Jornal O Ponto - maio de 2006

Page 1

01 - Capa - Fernanda

16.05.06

15:02

Page 1

Brasil consome cada vez mais anfetaminas

‘Grande Sertão’: estória que muda histórias

[ página 12 ]

[ página 15 ]

7

|

N ú m e r o

5 4

|

[ página 11 ]

o ponto

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

A n o

‘Falcão’ perde efeito com a superexposição

M a i o

d e

2 0 0 6

|

B e l o

H o r i z o n t e / M G

D I S T R I B U I Ç Ã O G R AT U I TA

JUSTIÇA FALHA PORQUE TARDA Marina Jordá

MAIS DE 50% DOS BRASILEIROS NÃO CONFIAM NO JUDICIÁRIO; MAIOR RESPONSÁVEL É A MOROSIDADE [ página 3 ]

Para imprensa, movimento social é caso de polícia “Movimentos sociais sempre foram vistos como ‘arruaceiros”. A frase, da coordenadora de Comunicação do Sindicato dos Eletricistas do Estado de Minas (Sindieletro), Andréa Castello Branco, confirma a carga de preconceito com que são encarados os movimentos, tanto sociais como sindicais. A imprensa mineira, ao contrário de tentar desfazer esse mito e contribuir para a infor-

mação da população, noticia apenas os movimentos que terminam em crimes contra o patrimônio, badernas e, em casos extremos, manifestações que acabam em morte. O Ponto esteve nas ruas acompanhando o Movimento Mineiro pela Segurança Pública e questionou os critérios utilizados pelos jornalistas dos principais jornais de BH para identificar o que é notícia.

[ página 5 ] Henrique Lisboa

URBANISMO Edifício Prestes Maia, em São Paulo, se torna um dos símbolos da luta por moradia no país. O local foi desapropriado com base na Constituição para atender a fins sociais, mas conquista é caso isolado. Famílias inteiras vivem no prédio e transformam a construção em uma verdadeira cidade vertical. [ páginas 8 e 9 ]

Ensino de nove Famílias buscam anos exige cautela por desaparecidos A ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos em Minas Gerais foi idealizada em junho de 2004 e já está em processo de implementação em todo Brasil. A extensão de um ano visa a propiciar à criança melhores condições de desenvolver suas habilidades, raciocínio e também aprender os princípios de convivência social e cidadania, tudo isso sob a luz da Lei de Diretrizes e Bases (LDB).

Profissionais da área têm opiniões divergentes quanto à medida. A supervisora pedagógica Cláudia Márcia da Mata alerta que, para ocorrerem transformações significativas, os profissionais devem estar capacitados e engajados. Já o professor da UFMG e psicólogo escolar Lincoln Coimbra acredita que a ampliação é positiva, mas há de se observar se as crianças vão ter acompanhamento integral.

[ página 4 ]

Em 2005, mais de mil pessoas desapareceram apenas em BH. Apesar do aumento da violência, somente 10% dos casos acontecem devido a ações criminosas segundo dados da Polícia Civil (PC). A maior parcela dos desaparecimentos dá-se por motivos voluntários, como envolvimento com drogas, alcoolismo entre outros. Casos como o do estudante Saulo Frois, desaparecido em agosto de 2005, se multiplicam

a cada dia. A mãe do estudante, Vânia Frois, luta para saber o paradeiro do filho, assim como diversas outras mães no país. “Acredito que devido à repercussão do caso, em breve conseguirei”, diz Vânia. A mãe de Saulo busca ainda recolher assinaturas para enviar ao Congresso com o objetivo de melhorar as condições de investigação e procurar um maior amparo do Estado para as famílias dos desaparecidos.

[ página 7 ]

Manifestação dos policiais teve pouca repercussão na mídia


02 - Opinião - Daniela

16.05.06

15:12

Page 1

Editore da página: Daniela Venâncio e Tiago Nagib

2

o ponto

O P I N I Ã O

Belo Horizonte – Maio/2006

Pretensão de Lula expõe o país TIAGO NAGIB 8º PERÍODO No último 1° de maio, Dia do Trabalhador, o presidente boliviano Evo Morales, acossado por uma crescente oposição interna e temeroso de uma possível derrota nas próximas eleições legislativas, resolveu "nacionalizar" os ativos da estatal brasileira Petrobras em seu país. A princípio, é um direito de toda nação soberana como é a Bolívia, gerar seus recursos da forma que achar mais apropriada. O problema se dá quando há uma quebra de contratos e principalmente de confiança. O mais estranho, é o fato de Morales tomar esta atitude após consultar Fidel e Chávez. Agora, Morales quer impor um aumento de 65% no valor do gás. Lula, que sempre quis posar como líder desta América do Sul por meio da suposta liderança do Brasil, vem destoando da histórica política do Itamaraty de defender os interesses do país sempre com o apoio dos demais vizinhos. Com essa busca incessante para mostrarse como chefe, Lula vem isolando o Brasil; apoiou Morales na Bolívia e, no entanto, Evo pede conselho a Chávez e não vacila em tomar medidas que possam vir a prejudicar o Bra-

sil, sem sequer fazer um comunicado prévio ao Itamaraty. Com Kirchner as relações estão abaladas há tempos, pois quando a Argentina mais precisou do Brasil, em seu duro acordo com o FMI, nosso país não só negou apoio ao colega do Cone Sul, como o então ministro Palocci criticou o método argentino. O Brasil quis também uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU em nome da América Latina, mesmo sabendo que Argentina e México defendiam uma proposta mais democrática onde os três grandes se revezariam, sem assim alterar o equilíbrio da região. Lula não consegue também agradar os sócios menores do Mercosul, Uruguai e Paraguai, que se sentem abandonados por Brasil e Argentina, fazendo com que estes flertem com os EUA. Chávez parece a cada dia mais querer para si o posto de líder sul-americano. O Chile olha para o Pacífico e esnoba constantemente o Mercosul. Peru, Equador e Colômbia são aliados de primeira linha de Washington. A Lula o que sobrou? Um Brasil cada vez mais isolado e distante do sonho da integração sul-americana. O isolamento é a conseqüência da prepotência de Lula.

A nova velha história do fato DANIEL RABELO 7º PERÍODO Desde a década de 60, a idéia de Novo Jornalismo é discutida. Aliás, tudo que é novo na verdade é bem velho. Quer exemplo mais fiel a essa afirmação do que a moda? No mundo da moda, o que é novo hoje, você pode saber que já foi novo também há 20 anos. O novo é um conceito que vem em ciclos, ou seja, retoca uma coisa aqui, outra ali e se torna novo, melhor, "renovado". E assim a história caminha: mexendo nas coisas antigas e as renovando. No jornalismo não poderia ser diferente, o ato de noticiar, de informar, de dar o novo ao velho público, renovando cada vez mais coisas triviais e do cotidiano para trazer aos leitores fatos novos, que no fundo não passam de velhos com uma nova roupagem. Anos atrás, um grupo de velhos jornalistas cansados do velho modo de informar, da velha estrutura do texto jornalístico, do lide, resolveram retocar o velho jornalismo com a velha literatura e, dessa fusão, nasceu o chamado novo jornalismo. Assim, informar tornou-se bem mais que noticiar o fato, o leitor podia se emocionar, encantar e

até tornar-se ansioso em saber o que aconteceria no próximo capítulo da novela da vida real. O lide já não era uma camisa de força, aliás, nem era mais preciso, e a narrativa usada para contar o fato era mais leve, mais detalhada, quase se chegando a um conto. Nesse sentido, o jornalismo ganhava mais vida e se tornava mais prazeroso para os velhos leitores. As pessoas se envolviam mais com a matéria, em alguns casos, se identificavam com a história narrada, se tornavam personagens da fábula. Com o passar dos anos, o velho jornalismo ganhou um novo aliado: a internet. Esse novo espaço traz ao leitor a chance de comentar instantaneamente as matérias. Dessa forma, criam-se discussões e abrem-se links, que é outra palavra nova que tem uma historia velha. Para se ter idéia, a Bíblia já abria links em suas passagens quando demonstrava de que livro ou página alguma citação usada no texto foi retirada. Coisa que qualquer livro faz também. O jornalismo ganha nova roupa com a velha cara, e sempre caminha para novas maneiras de se desempenhar a velha função de noticiar uma nova história.

PMDB se amedronta e perde o bonde da história DANIEL CARLOS GOMES 7º PERÍODO

Comunicação a serviço da saúde DANELA VENÂNCIO 8º PERÍODO Acredito que o comunicador social pode contribuir, através da comunicação de massa, para a melhoria e para disseminação, com maior intensidade, dos aspectos da saúde pública. Porém, são poucas as instituições que oferecem cursos de especialização ou mestrado em comunicação voltada para a saúde. Segundo Sidney José do Carmo, coordenador do Núcleo de Comunicação Social da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais, entender o processo do uso dessa comunicação voltada para a saúde é estabelecer uma relação próxima dos paradigmas que abraçam a prática em saúde onde ela transita e comunica. E por que não se aliar à comunicação de massa para conseguir um resultado positivo na melhoria da informação sobre doenças e sobre como evitá-las? Problemas, como a incidência de doenças tropicais em países periféricos, poderiam ser amenizados se projetos de comunicação e políticas de saúde pública fossem aplicados em parceria.

Já que Ilana Polistchuk e Aluízio Trinta, ambos autores do livro Teorias da Comunicação, defendem que as mídias de massas são os meios de comunicação aptos à difusão de toda espécie de informação, vamos pensar em divulgar informações sobre problemas considerados de saúde pública. Mas afinal o que é saúde pública? O termo significa a aplicação dos conhecimentos médicos, usados pelos epidemiologistas com o objetivo de impedir a incidência de doença nas populações. É justamente na disseminação desses conhecimentos médicos que a comunicação deve agir, ou seja, transformando esse conhecimento, que muitas vezes é carregado de chavões e termos técnicos, em informações mais simples e eficazes para a população. Um exemplo que podemos citar, é o caso do Hemominas. Em 2004, ano em que foram feitas campanhas para incentivar a doação de órgãos, foram realizados 1.810 transplantes. Já em 2005, ano em que não foram realizadas campanhas, o número caiu para 1.459. Cabe aqui pensar sobre a importância que o comunicador tem no campo da saúde, pois perpassa pelo campo da cidadania e do bem estar social.

A ética da verdade FERNANDA MELO 7º PERÍODO No dia 9 de abril, o Fantástico exibiu uma entrevista com Suzane Von Richtofen, a jovem que planejou a morte dos pais , em 2002. Numa tentativa de mostrar um ar infantil e ingênuo, de personalidade influenciável, os telespectadores se depararam com uma mulher de 22 anos que fala e se veste como uma criança. Na camiseta, a estampa da Minnie. Nas mãos, fotos de família. Esses foram os elementos para a construção de um personagem de uma farsa revelada em menos de 24 horas. Suzane, que irá a julgamento no dia 5 de junho, aparece na frente das câmaras ao lado de seu advogado e tutor, Denivaldo Barni e de seu também advogado Mário Sérgio de Oliveira. A jovem diz sentir saudades dos pais, mortos a golpes de barra de ferro pelo seu ex-namorado Daniel Cravinhos e por seu irmão. O caso chocou toda a sociedade e continua despertando a revolta de pessoas que, como eu, viram as cenas de Suzane sendo

orientada pelos seus advogados a chorar e mostrar arrependimento. No vídeo, a jovem ainda aparece dizendo: “Eu não vou conseguir!”. Essa conversa foi flagrada num momento em que os personagens daquele horrendo e amador teatro não perceberam que o microfone estava ligado. Grande erro diante de uma imprensa sedenta por furos de reportagem. Após a revelação do teor simulado do depoimento de Suzane, uma discussão sobre a conduta ética da reportagem de Fabiana Godoy foi levantada. O programa não usou de qualquer truque de edição, nem manipulou a fala do advogado Mário Sérgio de Oliveira, apenas as exibiu por se tratar de um conteúdo relevante para o esclarecimento do caso. Acredito que antes da ética de conduta de uma profissão, existe a ética do repórter como ser humano, que se indigna frente à tamanha dissimulação e falsidade que encontra ao fazer uma matéria. E é essa indignação que o faz sair das normas e burocracias medíocres do que é tido como “ética”, para abraçar a paixão pela exposição da verdade.

Mais uma vez, parece que o PMDB não vai lançar candidato à Presidência da República. No último dia 13, a ala governista, contrária à candidatura própria, venceu a convenção do partido. Foi uma vitória apertada, 351 votos contra 303, mas o resultado não é definitivo, já que haverá outra convenção, em junho, para definitivamente resolver a situação. O maior partido do país há muito se acovarda diante das eleições presidenciais. A última vez que lançou candidato próprio foi em 1994, quando o ex-governador de São Paulo, Orestes Quércia, disputou as eleições vencidas por Fernando Henrique Cardoso. O resultado desta primeira convenção mostra a força que os governistas têm dentro do partido. O presidente do Senado, Renan Calheiros, e o ex-presidente da república, José Sarney, são contrários à candidatura própria. Para eles está tudo ótimo, já que pretendem manter o apóio ao governo e se beneficiar com a possível reeleição do presidente Lula. O argumento é de que, por causa da verticalização, uma candidatura irá atrapalhar as alianças estaduais do partido. Mas quem perde com tudo isso é o próprio PMDB, que, aos poucos, se torna um partido com muitos representantes, mas com pouca representatividade no cenário nacional. Ou seja, um mero coadjuvante no contexto político federal. O ex-presidente mineiro, Itamar Franco e o ex-governador do Rio de Janeiro, Antony Garotinho, sonham com a disputa presidencial. Com a greve de fome que fez, o carioca perdeu, além de quilos, o resto da credibilidade que tinha no partido. Já Itamar tem o apóio de peemedebistas de peso como o senador gaúcho Pedro Simon e o exgovernador paulista Orestes Quércia. Mas parece que não vai adiantar o esforço, já que Lula sinaliza oferecer a vaga de vice ao PMDB. O que mais se comenta é que se o PMDB decidisse lançar candidatura própria, abriria a possibilidade de uma terceira via para quem não quer votar nem em Lula nem em Geraldo Alckmin, evitando assim a continuidade da bipolarização entre PT e PSDB. O PMDB, que nasceu do antigo MDB, completou 40 anos em 2006 e parece que não deseja alçar vôos mais altos. Contenta-se em ter prefeitos, deputados, alguns governadores e senadores, e esquece que o presidente é a representatividade máxima de um partido.

Os artigos publicados nesta página não expressam necessariamente a opinião do jornal e visam refletir as diversas tendências do pensamento

o ponto

Jornal Laboratório do curso de Comunicação Social da Faculdade de Ciências Humanas-Fumec

Coordenação Editorial Profª Ana Paola Valente (Jornalismo Impresso)

Monitores de Produção Gráfica João Hudson e Rafael Matos

Coordenação da Redação Modelo Prof. Fabrício Marques

Monitores do Laboratório de Publicidade e Propaganda Daniel Chaves e Ricardo Alves

Conselho Editorial Prof. José Augusto (Proj. Gráfico), Prof. Paulo Nehmy (Publicidade), Prof. Rui Cézar (Fotografia), Prof. Mário Geraldo (TREPJ) e Profª. Adriana Xavier (Infografia)

Projeto Gráfico Prof. José Augusto da Silveira Filho

Monitores de Jornalismo Impresso Daniel Gomes, Fernanda Melo e Tiago Nagib Monitores da Redação Modelo Camila Coutinho e Daniela Venâncio

Tiragem desta edição 6000 exemplares Lab. de Jornalismo Impresso Tel.: 3228-3127 e-mail: oponto@fch.fumec.br

Universidade Fumec Rua Cobre, 200 - Cruzeiro Belo Horizonte - Minas Gerais

Prof. Amâncio Fernandes Caixeta Diretor Geral da FCH/Fumec Profª. Audineta Alves de Carvalho de Castro Diretora de Ensino

Professor Pedro Arthur Victer Presidente do Conselho Curador

Prof. Benjamin Alves Rabello Filho Diretor Administrativo e Financeiro

Profª. Romilda Raquel Soares da Silva Reitora da Universidade Fumec

Prof. Alexandre Freire Coordenador do Curso de Comunicação Social


03 - Politica - Guilherme

16.05.06

15:09

Page 1

Editor e diagramador da página: Guilherme Barbosa

o ponto

P O L Í T I C A

Belo Horizonte – Maio/2006

3

JUSTIÇA a passos MOROSIDADE DO JUDICIÁRIO DECEPCIONA OS QUE CONFIAM NA AGILIDADE E NA OBJETIVIDADE DO SEGUNDO PODER

LENTOS

Felipe Torres

LARISSA CARNEIRO E AMANDA VIDIGAL 5º PERÍODO A opinião pública é quase unânime. Não dá para confiar na Justiça. Morosidade, burocracia excessiva, impunidade e corrupção, resultam numa descrença na eficiência da aplicação das leis e desconfiança na Justiça que não julga, como deveria, a todos em igualdade de condições. Essas reclamações se tornaram corriqueiras na boca dos brasileiros. Segundo pesquisa do Ibope, realizada em agosto de 2005, mais da metade da população não confia no Judiciário e, de acordo com pesquisa encomendada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, a principal queixa é a sua morosidade. Fatores devem ser considerados para a compreensão das causas de uma Justiça lenta na aplicação das penas. Com a abertura política, houve uma explosão de demanda judiciária no Brasil. A Constituição de 88 abriu canais para a concessão de uma série de direitos que não eram previstos anteriormente e mecanismos de acesso que possibilitaram que as minorias lutassem, na Justiça, por seus interesses. “A democracia gera conflitos e parte destes conflitos estoura nos Tribunais” afirma Carlos Augusto Gonçalves da Silva, procurador da Justiça do Estado de Minas Gerais. Os 117 desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais julgam, cada um, uma média de 2.200 recursos por ano. O Estado de São Paulo possui 358 desembargadores para atender 40 milhões de pessoas. A média de tempo entre a primeira e a última instância é de 70 meses. Leis arcaicas Se a sociedade mudou e vive uma realidade do século XXI, com mais informação e noções de cidadania, os códigos de lei ainda são pratica-

mente os mesmos daqueles pensados para os conflitos do século XIX. Raymundo Cândido Júnior, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, diz que a legislação processual arcaica “faz com que os processos se arrastem por anos ”. Ministério Público, Ordem dos Advogados e Magistratura concordam e a reclamação é antiga: sem uma reforma processual e administrativa é impossível mudar o andamento da Justiça. O ritual processual prático das leis brasileiras se sustenta em uma estrutura burocrática. “O processo vira um monstro no Brasil”, critica Paulo Tamburini, juiz da 17ª. Vara Cível de Belo Horizonte e ex-membro do Conselho Nacional de Justiça. Ao assumir a Presidência da República, o Presidente Luís Inácio Lula da Inácio da Silva propôs uma série de reformas, dentre elas a do Judiciário, que consiste na criação do Conselho Nacional de Justiça e na “súmula vinculante”.“O Judiciário foi escolhido como a bola da vez”, avalia Cândido Júnior, “Ésta reforma veio colocar, ainda mais, a opinião pública contra o Judiciário”. A sociedade foi levada a acreditar que a reforma proposta pelo Executivo (dezembro de 2004) resolveria o problema no andamento da Justiça, pois esta foi sua razão manifesta.

lação do poder público com a Justiça, nós tiraríamos uma quantidade enorme de processos pendentes hoje na Justiça”. Ao ser intimado a pagar, o poder político recorre em todas as instâncias, podendo interpor até 47 recursos, e ao final, se condenado, não paga; emite um precatório que é um título de dívida pública. Estado e Federações devem, juntos, cerca de R$ 60 bilhões em precatórios e vêm descumprindo determinações da Justiça para o pagamento destas dívidas. Como o valor estipulado pela sentença não acompanha os rendimentos do mercado, a morosidade nos processos se torna um bom negócio para os devedores. Além do aumento da dívida pública interna, um sistema judicial lento tem outras conseqüências na economia Suscita desconfiança na agilidade da resolução dos conflitos e desestimula empresas a investir no país. Segundo o Instituto de Qualidade Jurídica, o país deixa de crescer cerca de 20% ao ano devido à deficiência na Justiça. Entretanto, no Brasil, quem é institucionalmente apto a fazer uma reforma efetiva do Judiciário – Executivo e Legislativo – são grandes devedores e diretamente interessados em uma Justiça lenta que não atenda às demandas, de forma rápida, dos direitos individuais e coletivos.

Grandes devedores O fato é que a maior demanda do Judiciário se dá em relação ao Poder Público. União, Estados e Municípios são, juntos, responsáveis por cerca de 70% dos processos que atravancam a Justiça. Se no senso comum o crescimento da demanda judiciária tem relação com o aumento da violência social, os dados comprovam que o grande réu é o poder público que “se vale dos processos para não pagar o que deve”, afirma Cândido Júnior. “Se houvesse uma vincu-

Impunidade A lentidão nas decisões judiciais causa uma sensação coletiva de impunidade, nefasta para um dos pilares da democracia. A reforma proposta pelo Executivo e votada pelo Legislativo acelerou a Justiça? Não. Para comprovar, basta perguntar a qualquer cidadão às voltas com o Judiciário se o andamento de seu processo foi alterado. O Judiciário foi a júri popular e sumariamente condenado. Entretanto, não olharam quem se sentava no banco dos réus. João Hudson e Rafael Matos

Comparativo do volume de processos nos estados

Comparação entre o número de novos processos em 2006 e o total registrado no ano passado:

São Paulo Novos Total 243.332 14.989.493

Minas Gerais Novos Total 92.420 2.343.079

Fonte: Fóruns de SP, MG e RS

JUSTIÇA

Rio Grande do Sul Novos Total 997.641 2.192.332

Processos chegam diariamente em pilhas no Fórum de Belo Horizonte e ficam anos parados

Processos se arrastam pela história O presidente do Brasil era o mineiro Itamar Franco, o país ainda vivia os traumas de um impeachment presidencial, a seleção brasileira de futebol era tricampeã, o Plano Real era um projeto do então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso e a guerra do Iraque era a primeira, do Bush-pai, quando o médico de São Sebastião do Paraíso, Antônio Carlos Maffei Bragiato, 33, entrou com uma ação na Justiça contra a Prefeitura de sua cidade devido a uma demissão injusta. O périplo do médico estava começando. Ao final do ano de 1996, tendo passado por todas as etapas processuais na primeira instância judiciária, a Prefeitura é condenada a pagar uma indenização ao médico e a restituir-lhe o cargo perdido. Recorre, então, para a segunda instância, que confirma a sentença da primeira após passar, novamente, por todos os trâmites legais. Descuidada dos prazos, a Prefeitura perde a chance de recurso no Supremo Tribunal de Justiça, mas, apesar da sentença confirmada em todas as instâncias, sua vitória é parcial, pois ganhou o di-

reito de receber a indenização, mas não o valor efetivamente. É preciso agora dar entrada a um novo processo, de execução da sentença, que se, vencido, agora sim, lhe dará o direito de ser ressarcido financeiramente e ver restituído o seu prejuízo moral. É aberto um paralelo processual chamado embargo do devedor e, junto com ele, toda a sorte de recursos, apelações e, também, a possibilidade de um eventual recurso extraordinário. Em 1997, o processo de Bragiato está enorme. É um monstro burocrático que se movimenta dentro do rito processual prático de um Fórum. Com a dívida pública assumida, o Poder Público emite uma precatória e ela, para existir na malha do sistema, ganha uma capa que é a mesma do tempo do Império. Dentro da capa, a cópia da petição, a cópia do despacho do Juiz e as cópias de mais um punhado de coisas. É publicado que se expediu o precatório que vai ser enviado pelo correio até a Comarca de São Sebastião do Paraíso. Recebido, o Juiz manda autuála, registrá-la, distribuí-la e inscrever “cumpra-se”. Vai

para o cartório, volta ao sistema, é carimbada, é expedido um mandado que é entregue ao Oficial de Justiça. Ele cumpre a ordem, devolve o mandado que é carimbado que foi, mas já voltou. Carimba-se a data de retorno. É postado ao Juiz, que carimba para juntar ao processo. Em 2004, sete anos depois, é emitida, enfim, uma precatória. Mas o litigante ainda não vai ser indenizado. Vai para a fila dos precatórios, junto com outros tantos milhares de brasileiros que aguardam o cumprimento da decisão da Justiça. Em 2005, o médico, 46, abre mão dos juros relativos ao período de 2003 a 2005 para que possa, finalmente, receber a sua indenização em seis parcelas. Se optar por não fazer acordo, o pagamento demorará ainda mais. Ele decide que é melhor um mal acordo do que uma boa demanda. O presidente do país é Luís Inácio Lula da Silva, a seleção brasileira de futebol sonha com o hexacampeonato, o ministro da Fazenda é ex-Presidente de dois mandatos e a guerra do Iraque ainda está na mídia, mas a segunda, a do Bush filho.


04 - Educação - Lídia Rabelo

16.05.06

15:08

Page 1

Editor e diagramador da página: Lídia Rabelo

4

o ponto

E D U C A Ç Ã O

Belo Horizonte – Maio/2006

Ampliação demanda qualidade EXTENSÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE 8 PARA 9 ANOS EXIGE PROFESSORES ENGAJADOS Laura Aguiar

PAULA LUZIA 6º PERÍODO

Ampliação pode não funcionar sem mudança de atitude de professores e alunos na escola Laura Aguiar

Sistema de ciclos causa mudanças nas escolas A ampliação do ensino fundamental utiliza a organização do sistema de Ciclo de Formação de Idade, que está divido da seguinte forma: 1º - de 6, 7 e 8 anos - Infantil, 2º - de 9, 10 e 11 anos - Pré-adolescência e 12, 13 e 14 anos a Adolescência. Além disso está prevista na LDB (Lei de Diretrizes e Bases) desde 1996. A LDB sinalizou para um ensino obrigatório de nove anos iniciado aos 6 anos de idade. Assim, esta questão tornou-se meta da educação nacional pela Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que aprovou o PNE (Plano Nacional da Educação). A organização do ensino fundamental em ciclos traz profundas transformações no método de ensino. Segundo Raquel Elizabete de Souza Santos, a organização do sistema em ciclos foi também uma reivindicação da grande maioria dos professores que trabalham neste nível. O sistema de ciclo amplia as possibilidades de sucesso escolar, uma vez que propicia relação mais flexível e dinâmica entre o tempo disponível, os objetivos curriculares e o ritmo de aprendizagem dos alunos de uma mesma faixa etária. Portanto essa organização atende de um modo mais adequado ao desenvolvimento da alfabetização e do letramento, submetendo o tempo da escola ao tempo dessas aprendizagens, afirmando o aprendizado em oposição à retenção que é específico da organização em séries. As atuais exigências de democratização do acesso à escola pública de qualidade demandam a permanência das crianças de camadas populares na escola e a ampliação das oportunidades de acesso à cultura escrita.

A ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos em Minas Gerais foi lançada em julho de 2004 e está em processo de implantação em todo Brasil. A idéia é que, freqüentando mais cedo a escola, a criança desenvolve suas habilidades e raciocínio, além de aprender os princípios de convivência social, cidadania, noções de direitos e deveres previstos na LDB (Lei de Diretrizes e Bases). Essa ampliação exige uma discussão sobre a qualidade da educação fundamental e implica na formação de professores engajados nessa proposta. O professor da UFMG, doutor e psicólogo escolar, Lincoln Coimbra Martins, destaca que a princípio a ampliação do Ensino fundamental é positiva, se levar em consideração que ela pretende atingir todas as crianças com idade de seis anos. Mas é preciso observar duas questões, as creches passam a atender crianças até cinco anos e as de seis anos acabam perdendo porque são encaminhadas para o ensino fundamental que atende apenas em um período. “Há que se discutir a qualidade deste atendimento, pois o governo estadual faz seu marketing político em cima desta expansão como se ter mais um ano de escolaridade fosse bom

por si mesmo”, diz Lincoln. Segundo o professor, seria mais positivo se o Estado garantisse a todas as crianças de zero a seis anos um atendimento em tempo integral, priorizando a formação geral de hábitos e as rotinas de vida diária. Cláudia Márcia da Mata, supervisora pedagógica, considera importante a ampliação, pois propiciou aos alunos de inúmeras cidades de Minas Gerais ingressarem na escola com seis anos. A organização do sistema de ensino em ciclos é totalmente diferente da seriação, que é um sistema que retém os alunos, e se for bem trabalhada só trás aspectos positivos, pois respeita o ritmo do aluno. “Mas o que tenho presenciado são escolas ainda trabalhando em seriação e dizendo que é ciclo, continuando a reter o aluno”, acrescenta. Para ocorrer transformações significativas os profissionais deverão estar capacitados e engajados, trabalhando nessa perspectiva, caso contrário mudará somente o nome do sistema utilizado. Ampliação em BH Segundo Dagmá Brandão Silva, diretora do CAPE (Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação), a ampliação do ensino fundamental de 8 para 9 anos já ocorre em Belo Horizonte desde 1997, com a implantação da Escola Plural.

Ao fazer isso amplia-se a educação, trabalhando na lógica de respeitar essa idade que é de socialização, de aprender o código lingüístico. Essa proposta considera que a escola é um espaço de vida, de cultura, de desenvolvimento de processos de informação e conhecimento, uma lógica de perceber essas crianças. “O sistema de avaliação não é utilizado para dar nota ou punir o aluno, e sim para se saber que tipo de intervenção será realizado, para diagnosticar e traçar caminhos”, diz Dagmá. A inclusão de crianças de seis anos de idade no ensino não deve significar a antecipação dos conteúdos e atividades que tradicionalmente foram compreendidos como adequados à primeira série do ensino fundamental. “Compreende, portanto, a necessidade de se construir uma nova estrutura e organização dos conteúdos em um ensino fundamental, agora de nove anos”, acrescenta a diretora. A implantação destaca que não se trata de transferir para as crianças de seis anos os conteúdos e atividades da tradicional primeira série, mas de conceber uma nova estrutura de organização dos conteúdos considerando o perfil dos estudantes.

Reformas na educação pedem cautela

Mais tempo em sala de aula nem sempre garante qualidade

O professor da UFMG, doutor e psicólogo escolar, Lincoln Coimbra Martins, explica que é preciso realizar uma longa consideração sobre o objetivo das reformas do ensino público no Brasil e no mundo. Sem uma visão histórica sobre este tema é impossível fazer uma apreciação justa e apropriada sobre o mérito do sistema seriado versus sistema de ciclos. É impossível apreciar o valor ou o mérito de uma proposta de ensino sem discutir o objetivo que orientou sua formulação e a forma de sua implantação. Um outro ponto é considerar que uma proposta ou modelo de ensino traz no seu bojo uma indissociável dimensão política e de um ideal de sociedade. Quem vai de fato implementar qualquer proposta de ensino seja ela seriada, em ciclo ou uma outra qualquer é a unidade escolar e seus agentes, diretores, corpo docente e téc-

Novidade contou com estudos e pesquisas Segundo Raquel Elizabete de Souza Santos, diretora da Superintendência de Educação, o processo de ampliação aconteceu após estudos e pesquisas em relação à realidade da escola pública em Minas, mas que nos últimos anos estava deixando muito a desejar.”Apesar de mais escolarizadas, as crianças não estavam apresentando um grau satisfatório de alfabetização e letramento, seja para prosseguir na vida escolar, seja para integrar-se à vida social”, diz a diretora. Para que isso ocorresse, o Estado realizou um congresso em parceria com o Centro de Alfabetização, Leitura e escrita da Faculdade de Educação da UFMG, com a participação de 1800 educadores mineiros. A dinâmica desse evento possibilitou o envolvi-

”Apesar de mais escolarizadas, as crianças não estavam apresentando um grau satisfatório de alfabetização e letramento, seja para prosseguir na vida escolar, seja para integrar-se à vida social” Raquel Elizabete de Souza Santos diretora da Superintendência de Educação de Minas Gerais mento dos participantes, resultando em inúmeras contribuições para a ampliação da proposta. Essa ampliação faz parte da determinação legal do PNE

(Plano Nacional de Educação) da Lei nº 10.172/2001 que tem duas intenções: oferecer mais oportunidades de aprendizagem no período da escolarização obrigatória e assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianças prossigam nos estudos, alcançando maior nível de escolaridade. Uma das principais razões para ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos seria a busca de um equilíbrio entre a preparação dos estudantes de escolas públicas e particulares, para que ocorra a diminuição da defasagem do ensino no Brasil em relação a padrões internacionais. Segundo Raquel Elizabete, o grande desafio é fazer da permanência na escola uma oportunidade de efetivo desenvolvimento para todos.

“A sociedade mudou, as relações de produção mudaram e o cliente do sistema educacional também é outro. Não dá para olhar para trás na busca de solução para nossa educação” Lincoln Coimbra Martins - professor doutor e psicólogo escolar da UFMG nico, se a proposta não é compreendida e incorporada como válida por estes profissionais a chance real dela “dar certo” é muito pequena. A avaliação da proposta do ensino fundamental organizado por ciclos tem como um de seus objetivos manter as crianças na escola integrando conhecimento e formação de ci-

dadania, mas isto implica na formação de professores identificados com um projeto político e pedagógico. “Sem isto, creio que qualquer proposta tem chances muito pequenas de alterar o quadro que estamos vendo na educação pública”, acrescenta. Entretanto, Martins não crê que um retorno ao conhecido sistema seriado seja a solução. “A sociedade mudou, as relações de produção mudaram e o cliente do sistema educacional também é outro. Não dá para olhar para trás na busca de solução para nossa educação”, explica o professor. Licoln também critica a postura dos professores em relação às mudanças. Segundo ele, os profissionais da educação querem mudar o sistema de ensino, a família e a criança que atendem, na maioria das vezes de maneira adaptativa, mas raramente senão nunca, pensam na possibilidade de rever sua própria mentalidade. João Hudson e Rafael Matos

EDUCAÇÃO

Leis de Diretrizes e Bases

O artigo 32 determina como objetivo do Ensino Fundamental a formação do cidadão mediante: 1. O desenvlovimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; 2. A compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; 3. O desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; 4. O fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.


05 - Segurança - Luciana R.

16.05.06

15:04

Page 1

Editores da página: Ana Paula Ferreira, Daniel Gomes e Luciana Ribeiro / Diagramador da página: Daniel Gomes

o ponto

E S P E C I A L

Belo Horizonte – Maio/2006

5

Intervenção sobre foto de Henrique Lisboa

SILÊNCIO INCÔMODO

IMPRENSA MINEIRA FAZ COBERTURA PARCIAL DE MOVIMENTOS SOCIAIS E UTILIZA CRITÉRIOS QUESTIONÁVEIS DO QUE É NOTÍCIA

“O silêncio vergonhoso da imprensa” - diz a mensagem escrita sobre o caixão deixado na Praça Sete, no centro de Belo Horizonte. A manifestação organizada pelo Movimento Mineiro pela Segurança Pública simbolizava a morte de policiais em serviço

ANA PAULA FERREIRA 6º PERÍODO "Eles quebraram a Cemig, então virou notícia". Esse foi o critério adotado pela editora do caderno Minas do jornal Hoje em Dia, Leida Reis, para dar mais destaque ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) do que ao Movimento Mineiro pela Segurança Pública (MMSP). "(O MMSP) teve espaço devido ao efeito sobre o trânsito e muito pela imagem, pois deu uma foto bonita e muito simbólica", justifica a jornalista. O MMSP, composto por policiais civis e militares, bombeiros e agentes penitenciários, manifestou-se reivindicando reajustes salariais e propondo políticas de segurança pública para o estado. As manifestações tiveram início no dia 7 de março em frente ao Palácio da Liberdade e acirraram-se durante o encontro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Já o MAB também aproveitou-se da reunião com grandes líderes econômicos e políticos mundiais e protestou nas ruas no dia 3 de abril, com direito a confronto com a polícia e quebra-quebra na sede da Cemig. Dez pessoas foram presas e mais de 20 ficaram feridas. Cobertura questionável Segundo a jornalista do Sindicato dos Professores do Estado de Minas (Sinpro) Débora Junqueira, crimes cometidos por movimentos sociais devem ser noticiados, mas questiona a razão de não se reportar as circunstâncias. Para ela, o interesse de alguns é reforçar a imagem negativa desses movimentos. A coordenadora do Departamento de Comunicação do Sindicato dos Eletricistas do Estado de Minas (Sindieletro), Andréa Castello Branco, concorda com a colega ao dizer que "o Mo-

vimento dos Sem-Terra (MST) e o MAB são descritos como 'arruaceiros". Ela informa que o MAB divulgou indicadores importantes como a diferença de preço de energia entre o serviço domiciliar (R$ 600) e o fornecido às empresas pela Cemig (R$ 126). Outra discussão atual não abordada, segundo a coordenadora, foi o repasse dos dividendos da empresa para acionistas, em sua maioria estrangeiros. “Uma verdadeira sangria. Acredito que essas informações são de interesse público, a Cemig é pública”, opina. Durante o encontro do BID, houve diversas manifestações, o que é considerado normal e divulgado como o outro lado da moeda. "Mas em Minas não pode. É falta de civilidade contra governos tão ilustres", ironiza Andréa. O presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG), Aloísio Lopes, revela que "a omissão da imprensa à manifestação do MMSP deve-se a um acordo espúrio dos principais veículos com o governo do estado". No dia seguinte à primeira manifestação do MMSP no dia 7 de março, o jornal Hoje em Dia veiculou apenas uma pequena matéria sobre o assunto e o Diário da Tarde uma coluna, ambos sem apuração aprofundada. O Estado de Minas publicou somente uma nota. Arnaldo Viana, editor do caderno Gerais, foi procurado diariamente via telefone dos dias 10 a 19 de abril, mas não retornou as ligações nem e-mail enviado no dia 11 do mesmo mês pela reportagem de O Ponto. Já a editora do Hoje em Dia Leida Reis afirma que, se for só interesse corporativo, a mídia não se sente na obrigação de divulgar. Segurança pública Conforme o vice-presidente do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Es-

tado de MG (Sindpol/MG), Denílson Martins, o MMSP trata não somente de questões salariais, mas também de questões de interesse público. "Queremos sensibilizar o governo e a sociedade para o risco da profissão. Trazemos à tona também uma forte preocupação em propor políticas de segurança pública que devem ser discutidas com a sociedade", esclarece. Para o sociólogo e coordenador do Núcleo de Estudos em Segurança Pública do Centro de Estudos Econômicos e Sociais da Fundação João Pinheiro, Eduardo Batitucci, ainda existe uma vala entre a população e o aparato de segurança pública, fruto de fatores históricos e culturais. Esse distanciamento vincula-se também à participação das organizações de segurança pública após o golpe de 64 e nas conseqüências de natureza organizacional, cultural e operacional que esse movimento político gerou na época. "Segurança pública é dever do Estado. Isso não significa, por outro lado, que a população possa se ausentar dessa discussão. É fundamental que a sociedade saiba que segurança pública ela deseja e o que isso de fato significa, quanto custa e o quanto estamos dispostos a ceder de nossa liberdade individual em prol da liberdade coletiva", opina Batitucci. Ainda conforme o sociólogo, existem diversas iniciativas buscando aproximar a população deste assunto, especialmente no que se refere à participação e ao controle social nas políticas públicas desenvolvidas pelo Estado. Segundo o assessor de comunicação da Secretaria de Defesa Social (SEDS), Hugo Teixeira, até dezembro deste ano todas as políticas públicas destinadas à área de segurança terão recebido investimentos no valor de R$ 445 milhões com uma contrapartida do governo federal de cerca de R$ 50 milhões. Colaborou: Luciana Ribeiro

Policiais reivindicam acordo feito em 2004 No movimento grevista de 2004 os policiais saíram às ruas pleiteando 54% de reajuste salarial referente às perdas do período. O governo propôs, segundo a Secretaria Estadual de Defesa Social (SEDS), conceder o adicional. As entidades solicitaram que, no lugar deste, fosse pago o reajuste parcelado. Os reajustes negociados foram pagos, conforme a SEDS. "Os servidores da área de segurança acumularam assim, entre 2004 até o final de 2005, um total de 33,39% de reajuste contra uma inflação acumulada no mesmo período de 29,59%. Nenhuma outra categoria do funcionalismo público teve estes ganhos", defende Hugo Teixeira. No entanto, os manifestantes declaram que, durante as negociações, o acordo rezava que o governo se comprometeria a pagar posteriormente o adicional de periculosidade, o que não ocorreu. "Não atenderam às especificações da categoria e não temos uma data base específica para sentar e negociar não só salário, mas condições de trabalho. É muito precária a situação do servidor público hoje", explica Denílson. O vice-presidente da Associação dos Praças, Policiais e Bombeiros Militares de MG (ASPRA-PM/BM), Luiz Gonzaga Ribeiro, faz uma crítica ao problema relacionado ao desvio de função que, em sua visão, diminui o número de policiais nas ruas. "Policiais civis não deveriam exercer a função de carcereiros e sim de investigadores", sugere. Segundo o assessor Hugo Teixeira, "a Polícia Civil de Minas sempre cuidou de presos e continuará cuidando", lembra. Conforme Teixeira, o que o atual governo está fazendo com a abertura de novas vagas no sistema prisional e com a inauguração de novos presídios é cumprir sua política pública estruturante de fazer com que as funções da Polícia Civil se atenham à atividade de polícia judiciária. Naquele ano, os veículos de comunicação limitaram-se a divulgar as versões oficiais, ainda que tenham entrevistado as lideranças sindicais dos policiais, segundo matéria publicada no jornal Pauta em junho daquele ano pelo Sindicato dos Jornalistas de Minas.


06 - Cidade - Ernane Leo

16.05.06

15:06

Page 1

Editor e diagramador da página: Ernane Léo

6

o ponto

C I D A D E

Belo Horizonte – Maio/2006

Medida beneficia poucos DISCUSSÃO SOBRE QUALIDADE DO TRANSPORTE PÚBLICO FICA EM SEGUNDO PLANO EM BH Amanda Vidigal

Transito ruim e super lotação são os grandes vilões nos horários de pico de Belo Horizonte

ERNANE LÉO 6º PERÍODO A Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da BHTrans, lançou em fevereiro deste ano, seu programa “Meia Tarifa”. Ele promove uma integração tarifária dando direito ao passageiro que pega dois ônibus, de linhas diferentes, em sentido contínuo, no período de até 90 minutos, a pagar meia passagem na segunda viagem. O engenheiro de tráfego urbano Márcio José Aguiar acredita que a intenção da BHTrans é reduzir o custo da viagem para algumas pessoas, mas afirma que a medida só evidencia o problema do transporte na cidade. “O problema do transporte em Belo Horizonte é histórico e está na estrutura do sistema que é unimodal, a BHTrans só oferece um tipo de serviço quando deveria oferecer um transporte de qualidade integrando o metrô e os ônibus que rodam pelo DER”. Segundo a gerência de imprensa da BHTrans, a medida irá beneficiar cerca de 1,4 milhão de usuários diariamente, mas o número total de pessoas que utilizam o cartão BHBus desde sua implantação é de 590 mil, sendo que, em sua maioria, são cartões de funcionários de empresas. Os moradores da região metropolitana que usam os ônibus gerenciados pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER) de Minas não poderão se valer da medida, mesmo que usem depois um ônibus gerenciado pela BHTrans, o que é comum. A assessoria do órgão estadual disse que os sistemas de transporte da capital e da região metropolitana são completamente separados e que não existe nenhum estudo planejando a integração dos mesmos. Desta forma, quem mora em alguma das 34 cidades da Grande BH vai continuar pagando o valor integral nas duas passagens. De acordo com o DER, 19 milhões de pessoas usam o transporte coletivo na região metropolitana todos os meses. O técnico em informática Romney Lima, morador do bairro Rio Branco, em Belo Horizonte, faz uso de mais de duas

linhas diariamente. Ele considera que o número de ônibus oferecidos em alguns horários é insuficiente. “Trabalho de segunda a segunda e tenho que pegar vários ônibus. Não quero pagar meia tarifa, quero ter melhor qualidade de serviço”, critica. O psicólogo Thomas Madsen diz que as condições de viagens no transporte urbano e os fatores que giram em torno dele são os grandes causadores do estresse. “Os longos períodos de viagens de ida e volta do trabalho, muitas vezes em ônibus com má ventilação, o barulho e o trânsito contribuem grandemente para o cansaço, ansiedade, insônia e dores, todos sintomas do estresse”, afirma. Propaganda enganosa A reportagem de O Ponto constatou que, entre os dias 11 de fevereiro a 4 de março, televisão, rádio e as janelas dos ônibus de BH trouxeram farto material publicitário referente à nova medida da PBH. A propaganda veiculada nas TVs mostra um jovem descontraído pegando o ônibus sem nenhum transtorno. No entanto, a superlotação é evidente, conforme constatou a reportagem. É comum ver ônibus lotados no horário de pico deixando de parar em pontos por não suportar mais passageiros. Um grande grupo de beneficiários do “Meia-Tarifa” são os usuários da linha 1030 (avenida), mas basta passar na avenida Afonso Pena, entre 7 e 8 horas da manhã, para constatar o caos em que se encontram as linhas. Além disso, segundo a BHTrans, o programa não é permanente e pode ser encerrado a qualquer momento. A frota de ônibus de BH é de 2.819 veículos, distribuídos pelas 265 linhas do Sistema Municipal de Transporte. Segundo a própria BHTrans, tais números são insuficientes para impedir que haja superlotação. De acordo com o engenheiro de bilhetagem eletrônica da BHTrans Sérgio Ferreira, todo ano é feita uma pesquisa sobre a qualidade do transporte da empresa, mas não é divulgada para a população.

Alteração nos preços do metrô

Modernidade de BH é ultrapassada

Dia 22 de fevereiro foi marcado pelo reajuste de 37,5% do Metrô. O valor da tarifa que era de R$ 1,20 subiu para R$ 1,65. O aumento foi justificado pela MetrôBH por meio da política de reajustes, implantada em conjunto com os governos municipal e estadual, que é de alinhar a tarifa do metrô com a tarifa de ônibus. A Companhia de Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) informou que o próximo acerto do valor será no dia primeiro de julho. A empresa alega que o custo por passageiro transportado em 2005 foi de R$ 2,23, o que corresponderia a um déficit de R$ 1,36. Com o primeiro reajuste o déficit passaria a ser de R$ 1,16. O aumento na tarifa mobilizou o Sindicato dos Metroviários (Sindimetro) que, no dia 21 de fevereiro, mandou uma carta para a Presidência da República e para o Ministério Público Federal

A Cidade de Minas, antigo nome de Belo Horizonte, foi à primeira cidade projetada do Brasil. A fim de atender os interesses políticos e sanitários da época o engenheiro paraense Aarão Reis se inspirou na arquitetura de grandes cidades do primeiro mundo. A nova capital foi projetada seguindo o estilo de cidades como Washington e Paris. Em maio de 1895 estava pronto o projeto que previa uma cidade moderna, com um grande parque central, ruas e avenidas larga com espaço urbano e suburbano delimitado pela avenida do Contorno. O projeto só organizou totalmente a área central da cidade. As ruas e avenidas formam um grande tabuleiro de xadrez de ruas que se cruzam em ângulos retos. As avenidas centrais receberam o nome de grandes rios do país, como Amazonas e Paraná. As ruas ganharam o nome de estados brasileiros, de tribos in-

pedindo para que fosse barrada a decisão do governo federal. O presidente do sindicato, Sergio Leôncio, ressalta que 37,5 % é um valor bem acima da inflação anual.” É impossível para um trabalhador, que tem que sustentar sua casa e seus filhos pagar esse valor tão alto em uma passagem”. O engenheiro de tráfego Urbano Marcio José Aguiar observa que deveria haver uma integração entre a BHtrans e o serviço de transporte metroviário, mas uma integração física. Segundo Aguiar, o fato de o trem urbano estar no traçado de cargas isso o desconfigura como serviço metroviário. “O trem de superfície não atende a demanda de transporte, ele deveria ser integrado aos ônibus, com corredores subterrâneos passando pela Praça 7, Hospitais, Savassi e realmente chegar em Venda Nova”.

dígenas, de ex-governadores. Também batizaram vias da cidade com nomes de heróis da Inconfidência Mineira. Reestruturação Segundo o engenheiro Márcio José Aguiar, é evidente que a modernidade de Belo Horizonte já está ultrapassada, o transito é difícil e em muitos horários do dia fica quase impossível de transitar. Esse problema é histórico pelo fato de que somente a área central ter sido totalmente projetada e com o crescimento desordenado das áreas conurbadas o problema tomou proporções ainda maiores. “Graças a Aarão Reis ainda conseguimos transitar pelo centro de BH, mas é claro que precisamos de uma reestruturação do sistema de transporte, visando uma integração física dos meios de transporte e procurando ao máximo melhorar as vias de circulação”, afirma. João Hudson e Rafael Matos

TRANSPORTE

Belo Horizonte X Curitiba

Comparativo entre o sistema de transporte coletivo de BH e o da capital paranaense:

Empresa Gerenciadora

BHTRANS

URBS - Urbanização de Curitiba

Número de Habitantes

2.100.000

1.700.000

2.819

2.190

Tarifária

Físico e Tarifária

NÃO

SIM, 13 CIDADES

R$ 1,85

R$ 1,80

Frota Total Tipo de Integração Integra a Região Metropolitana Preço da Tarifa

Fonte: BHtrans e Prefeitura de Curitiba


07 - Cidade - Gabriela Oliveira

16.05.06

15:04

Page 1

Editor e diagramador da página: Gabriela de Oliveira Nascimento

o ponto

C I D A D E

Belo Horizonte – Maio/2006

7

Vânia Frois, mãe de Saulo, em manifestação pública: divulgação e informação são grandes aliados na busca por parentes desaparecidos

Famílias desfeitas SEGUNDO A POLÍCIA CIVIL, EM 2005, FORAM 1.048 CASOS DE PESSOAS DESAPARECIDAS EM BH. OS FAMILIARES VIVEM NA INCERTEZA E LUTAM PARA SENSIBILIZAR AS AUTORIDADES RAFAELA PIO LORENA FORTINI 1º PERÍODO

Saulo Frois

Jonas Teixeira

Um engano. Uma pessoa, acreditando estar sendo seguida por um homem no trânsito, liga para a polícia e denuncia a suposta perseguição. Imediatamente, a central envia quatro viaturas que interceptam o carro do suspeito. Algemado e, segundo o boletim de ocorrência com indícios de embriaguez, o rapaz é levado ao Detran da avenida João Pinheiro, região central de Belo Horizonte, onde recebe cinco multas e tem o carro e a carteira de motorista apreendidos. Liberado por volta das 9h30 da manhã do dia seguinte, o motorista foi visto pela ultima vez por uma colega de trabalho, nas imediações da Praça da Liberdade. É esse o drama vivido pela família de Vânia Frois, 52, mãe do bancário e estudante Saulo Frois, 25, que está desaparecido desde 20 de agosto de 2005. A partir daquele dia começou a luta de Vânia para encontrar o filho. Atualmente, ela viaja sempre à procura de Saulo, além de participar e organizaçoes, passeatas, juntamente com outras

mães que vivem o mesmo problema. “Cheguei a fazer jejuns e vigílias e ainda continuo freqüentando delegacias em busca de novas pistas. De segunda a sexta-feira, fico de 14h às 19h, na Praça da Liberdade, à espera de alguma novidade”, salienta Vânia. Portando fotos do filho desaparecido e saindo diariamente à procura de noticias, Vânia está recolhendo assinaturas para fazer um abaixo-assinado. O objetivo é tentar a aprovação de um projeto de lei que determine uma série de providências para beneficiar a investigação do desaparecimento de cidadãos, assim como o amparo às respectivas famílias. Para fazer com que o abaixo-assinado tramite na Assembléia Legislativa, Vânia precisa conseguir um mínimo de 15 mil assinaturas. Como se trata de uma lei federal é necessário um mínimo de assinaturas em pelo menos quatro estados brasileiros. Vânia, que também tem um irmão desaparecido há 26 anos, diz que conseguir tal número de assinaturas não será nenhum problema. “Acredito que, devido à repercussão do caso, em

breve conseguirei”. Quanto ao desaparecimento de Saulo, ela garante que a polícia está agindo. “Detetives investigaram recentemente os dois computadores de Saulo, com a finalidade de recuperar alguns arquivos perdidos”, observa. Informação é fundamental Assim como na história de Saulo Frois e em outros casos de desaparecidos, a informação e divulgação são fundamentais para o sucesso dos órgãos competentes responsáveis pelas buscas. Eles somente podem trabalhar a partir de dados corretos, por isso é de suma importância que não ocorram trotes, uma vez que tal fato dificulta ainda mais as operações. Todos os anos, centenas de pessoas desaparecem em Belo Horizonte, deixando familiares condenados a viver na incerteza e a enfrentar burocracia para encontrá-las. As estatísticas mostram que 90% dos desaparecimentos são voluntários, por problemas como alcoolismo, drogas, desemprego e transtornos mentais, entre outros. Segundo dados da Polícia Civil, em 2005 foram registrados 1.048 casos de pessoas de-

saparecidas em Minas Gerais. Desses, 263 ocorreram no primeiro trimestre e 170 foram solucionados. A Divisão de Referência da Pessoa Desaparecida trabalha com o índice de 70% de casos solucionados. Nos primeiros três meses deste ano, de acordo com a corporação, foram 267 casos. Apenas 10% dos registros estão vinculados a alguma ação criminosa. Para que os resultados obtidos pela polícia melhorem, os familiares de desaparecidos querem a ampliação da divulgação de imagens dessas pessoas. O deputado estadual Rogério Correia (PT) não descarta a elaboração de uma lei que obrigue a criação do telefone 0800 e a divulgação mais ampla dos dados das pessoas desaparecidas. A assessoria da Polícia Civil informou que um projeto para modernização da estrutura do Departamento de Investigações será concluído até maio. O plano prevê incremento de pessoal e criação de outras divisões. A criação do telefone gratuito para denúncias está em estudo e deve ser ativado ainda neste ano.

Ricardo Delfino Barbosa

Carlas Emanuelle da Silva

Colaborou: Gabriela Oliveira

Desaparecidos na ditadura Ramilson Teixeira

Fabiana Ferreira

O Movimento Tortura Nunca Mais, originalmente criado para resgatar a verdade histórica daqueles que tombaram na luta contra o regime autoritário foi implantado com o golpe militar de 1964,e tem a convicção de que conhecer e denunciar este passado de horror que se instalou na nação, é mais do que uma justa ação em favor dos familiares que sofreram a perda dos seus filhos, ultrapassa os limites da dor familiar atingindo o cerne da democracia. Lá, residem o respeito a dignidade humana, a cidadania e a justiça social. Quantos anos ainda serão necessários para saber o que

realmente aconteceu com Fernando Santa Cruz, David Capistrano, Eduardo Collier Filho, Paulo Stuart Wright, Thomaz Antonio Meirelles, Luiz Almeida Araújo, Stuart Edgar Angel, e tantos outros "desaparecidos" pela ditadura militar? diz Celma Tavares jornalista e integrante do grupo Tortura Nunca Mais que buscam saber o que aconteceu aos militantes políticos mortos e desaparecidos pela ditadura, passar a limpo a farsa das versões oficiais sempre foi a principal reivindicação dos familiares. Reivindicação não atendida por nenhum dos governos civis desde 1985.

Em 1995 o governo Fernando Henrique sancionou a lei 9.140 que concedeu atestados de óbito e indenizações, mas não realizou ações concretas no sentido de esclarecer o passado, deixando para trás, mais uma vez, a possibilidade do resgate histórico. Para Celma é preciso, portanto, compreender que a luta pela verdade não está relacionada com punição. Os cidadãos brasileiros não estão atrás dos culpados, não querem a punição dos crimes da ditadura. A própria lei da Anistia impede isto. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o Decre-

to nº 5.584/05, em 18 de novembro de 2005, fixando a data-limite de 31 de dezembro de 2005, para tornar públicos os documentos produzidos durante o regime militar e que se encontram mantidos em sigilo sob a guarda da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Entretanto, segundo o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, conforme a Lei nº 11.111/05, assinada pelo atual presidente, em 5 de maio deste ano, todos os documentos que resultem em ameaça "à soberania, à integridade territorial ou às relações exteriores" continuarão sob sigilo.

Marcos Adriano Coelho

João Moreira


08 e 09 - Urbanismo - Marina J.

16.05.06

15:07

Page 1

Editor e diagramador da

8

o po

U R B A N I S M O

Belo Horizonte

Arte e foto: Marina Jordá

LUTA C MARINA JORDÁ 6º PERÍODO Próximo à Estação da Luz, região central da cidade de São Paulo, se encontra a maior ocupação vertical da América Latina. Cenário de luta e trabalho para todos os movimentos sociais, e também a última a resistir a onda de despejos iniciada com o processo de revitalização do centro, o edifício Prestes Maia, ocupado desde 2002, abriga 468 famílias e mais de 2000 pessoas, dentre elas crianças e idosos. Essas famílias retiraram cerca de 200 caminhões de lixo e entulho do prédio e cerca de 1500 metros cúbicos de esgoto de seu subsolo, e afastaram o tráfico de drogas e criminalidade. Os moradores, além de limparem o prédio, separaram espaços para que cada família pudesse ter sua privacidade, providenciaram infra-estrutura, tornaram o ambiente familiar e repleto de atividades, e deram força ao comércio da redondeza. “Apenas conferimos ao imóvel a função social que a Constituição Federal determina para todas as propriedades”, afirma a líder do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) Jomarina Pires da Fonseca.

Hoje há uma biblioteca no prédio, um cineclube, programas de reciclagem, de educação, intervenções e oficinas culturais. Tudo construído pelos moradores, que sobem e descem os 22 andares de escada todos os dias, dividem entre si os serviços de portaria e limpeza, dividem banheiros coletivos, se solidarizam com as necessidades dos vizinhos e organizam festas para celebrar a união. A maioria dos moradores conta que, não tendo mais condições para pagar aluguel, juntou-se à ocupação. Alguns, vindos de outros estados, ganhando apenas um salário mínimo, ou desempregados, não conseguiram manter-se. A ocupação é dividida em setores e tem regras coletivas, como horários de refeições e reuniões às quais todos devem comparecer. Lei desrespeitada O imóvel é propriedade do candidato a vereador pelo PHS (Partido Humanista da Solidariedade) Jorge Hamuche, e de Eduardo Amorim. Além de não possuírem escritura e terem abandonado o edifício por 12 anos, devem R$ 5 milhões em IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) ao governo municipal. O edifício foi alvo do Decreto de Interesse Social, por estar vago há muitos anos, sem cumprir sua função social. Entretanto, o juiz da 25ª Vara Cível de São Paulo concedeu uma liminar de reintegração de posse do imóvel. Segundo a Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio de relatório emitido em maio de 2004, a prefeitura de São Paulo viola o direito à cidade (art. 6º da Constituição), o direito à moradia adequada (art. 2º, inciso I, da Lei Federal nº 10.257/01), e o direito à igualdade (art. 5º da Constituição). No relatório, consta que “a Relatoria Nacional da Moradia pôde verificar, no caso das ocupações, que o governo do Estado de São Paulo tem sido omisso, sem enfrentar a situação de risco e a precariedade das moradias nas ocupações em prédio públicos estaduais”. A ONU aponta, em um relatório apresentado em 2005, que, no Brasil, cerca de 7 milhões de pessoas não têm onde morar. Desse total de déficit habitacional, 80% localizam-se em áreas urbanas. O relatório aponta também que 10% dos imóveis urbanos do país estão vagos. Ainda assim, a cada nova ocupação, centenas de famílias são despejadas à força pela polícia, e os prédios que poderiam receber utilidade social ganham muros de cimento e continuam abandonados. A Constituição brasileira determina que todo imóvel deve ter uma destinação social e que todo cidadão tem direito à moradia assegurado pelo estado. As famílias que vivem na Prestes Maia continuam na esperança de uma proposta concreta por parte da prefeitura de São Paulo. Outros movimentos de luta por moradia de todo Brasil também aguardam atitudes e soluções por parte dos governos estadual e federal para que tenham finalmente a oportunidade de morar.


08 e 09 - Urbanismo - Marina J.

16.05.06

15:07

Page 2

a página: Daniel Gomes

onto

U R B A N I S M O

e – maio/2006

9

CONCRETA EDIFÍCIO PRESTES MAIA, EM SÃO PAULO, TORNASE SÍMBOLO DA BUSCA POR MORADIA NO BRASIL, DIREITO ASSEGURADO PELA CONSTITUIÇÃO E QUE VEM SENDO NEGLIGENCIADO Fotos: Marina Jordá

Movimentos populares buscam integração

Morador do edifício é exemplo de iniciativa

“Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e levantarei o mundo”. Ao observarmos a luta por moradia no Brasil, a frase de Arquimedes parece ganhar bastante sentido. Todos os dias cerca de 7 milhões de pessoas que não tem onde morar lutam por uma vida mais digna. O Estado muitas vezes nega à população as condições mais básicas à sua sobrevivência e age arbitrariamente contra os movimentos populares, que acabam sendo mal vistos pela sociedade. O MSTC (Movimento Sem-Teto do Centro) de São Paulo é uma articulação de grupos de base e de Associações de Moradores de ocupações que oferece um espaço de formulação de propostas e de lutas por moradia ao mesmo tempo em que procura se articular com outras lutas populares organizadas por movimentos sociais. O prefeito José Serra, em parceira com o subprefeito da Sé e secretário Municipal de Serviços, Andrea Matarazzo, implantou o Programa de Revitalização do Centro de São Paulo. A iniciativa visa reformar e revitalizar a região para o comércio. O projeto vem sendo executado com um empréstimo de R$ 100 milhões obtido do BID, dinheiro que foi liberado em 2 de junho de 2004. Nesta data, o banco afirmou que apoiava o “planejamento e investimentos para renovar a zona central mediante financiamento da reabilitação de edifícios e residências de famílias, moradias temporárias para famílias que vivem nas ruas, estabelecimento de indústrias de serviços de alta tecnologia e regularização dos negócios informais”. Entretanto, “com o início do programa, fechou albergues, acabou com cooperativas de catadores e expulsou famílias carentes que viviam na região”, comenta Guilherme Amaral, integrante do Fórum Centro Vivo. Ainda em março de 2005, por meio de uma ação conjunta entre a prefeitura, Polícia Militar, Polícia Civil, e outros órgãos municipais e estaduais, iniciou-se a “Operação Limpa”, com a expulsão dos sem-teto e voltada para a realização de empreendimentos na região do centro. Este acontecimento nos remete a outros marcos da história brasileira, como o retratado no livro “A Revolta da Vacina: Mentes Insanas em Corpos Rebeldes“ por Nicolau Sevcenko. O livro reconstitui os momentos que antecederam a revolta da vacina, em 1904, quando houve uma “operação de limpeza” em que sem serem consultados, os habitantes de cortiços foram expulsos do centro da capital do Rio de Janeiro para a periferia. “Em um município que possui Orlando de Almeida Filho, presidente licenciado do Sindicato dos Corretores de Imóveis, como secretário de Habitação, é natural que o PSDB possa aplicar no Centro sua política de intensificação da especulação imobiliária e perseguição aos trabalhadores informais e moradores de baixa renda do centro“, critica Raphael Amaral em seu artigo ‘Carniceria Tropical’.

A ocupação Prestes Maia conta com uma biblioteca comunitária que possui quase quatro mil obras em acervo e é o resultado da luta de Severino Manoel de Souza, 56 anos, catador de material reciclável e autodidata que insistiu na criação do espaço. Seu Severino, que nunca freqüentou escola e aprendeu a ler com uma cartilha de ABC e a ajuda de um tio, oferece um caminho muito diferente às pessoas ao seu redor. Grande parte dos livros foram encontrados por ele no lixo, e iam sendo guardados em sua casa, pois não tinha coragem de entregar para a reciclagem. Hoje a biblioteca recebe doações de escolas e entidades e conta com mais publicações do que as salas de leitura de colégios municipais (que são entregues com acervo inicial de 2 mil livros). Entre os títulos presentes, há obras de Machado de Assis, Mark Twain, Kafka, Balzac, Milan Kundera, Jorge Amado e John Steinbeck. O controle do empréstimo de livros na biblioteca é todo feito pelo próprio Severino, que tem um caderno para anotar as entradas e saídas. Em torno dessa biblioteca, se articularam várias atividades culturais gratuitas e abertas para toda a comunidade, inclusive não-moradores: oficinas de alfabetização, aulas de espanhol, carpintaria, marcenaria, artesanato, reforço escolar, eletricidade e hidráulica, grafite, fotografia, brinquedos com materiais recicláveis, teatro, cabeleireiro, dança, capoeira, vídeo, poesia e exposições, tais como a que aconteceu em março intitulada “Território São Paulo”, que fazia parte da 9ª Bienal de Havana. “A Educação Popular está focada na construção de cidadania através da socialização e construção do conhecimento”, diz o texto do projeto. “Aprender + Ensinar = Compartilhar”. Este é o mote central do projeto da Escola Popular Prestes Maia. A idéia é que não apenas as pessoas de fora ensinem, mas que os moradores compartilhem seus conhecimentos, potencializando a troca e a forma coletiva de pensar. Para Mariana Cavalcanti, da rede de coletivos Integração Sem Posse (responsável pelo projeto), a Escola é um reflexo daquilo que o Integração sem Posse e o MSTC acreditam que deve ser o centro de São Paulo. “Um espaço de encontro de diversas realidades sociais. Uma forma de revitalizar o centro com inclusão social”, explica Mariana. Com o apoio da rede de artistas “Integração Sem Posse”, também em março, foi inaugurado um cineclube de documentários, com sessões gratuitas programadas para ocorrer todos os sábados, sempre às 19h, na área junto à biblioteca da ocupação. O cineclube integra a Escola Popular Prestes Maia, e sua intenção é trazer aos moradores do prédio e público em geral, filmes documentários que registram imagens do povo brasileiro, com o objetivo de levantar discussões e estimular a produção de documentários.

Grupo de artistas “Integração Sem Posse” homenageia Severino Manoel

Alto contraste: em meio a tanto cinza, crianças brincam no terraço do edifício ocupado

Vida no concreto: os moradores tornaram o inabitável, seu lar, para fazer valer seus direitos


10 - Mídia - Lorena Campolina

16.05.06

15:07

Page 1

Editor e diagramador da página: Lorena Campolina

o ponto

10 M Í D I A

Belo Horizonte – Maio/2006

Ouvidos ligados na rede Daniel Rui

RÁDIOS ON-LINE AUMENTAM INTERATIVIDADE ENTRE AS EMISSORAS E SEUS OUVINTES O rádio vem ganhando novos formatos com a constante evolução tecnológica do mundo contemporâneo. Hoje é fácil encontrarmos na rede mundial de computadores as chamadas emissoras de rádio on-line. O uso de sites por parte das emissoras convencionais a fim de estreitar a interação com os ouvintes tornou possível que a programação fosse transmitida teoricamente ao vivo (com um “delay”, um atraso, de cerca de 20 segundos em relação ao tempo real) ou que estivesse disponível em bancos de dados da emissora escolhida pelo ouvinte. É contestável a nomenclatura de rádio para este formato que não utiliza o tradicional aparelho. Muitas vezes, as rádios on line presente em alguns portais, são chamadas de rádio um banco de dados que permite que o público escolha gênero musical ou gravação de uma determinada reportagem, ambas sem sequer um locutor ou comerciais.

O professor de Radiojornalismo Getúlio Neuremberg ressalta que o rádio perde sua magia ao associar imagem e os demais recursos da rede, uma vez que a imaginação do ouvinte perde espaço para a enxurrada de informações visuais disponíveis.

“O rádio perde sua magia ao associar imagem e os demais recursos da rede a ele, uma vez que a imaginação do ouvinte perde espaço para a enxurrada de informações visuais” Getúlio Neuremberg, professor e jornalista da Rádio Band News FM Com um formato virtual peculiar, a Oi FM aposta na versatilidade da programação, principalmente em âmbito local. De acordo com Frederico Garzon, diretor de conteúdo da Oi FM, “a idéia é in-

centivar o intercâmbio cultural e fazer uma rádio de caráter nacional, com pessoas de vários estados se interagindo”. No site da emissora, o ouvinte escolhe a praça e tem acesso ao conteúdo de outros centros. Garzon lembra ainda que a central é em BH, onde são feitas grande parte das produções. “Nas praças, exceto o Rio de Janeiro, que tem mais estrutura, trabalham somente um jornalista, um profissional no setor de promoção e um no departamento comercial. Em outras cidades como Recife e Uberlândia, damos oportunidade a novos jornalistas, que ainda não carregam os vícios da profissão”. Com a iminente chegada do rádio digital, Getúlio Neuremberg afirma que os questionamentos sobre o que pode ou não ser considerado rádio terão em breve uma conclusão. Com o advento, as emissoras AM (amplitude modulada) passarão a ter qualidade de FM (freqüência modulada), e esta por sua vez, chegará aos ouvintes com uma qualidade muito próxima à de um CD.

Rádio tem a menor receita entre mídias

`Uma onda no ar’: a história da Rádio Favela BH

Diferentemente do que na rádio que, se houvesse alacontece na TV, o rádio não gum dentista nos escutando, possui um medidor de au- trocaríamos o tratamento do diência. Os números de uma Seu José por três meses de emissora são fruto de pesqui- propaganda gratuita com o sas feitas por serviços como o nome e o telefone da clínica. Ibope, que medem a audiên- Na mesma hora o telefone tocia:o número de ouvintes por cou”. Este tipo de permuta é minuto, e a participação, que permitido, uma vez que o trâse trata do percentual de ou- mite, na prática, não envolve vintes de determinada emis- dinheiro. sora em relação ao público toA Rádio Favela depois de tal ouvinte de uma cidade. 20 anos atuando como pirata, Ao rádio é destinado ape- ganhou a concessão de emisnas 4% dos investimentos em sora educativa (só não é remídia no Brasil, segundo o conhecida como comunitária professor de devido ao Radiojornalisseu sinal exmo da Fumec, trapolar o Getúlio Neuraio de atuaremberg. A ção, 1 km, receita das permitido emissoras copara tal) merciais se após ser reapóia nos esconhecida e paços publicipremiada tários e no fa- Misael Avelino, um dos fundadores mundialturamento co- da Rádio Favela BH mente por mercial que entidades coproporcionam. Neuremberg mo a ONU. Desde então condefende a idéia de que inicia- ta com publicidade de entidativas de apoio cultural a even- des privadas, do comércio em tos, como musicais e esporti- geral e até de órgãos oficiais. vos, não pesam financeiraMisael defende a idéia de mente para o sustento de uma que a Rádio Favela é a interemissora. O propósito destas net do morro, “a rádio fica de iniciativas seria a divulgação porta aberta, todo mundo da marca, e a conseqüente vem e fala o que quer, discuidentificação do ouvinte com te o que quer”. Ele ressalta seu perfil. que a emissora tem uma audiência que tira o sono de Rádio Favela muitos donos de rádio profisTudo muda de figura sional. “Os “caras” fazem forquando se trata de emissoras ça para manter uma rádio no educativas ou comunitárias, pique, com o número de ounas quais não são permitidos vinte muito alto. Aqui é o conanúncios comerciais, apenas trário. A gente não faz força institucionais ou de apoio cul- para ter ouvinte, são os outural. Um exemplo deste tipo vintes que fazem força para de serviço foi lembrado por manter a rádio. É diferente. Nerimar Wanderley Teixeira, Ninguém faz rádio. As pesum dos fundadores da Rádio soas balangam o beiço e Favela. “Um dia chegou aqui quem ouve manda”, conclui um senhor com problema nos Misael.A Radio Favela fundentes e estava sofrendo mui- ciona na Rua das Flores, 28 no to, pois não conseguia aten- Aglomerado da Serra, região dimento médico. Anunciamos sul de Belo Horizonte.

A história da Rádio Favela é o ponto de partida de “Uma onda no ar”.O filme de Helvecio Ratton sobre a emissora pirata que sofreu perseguições na década de 1980.A história do filme se baseia na época em que a emissora pirata entrava no ar todos os dias no horário do programa “A Voz do Brasil”. O amplo alcance dos transmissores da rádio, que mandavam suas ondas bem além da favela, incomodavam as autoridades. Jorge, um dos idealizadores da Rádio, que é negro e morador da favela, acaba sendo perseguido e preso pela polícia. Começa uma história de luta, resistência cultural e política contra o racismo e a exclusão social, em que a população da favela encontra uma importante arma: a comunicação. O criador da Rádio Favela, Misael Avelino dos Santos, conta que o maior propósito do filme é mostrar que existem possibilidades para a superação dos problemas das favelas. O custo da produção foi de R$ 1,7 milhão através do apoio de entidades dos governos federal, estadual e municipal. O filme recebeu muitos premios, como 30º Festival de Gramado – melhor ator,Alexandre Moreno e premio especial do Juri,5º Festival de Cinema Brasileiro em Paris, melhor filme ; premio especial do Juri no 20º Festival Internacional de Cinema de Miami. Helvecio Ratton, conta queo filme, é diferente pela forma que encara a favela.”Não atraímos o tema violência. Subimos o morro para mostrar que a rádio é dos favelados, criada por eles e foi comandada por suas idéias.” A Rádio Favel foi criada e é comandada por negros, hoje tem branco como colaborador mas não deixa de expressar a cultura negra.”, conclui Helvecio.

“A rádio fica de porta aberta, todo mundo vem e fala o que quer, discute o que quer”

Frederico Garzon, diretor de conteúdo da Oi FM: aposta na versatilidade da programação

Visão de négocio é saber enxergar, através de um símbolo, a força de uma grande empresa.

Direção : Rafael Matos Foto : Alessandra Torres

DANIEL RUI 6º PERÍODO

Marketing : O canal da Transformação 8 de Abril - Dia do Profissional de Marketing


11 - Mídia - Tiago e Daniel

16.05.06

15:03

Page 1

Editor da página: Joseane Oliveira Santos e Tiago Nagib / Diagramador da página: Daniel Gomes

o ponto

M Í D I A 11

Belo Horizonte – Maio de 2006

FALCÃO: meninos do tráfico e da mídia LARISSA CARNEIRO 5º PERÍODO O documentário Falcão: Meninos do tráfico transformou-se num sucesso inédito em todo o Brasil. Isso se deu por meio de sua veiculação no programa Fantástico da Rede Globo, no dia 19 de março. A transmissão ocupou 58 minutos do principal programa de variedades da emissora, alcançando picos de 37 pontos de audiência. Após a exibição no Fantástico, a maior parte dos demais programas da emissora da família Marinho continuou a abordar o documentário e o impacto que ele obteve na sociedade. Com esta superexposição, muitos começam a se perguntar se o objetivo verdadeiro deste documentário foi ou não neutralizado pelo marketing e pela busca incessante de lucros através deste trabalho pela emissora. Para responder estas e outras questões, O Ponto entrevistou o jornalista, Hugo R. C. de Souza. Ele é mestrando em Criminologia pela Universidade Cândido Mendes, coordenador do Núcleo de Publicações e Impressos da Multirio (Empresa Municipal de Multimeios do Rio de Janeiro) e subeditor da revista Nós da Escola.

Hugo R.C. Souza: O noticiário sobre o crime, em geral, é caracterizado mais por assustar do que por informar. É caracterizado por um cunho moralista, através da demonização do bandido, especialmente da figura do traficante de drogas. O documentário tenta romper com a segunda lógica apostando na primeira. Tenho dúvidas quanto ao sucesso disso. Creio que um bom trabalho sobre o tráfico de drogas - jornalístico ou documental - não poderia prescindir de alguns elementos essenciais para a compreensão do fenômeno, como o crescimento do Estado penal no contexto da redução do Estado social, a elevação do traficante de drogas à condição de inimigo público número um no momento da redemocratização do país, substituindo o comunista da luta armada, e a própria cobertura criminal feita pela imprensa, que com sua disseminação do medo cria climas propícios a políticas de repressão.

“O noticiário sobre o crime, em geral, é caracterizado mais por assustar do que por informar.”

O Ponto: Em todas as declarações ouvidas sobre a exibição de Falcão, um ponto comum: o choque, o novo, o nunca visto. Esses elementos, característicos da prática jornalística, contribuem para uma contextualização do problema apresentado?

PARA ESPECIALISTA, DOCUMENTÁRIO QUE CHEGOU A SER APONTADO COMO “MARCO DO TELEJORNALISMO” CAI NO TRIVIAL E POUCO ACRESCENTA À DISCUSSÃO

ção equivocada, porque eles poderiam chamar gente que falaria coisas realmente relevantes e esclarecedoras sobre o assunto. Mas, no lugar disso, o Bill apareceu em um sem número de programas jornalísticos ao longo da semana seguinte à exibição do vídeo no Fantástico, lado a lado com dezenas de "especialistas" escolhidos pela Globo para falar um pouco do mais do mesmo que ouvimos. O Ponto: O senhor afirmou em seu artigo para o Observatório da Imprensa que o arremate do vídeo era de que a sociedade precisa dar oportunidades a estas crianças. É interessante, pensar que ninguém foi chamado a interpretar os objetos de desejo dos meninos: roupa de marca, moto, carrinhos de cotrole remoto, bicicleta...faz alguma diferença? Souza: São crianças sem maiores perspectivas de um futuro digno, sem grandes possibilidades de responder satisfatoriamente aos estímulos da sociedade de consumo. Dizer que por causa disso entram no tráfico de drogas me parece simplificar demais a questão. É mais um elemento, apenas. O arremate do vídeo do MV Bill e do Athayde é simplificado na figura do ex-traficante que agora está numa cadeira de rodas vendendo bala em sinais de trânsito. Ele diz que o mundo do crime leva ninguém a lugar nenhum, porque o crime não oferece garantias trabalhistas e porque ele nunca viu ex-traficante bem de vida desfrutando de sua aposentadoria. Já vimos inúmeros documentários a respeito da criminalidade nas periferias de nosso país, esse é apenas mais um. Colaborou: Tiago Nagib

“Já vimos inúmeros documentários a respeito da criminalidade em nosso país. Esse é apenas mais um.”

O Ponto: MV Bill e Celso Athayde deram voz aos meninos, abrindo mão de uma locução que fosse explicativa ou interpretativa. O resultado foi apenas descritivo ou o senhor consegue perceber um contexto mais elucidativo em sua reportagem? Souza: É preciso compreender que há especialistas e especialistas. Em todas as áreas, para falar sobre tudo, você pode recorrer a diversas pessoas entendidas sobre determinado assunto que vão te dar opiniões e explicações muitas vezes contraditórias, opostas, mais ou menos alicerçadas cientificamente e assim por diante. O Bill e o Athayde optaram por não convidar ninguém para fazer uma análise sobre o material que colheram. Foi uma opção. Em minha opinião, uma op-

Matheus Meira

Apesar do crime, existe esperança Seu nome é Leonardo L., tem 28 anos e é ator. Mora na Cidade de Deus desde os quatro anos. Foi morar lá com a mãe e os irmãos. A mãe, de casamento desfeito, tinha que viver com os filhos em algum outro lugar. Leonardo cresceu sob a sombra da ausência de um pai, como os meninos do documentário. Já naquela época, o nome da comunidade trazia desconfiança. Por um tempo, fora manchete nas páginas policiais com um outro episódio que mais tarde foi narrado em livro. A obra levava o mesmo nome do bairro que é quase uma cidade. Leonardo confirma o que assistiu no Fantástico. Perdeu amigos de infância que entraram para o tráfico e que sonhavam com móveis bonitos e com geladeiras cheias de iogurtes. Perdeu amigos que não tiveram a sorte que ele teve de conhecer, um dia, o mundo do teatro. Se diz arrependido de não ter dado conselhos a um amigo de 17 anos que morreu em um confronto com a polícia. Este queria ganhar dinheiro para aliviar a mãe que sofria para colocar comida dentro de casa. Conta histórias de humilhações, de camburões, de desprezo da sociedade, de falta de oportunidade, de violência, de choro, de perda, de assistencialismo do governo e do desejo por medidas concretas que resolvam uma realidade “difícil de encarar”. Leonardo tem um filho pequeno que confunde rajada de metralhadora com os fogos de artifício que viu no ano novo. Deixe que o menino pense assim, tentando evitar mais uma infância perdida. Orgulha-se de suas opções, das escolhas que fez na vida, de sua comunidade. Quer que o documentário leve a sociedade a uma reflexão sobre o tema que ele diz ser “absolutamente verdadeiro”. Argumenta que MV Bill desencadeou um processo que ele espera que seja abarcado por todo o país que assistiu à reportagem, leu as matérias, acompanhou na TV as entrevistas, se emocionou com o sobrevivente no Faustão, comprou o livro que vai ser best seller e que, mesmo assim, corre o risco de esquecer tudo o que viu, leu, assistiu, acompanhou em busca de mais uma notícia fresca, impactante, espetaculosa, e que traga alguma emoção barata para estas nossas vidas para lá de insossa.

As favelas continuam sendo cenário do encontro entre o glamour, de “Cidade de Deus” e a triste realidade


12 - Saúde - Marcela Ziviani

16.05.06

15:06

Page 1

Editor e diagramador da página: Marcela Lima Ziviani

o ponto

12 S A Ú D E

Belo Horizonte – Maio/2006

Brasil é o que mais consome anfetamina DROGA É VENDIDA INDISCRIMINADAMENTE E FISCALIZAÇÃO NÃO DÁ CONTA DO PROBLEMA Carolina Jardim

CAROLINA JARDIM MARIANA CELLE 5º PERÍODO Chamadas de rebites e/ou bolinhas, os estimulantes tipo anfetamina têm sido consumidos, muitas vezes, sem receita médica, por estudantes, caminhoneiros, pilotos, e, pricipalmente, por mulheres na tentativa de perder peso. Seja para o emagrecimento, para melhorar o desempenho, ou mesmo para aumentar a criatividade, o consumo dessa substância, de forma indiscriminada, eleva a condição do Brasil como um dos maiores consumidores do mundo. No Brasil o consumo é de 19 doses e em Belo Horizonte é ainda maior, 40 doses por dia. Atualmente, a anfetamina é proíbida em vários países, sendo encontrada, portanto, somente de forma clandestina vinda de outros locais. No Brasil, a legislação determina que esse tipo de remédio só pode

ser vendido mediante receita médica. O controle exercido pelo Conselho de Medicina; pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e pela Vigilância Sanitária Municipal é falho; não há regulamentação na quantidade das dosagens manipuladas por farmácias. Mônica Gontijo, fiscal de vigilância sanitária de Belo Horizonte e pesquisadora do consumo de drogas anorexígenas, afirma que a venda de um único estabelecimento (farmácia de manipulação - 4 filiais) corresponde a 40% do total de venda do medicamento na capital mineira. Com uma média de 80 receitas por hora de anorexígenos, a anfetamina corresponde a 11% da venda total do estabelecimento. “A venda virou uma indústria, é feita de forma indiscriminada, não há cotrole” completa a pesquisadora. A droga, que deveria ser utilizada no tratamento de obesi-

dade e de pessoas que sofrem algum distúrbio psicológico, virou uma espécie de comércio. Mônica conclui que a obesidade parece não se tratar mais de uma questão de saúde, o consumo é descontrolado e exagerado. Dependendo do excesso da dose da substância e da sensibilidade da pessoa, podem ocorrer problemas cardíacos, distúrbios hormonais e circulatórios, perda da libido, aparecer um verdadeiro estado de paranóia e até alucinações. Acompanham, confusão do pensamento, depressão e até convulsão. Em doses muito elevadas, as conseqüências podem chegar a produzir grande dependência de origem psíquica, e condicionar o usuário a um estado que se assemelha muito a uma doença mental, a esquizofrenia e outras. Os efeitos colaterais podem ser danosos, mas, mesmo assim, a anfetamina é muito receitada pelos médicos.

Padrões estéticos forçam uso cientes das consequências indesejáveis. Juliana Nunes, 37, consumiu a droga por quase cinco anos, mesmo reconhecendo os efeitos prejudiciais. Afirma que tomou sete meses seguidos. Conforme Organização Mundial de Saúde, o uso máximo do medicamento é de quatro meses, contanto que haja intervalos. Juliana confessa que escolheu este método pelas facilidades oferecidas, por ser mais cômodo. “O medicamento inibe o apetite completamente. O resultado era realmente rápido, mas ao parar de tomar, eu engordava tudo de novo”.

Anemia é inimiga nº 1 CRECHES DE BH BUSCAM NUTRIR MELHOR CRIANÇAS HENRIQUE FARES GISLEI LOURENÇO 5º PERÍODO A anemia é a doença de maior incidência no mundo, atingindo 2 bilhões de pessoas, em geral crianças e idosos a mais comum delas é a causada pela insuficiência de ferro. Em Belo Horizonte, dados de 2001 davam conta que o índice deste tipo de anemia chegava a 47,8% entre as crianças. A anemia ferropênica ou ferropriva é a de maior incidência nessa camada da população. A condição financeira e social da criança, e, consequentemente, seu acesso a uma boa alimentação são fatores que determinam maior suscetibilidade ao desenvolvimento da doença. A necessidade desse mineral para as crianças, assim como para idosos, é maior do que para adultos. As creches de Belo Horizonte começam a se atentar para o problema desenvolvendo projetos que visam garantir a ingestão recomendada do mineral. Um grande projeto hoje em andamento é o “Saúde de ferro” desenvolvido por pesquisadores da UFMG e realizado em parceria com a PBH. A ação é realizada em média de 22 creches, de áreas economicamente desfavorecidas da capital, e adiciona ferro e vita-

mina C à água consumida nestes locais. A quantidade adicionada é inferior à necessidade diária, e, como o organismo só filtra o que precisa, as crianças não correm, assim, risco de intoxicação. Além disso, a adição de vitamina C atua amenizando o sabor do ferro e a cor escura da água. A partir dessa ação simples as crianças têm garantido seu acesso ao nível mínimo de ferro necessário para seu pleno desenvolvimento. O projeto beneficia, atualmente, 2.433 crianças de 0 a 6 anos de idade.Segundo Flávio Capanema, médico pediatra do Hospital das Clínicas. A anemia pode gerar dificuldade de a criança desenvolver-se intelectualmente, dificultando seu processo de aprendizagem ao longo de sua vida escolar, acarretando, inclusive, a evasão escolar. Na creche “Criança Feliz” a coordenadora, Maria de Lourdes Costa Oliveira, conta que a alimentação dada pela creche não consegue suprir a necessidade de ingestão do ferro, pois, apesar de ser rica em minerais e proteínas, ela está sujeita a carências por depender de doações. "Recebemos da prefeitura uma parte da alimentação das crianças, mas, o restante temos que complementar. Esse programa vai nos ajudar a realizar essa comple-

mentação, prevenindo mais crianças da anemia, e contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento delas de forma sadia", diz a coordenadora. Em crianças, a principal causa de anemia é a carência de ferro. O ferro é utilizado pelo organismo para produzir os glóbulos vermelhos. Calculase que a deficiência de ferro seja responsável por cerca de 90% das anemias em crianças e adolescentes. A falta desse mineral pode ocorrer em várias situações como, por exemplo, na dieta pobre em ferro ou quando ocorrem grandes perdas de sangue. A perda de sangue ocorre em grandes ferimentos, na menstruação abundante, ou ainda naquelas pessoas com problemas intestinais como, por exemplo, uma úlcera. Mas em crianças, a principal responsável pela anemia é a alimentação deficiente. Apesar da grande necessidade infantil de ferro, geralmente a alimentação da criança é pobre em alimentos que contém esse mineral. Fica difícil se obter só pela alimentação a quantidade de ferro suficiente para prevenir a anemia. Por isso, a alimentação infantil deve conter principalmente cereais ou fórmulas enriquecidas com ferro na medida certa.

Apesar do aviso, o medicamento para emagrecimento Inibex é vendido livremente por farmácias

Marina Magalhães • Marina Valadas França • Paula Pinho

Ana Morena • Isabela Brito • Fernanda Kneipp • Luiz Gustavo Costa • Luiz Henrique •

ma “após recebido a receita médica, não há como interferir na venda da droga. Cabe ao médico ter consciência a respeito da utilização dessa substância, que tem como um dos seus efeitos colaterais, a dependência química.” Principalmente devido à necessidade e o desejo de seguir os padrões estéticos da sociedade contemporânea, o belo é ser magra e esguia, as mulheres se tornam o grande alvo de esteriótipos pois querem seguir padroes. Seduzidas a recorrer aos métodos que possam lhes oferecer um retorno mais imediato, muitas se rendem aos medicamentos, mesmo cons-

movimento de idéias.

• Pedro Sadala • Sarah de Mello • Zilah Rodrigues

As mulheres, com desejos de emagrecimento quase instântaneo, têm fomentado o mercado dessa substância inibidora de apetite. Mulheres entre 25 e 35 anos são as que mais comparecem as fármacias em busca de medicamentos a base de anfetamina. “Entre as pessoas que procuram pelo anorexígeno, 90% são mulheres e algumas delas já são bem magras”, assegura o farmacêutico Osmar Souza. Mesmo surpreendido com tais fatos, Osmar que aparentemente desconhece a Resolução RDC 33 do ano 2000, a qual permite o farmacêutico recusar a venda de medicamentos, afir-


13 - Esporte - Leonardo

16.05.06

15:05

Page 1

Editor e diagramador da página: Daniel Gomes e Leonardo Fonseca

o ponto

E S P O R T E 13

Belo Horizonte – Maio/2006

Galo aposta na base para série B COM 98 ANOS, ATLÉTICO LUTA CONTRA MÁS ADMINISTRAÇÕES PASSADAS E ALMEJA SÉRIE A Mariana Goulart

BRUNO MARTINS, ENZO MENEZES, MARINA RIGUEIRA, RAQUEL VIANNA E VICTOR OLIVEIRA 1º E 3º PERÍODOS O Clube Atlético Mineiro enfrenta em 2006 um dos desafios mais difíceis de sua história frente à sua apaixonada torcida. Após o fracasso de 2005, com o rebaixamento para a 2ª divisão, a nova temporada precisa representar a reabilitação do clube e o reencontro com as vitórias. No ano em que o Atlético completa 98 anos de atividades, a inédita disputa da série B do Campeonato Brasileiro pode significar a volta à elite do futebol nacional ou a derrocada definitiva. Daí a importância em montar um bom elenco para a segundona. Em 2006, a diretoria aposta nas categorias de base e chegou a montar um time competitivo para o Campeonato Mineiro que demorou a se acertar. Após seis vitórias seguidas, o time conquistou a torcida e chegou a empolgar a massa com a possibilidade do título. Mas a campanha irregular do começo provocou o encontro com o Cruzeiro ainda nas semifinais, e a derrota para o rival manteve o jejum de campeonatos desde 2000. Com sua estréia na série B contra o Marilia, o time já tem o foco no Brasileiro e a equipebase que disputou o Mineiro deverá ser reforçada para aumentar o plantel à disposição do técnico Lori Sandri, que não é uma unanimidade para o cargo. Alguns craques do passado vêem com desconfiança as chances do time. É o caso do ex-jogador Reinaldo Lima, um dos maiores ídolos da historia do Galo. Suas esperanças pa-

ra a disputa da segunda divisão em 2006 são poucas: “O time iniciou mal o Campeonato Mineiro e já foi eliminado. O elenco é fraco, não tem jogadores a altura do glorioso e o técnico é horrível”. Em uma análise oposta, o jornalista Péricles de Souza, repórter e apresentador do Alterosa Esporte, destaca o grupo formado, apesar das dificuldades. “O Atlético precisa se organizar, principalmente nas questões administrativas. A equipe, apesar de ser fraca, foi bem montada pelo técnico Lori Sandri, que pelo menos conseguiu formar uma base para a disputa da série B”, explica. Segundo ele, o Atlético ainda necessita de reforços, em especial de jogadores que possam dar resultados imediatos, mesmo com uma boa condição para subir. “O nível da competição caiu em relação ao ano passado, pois equipes de tradição como Grêmio, Bahia e Vitória não participarão dessa vez, e sobem quatro equipes para a primeira divisão do próximo ano”, diz. A torcida, sempre o ponto forte do time, mais uma vez não desanimou. As vendas dos produtos relacionados ao clube são um termômetro da confiança do torcedor em relação à equipe, e vêm apresentando boas saídas. De acordo com o vendedor da Loja do Galo, Marcos Rodrigues da Silva, a venda das camisas caiu após o rebaixamento para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro, em novembro de 2005, mas no final do ano voltou a subir. ”Em janeiro é natural vender menos por causa de impostos como o IPVA e IPTU, mas em fevereiro a saída dos produtos sempre aumenta”, diz o vendedor.

20 anos de frustração

Sede do Atlético ainda atrai torcedores, que também vão ao local adquirir produtos do time

Ziza Valadares mostra planos para escalada Raquel Viana

Mesmo com a vida tranquila, Ziza assumiu o Galo na tentativa de reerguer o clube

Categorias de base. É essa a aposta da diretoria do Galo para a recuperação do time e a ascenção para a divisão de elite do futebol nacional. Em entrevista a O Ponto, o dirigente do Galo Ziza Valadares revela que a atual diretoria do clube está investindo sobretudo nos chamados “pratas da casa” para superar a crise que culminou com a queda para a 2ª divisão. “No campeonato anterior, 22 jogadores foram contratados de fora e o time caiu”, explica. Valadares, que largou tudo para dirigir o time, revela os caminhos que o Atlético deve seguir para recuperar a credibilidade junto à torcida e afirma: “tudo o que precisamos é ter união”. O Ponto - O que motivou o senhor a mudar de vida profissional, da política empresarial para a direção do Galo? Ziza Valadares - Com certeza a paixão pelo Atlético. Larguei tudo que vinha fazendo já com a vida tranqüila e pacata, e resolvi vir para tentar ajudar o Atlético. O Ponto - Como o senhor vê a perda de jogadores de grande potencial como o Mancini e o Cicinho e algumas constantes indenizações aos jogadores por cumprimento de obrigações trabalhistas? Ziza - Eu não gosto de falar do passado, afinal temos que andar sempre pra frente. Porém, muitas coisas que aconteceram vem trazendo constantes preocupações e pro-

blemas para a administração. Outro dia tivemos que pagar US$ 850 mil à Fifa, porque senão começaríamos o campeonato da série B com menos seis pontos e, se a divida permanecesse, cairíamos para a 3ª divisão. O Ponto - O Atlético tem o nome e uma marca extremamente fortes respaldados por uma enorme torcida. Por quê, apesar dessa força, o Atlético não consegue um patrocínio compatível com a sua grandeza? Ziza - Um tempo atrás, isso foi muito falado, hoje não se tem notícia de grandes investimentos estrangeiros. O Atlético precisa é vender melhor a sua imagem, mas com a situação financeira complicada o clube acaba se rendendo a fechar um negócio de menor qualidade. O Ponto - Como o senhor compara o efetivo resultado dos trabalhos anteriores com a proposta dos trabalhos da atual diretoria? Ziza - A diferença principal é que nós estamos apostando naquilo que o Atlético tem de melhor, que é a fábrica de jogadores. Hoje no time titular oito ou nove jogadores foram “feitos” na própria casa. No campeonato anterior, que resultou na queda do time para a 2ª divisão, foram contratados 22 jogadores de fora, mais caros, “medalhões”, e não deu certo. O Ponto - A torcida do Galo reclama da queda do time para a série B. O que a atual direção está fazendo

A crise do Atlético não é recente e as condições administrativas ao longo dos últimos 20 anos fizeram com que a equipe mineira entrasse em queda livre dentro e fora de campo. Para vários críticos, essa situação é a principal responsável pelo atoleiro financeiro do clube. Importantes jogadores, como os laterais Cicinho e Mancini, de expressão internacional, não trouxeram retorno financeiro ao clube. Mancini hoje é destaque na Europa e imprescindível para o esquema tático do Roma e Cicinho joga no Real Madrid, e está selecionado para a Copa do Mundo da Alemanha. Gilberto Silva, após o pentacampeonato em 2002, foi vendido para o Arsenal por um valor abaixo do esperado. O meia Ramon Menezes (exVasco da Gama), foi à Justiça contra o clube depois que brigou com o então técnico do Atlético Levir Culpi em 2001 e ganhou a causa por salários atrasados. Após a boa campanha no Brasileirão 99, o time recebeu uma proposta de US$ 7 milhões pelo artilheiro Guilherme. A diretoria alegou que o craque valia no mínimo o dobro do que o Cruzeiro recebeu pelo atacante Alex Alves no mesmo ano US$ 12 milhões. A decisão foi muito criticada. Ainda hoje o Galo perde futuros craques a preços irrisórios e deixa sua torcida sem um grande ídolo. A recente venda de Ramon para a MSI preocupa o ex-craque Reinaldo. “É um jogador com um futuro promissor e foi vendido com uma facilidade absurda”, reclama.

para colocar o clube no lugar merecido? Ziza - Tudo o que estamos fazendo é pensando na Série B. Quando começou o Campeonato Brasileiro, é lógico que eu dei uma entrevista dizendo que estávamos visando o Campeonato Mineiro, sendo que a nossa meta sempre foi o retorno à Série A. Esperávamos ganhar a Copa do Brasil, mas sempre estaivemos focados no Brasileiro. O Ponto - A sinergia entre jogadores da base e a contratação de quatro ou cinco jogadores de peso não seria menos onerosa e mais eficiente do que a performance de vários anos com jogadores de base? Ziza - É isso que estamos buscando. Nós ficamos dois meses analisando jogadores pelo Brasil inteiro, realizando contratações muito mais pelo que vimos do que pelo que escutamos a respeito dos jogadores. O Ponto - Procede a afirmativa de que a “cúpula” do Atlético é subdividida em várias correntes contrárias de interesse? Ziza - Eu sou do conselho. Estou aqui agora como diretor fazendo o que posso, porque o problema político do Atlético é muito grave. E o que mais precisamos ter é união. O Ponto - É mais difícil trazer jogadores com o time na 2ª divisão? Ziza - Com certeza, para o Santos, nós “ perdemos” dois jogadores. Já perdemos uns quatro que estavam quase certos.


14 - Cultura - Camila Leite

16.05.06

15:05

Page 1

Editor e diagramador da página: Camila Leite Fernandes

o ponto

14 C U L T U R A

Belo Horizonte – Maio/2006

Minas disputa espaço no cinema nacional ENTRETANTO, PRODUTORES AINDA TÊM QUE RECORRER AO PRÓPRIO BOLSO PARA PRODUZIR Virgínia Almeida

VIRGINIA ALMEIDA RAFAEL BARBOSA 5º PERÍODO No último mês, três longasmetragens mineiros – ”Acredite, um espírito baixou em mim, Depois daquele baile e Vinho de Rosas” - mantiveram-se semanas em cartaz nos cinemas de Belo Horizonte. Apesar da visibilidade conquistada, os filmes ainda são minoria frente à produção do resto do país. Para a secretária de Cultura de Minas Gerias no setor audiovisual, Anna Flávia, a participação mineira no cenário nacional ainda é incipiente, mas vem crescendo. “Temos bons documentários em longa-metragem que ganharam muito espaço. Mas nosso cinema de ficção ainda precisa avançar”. Ela considera que, com o programa Filme em Minas e outras produções que estão ocorrendo de forma independente, até o final deste ano poderão ser apresentados pelo menos três novos projetos de longa de ficção mineiros. Segundo o diretor Geraldo Magalhães, a produção mineira deu um salto tanto numérico quanto qualitativo, sobretudo nos curtas e vídeos. “Este avanço, sem dúvida, vai atingir o cenário nacional, ultrapassando outros centros como o nordestino e o gaúcho”, avalia.

Lei de Incentivo A Lei Estadual de Incentivo à Cultura (LEIC), que permite a captação de recursos para a produção cultural, é um dos recursos disponíveis aos cineastas mineiros. Apesar disso, em 2005, 168 projetos foram inscritos na área audiovisual da LEIC, ou apenas 9,26% do total. Para este ano, o governo estadual destinou quase R$4 milhões para os 34 projetos aprovados de cinema, vídeo e congêneres. “O fomento e a promoção da cultura são uma obrigação do Estado”, diz o presidente da Comissão Técnica de Análise de Projetos (CTAP) da LEIC, Rômulo Avelar. Segundo ele, ações dessa natureza provocam o amadurecimento dos artistas e aprimoram mais a qualidade técnica dos filmes, além de promover a circulação das obras no país. Porém, as LEIC são alvo de críticas por colocar o destino de verbas públicas (abatidas de impostos) ao julgamento de empresas privadas. “Elas são mecanismos de estímulo ao financiamento privado. Entretanto, cabe aos produtores culturais e às empresas um papel de gerenciamento responsável e legítimo desse processo, levando em conta não só os aspectos mercadológicos, mas também culturais, humanos e

sociais”, destaca a coordenadora do Usicultura, Eliane Parreira. Além dos problemas intrínsecos às LEIC, os produtores se queixam da escassez de mãode-obra qualificada, da modesta oferta de equipamentos de captação em película, (Minas é carente de laboratórios para revelação) e das restrições para distribuição e divulgação dos filmes. “Deveria haver um empenho maior por parte dos organismos oficiais para a distribuição e exibição dos filmes, ampliando o número de salas para todas as cidades do interior. É fundamental que o produto audiovisual brasileiro esteja ao alcance de todo cidadão”, afirma Magalhães. Com a produção de filmes na região, Minas ganha a oportunidade de divulgar sua cultura, incentivar o turismo e movimentar a economia local. Por meio da Minas Film Commission, a Secretaria de Cultura fomenta a produção de filmes de outros estados e países na região. “Isso cria oportunidades de emprego, promove o estado como locação e acaba aquecendo o setor”, completa Anna Flávia. Conforme Jorge Moreno, diretor e produtor do filme “Acredite, um espírito baixou em mim”, um longa produz cerca de 300 empregos, fora os inúmeros contratos indiretos.

Ilvio Amaral, protagoniza e dirige o longa-metragem “ Acredite, um espírito baixou em mim”

Diretor critica falta de apoio A produção de “Acredite, um espírito baixou em mim” em sua versão para o cinema teve um custo nominal orçado em R$ 1 milhão, sendo apenas R$ 230 mil oriundos de leis de incentivo, aplicados na finalização do projeto. De acordo com Ilvio Amaral, um dos produtores e protagonista do filme, o patrocínio e os apoios culturais ainda são pequenos diante da grandiosidade da produção e dos gastos

que detêm o cinema. “Nós fizemos o filme todo com nosso dinheiro, o que entrava com o teatro a gente investia no filme, tivemos apoios culturais, mas patrocínio, não”, revela o ator. O projeto foi dirigido por Jorge Moreno e realizado pela parceria entre a Cangaral Produções e a FAM Filmes, por meio de verbas disponibilizadas em parte pelos próprios atores e produtores e também pela captação de leis de incentivo.

Os atores, mineiros de Belo Horizonte, fizeram questão não só de filmar o longa aqui, mas também de estreá-lo primeiramente nas salas de cinema da capital para prestigiar a região e buscar espaço para a projeção nacional. “Eu acho que uma boa estréia e carreira do filme aqui pode abrir melhor as portas para o mercado nacional”, afirma Maurício Canguçu, outro protagonista do longa.

Parque de diversões da língua portuguesa MUSEU INSTALADO EM SÃO PAULO QUEBRA REGRAS E INOVA AO OFERECER AO PÚBLICO UM ACERVO VIRTUAL Camila Leite

CAMILA LEITE FERNANDES 6º PERÍODO Porta de entrada em São Paulo e primeiro contato de muitos imigrantes com o idioma do país no fim do século 19, a Estação da Luz foi o ponto escolhido para abrigar o Museu da Língua Portuguesa, inaugurado na segunda-feira dia 20 de março deste ano. Com o objetivo de mostrar a riqueza da nossa língua, o memorial possui um acervo inovador e predominantemente virtual, combinando arte, tecnologia e muita interatividade. A idéia de criar um museu onde a lingua portuguesa fosse celebrada, partiu do governo do estado paulista, quando, em 2000 o prédio da estação da luz deixou de sediar a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). A Secretaria de Educação, Secretaria de Cultura e a Fundação Roberto Marinho estabeleceram-se como organizadores do projeto, através da parceria firmada com o governo. O museu ainda teve como aliada a Lei de Incentivo à Cultura, além de 40 profissionais que realizaram todas as pesquisas históricas para a realização do memorial. Dentre tais pesquisadores destacam-se professores universitários brasileiros e portugueses, moseólogos, arquitetos e artistas como Arnaldo Antunes, Marcelo Araújo, diretor da Pinacoteca de São Paulo, e José Miguel Wisnik, cantor, compositor e professor de línguas da universidade de São Paulo. O ponto principal do museu é levar a interatividade às pessoas com a língua através da tecnologia, “Acho

Exposição traz como tema a obra “Grande Sertão: Veredas” muito importante essa preocupação com a interatividade. É uma idéia inovadora que tira a impressão de aquário, onde só podemos ver sem tocar, que a maioria das pessoas tem de museus”, avalia Renata Cohen, 37 anos, historiadora. Identidade cultural O primeiro andar do Museu é dedicado a exposições temporárias com duração de três a quatro meses. O tema apresentado na primeira exposição é o “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa.Além de expressões literárias, serão expostas outras manifestações da língua portuguesa. “Procuramos nao nos fixar apenas em exposições de livros e escritores, pois muitas pessoas acham que a língua portuguesa se prende somente a escrita, quando na verdade além da escrita é traduzida em imagens, musicas, folclores, comidas, culturas, e principalmente na fala. A língua é uma identidade, e é isso que queremos fazer entender”, explica Carlos de Moraes Sarti-

ni, diretor do Museu da Língua Portuguesa. O principal foco educacional do memorial é o aprimoramento da língua portuguesa, por parte de professores de escolas públicas. O intuito é qualificar o canal do ensino público e desenvolver uma busca instigante de conhecimento. O museu também exerce influências turísticas sobre a cidade, além de receber excurções de colégios, ele recebe também visitantes de outros países. “São Paulo é a cidade no mundo em que mais se fala o português brasileiro. Isso influi no turismo, pois o museu tem visitações de pessoas de vários estados e de outros países, como por exemplo, Portugal”, revela Laércio Cardoso de Carvalho, guia turístico. Desta forma a satisfacao do memorial em relacao ao sucesso de publico e visivel, “O numero de visitacoes superou qualquer expectativa, com apenas tres semanas de vida o museu ja recebeu cerca de 40 mil visitas, isso nos e muito satisfatorio”, conclui Sartini.

Liberdade é poder agir por si mesmo com autodeterminação, sem invadir o espaço do outro. Mais que conhecer esse conceito é preciso ter conciência de como usá-lo. Você sabe onde começa e termina a sua liberdade?

21 de Abril - Dia de Tiradentes


15 - Cultura v2.0 - Daniel G.

16.05.06

15:03

Page 1

Editores da página: Daniel Gomes e Isabella Antunes / Diagramador da página: Daniel Gomes

o ponto

C U L T U R A 15

Belo Horizonte – Maio/2006

Guimarães Rosa: uma obra capaz de mudar

VIDAS

ASSIM COMO CORPO DE BAILE, GRANDE SERTÃO: VEREDAS , DE GUIMARÃES ROSA, COMPLETA, EM 2006, 50 ANOS DE PUBLICAÇÃO. O JORNAL O PONTO MOSTRA O IMPACTO DAS OBRAS-PRIMAS MAIS IMPORTANTES DA LITERATURA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA NA CULTURA DO PAÍS CAMILA COUTINHO 7º PERÍODO

“Emociona na obra de Rosa a verdacidade com que algumas cenas são descritas. Ele capta cenas, momentos. Não é preciso cultura para gostar de Guimarães Rosa”. Luís Cláudio Vieira, professor e pesquisador

Quem vê Luís Cláudio Vieira pode imaginar muitas coisas, mas não que ele é o tipo de pessoa que chora ao ler trechos de “Grande Sertão: Veredas” de João Guimarães Rosa. Alto, de cabelos grisalhos, meia-idade, ele parece (e é) um marido e pai de família. Não dá para imaginar que seja um profundo entendedor da obra de um dos maiores nomes da literatura brasileira. Ele afirma que seu fascínio pelo autor vem da emoção que seus textos provocam e não do seu entendimento. “Emociona na obra de Rosa a veracidade com que algumas cenas são descritas. Ele capta cenas, momentos”. Mesmo porque, segundo ele próprio, “não é preciso cultura para gostar de Guimarães Rosa”. Apesar de ter desfrutado de uma enorme biblioteca na casa dos pais e de “ler de tudo”, Luís Cláudio leu seu primeiro texto de Rosa, em 1966, aos 18 anos. “Famigerado” do livro Primeiras Estórias mudou sua concepção de texto. Ele percebeu a possibilidade de brincar com as palavras, o que aprendeu depois, que seria um jogo com o significante. Apesar do impacto, não se pode dizer que a sua decisão de estudar Letras tenha sido feita a partir disso, pois a essa época ele já cursava o curso Clássico e, portanto, já havia feito sua escolha. Mesmo que tivesse o intuito de ser uma entrevista formal como manda o jornalismo mais tradicional, a conversa com ele se deu de maneira descontraída, em pleno sábado à tarde, com direito a “entrevistado” de bermuda e chinelos em sua própria casa. Quem observasse a cena não descobriria que, por trás daquela aparência de bate-papo, profundas reflexões sobre a obra do escritor eram feitas. - O que você diria a uma pessoa que não gosta de Guimarães Rosa? Ele disse: “Leia como quem conversa, como quem toca uma boiada. Calmamente, apreciando, sabendo que ler esses texto não é um ato informativo. Não leia com pressa, com vontade de fazer um milhão de coisas”. E é aí que percebe-se de que maneira a obra do autor interferiu na sua forma de lidar com as coisas. Ele pareceu para mim exatamente assim, calmo, ponderado, uma pessoa que sabe apreciar as coisas.

Autor mudou cultura brasileira ROSÁUREA PATROCÍNIO THATIANA MENDES 6º PERÍODO Para o profesor Mário Alex Rosa, “Grande Sertão: Veredas” é uma obra de grande impacto na cultura brasileira, uma vez que Guimarães Rosa foi um romancista que conseguiu elevar não só a linguagem no seu mais alto nível, mas principalmente, soube contar uma boa história com a simplicidade de quem estivesse contando um "causo". “Lembre-se que a história é narrada na primeira pessoa pelo personagem Riobaldo. O problema, talvez, é que as pessoas esbarram na sua linguagem que é muito específica, sem dúvida, mas se o leitor ler bem perceberá que ali estão presentes histórias que quase todo escritor já escreveu, ou seja, uma história de amor", declara.

Para ele, “Grande Sertão: Veredas” é também uma grande história de paixão e de uma linda amizade, onde encontramos em meio a tudo isso, histórias de guerras entre jagunços, conflitos existenciais, a batalha entre Deus e o Diabo, o bem e o mal, etc., tudo isso marcado por provérbios, silogismos e uma linguagem que lembra muito um discurso coloquial, como as falas de um jagunço. “Mas se o leitor prestar bastante atenção, perceberá frases que são pura poesia, enfim uma obra que consegue ao mesmo tempo ser regional e universal, pois parte de um lugar específico (o sertão de Minas), mas também não perde de vista a complexidade humana, que é de natureza universal. Como se repete muitas vezes no romance ‘O sertão é o mundo’”, diz. Outro grande nome da literatura brasileira, Luiz Giffone, não economiza nos elogios a Rosa. “Muitos o imitaram, mas nunca conseguiram sobrepujar o trabalho do mestre”, afirma.

No entanto, ao ser perguntado sobre como a obra de Rosa influenciou sua vida, o pesquisador definiu um outro caminho, não menos verdadeiro e fácil de ser identificado em sua pessoa. E ele respondeu: “Gosto do provérbio trabalhado, do jogo com as palavras, de ser brincalhão, do bom humor”. Vida dedicada a Guimarães Rosa Com uma vida acadêmica voltada para o estudo da obra de um dos maiores escritores brasileiros Luís Cláudio Vieira, é autor dos livros “Guimarães Rosa no Suplemento” e “Astúcia da palavra– Ensaio sobre Guimarães Rosa”, e desenvolveu seu mestrado e doutorado sobre o autor. Apesar de saber muito sobre Rosa, ele lamenta por não poder conhecer mais profundamente outros autores. O estudioso não trabalha diretamente com o que mais estudou: dá aula de Metodologia para um curso de Direito e de Textos em outro, de Cuidador de Idosos. No entanto, no segundo caso, ele procura apresentar, nas suas aulas sobre poesia, textos de Rosa aos seus alunos. Ele ressalta ainda que um dos vários pontos interessantes é que o autor tinha muita facilidade em aprender línguas e chegou a aprender francês aos oito anos. “Ele falava, lia, estudava, era curioso”. Essa sua característica é evidenciada em sua obra. Mas, apesar do seu refinamento intelectual, seu texto é muito oral e valoriza o linguajar das pessoas simples, do interior. Rosa desperta dois tipos de reação nas pessoas: ou elas amam, ou odeiam. É claro que ele participa do primeiro grupo. Tanto o leitor com um alto nível intelectual quanto o que não tem muita bagagem cultural gosta de Guimarães Rosa. O leitor que está na média não entende. Até os críticos literários discordavam sobre Rosa. Há uma tendência a enquadrar em um tipo de narrativa o texto apresentado para analisá-lo, mas com os livros de Guimarães isso não era possível. “O livro ‘Corpo de Baile’ teve uma grande aceitação, porque as novidades que ele trazia passaram despercebidas à época do seu lançamento”. Ferreira Gullar é um dos famosos críticos que era contra o escritor. Já Antonio Candido e Afrânio Coutinho adoraram seu trabalho.

“Muitos o imitaram, mas nunca conseguiram sobrepujar o trabalho do mestre. Ele é um caso único na literatura brasileira”. Luíz Giffoni, escritor.

Sertão, viola e história para contar Por Guimarães Rosa, o violeiro Paulo Freire mudou sua vida. Após ler a obra do autor mineiro, o jovem Paulo, então com 19 anos, resolveu se mudar de São Paulo para conhecer o som do sertão. Foi morar no Norte de Minas, na região do rio Urucuia, citado diversas vezes na obra de Rosa. Achava que havia tanta musicalidade na obra do escritor que então deveria existir música de boa qualidade no local. Pegou a viola e foi até lá para a aprender a tocar viola com um mestre da região, o velho Manoel de Oliveira. "Na edição mais antiga, as orelhas do livro formavam um mapa da região do Urucuia feitos pelo Poty. Juntei as duas orelhas do livro e fui até lá para conhecer. Impressionado com a linguagem do livro, eu quis conhecer a região onde se passa a trama. Larguei a Faculdade de Jornalismo e fui procurar a escola da viola que é o sertão, o interior", conta.

O ano era 1977, e Freire tocava violão e guitarra na capital paulista antes de se mudar. "Morei em um povoado chamado Porto de Manga, que hoje se chama Urucuia. A meia légua de lá conheci o seu Manelim, grande violeiro, que passou a ser meu mestre. Cheguei a passar algumas temporadas na casa dele e sempre íamos nas Folias de Reis, vê-los (os violeiros) tocarem, e eu "encostava" no que achava que podia passar mais coisa pra mim". Hoje, aos 49 anos, o violeiro difunde a cultura do sertão através de seus vários livros e composições. Essa vivência na região permeia agora sua própria obra. "Acho que as pessoas que gostam de “Grande Sertão: Veredas”, que gostam do Guimarães Rosa, se forem para esses lugares, essa região, sempre vão encontrar pessoas que lembrarão muito a fala do Rosa, seus livros e personagens, porque ele realmente se inspirou muito naquela região", comenta.


16 - Cultura - Lígia

16.05.06

15:04

Page 1

Editor e diagramador da página: Lígia Ríspoli

o ponto

16 C U L T U R A

Belo Horizonte – Maio/2006

A VOZ QUE SAI DO

JEQUITINHONHA CAMILA GUIMARÀES DANIELA DE CASTRO 6º PERÍODO Apesar de ser mais conhecido pela miséria do que pelo potencial artístico-cultural e turístico, o Vale do Jequitinhonha possui uma cultura rica. Segundo o musicólogo e fundador do Coral das Lavadeiras de Almenra, Carlos Farias, de Machacali, no Vale, o baixo índice de desenvolvimento humano, que lhe valeu a alcunha de Vale da miséria, contrapõe-se à arte popular, presente no artesanato, na culinária, nas danças folclóricas e, sobretudo, na música de raiz, que tem servido de fonte de renda e inclusão social para várias pessoas. Mesmo sob o manto de séculos de exploração e esquecimento, na região coexistem o canto dos corais e dos festivais em toda a sua extensão. São os seresteiros e a Vesperata em Diamantina, o Coral Vozes das Veredas, de Veredinha, o festival da canção em Turmalina e o Festival de Música do Vale do Jequitinhonha, Festivale. Há, também, os corais Trovadores e Os Meninos de Araçuaí, que já se apresentaram em palcos franceses, o Boi de Janeiro, de Itaobim. A maior dificuldade enfrentada pelos artistas, principalmente para os que ainda residem no Vale, é a falta de financiamento à produção, seja por parte de empresas ou dos governos. O músico e professor de Ténica vocal Wilson Dias, nascido em Olhos D´Água, cidade situada no Alto do Jequitinhonha, vivenciou a dinâmica social do Vale. Para ele, a região faz circular saberes e sonoridades das comunidades situadas ao longo do rio Jequitinhonha. “A história de sua cultura popular é inseparável dos negros e índios. A existência deles é um fator de formação da identidade cultural brasileira, presente na religiosidade, no cotidiano e na música, que reflete na capoeira, candomblé, umbanda, cantos e danças da colheita, das brincadeiras de roda e cantigas de ninar”. Segundo Dias, o Vale do Jequitinhonha tem a cara do Brasil, assim como o Brasil tem a ca-

ra do Jequitinhonha. “E a transcendência fica mais próxima depois que se canta junto com o Coral das Lavadeiras de Almenara, que é um dos grupos que melhor retrata a região”, complementa. O músico acredita que o diferencial dos artistas do Vale é a preocupação em preservar a história e a identidade local. De acordo com ele, exemplos são nomes como Paulinho Pedra Azul, Saulo Laranjeira e Rubinho do Vale que se consolidaram no cenário nacional, revelando a força e beleza da região. “A produção musical é um ode à memória cultural do Vale do Jequitinhonha, que celebra delicadeza e gratidão à mãe terra e a vida, valores que lhe são peculiares e provam ao mundo que quanto mais se preserva, mais se expande e amplia horizontes”, diz. A pesquisa “Minas: uma viagem musical”, da Universidade Fumec, conduzida pelo historiador Renato Pfeffer e o aluno bolsista Moisés Luna, demonstra que o imenso potencial musical da região das Minas Gerais quase não é explorado do ponto de vista do Turismo. Muito se fala e se propaga a respeito da arquitetura e escultura colonial mineira, porém pouco se fala de sua música. Localização O Vale situa-se ao norte do estado de Minas Gerais, sendo banhado pelo rio Jequitinhonha e seus afluentes. Ocupando uma área de mais de 85 mil quilômetros, onde vivem cerca de um milhão de pessoas, aproximadamente, distribuídas em cerca de 80 municípios, é considerada uma das regiões mais pobres do Brasil. A maior parte do solo é árido, sendo marcado, regularmente, por secas e enchentes. Segundo dados do IBGE de 2005, 75% de sua população vive na área rural praticando uma rudimentar agricultura e pecuária. No passado, a região era formada por florestas e habitada por tribos indígenas. O que mais contribuiu para a degradação foi a atividade predatória da mineração e extração do diamante. Colaborou: Lígia Ríspoli

GARIMPEIRO DE SONS Quem: Carlos Farias Onde: Nasceu em Machacalís, norte de Minas, ao lado da aldeia de índios maxakali. O Quê: Criou o Coral das Lavadeiras , é também cantor e compositor, psicólogo e produtor cultural. Lançou dois CDs solo, um com participação de índios maxacali. Lançou outros dois com o Coral. Como: “Morei em Almenara de 1985 a 1994. Viajei muito na região, implantando e supervisionando projetos de natureza social e comunitária. Paralelamente, fiz pesquisas etnomusicais e, com outras pessoas da cidade, tive a idéia

de convidar algumas lavadeiras para ensaiar um repertório que eu vinha garimpando na região, e que era do conhecimento delas.” Por quê: ” Nesta época, dirigia a Casa de Cultura de Almenara. Foi assim que tudo começou. Não imaginei que o projeto daria tão certo.” Quando: 1991. Em 2002, com o CD “Batikum Brasileiro – O Canto das Lavadeiras”, o grupo participou de um festival de arte em Portugal . Em 2003, viajaram pelo Brasil. Em 2004 e 2005, Farias e as lavadeiras iniciaram a gravação de “AQUA – A Música das Lavadeiras do Jequitinhonha”.

VALE É CONHECIDO PELA MISÉRIA, MAS AO MESMO TEMPO POSSUI UMA RIQUEZA MUSICAL ÚNICA, FONTE DE RENDA E INSTRUMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL PARA MUITAS PESSOAS Lígia Ríspoli

Pesquisa resgata história e sugere turismo musical Na pesquisa “Minas: uma viagem musical. Contribuições para a formação de um roteiro turístico na Estrada Real, através da música”, da Universidade Fumec feitos pelo historiador Renato Pfeffer e o aluno bolsista Moisés Luna , é constatada não apenas a fundamental importância de se investir na música como roteiro turístico, mas também a sua origem. De acordo com Renato, a entrada da música européia em Minas chega junto com jesuítas, nas missões exploratórias à procura de metais. Para encantar e converter o gentio da colônia, carregavam nas bagagens instrumentos musicais. “A descoberta do ouro fez com que afluíssem para a região das Minas Gerais um grande e diversificado contingente populacional. A miscigenação branca, indígena e negra foi intensa, dando origem a uma população mestiça. Foi justamente desta população mestiça que surgiram os grandes artistas brasileiros do século XVIII que produziram expressões artísticas verdadeiramente nacionais.”Alguns deles são José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, Manoel Dias de Oliveira, Francisco Gomes da Rocha, entre muitos outros intérpretes, compositores e regentes.

Cerâmica em exposição no Centro de Artesanato Mineiro, localizado na Fundação Clóvis Salgado

Projeto preserva oralidade Desde a década de 90, a Faculdade de Letras da UFMG (Fale/UFMG) tem desenvolvido programas de pesquisa e extensão sobre a região do Vale do Jequitinhonha. Um desses projetos, coordenado pela professora Sônia Queiroz, chamado de “Quem conta um conto aumenta um ponto (QCCAP)”, merece ser destacado. O projeto atua diretamente na preservação da oralidade local. O QCCAP faz parte do “Programa de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha”, que foi desenvolvido pela Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal (Proex/UFMG).O proje-

to abrange, além de cultura, diversas atividades e serviços nas áreas de Saúde, Educação e Meio ambiente. De acordo com Cristina Borges, ex-aluna bolsista do empreendimento, a literatura oral possui algumas diferenças em relação à arte escrita. Segundo Borges, pode-se classificar a escrita como essencialmente verbal, enquanto que a poesia oral é também visual. “Além dos recursos verbais, a poesia oral conta com variações da voz, dos gestos, da expressão corporal e de outros elementos visuais. Nela são valorizados os figurinos, adereços e instrumentos musicais”, explica. Borges lembra

ainda que a maioria dos poetas orais tem habilidades artísticas que ultrapassam a arte de escrever. Eles são também músicos percursionistas, violeiros, sanfoneiros, foliões e artesãos. A ex-bolsista explica que o principal objetivo dessa extensão é reconhecer o valor da oralidade do Vale, registrar as narrativas e assim preserválas. . O acervo do projeto já conta com o registro sonoro de aproximadamente 200 narrativas, de 50 contadores diferentes. A extensão já foi responsável pela publicação de dois livros, com um CD cada e aguarda mais uma edição para este ano.

Dança lundu Da África chegou a dança lundu através dos escravos angolanos. No Brasil a dança adquiriu uma musicalidade própria. A canção se tornou maliciosa e cômica, e de dança erótica passou a canção solo e música de salão, com influência européia. O lundu passou a influenciar e ser influenciado pelo lirismo da modinha. Estes estilos se sincretizaram e se tornaram a base da música popular brasileira. Para a região do Vale, Pfeffer acredita que “o turismo cultural consciente poderá trazer impactos positivos, tais como a geração de recursos, de trabalho e de renda, assim como novas oportunidades de negócios, contribuindo para reduzir a pobreza.” Moisés diz que “existem em Minas Gerais muitas bandas e eventos relacionados à música e que se encontram distribuídos ao longo de suas cidades.” O aluno concorda que as manifestações musicais poderiam ser utilizadas para agregar valor aos municípios.“Além de tudo isso, a existência de bandas, por exemplo, é fator importante, uma vez que ela oferece, muita vezes, aulas de música gratuitas. Isto possui um caráter de valorização e promoção do ser humano sem igual,” diz.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.