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A CIDADE
SEGUNDA-FEIRA, 22 DE SETEMBRO DE 2014
Cidades
SOBRE DUAS RODAS O PERIGO AUMENTA NAS RUAS DE RIBEIRÃO FREQUENTE A cada três horas e meia, vias do município registram um acidente com motocicletas e maioria dos condutores fica ferido
Motociclistas são principais vítimas Apesar de as motos serem 27% da frota de Ribeirão Preto, elas estão presentes em 38% das mortes CRISTIANO PAVINI crsitiano.pavini@jornalacidade.com.br
Combinado o destino e valor da corrida, o mototaxista acelera com o repórter na garupa. O semáforo do cruzamento das ruas Visconde do Inhaúma e Américo Brasiliense passa de amarelo para vermelho, mas cruzamos mesmo assim. Em seguida, uma Kombi quase nos atinge ao tentar desviar bruscamente de um carro parado - somos salvos pelo alerta do “bip” da buzina. Tudo isso no primeiro minuto de viagem. Os motociclistas vitimizam e são vitimados na batalha do trânsito. De acordo com o Corpo de Bombeiros, no primeiro semestre deste ano, foram relatados 1.183 acidentes envolvendo motos - uma ocorrência a cada três horas e meia, em média. Sete em cada dez envolvidos acabam feridos. Apesar de responderem por 27% da frota de ribeirão-preto, eles representaram 38% das mortes ocorridas nas vias do município em 2012, de acordo com o dado mais atualizado do DataSUS (ver infográfico). De 2006 ao ano retrasado, 340 perderam a vida sob duas rodas.
SERGIO MASSON / ESPECIAL
além do sol, são os buracos. Temos que desviar o tempo todo”, reclama o mototaxista, na profissão há sete anos. Nesse período, sofreu dois acidentes – ambos, segundo ele, causados por outros motoristas. “Jogam para o lado sem se importar com nada”, afirma. O retorno, com outro mototaxista, não excede a velocidade. Mas o condutor na via de acesso do Novo Shopping passa pela sarjeta, rente à calçada, para escapar de uma lombada. Ele faz o percurso com a viseira levantada – proibido por lei. Na Francisco Junqueira, ultrapassamos os carros em zigue-zague e passamos por estreitos vãos entre veículos – nossas pernas passam a centímetros dos retrovisores. Em frente ao Palácio Rio Branco, precisamos brecar de forma brusca: um ônibus passa pelo sinal vermelho em baixa velocidade. “Olha só isso, é muito desrespeito. E ainda reclamam de nós”, diz.
Ainda falta preparação Dos veículos motorizados, a motocicleta é o mais frágil, oferecendo maior risco aos usuários. Isso deveria remeter a um comportamento mais seguro dos motociclistas, o que muitas vezes não ocorre. Entretanto, há predominância de motociclistas causadores de acidentes, mas não por serem imprudentes, e sim por imperícia e falha humana. O processo de formação de condutores, de modo geral, é falho, com aulas realizadas apenas em primeira e segunda marcha e em circuitos fechados. O único objetivo é passar no exame, e não preparar para o trânsito. Aliado a isso, a formação não cria a percepção de risco nos
condutores. Um exemplo é que a velocidade máxima permitida é vista como algo a ser respeitado para evitar a sanção administrativa, e não visando a segurança. Por outro lado, temos a imprudência dos demais veículos, apesar do artigo 29 do Código de Trânsito Brasileiro prever que os veículos maiores são responsáveis pela segurança dos menores. Por isso, temos que olhar o tipo de condutor que queremos colocar nas ruas, para podermos mudar os critérios de seleção e formação. Paulo Guimarães Responsável por pesquisa e desenvolvimento do Observatório Nacional de Segurança Viária
FONTE: CORPO DE BOMBEIROS (ACIDENTES), DETRAN (FROTA), TRANSERP E DATASUS (MORTES)
Luiz foi vítima duas vezes
TIAGO DE BRINO / ESPECIAL
ficar atentos a tudo. Planejar com antecedências as ações e, principalmente, imaginar o que os outros condutores podem fazer”, diz. Em meia hora de percurso com o repórter na garupa pelas principais avenidas da cidade em horário de pico, encontramos motociclistas forçando a passagem pelos “corredores” entre veículos. Em um semáforo, um carro nos ultrapassou pela direita e depois nos fechou. Ele diz que a moto deve ser sempre revisada – pneus, lâmpadas e manutenção. “O que te salva ou origina um acidente são os detalhes”.
Emergência do HC atende os casos mais graves Os motociclistas representaram praticamente metade dos atendimentos decorrentes de acidentes de trânsito realizados pela Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão. No ano passado, foram 458 casos. “São todos pacientes em estado grave ou com suspeita de lesões sérias”, diz o professor e membro da equipe de Traumas do HC, Gérson Alves Pereira Júnior. As principais lesões, ocorrem no crânio, coluna, ossos longos (como o fêmur) e bacia.
“As principais lesões, ocorrem no crânio, coluna, ossos longos [como o fêmur] e bacia.”
A PARTIR DE HOJE, CONFIRA A SÉRIE “TRÂNSITO MAIS FÁCIL” TAMBÉM NA EPTV, RÁDIO CBN E NO PORTAL G1 RIBEIRÃO.
Gérson Alves Pereira Júnior Professor e membro da equipe de Traumas do HC
Em agosto de 2013, Letícia Koussa foi atingida por um carro que cortou a sua preferencial. Ela lista as principais consequências: 42 dias internada, sendo 20 na UTI, coma induzido por 17 dias, 40 bolsas para transfusão de sangue, traumatismo craniano, perfuração do pulmão, cirurgia no fígado, estômago e intestino, além de vários ossos quebrados e retirada do baço. “Os médicos prepararam minha mãe para o pior”, lembra, hoje com 22 anos. Ela diz que sempre foi cuidadosa no trânsito e reclama da imprudência dos motoristas. “A mulher que me atingiu não me auxiliou em nada”, afirma. Recuperada, ela ainda utiliza a mesma moto do acidente. “Faço faculdade e trabalho, a moto é o meio mais ágil e econômico.”
ANÁLISE
Corrida O mototaxista levando o repórter trafega a 90 km/h na avenida Maurílio Biaggi – a velocidade máxima permitida na via é de 70 km/h. Ao perceber que o semáforo vai fechar, acelera e o velocímetro passa dos 100. E o ocupante nem havia pedido pressa. A corrida custou R$ 12 e levou dez minutos do centro ao Novo Shopping ao meio-dia. De táxi, apesar de mais seguro, seria o dobro do tempo e dinheiro. “O que mais atrapalha,
Desde os 18 anos, o advogado Luiz Eugênio Scarpino é apaixonado por motos. Aos 57 anos, ele participa de clubes de motocicleta e integra o Águias de Cristo, grupo dedicado a orientar sobre a direção segura. Apesar dos cuidados, ele já sofreu dois acidentes – ambos ocasionados por outros motoristas. No mais recente, há dois anos, uma mulher atravessou o sinal vermelho e o acertou por trás. A moto uma Harley Davidson - teve quase perda total, mas ele nada sofreu. “No trânsito, temos que
RENASCIMENTO Letícia com a moto e os exames do acidente que a deixou 20 dias em coma no ano passado
Após ser atingida, Letícia ficou 17 dias em coma
AMANHÃ, A SÉRIE TRAZ A ROTINA DE QUEM
CUIDADOS Luiz Eugênio ressalta a importância de fazer revisão da moto, como verificar estado dos pneus
ENCARA O TRÂNSITO EM CARROS.