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Kátia Abreu

entidades Opiniões sairemos na dianteira da recuperação da economia mundial

Consolidados os indicadores econômicos do primeiro semestre do ano, é hora de avaliar os reflexos da crise fi- nanceira mundial nos diversos setores da economia bra- sileira. Certamente, todos os segmentos foram atingidos, com abrangência e graus diferenciados. O tempo que cada setor levará para se recuperar também será diferente, de- pendendo das políticas adotadas pelo governo federal para a manutenção do consumo interno e das peculiaridades de cada atividade. No caso da agropecuária, o setor levará um pouco mais de tempo para se recuperar. O setor foi capaz de dar respostas imediatas às demandas que recebeu. Manteve a balança comercial superavitária mesmo em período de crise. Mas é bom lembrar que a nossa produção é anual, o que plantarmos agora trará resultados somente em 2010.

" A escassez de crédito da crise é temporária, conjuntural, será solucionada quando a confiança no mercado melhorar. A escassez de crédito para o setor agropecuário é estrutural, decorre da ineficiência da política agrícola e de um modelo já ultrapassado. "

Kátia Abreu

Os dados do PIB - Produto Interno Bruto, divulgados re- centemente pelo IBGE, refletem bem esse quadro. Os seto- res que receberam maiores incentivos voltados à manuten- ção do consumo, como desonerações e crédito, ensaiaram uma recuperação ainda no primeiro semestre. A indústria cresceu 2,1%, e o setor de serviços, 1,2%, em relação ao trimestre anterior. O setor agropecuário fechou o trimestre patinando e amargou queda de 0,1%. Esse resultado não poderia ser diferente. Nossa indústria é a céu aberto. Clima, doenças e pragas influenciam sobremaneira o resultado ob- tido a cada safra. Também somos extremamente dependen- tes de recursos de terceiros para financiar a atividade produ- tiva. Foi justamente no crédito que tivemos o nosso primei- ro contato com a crise. O setor agropecuário já vinha de um subsequente processo de renegociação de dívidas, contraídas em especial nas safras 2003/04, 2004/05 e 2005/06, em função de perdas em decorrência de doenças, clima desfa- vorável e mudanças da política econômica, que depreciou o dólar. Todos esses eventos geraram um descasamento entre os custos de produção e a receita do setor, que se mostrou insuficiente para fazer frente às despesas de custeio das sa- fras. O resultado era previsível. Sem um seguro rural que garantisse a produção e sem seguro de renda, os produtores rurais tiveram que renegociar os saldos devedores. Dessa forma, aliviaram a liquidez do setor no curto prazo, mas inviabilizaram o acesso ao crédito nas safras futuras.

Mas o cenário era, então, muito promissor. A demanda por insumos cresceu mundialmente, e os preços dispara- ram. Os fertilizantes, por exemplo, dobraram de preço entre uma safra e outra. Assim, a demanda por crédito também aumentou. Nesse mesmo período, o mercado mudou. A agroenergia ascendeu com força, o dólar desvalorizou em todas as economias, e as commodities dispararam no mer- cado internacional. Foi o início da crise para o setor. O que era para ser positivo ― alta dos preços ― acabou trazendo dificuldades. Como boa parte da produção é comercializa- da no mercado futuro, as tradings, grandes financiadoras do setor, tiveram que cobrir as margens negociadas nas bolsas, reduzindo a oferta de crédito para o plantio da safra

Presidente da CNA e Senadora da República

2008/09. A crise financeira mundial atingiu o setor nesse momento, agravando ainda mais o cenário. O crédito desa- pareceu. As dívidas alavancadas em dólar trouxeram gran- de endividamento às agroindústrias. O nível tecnológico das lavouras caiu. O clima, por sua vez, castigou os estados do sul do país, reduzindo a safra de grãos brasileira em 10 milhões de toneladas. Essa é a safra da crise. Plantada e colhida com dificuldades, comercializada em período de preços cadentes, mas relativamente equilibrados pelo dó- lar, e com retração das compras externas, à exceção da soja.

A escassez de crédito da crise é temporária, conjuntural, será solucionada quando a confiança no mercado melhorar. A escassez de crédito para o setor agropecuário é estrutural, decorre da ineficiência da política agrícola e de um modelo já ultrapassado. Além disso, a tributação, o risco à garantia do direito de propriedade e os gargalos da logística são pro- blemas crônicos, que minam a competitividade do nosso setor. Tal conjuntura nos faz acreditar que a atividade agro- pecuária levará um pouco mais de tempo para se recuperar. Mas, apesar da crise, a tendência do setor é de crescimento nos próximos anos. O mundo passa por um forte processo de urbanização, o que, inevitavelmente, elevará a demanda por alimentos. Somos a última fronteira agrícola e possuí- mos áreas para o plantio sem precisar desmatar sequer um hectare. Assim, a crise ainda não acabou no campo, mas o cenário melhorou. E o Brasil, entre os países emergentes, sairá na dianteira da recuperação da economia mundial.

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