreta à falta do poder público ou à sua gritante insuficiência em atender a demanda social.
Outros exemplos concretos dessa nova postura foram o "Fórum Popular e Permanente contra a Crise" e, atualmente, o esforço da FASE em articular e emular os "Comitês da Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida". Acreditamos que esses espaços são fundamentais, por exemplo, para que a própria população possa opinar sobre quê tipo de políticas públicas devem ser implementadas para assegurar o atendimento emergcncial das colossais carências vivenciadas por milhares de pessoas (fome), quais os passos necessários à geração de emprego e renda para viabilizar a sobrevivência desses contingentes na própria região e, mais a longo prazo, integrar parcelas crescentes da sociedade civil no debate sobre quê tipo de desenvolvimento queremos para o sul da Bahia e para o Brasil.