Jornal O Ponto - Julho/agosto de 2007

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Rafael Dutra 3º período

Mobilização: Reforma Trabalhista ineficiente provoca insatisfação e manifestações populares [ página 04 ]

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

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o ponto Savassi insegura

J u l h o / A g o s t o

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H o r i z o n t e / M G

D I S T R I B U I Ç Ã O G R AT U I TA

REGIÃO NOBRE DA CAPITAL ENFRENTA VIOLÊNCIA RELACIONADA A GANGUES DE CLASSE MÉDIA, E BUSCA REFORÇO POLICIAL [ página 05 ] Lígia Ríspoli

PARAFUSO A MAIS O idealizador e editor da piauí esteve na Fumec e falou aos alunos sobre o processo de produção da revista, com toques de humor e influências literárias no desenvolvimento das reportagens.

[ páginas 14 e 15 ]

LIVRO E PALCO Ator da Companhia Pombal em cena. Os indígenas do Amazonas serviram de inspiração para o livro “Tawé: nação Munduruku”, de Walter Parreira; o psicólogo viveu na tribo, e resgata na obra a cultura e os problemas enfrentados pelos indígenas; além da montagem teatral, a história agora também pode ser produzida para o cinema.

[ páginas 08 e 09 ] dcc

S.O.S Hemominas Durante o inverno, a Fundação Hemominas enfrenta dificuldades para atender à demanda dos hospitais em todo o estado, porque os níveis dos bancos de sangue chegam a sofrer quedas de até 50%. Além do menor comparecimento de voluntários, a gripe é outro vilão, pois pessoas que contraíram o vírus só podem doar sangue após uma semana sem apresentar sintomas, e quem tomou sua vacina preventiva precisa esperar até 28 dias. Nesse cenário, o Hemominas busca alternativas, como coletas externas em empresas, universidades e até cidades vizinhas.

[ página 10 ]

Debaixo do tapete

Crise no América

O Boulevard Arrudas foi construído com a promessa de melhorias no trânsito no centro de BH e a revitalização da região. Mas especialistas afirmam que os problemas do rio apenas foram empurrados para debaixo do concreto. Ao invés de solucionar os problemas ambientais, os R$ 40 milhões investidos na obra serviram prioritariamente aos interesses de propaganda governamental, e não contemplaram a recuperação do Arrudas, que corre poluído por debaixo do cimento.

Com 95 anos de história, o América vive uma crise sem precedentes. Rebaixado para a segunda divisão do campeonato mineiro e vetada sua participação na série C do campeonato brasileiro, o clube busca opções para a atual crise finaceira e administrativa para não deixar de existir. Dentre as principais alternativas estão a construção de um shopping center, investimentos em terrenos e a Timemania, espécie de loteria esportiva assinada recentemente pelo presidente Lula.

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02-Opiniào

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Editor e diagramador da página: Enzo Menezes 6º período

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O P I N I Ã O

Belo Horizonte –Julho/ Agosto/2007

Imagina se a culpa fosse do agressor PAULA RIBAS

6º PERÍODO Toda vez que um crime violento ganha a atenção nacional, a mesma discussão tem início. Mesmo que os praticantes já tenham sido identificados e capturados pela polícia, imprensa e sociedade civil se unem em uma busca virtual pelos “verdadeiros” culpados. No caso do menino João Hélio, por exemplo, a maioridade penal foi eleita a grande vilã. A procura agora é pelos “verdadeiros” responsáveis pelo espancamento da doméstica Sirley Dias, de 32 anos, em um ponto de ônibus no Rio de Janeiro. Para os agressores, universitários entre 19 e 21 anos, a culpa é da própria Sirley. Eles explicaram à polícia que só atacaram a mulher porque pensaram que ela fosse uma prostituta. A mídia e a sociedade discutem dois possíveis culpados. Um deles é a impunidade. De fato, ela deve ter uma parcela de culpa. Uma semana depois da agressão à Sirley, um salvavidas foi espancado por quatro jovens de 18 anos, também no Rio. Todos foram liberados sob fiança de R$ 2 mil, paga pelos pais. Os pais, aliás, são os outros possíveis culpados para a mídia e para as pessoas em geral. E a declaração de um de-

Cristina Barroca 7º período

les, Ludovico Ramalho Bruno, de 47 anos, veio bem a calhar. Pai de um dos agressores de Sirley, ele não acha justo manter presas “crianças” que estão estudando e trabalhando. Não deve ser justo porque essas “crianças” podem contribuir muito para o Brasil, estudando e trabalhando. Não são como outros marginais que cometem crimes e não fazem nada pelo país. Essas crianças cometem crimes, mas também estudam e trabalham. Realmente, os pais também devem ter sua parcela de culpa. Podemos culpá-los por sua arrogância, por ensinarem aos filhos que são melhores que prostitutas e marginais. Podemos culpá-los por seus valores, por pensarem que seus filhos estudiosos e trabalhadores estão livres do rótulo de bandido, que são diferentes das crianças faveladas. Podemos culpá-los por tudo isso, se analisarmos de forma bem generalizada a classe média brasileira. Quem é o culpado, afinal? Todos. A doméstica Sirley, por se vestir como prostituta, ludibriando assim os pobres meninos. A impunidade, sempre ela, incentivando crianças de classe média a cometer crimes como marginais. E os pais, é claro, pela má criação dos pimpolhos. Só não têm culpa os agressores, vítimas de influências negativas. Tadinhos.

Além do que se vê ENZO MENEZES 6º PERÍODO “Pois é, não deu. Deixa assim como está, sereno”. Recesso, fim, não importa. Antes de trocar sua presença mítica no imaginário dos fãs para ser só mais uma página burocrática para o rock nacional, o Los Hermanos resolveu parar. Apenas um descanso após uma década de trabalho contínuo, um tempo para se dedicar a outras atividades ou o fim mesmo, por que não, porque encheu o saco tocar junto? Ao invés de gravar um disco apenas para preencher prateleiras, ou tentar empurrar hits fáceis goela abaixo via fms - não, acho que isso eles nem cogitariam... -, os quatro preferiram a sensatez: publicar no site um comunicado oficial, sem direito a nota para a imprensa nem rasgos histéricos, fazer três shows de despedida no Rio, e ir cada um pra sua casa – apesar de continuarem “jogando truco toda quinta-feira”, como diz a nota. Até no fim ousaram – e saíram de cena com dignidade. “Guilhotina? Eu que controlo o meu guidom!” Uma ousadia do Los Hermanos foi desafiar a gravadora, há seis anos, ao apresentar um disco com harmonias tortuosas e letras acima da média para quem esperava só

mais um grupo de pop rock ao enfrentar o dilema do segundo álbum. A aposta do grupo em lançar um produto bem trabalhado e com cara própria foi feita, a cara feia e as pressões da major já eram esperadas mas, como o disco estava feito mesmo, deixa estar. E parece que o Los já sabia o resultado, na ironia de “Cadê teu suin”: (que vale ler para entender como foi composta): “Desista moleque, quem é que te indica? Cadê teu suingue?”. “Olha lá que os bravos são escravos, sãos e salvos de sofrer” A banda se tornou em pouco tempo uma referência comportamental para milhares de jovens e para a música popular - nem tão do povo, mas... – como não se via há tempos por aqui. E diferentemente dos atuais ídolos pop: sem gritos de guerra para animar a ‘torcida’ nem pensar que ‘atitude’ e ‘rebeldia’ são artigos comercializados em lojas de skate. Ao contrário: com toques de bossa nova, indie rock e filosofia existencialista – por que não? – os hermanos chegaram ao auge da contestação em composições como O Vencedor: “Olha lá quem acha que perder é ser menor na vida. (..) eu que já não sou assim muito de ganhar, junto as mãos ao meu redor, faço o melhor que sou capaz”. Pois é.

Da lição que fica LÍGIA RÍSPOLI 8º PERÍODO

Ética: de quem é essa responsabilidade? LÍDIA RABELO 8º PERÍODO Falar em ética na sociedade atual é extremamente problemático, se for no jornalismo então, essa questão se torna mais delicada. Se levarmos em conta o que nossa imprensa vem fazendo nos últimos anos... parece que a palavra ética sumiu do dicionário. Mas qual é mesmo o conceito de ética que o dicionário nos traz? Ética é: “parte da filosofia que estuda os valores morais e os princípios ideais da conduta humana. Conjunto de princípios morais que se devem observar no exercício de uma profissão” (Dicionário Multimídia Michaelis). O que há de segredo nesse conceito que sempre discutí-lo torna-se um assunto polêmico? Há quem defenda que a ética não pode ser apenas dos jornalistas, mas também da sociedade. Esta foi posição do professor de jornalismo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Dalmir Francisco: “[...] ou a sociedade briga para ter seu espaço, e aí o jornalista não tem como esconder, ele tem legitimidade para contar, a não ser que a empresa o pressione, ou vamos continuar tendo um jornalismo que não fala com a sociedade, fala com os donos do poder”. Pode perceber que essa posição tira um pouco dos ombros do jornalista a responsabilidade, embora eu acredite que uma postura ética deve ser mantida por todos os setores sociais, jornalis-

tas, sociedade e também donos dos meios de comunicação. Para Cláudio Abramo a ética do jornalista não se diferencia da dos outros cidadãos. “Sou jornalista, mas gosto mesmo é de marcenaria. Gosto de fazer móveis, cadeiras, e minha ética como marceneiro é igual a minha ética como jornalista – não tenho duas. Não existe a ética especifica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão” (ABRAMO, 1993: 109). É válido destacar também que estamos vivendo num sistema que privilegia bons resultados financeiros a qualquer custo. No capitalismo, o que predomina é a lógica de mercado, e o jornalismo nasce nesse sistema e está atrelado a ele. Nesse círculo vicioso a informação é produzida objetivando, na maioria das vezes, conseguir audiência, e daí a espetacularização em que ela é submetida. Jornais, telejornais, revistas, sites, recheados de matérias espetacularizadas, denuncismo, escândalos da política, invasão de privacidade de famosos, entre vários outros elementos que envergonham e vão contra os princípios do bom jornalismo, que é divulgar informações verdadeiras. Portanto, ao vermos essa crise de identidade do jornalismo, é preciso repensar nossos valores críticos e morais perante essa situação alarmante, essa crise não pode ser o fim do bom jornalismo, mas algo que valha para a reação dos profissionais e da sociedade para a construção de uma imprensa democrática e que privilegie o cidadão.

“O retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde, é o atual clássico que estou tendo a oportunidade de ler. O melhor dos clássicos é o seu caráter de atualidade constante e de uma linguagem universal. Não sei ainda o que o romance me prepara, mas um momento que já achei peculiar é quando o belo Dorian, ao contemplar sua própria imagem em um quadro, começa a reparar, em seu sorriso, um pequeno sarcasmo. O seu desejo talvez tivesse se realizando: ele jamais envelheceria e o seu qadro começaria a adquirir as marcas da vida em seu lugar. Isso me lembra uma outra história, de Edgar Allan Poe, na qual o nome me foge ã memória: o artista pinta a sua amada dia após dia, até que, finda sua arte, ele vê a perfeição no quadro, e sua amada dá seu último suspiro de vida. Me perdoem se a história não é bem assim, mas o que importa, nos dois casos, é o ensinamento que se tenta passar. Várias interpretações podem ser tiradas dos textos citados, como, por exemplo, uma crítica à arte. Mas gosto mais da lição humanista que as duas histórias possuem. E o que esses clássicos nos ensinam hoje, em nossa sociedade? Acho que não poderia existir desejo maior do que ser sempre jovem. Tal como na história de Narciso, hoje existe esse grande apelo e estímulo ã beleza eterna, principalmente em relação às mulheres, mas também os homens já estão vulneráveis. A pergunta honesta que nos cabe é: vale a pena? A maior beleza que existe é o da juventude ou do rosto que não esconde a vida, que já deixou suas marcas? Passando a indagação para um livro: o melhor livro é o de páginas em branco ou o escrito? Claro, existem bons e maus livros. Mas , quantas pessoas não devem estar escrevendo más histórias atrás da desesperada busca do elixir da eterna juventude!

Não renovar, não censurar! LEONARDO FERNANDES

8ºPERÍODO Fazendo uma leitura do último artigo que publiquei no jornal O Ponto, intitulado “Liberdade: cuidado com essa palavra”, percebi que eu havia cometido um erro que comprometia em muito o conteúdo do texto. Ao tratar do polêmico caso da RCTV (Radio Caracas Televisión) usei de forma involuntária a palavra “fechamento” para falar, na verdade, da não-renovação da concessão para o funcionamento da emissora. Na Venezuela esta autorização funciona como no Brasil, através de concessões pú-

blicas, ou seja, o estado é o responsável pela autorização de funcionamento das emissoras de rádio e televisão. Este erro, a princípio pouco importante, reflete como estamos todos condicionados ao discurso dos grandes veículos de comunicação do Brasil, e que aqui, desempenham papel tão ou mais miserável que a emissora venezuelana. A utilização da palavra “fechamento” por esses veículos cumpre a tarefa de criminalizar a postura do governo da Venezuela, caracterizando-o como um governo ditatorial. Nesta medida, uma prática que está legalmente amparada torna-se

aos olhos estrangeiros uma ameaça ao aparelho democrático. E enquanto isso... O Rio de Janeiro vive hoje uma guerra civil sem precedentes, e o que a Rede Globo fez por isso? Nada, saturaram de “PAN”. Usando exatamente o discurso da democracia, o governo norte-americano pratica um verdadeiro genocídio em todo o mundo, e, para os globais, as vidas se tornaram meras estatísticas. O Governo Lula foi, na história, o governo que mais fechou, e agora sim, FECHOU, rádios comunitárias e universitárias no país, e enquanto isso os empresários só tem a comemorar. Censura?!

Hã?! Onde?! Ninguém parece ter percebido nada... O que se sabe é que há muito tempo grandes empresas de comunicação mereceram em algum momento sofrer esse ou outro tipo de intervenção. Em 1989, foi a Rede Globo a responsável por uma porca edição de um debate que fez eleger o “Fernandinho”, derrotando surpreendentemente o, naquela época, sindicalista petista. Ainda em 2007 várias sucursais desta emissora deverão ter suas concessões renovadas para continuarem em funcionamento. Agora pergunte ao Lula o que ele vai fazer...

Os artigos publicados nesta página não expressam necessariamente a opinião do jornal e visam refletir as diversas tendências do pensamento

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Jornal Laboratório do curso de Comunicação Social da Faculdade de Ciências Humanas-Fumec Tel: 3228-3127 – e-mail: oponto@fch.fumec.br

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Tiragem desta edição 5000 exemplares Consultora em pesquisa iconográfica Profª. Zahira Souki Colaboradora voluntária Laura Aguiar

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03 Política - Enzo e Felipe

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Editores e diagramadores da página: Enzo Menezes e Felipe Izar - 6ºPeríodo

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P O L Í T I C A 03

Belo Horizonte – Julho/Agosto/2007

Camila Piovesana 2 ºperíodo Publicidade

LUANA BASTOS POLIANE BOSCO 6º PERÍODO

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m fator que contribuiu para o aumento das investigações é a participação da mídia. Os meios de comunicação de massa acompanham de perto as pautas dos parlamentares, e não poupam munição quando estouram denúncias. Mas, apesar de colocar as discussões na agenda do dia, a mídia tradicional se prende na divulgação de furos e se esquece de analisar o contexto em que são vazadas as informações. Para Luiz Carlos Gamboji, professor de direito da Fumec, as denúncias aparecem com mais frequência, mas isso não quer dizer, necessariamente, que a corrupção cresceu. “O país está em processo de aperfeiçoamento de sua democracia, o que contribuiu para o aumento das investigações”, analisa. Espetáculo Mas divulgar o que acontece nos bastidores do governo – sem entrar na questão do interesse político que move as coberturas da mídia tradicional – não significa um aumento da cobrança popular por um país mais democrático e uma administração transparente. “Diversas vezes a cobertura da mídia prejudica o andamento das CPIs, pois com a presença de câmeras e microfones os parlamentares transformam as investigações em espetáculo”, critica Gamboji. Outra questão que o professor coloca é o fato dos jornais veicularem certas acusações antes do término das investigações, prejudicando a imagem de pessoas que a princípio parecem envolvidas, mas no final podem ser inocentadas. De acordo com a cientista política Denise Falcão, um fator importante para o crescimento no número de investigações é a organização da oposição. “A oposição ao governo está muito bem articulada, o que faz com que consigam os votos para criar CPI’s”, acedita. O deputado estadual Durval Ângelo, do PT, também reconhece a organização da oposição: “A democracia se faz com conflito, a sociedade ganha com uma oposição vigilante, que denuncia irregularidades.” Para Denise Falcão, a Polícia Federal também tem méritos, pois cumpre melhor seu papel, apesar das acusações de contribuir para o espetáculo, quando divulga operações de forma bombástica “Os casos de corrupção são mais freqüêntes porque há uma apuração melhor dos fatos, e a PF trabalha para desvendar os esquemas”, salienta.

CPI MANIA NACIONAL

CORRUPÇÃO É MAIS INVESTIGADA DURANTE O GOVERNO LULA, MAS BARREIRAS POLÍTICAS IMPEDEM A PUNIÇÃO DOS INDICIADOS PELOS RELATÓRIOS DAS COMISSÕES Uma das marcas do governo Lula é a instalação recorde de Comissões Parlamentares de Inquérito - CPI’s. Denúncias de práticas de corrupção e crimes contra a administração pública provocaram um aumento das investigações por parte dos congressistas, numa ocorrência até então nunca vista na história política brasileira. No primeiro mandato do governo petista (2003-2006) foram instaladas 24 Comissões Paralmentares de Inquérito, sendo 5 no Senado, 10 na Câmara e 9 mistas (que englobam as duas casas).

Somando CPI’s do Senado e CPMI’s, foram 12 no período Collor/Itamar e 11 nos dois mandatos de FHC - contra 14 nos últimos quatros anos. Em 2007, uma Comissão já foi instalada - a do Apagão Aéreo - e os parlamentares buscam assinaturas para pelo menos mais uma. Mas obstáculos impedem resultados concretos: acordos para impedir cassações, falta de vontade política e a lentidão do Poder Judiciário dão a sensação de esvaziamento das Comissões.

Clima de pizza é reforçado pela lentidão do Poder Judiciário Após a aprovação de um relatório final, as CPI’s passam a depender da atuação, por exemplo, do Poder Judiciário, e de órgãos como a Polícia Federal para punir os indiciados. Elas também dependem da própria bancada, que recebe a recomendação para cassar parlamentares. Mas a lentidão do Judiciário arrasta os processos, e, quando é proferida a decisão final, o caso já esfriou na mídia e os acusados continuaram em atividade. Assim, ainda que as Comissões cumpram, ao menos em tese, o seu papel de investigar, a falta de vontade política - que culmina nos acordões para livrar parlamentares de perder seus direitos políticos - e entraves burocráticos impedem a punição dos envolvidos. Com o volume de informações divulgado pela imprensa, a população parece perdida entre tantos desmembramentos das CPIs, e fica com a sensação de que elas sempre acabam em “pizza”. Quando os resultados dos trabalhos não aparecem, o que fica é a sensação de impunidade, pela dependência de conciliações no Congresso e da atuação de outras esferas. Luiz Carlos Gamboji explica que isso acontece porque as comissões têm a função de investigar e apurar denúnicas, mas não podem condenar. O Ministério Público recebe os relatórios finais, para dar início à ação judicial cabível em cada caso. “Eles também podem sugerir políticas para correção de alguma imperfeição, ao identificar os atos ilícitos praticados”, completa Os acordos para livrar deputados da cassação foram claros antes das eleições de 2006. Na CPI dos Correios, por exemplo, foi pedida a cassação de 19 deputados, mas 12 escaparam, e 4 renunciaram para não perder seus direitos políticos por 8 anos. Para o deputado estadual Durval Ângelo, a população frequentemente tem um conceito errado sobre o papel das CPIs porque alguns dos próprios membros das Comissões as apresentam como a única forma de redenção e correção de todas as mazelas da sociedade. “O Congresso Nacional não pode ser transformado em uma delegacia. A banalização das CPI’s provoca um descrédito por parte da sociedade em relação ao papel de fiscalização do Congresso”, acredita.


04 luta de classes - léo

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Editor e diagramador da página: Leonardo Fernandes

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04 P O L Í T I C A

Belo Horizonte – Julho/Agosto/2007

Ilustração: Rafael Dutra - 3º Jornalismo

MOVIMENTOS SOCIAIS DÃO RESPOSTAS AOS PROJETOS DE REFORMAS DO GOVERNO FEDERAL LEONARDO FERNANDES 8º PERÍODO E de repente a rua estava tomada. Era o “23 de maio de luta”, como bem disse a estudante de filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Glória Trogo. A praça estava lotada e o debate no alto do carro de som chamava a atenção. Bandeiras de várias entidades de movimentos sociais não paravam de aparecer. O movimento daquele dia fazia parte de um calendário de lutas organizado por diversas entidades de inúmeras categorias dos trabalhadores e estudantes. Em 25 de março de 2007 foi realizado em São Paulo o Encontro Nacional Contra as Reformas Neoliberais. O movimento caracteriza as reformas do Governo Federal como parte da política neoliberal proposta em consenso com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). A pauta daquela manifestação tratava em especial da proposta da Reforma Trabalhista feita pelo Governo. Em meio aos gritos de “1,2,3,4,5 mil, ou pára essa reforma ou paramos o Brasil” conversei com Cacau, coordenador regional da Conlutas – MG. Para ele as reformas do governo federal tem demonstrado o compromisso como projeto neoliberal de privatizações de todos os setores, e o desafio dos movimentos sociais vêm exatamente no sentido da sua reorganização. A Conlutas foi criada em 2006, em São Paulo, como uma

entidade de oposição às políticas do Governo Federal, e como uma alternativa à CUT, que depois de 2003, com a eleição de Lula, se manteve claramente ao lado do Governo Federal. O curioso é que nesta manifestação também se via bandeiras da CUT, da UNE, e de partidos e sindicatos ligados à base governista. As intervenções destas entidades deixavam claro que a unidade no movimento se restringia a questões específicas da Reforma Trabalhista como a Emenda 3 e o direito de greve. Segundo partidos e organizações de oposição à política do governo, o direito de greve, uma das pautas da Reforma Trabalhista e Sindical do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento – que tenta regulamentar o direito, fere a autonomia de organização dos trabalhadores na medida em que estabelece critérios para se decidir sobre a greve ou constrange os trabalhadores da livre organização como no parágrafo 1º do artigo 5º da reforma, que fica estabelecido “...a adesão à greve implicará na perda de remuneração...” O ato do dia 23 de maio contou com cerca de 1500 pessoas, entre trabalhadores, estudantes, crianças e aposentados, organizados em diversas entidades de movimentos sociais, como sindicatos; muitos em greve. Cacau explica que este movimento luta contra o decreto da Emenda 3 que para os movimentos sociais de esquerda ferem constitucionalmente os

direitos históricos da classe trabalhadora . Todo o ato aconteceu de forma pacífica e percorreu desde a Praça Sete no centro, com direito a uma parada em frente à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) onde professores da rede municipal de ensino e servidores municipais protestaram contra as políticas do prefeito Fernando Pimentel (PT). Para os servidores municipais que saíram em defesa do reajuste salarial e contra os cortes trabalhistas da PBH, as medidas adotadas pela atual gestão da prefeitura de Belo Horizonte cerceiam direitos dos trabalhadores da rede municipal. Junto aos servidores municipais também estavam no protesto, membros do Movimento dos Sem Teto, que defendiam a Reforma Urbana e puxavam a bandeira da Reforma Agrária junto ao Movimento dos Sem Terra, que também estava presente na manifestação. A próxima parada não estava prevista pela organização do ato. Enquanto os organizadores convidavam os manifestantes a subirem até a porta do Palácio da Liberdade, a Tropa de Choque e a Cavalaria da Polícia Militar se posicionavam ao topo da Avenida João Pinheiro, na entrada da Praça impedindo mais tarde a passagem da manifestação. Os manifestantes ficaram em polvorosos com barreira da PM. Enquanto no carro de som os manifestantes comparavam o Governo Estadual à ditadura militar de vinte anos atrás, os estudantes e tra-

balhadores que tentavam abrir passagem chamavam os PMs para a luta, na tentativa de convencê-los de que também eram trabalhadores explorados pelo Governo de Aécio Neves. Depois de quase meia hora de intensa negociação entre os organizadores do ato e as autoridades da PM, a manifestação foi autorizada a passar, contando que não rompesse a outra barreira criada pelos militares em frente à Biblioteca Pública, exatamente ao lado do Palácio do Governo. “Isso é simbólico!” – gritou um trabalhador. Em frente à Biblioteca Municipal as palavras de ordem

passavam sempre pelas políticas de censura e total privatização de setores básicos como educação e saúde praticadas pelo Governo Neves. A manifestação termina e deixa em minha memória as últimas palavras dos auto falantes: “Pátria livre, venceremos”! Mais tarde, acompanhando os noticiários e alguns blogs na internet, percebi que o “23 de maio de luta” ultrapassava as montanhas de Minas e se espalhava por todo o país. Naquele mesmo dia, várias manifestações ocorreram pelo Brasil, inúmeros sindicatos entraram em greve, e a juventude dava exemplo de re-

sistência; completava-se 18 dias de ocupação da reitoria da USP, em São Paulo, que durou mais de 50 dias, outras reitorias eram ocupadas em Alagoas, no Mato Grosso, e estudantes de diversas universidades públicas organizavam atos de repúdio à política privatista da Universidade Pública que, para o Movimento Estudantil Organizado nestas universidades, está claramente apoiada pela Reforma Universitária proposta pelo Governo Lula. Ao meu entender, já não seria mais uma questão de agitação por campanhas salariais, ou movimentos isolados. Um sistema de governo foi colocado em xeque. Foto: Samuel Aguiar - 5º Jornalismo

Barreira policial impede passagem de manifestantes na praça da Liberdade em Belo Horizonte.

Estudantes na Sorbonne do Brasil Uma barricada de pneus, lona preta no lugar do portão de entrada, cartazes por toda parte, e uma faixa com letras garrafais: “Ocupação”. Assim se encontrava a reitoria da USP, a maior Universidade do país, ocupada desde o dia 3 de maio pelos estudantes. A principal causa da ocupação foi o decreto de criação da Secretaria Estadual de Ensino Superior em São Paulo anunciada pelo governador José Serra no início do semestre. Segundo os estudantes, o decre-

to fere a autonomia universitária e acelera o processo de privatização das universidades estaduais. “Só vimos isso acontecer na ditadura militar” uma das frases mais faladas pelos estudantes. O decreto ainda propõe a reformulação do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) e a transferência da gestão financeira das universidades para o Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios (Siafem).

A organização da intervenção dava exemplo para as mais ricas universidades do país. Banheiros sempre muito limpos, comissões de segurança, alimentação, comunicação, tudo para justificar o sucesso de mais de 50 dias de ocupação. Além dos estudantes mobilizados, outros setores da USP também se manifestaram. A Adusp (Associação de Docentes da USP) manteve uma greve que chegou a durar 19 dias. O sindicato dos funcionários manteve a greve com o indicativo de não ceder

às pressões do governo. “Não cedemos enquanto os estudantes permanecerem em luta” afirmou uma funcionária no início da Plenária Nacional de Estudantes que aconteceu no dia 16 de junho na Reitoria ocupada. A Assembléia foi convocada com apenas 2 dias de antecendência para o dia 15 de junho na USP na plenária nacional de estudantes. A organização do evento esperava reunir cerca de 800 a 1000 estudantes de todo o país, recebendo aproximadamente 600 estudantes. Foto: Leonardo Fernandes

Entrada da Reitoria da USP, que ficou ocupada mais de 50 dias. Nas faixas, reivindicações por mais verbas para a educação pública.

Segundo os organizadores, o baixo quórum se deu tanto por conta do pouco tempo para a organização quanto pela mobilização que ocorre em diversas Universidades do país. “Muitas reitorias ou diretorias estão ocupadas, o que impede que mais estudantes estejam presentes hoje na USP” explica Glória Trogo, estudante UFMG. A pauta da Plenária consistia na reorganização do Movimento Estudantil Nacional e na criação de um calendário unificado nacionalmente de lutas. Durante todo o dia as discussões rolaram à solta. Os principais pontos das discussões foram as defesas da Educação pública, o que incluía a luta Contra a Reforma Universitária do Governo Lula, e a oposição a União Nacional dos Estudantes, hoje, principal apoiadora do Governo Federal, além de nenhuma punição aos estudantes e trabalhadores em luta. Segundo a grande maioria dos estudantes presentes na Plenária, a Reforma Universitária, o Proune e o Reúne são ataques à Universidade pública num processo de privatização da educação. O Projeto de Reforma Universitária que vem sendo implementado através de

medidas provisória apresentou recentemente propostas que vem sendo combatidas por diversos setores de organização por todo o país. Em nota à sociedade, o Andes – Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior – crítica pontos da do projeto como o aumento do número de professores por alunos, que sobe de 10 para 14 estudantes por profissional. A nota ainda critica o programa de financiamento universitário, com disposições previstas pelo PAC, que reduzem gastos e condicionam a liberação de recursos para o ensino superior. Desde o início do primeiro semestre de 2007, inúmeras manifestações estudantis foram registradas em todo o país. Outras universidades como a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Unicam e a Unesp (estaduais paulistas) e mais recentemente a Federal do Pará (UFPA), do Rio de Janeiro (UFRJ), do Espírito Santo (UFES) e de Juiz de Fora (UFJF) também foram ocupadas ou sofreram alguma intervenção do movimento estudantil.


05 Cidade - Violência Savassi

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Editoras e diagramadoras da página: Patrícia Dumont, Vanessa Fernandes e Lígia Ríspoli - 6º e 8º Períodos

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C I D A D E 05

Belo Horizonte – Julho/Agosto/2007

Priscilla Cambraia - 6º período

O nímero de veículos da Polícia Militar reforçando o policiamento da Praça da Savassi aumentou para tentar conter a violência crescente na região: um dos motivos são as gangues de jovens

Savassi reage a onda de violência PARA CONTER A VIOLÊNCIA EM UM DOS BAIRROS MAIS NOBRES, POLICIAMENTO É REFORÇADO Priscilla Cambraia - 6º período

LORENA ASSIS E PRISCILLA CAMBRAIA 6º PERÍODO A região da Savassi, em Belo Horizonte, sempre foi vista como a região mais charmosa da capital. Conhecida por seus exuberantes hotéis e restaurantes, e pelo comércio que atende à alta classe mineira, a Savassi é um ambiente tranqüilo ideal para os turistas que buscam a beleza e o requinte do local. No entanto, essa realidade vem se contrastando com o aumento da violência que assombra a região, principalmente à noite e durante a madrugada. Assim, as ruas da Savassi vêm sendo disputadas por gangues, marginais, mendigos, assaltantes e traficantes que amedrontam os freqüentadores e moradores da região e afrontam, cada vez mais, os policiais responsáveis pela segurança do local. Para amenizar essa situação, o Conselho de Segurança Pública (Consep) fez um levantamento e viu a urgente necessidade de aumentar o policiamento da região. A Coordenação Geral de Segurança da Polícia Civil, juntamente com a comunidade, polícia civil e militar e o Corpo de Bombeiros fizeram uma pesquisa e se surpreenderam com o nú-

O jornaleiro Vandrelias acredita que a violência dos jovens na Savassi é uma contracultura mero de ocorrências na região da Savassi, neste primeiro semestre. Entre os meses de janeiro e abril, houve 239 furtos, número que se aproxima da metade do número total do ano passado, que chegou a 575 casos registrados. Em 2006 houve dois assassinatos, e esse ano a morte do médico Ricardo Soares Alves, assassinado por um morador de rua, em tentativa de assalto, abriu a contagem. O comandante do 1° Batalhão, tenente-coronel Carlos Putini Neto, garantiu que existe um novo esquema para a segurança da Savassi. Antes, o patrulhamento da área contava com seis viaturas, duas bicicletas, uma dupla de motoqueiros, uma patrulha de Prevenção Ativa e policiamento a pé. Agora há uma necessidade maior de reforçar o policia-

mento, principalmente durante à noite, madrugada, finais de semana e feriados. De acordo com Vandrelias Martins, jornaleiro há 23 anos na Praça da Savassi, esse reforço já pode ser notado. “Houve realmente o aumento do policiamento aqui na Savassi”, afirma. Porém, Vandrelias não acredita que a situação seja realmente da forma que está sendo mostrada. “Eu acredito que essa violência causada pelos jovens das gangues seja, de certa forma, um comportamento diferenciado, uma contracultura”, completa. O que se observa é que a característica de lugar tranqüilo, ideal para passeios, compras e encontros intelectuais ainda não abandonou a Savassi. Durante o dia, a região enfrenta problemas inerentes a uma região

nobre e atrai assaltos, que são considerados normais pela sociedade. Porém, segundo o gerente da lanchonete Mc Donald`s, Guilherme Henrique da Cruz, é durante à noite e na madrugada, que a situação se agrava. “O horário mais crítico do restaurante é entre meia-noite e 8 da manhã. Os jovens vêm aqui para lanchar nesse horário depois das festas e arrumam tumulto, brigas, tudo. Fizemos uma reclamação ao 1° Batalhão, pedindo que eles viessem aqui mais vezes, e com o trabalho deles está melhorando”, afirma. Guilherme se mostra muito preocupado com a situação, já que os funcionários da lanchente são alvos de assaltos constantes durante as trocas de turnos. Para tanto, além dos quatro carros de atendimento comunitário e dos quatro da Companhia Tático Móvel, será dobrado o número de viaturas. Outra medida adotada foi o levantamento feito pela Secretaria Municipal de Políticas Urbanas, que pesquisou o tipo de ocupação de todos os quarteirões e o volume do tráfego da região, com o intuito de requalificar a Savassi para atrair mais turistas, o que também beneficiaria o comércio local.

Bairro também é ponto preferencial entre os moradores de rua da capital Além da violência que aumenta e das gangues que comandam os passos de quem circula pela região, a Savassi divide espaço com os moradores de rua. Devido ao grande número de marquises, a região oferece ótimo abrigo aos sem-teto e muitas pessoas contribuem com roupas e alimentos. Como o público é itinerante, fica difícil saber exatamente o número certo de pessoas que vivem nas ruas da região, é o que informa a Secretaria Municipal Adjunta de Assistên-

cia Social. De acordo com o órgão existem muitas ofertas de moradia e abrigos, repúblicas e albergues, porém a procura não tem um resultado positivo. Segundo o último censo do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, o número de moradores de rua em Belo Horizonte cresceu 27% em oito anos. Mas a responsabilidade da fixação dos mendigos nas ruas é de quem mais reclama da situação: moradores e comerciantes. “A gente só fica onde é

bem tratado e consegue algum respeito das pessoas”, afirma João Ferreira dos Santos que vive na Savassi há cerca de um ano. “Aqui a gente ganha tudo que quer. Muita gente ajuda. Tem dia que ganho até R$ 30”, completa o morador de rua João. “A situação se tornou um problema global, que para ser solucionado afetaria toda a sociedade”, argumenta a moradora Maria Chiara Faria. “Se as pessoas continuarem ajudando, essa situação nunca irá mudar”, encerra.

Jovens de classe média integram gangues O aumento da violência na Savassi trouxe ao conhecimento de todos o grande número de gangues que “freqüentam” a região. Um grupo bastante peculiar são os dark. “Esses jovens que se vestem de preto sempre estão aqui na Savassi, mas nunca se comportaram de forma violenta”, revela Vandrelias Martins, dono de uma banca de jornais na região. Porém, hoje a região é dominada por gangues, cujos integrantes se baseiam em estatutos de organizações criminosas do país, atuando de forma violenta e vingativa.

As gangues atacam outros jovens, roubam bonés, celulares e tênis, o que acaba por provocar medo e pavor em quem circula pela região. Dentre os quase 30 bandos existentes, os mais conhecidos são: Bonde do Arrastão (BA), Elite Perdida (EP), Vândalos da Madrugada (VM) e a Banca Nervosa (BN). O que pouco se sabe é que a maioria dos jovens envolvidos em gangues pertencem à classe média, tornando ainda maior o impacto dessa violência na sociedade. O menor, F.B.A, ex-integrante de uma das gan-

Armas não matam pessoas matam. Punhos não machucam pessoas machucam. Pés não chutam pessoas chutam.

Segurança depende de todos.

gues, conta que entrou no grupo para se proteger das brigas. “Para entrar no grupo foi fácil. Eu era do mesmo bairro que os outros integrantes e torcíamos pelo mesmo time. Mas quando decidi sair da gangue, fui chamado de covarde e fui ameaçado”. De acordo com o tenente-coronel Carlos Putini Neto, a Polícia Militar vem tentando desarticular as gangues, através da promoção de encontros com os pais dos adolescentes envolvidos, como uma das forma de identificar os demais membros dos grupos.


06 Cidade - Rio Arrudas

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Editoras e diagramadoras da página: Izabela Zarife, Luíza Rezende, Marcela Boechat e Lígia Rispoli - 6º e 8º períodos

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Belo Horizonte – Julho/Agosto/2007

Samuel Aguiar - 5º período

O Boulevard Arrudas, obra estimada em R$ 40 milhões de reais, apesar de ter melhorado o trânsito na região, vem causando discussões a respeito das agressões causadas ao meio ambiente

O enterro do Arrudas A CONSTRUÇÃO DO COMPLEXO BOULEVARD NÃO CONSIDERA A PRESERVAÇÃO DA ÁGUA ALEXANDRE HENRIQUE E ANA PAULA CONDESSA

4º E 8º PERÍODOS Com o intuito de melhorar o tráfego na região centro oeste da capital, foi feito um projeto para a pavimentação da superfície do Rio Arrudas. Com o projeto aprovado, as obras já estão em fase de conclusão. Nomeado de Boulevard Arrudas, o projeto de pavimentação começa na Avenida dos Andradas, no cruzamento com a alameda Ezequiel Dias e vai até a rua Rio de Janeiro, junto ao acesso ao túnel da Lagoinha. Neste trecho, a cobertura do ribeirão Arrudas vai dar lugar a pistas mais largas para o tráfego, faixas preferenciais para o transporte coletivo e um completo tratamento paisagístico, além de ciclovia no trecho entre a alameda Ezequiel Dias e o viaduto Santa Tereza. O valor da obra gira em torno de R$40 milhões. Projeto Manuelzão O projeto Manuelzão, que visa à recuperação da bacia do Rio das Velhas tem a proposta de mudança da consciência e do comportamento da sociedade, promovendo o desenvolvimento sustentável ambiental, político, social e cultural. Além disso, é uma das referências em questão de recuperação de córregos e um bom exemplo de que a verba utilizada poderia, defi-

nitivamente, ser aproveitada de outras maneiras. Antônio Leite, coordenador do projeto, acredita que a obra definitivamente melhorou o trânsito da região. Porém, com um melhor plano, talvez fosse cabível uma revitalização do córrego naquele trecho. “A princípio éramos contra. O rio naquele local está numa situação crítica e a questão viária prevaleceu. Mas no fundo, a cidade não deveria escondê-lo debaixo do cimento. Só lamentamos porque foi um ataque ao que pregamos como instituição ambiental. Isso é triste”. A preocupação de preservar os rios tem sido uma tendência mundial: a ONU prevê que em 2050 mais de 45 % da população mundial não terá mais a porção mínima individual de água para suprir as necessidades básicas. O principal uso que o Brasil faz da água é na agricultura e aproximadamente 60% desta água é usada para fins domésticos. Apenas 15 % são usados para fins comerciais e só 13% nas indústrias. Atualmente, Leite vê a construção do projeto Boulevard de uma forma positiva. Mas, nem sempre foi assim. “Comparecemos nas audiências públicas de discussão sobre a mudança, fizemos um depoimento parecido com o que estou lhe fazendo agora, mas fomos uma voz solitária, a população optou pela praticidade e assim foi feito”, diz o então coordenador. Ele

também ressalta a importância de uma conscientização, que deveria ter se iniciado há tempos, já que a luta do projeto foi dada pelo aspecto de melhoria da qualidade de vida do local, além de um futuro aproveitamento do rio: “Se tivéssemos cuidado melhor do ribeirão, não enfrentaríamos hoje esse tipo de dilema. Entretanto, não foi assim, e foi feita aquela intervenção ambiental. O que infelizmente têm sido a tônica de tais obras promovidas pelo governo, lidar da maneira mais fácil a favor da conveniência”. Para Antônio, um projeto de preservação e até reconstituição do ribeirão seria mais positivo. Contudo, o tratamento é algo trabalhoso e demorado, e não atenderia à demanda do local no prazo desejado. “A concepção de engenharia de tráfego falou mais alto, realmente existe muito congestionamento naquela área”. O projeto Manuelzão possui uma meta para 2010, que consiste em primeiramente não deixar jogar lixo nas vertentes do córrego, e depois torná-lo, em grande parte, completamente utilizável. “Cabe à Copasa investir nessa que é tarefa gigantesca, pode parecer saudosismo, mas o ideal seria que, um dia o Arrudas ficasse exposto, para contemplação. Ouso dizer que próximo à região de general Severiano, com empenho, em pouco tempo chegaremos à esse ponto de conservação”.

Obra fere o interesse público O preço da água Joana D’arc, presidente da ONG Vibra Mais (Vida para a Bacia do Ribeirão Arrudas Meio Ambiente e Integração Social), e membro do projeto Manuelzão, acha que a obra não condiz com o que foi planejado, além de comprometer o valor ambiental. “Sabemos que o rio foi pavimentado, o que é uma injustiça com o meio-ambiente, simplesmente decidiram realizar a obra sem consultar ninguém. Alguns membros participaram das assembléias, mas foi coisa para ‘inglês ver’, eles cumpriram todo o processo, porém sem dar chance para qualquer intervenção maior para sequer uma análise do projeto no Arrudas.” À frente da Ong desde o início de sua fundação, Joana diz ter sido em vão a mobilização feita pelos interessados no projeto do Arrudas, que acabou sendo realizado da maneira que o governo pensou ser mais viável. “Fui contra, e todos aqui compartilham dessa idéia, particularmente posso falar por minha ONG, que definitivamente defende a revitalização. Nós, do 3º setor, nos empenhamos ao máximo, o que de nada adiantou e jogaram concreto no córrego sem medo”. Quanto aos valores divulgados pelo governo de Minas (R$40 milhões), Joana acha abusivo, tendo em vista que uma idéia de tratamento à médio prazo, mesmo que mais com-

plexa e demorada, financeiramente falando, poderia se concretizar de modo mais brando, deixando de lado o cunho eleitoral da construção do Boulevard. “Não temos idéia do custo, mas com certeza ficaria mais barato um tratamento do córrego, assim como temos feito no Manuelzão. Porém, sabe como é né, as eleições estão aí e o que for de interesse maior no campo político provavelmente prevalecerá diante da vontade do povo”, afirmou a presidente da ONG. Sobre o futuro do local, e conservação do que foi construído, Joana foi categórica: “O rio tem condições de sair daquele estado, e o que foi feito lá não passou apenas de uma tentativa mais viável e custosa de resolver o problema, incomoda ver uma situação assim”. Segundo Rafael Lovatto, morador da região, o trânsito melhorou bastante, porém no início da construção, porquehoje o fluxo é praticamente o mesmo de antes da existência do Boulevard. “No começo foi uma maravilha, porém agora o movimento voltou a ser intenso, sem falar no perigo das praças e imediações”. O estudante afirmou também que esperava mais diante do que foi feito, pois “na propaganda era tudo mais amplo e bonito, mas na verdade pra mim isso aqui foi mais um tapa buraco em larga escala do rio.”

Um estudo do IPCC-2001 (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) , feito nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, evidenciou que há uma redução na disponibilidade dos recursos hídricos. Os impactos disso serão sentidos na produção agrícola e na vazão dos rios, afetando os biomas. De acordo com a pesquisa, a quantidade de água total na Terra é distribuída de forma que 97,5% estão nos oceanos e mares; 2,5% é de água doce, sendo que 68,9% da quantidade geral de água doce formam as calotas polares, geleiras e neves que cobrem as montanhas altas da terra e os restantes 29,9% de água doce são de águas subterrâneas. As fontes de água são ricas, mas são mal distribuídas pela superfície do planeta, havendo um desequilíbrio dos recursos hídricos no globo. A água é fundamental para o desenvolvimento de algumas atividades o que, conseqüentemente, faz com que os locais com escassez de água tenham limitações maiores para seu desenvolvimento, como na região Nordeste do Brasil. As águas no Brasil se encontram concentradas em três bacias hidrográficas do país: Amazonas, São Francisco e Paraná. Nelas estão concentradas cerca de 80% da produção hídrica do país.

“Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país. No curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein.”

Oscar Niemeyer. 100 anos de talento.


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Editoras e diagramadoras da página: Paula Ribas e Marcela Fogaça 6º Período

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E C O N O M I A 07

Belo Horizonte – Julho/Agosto/2007

Investidores caseiros HOME BROKERS POPULARIZAM INVESTIMENTOS PELA INTERNET E MOVIMENTAM BOVESPA

Paula Ribas 6º Período

VINÍCIUS LACERDA ROBERTA ARANHA 6º PERÍODO Investir no mercado de ações via Internet não é algo distante da realidade dos brasileiros. De acordo com levantamento divulgado pela Folha de São Paulo em maio, as corretoras on-line já contam com mais de 243 mil pessoas físicas que investem em ações via Internet. Só neste ano, foram registrados 23,4 mil novos clientes na Bovespa. Atualmente, os investidores caseiros são responsáveis pela movimentação de 10% de todo o volume de negócios da Bolsa. “É uma evolução natural. À medida que você vai se aprofundando e estudando sobre o mercado de capitais, você vai conhecendo várias pessoas iguais a você. Você conhece pessoas nos treinamentos, nos grupos de discussões, nas apresentações das "S/A's" para o mercado”, conta Bernard Generoso Neiva Ferreira, investidor caseiro. Investidor precoce Formado em Administração pelo Ibmec, Bernard, 24 anos, teve seu primeiro contato com a Bolsa de Valores ainda na adolescência, o que o ajudou a desenvolver rapidamente seus conhecimentos na área. Assim, Bernard decidiu largar o estágio que fazia na época para dedicar maior parte de seu tempo aos investimentos.“O meu primeiro contato com o mercado financeiro foi aos 14 anos de idade, quando apliquei parte do meu salário em um fundo de investimento atrelado a ações do índice Bovespa. Após três meses acompanhando a fundo a evolução desta aplicação e analisando as ações que compunham a carteira e os relatórios de acompanhamento de mercado fornecidos pelo banco, decidi por entender melhor a sistemática deste mercado”, explica.

ABC do investidor caseiro Como a maioria dos investidores caseiros, ele também teve certo receio em investir seu dinheiro através da Internet. Normalmente, quando uma pessoa física tem a intenção de investir, procura um clube de investimento ou alguma empresa que preste esse tipo de serviço. Contudo, todas estas empresas ou clubes cobram taxas de administração que varia de 1% a 4% do patrimônio. Além disso, não aceitam qualquer quantia como investimento. Isso faz com que o número de investidores que opta pelo serviço de Home Broker cresça, pois além de não serem obrigados a pagar esta taxa de administração, existe uma grande vantagem no acesso às aplicações.Eles podem fazer ou desfazer investimentos com apenas um clique no mouse. Negociante caseiro O Home Broker é um instrumento que permite a negociação de ações via Internet. Para que ele seja utilizado, é necessário que a pessoa seja cadastrada em alguma corretora, para assim, liquidar suas opera-

ções. Mas não basta somente ser cadastrado. Fernando José Cavalieri Guimarães, economista e investidor da bolsa de valores há mais de vinte anos, afirma que qualquer pessoa que decida entrar em contato com o mercado financeiro, através da Internet ou de grupos de investimentos, deve antes de tudo, estar informada. Segundo Guimarães, analisar o momento econômico e político que o país vive no momento da aplicação, é fundamental para se realizar um bom investimento.

“Perceber se o momento econômico e político são favoráveis à bolsa é o mais importante.” Apesar de não dedicar seu tempo somente aos investimentos, Fernando acredita que é possível se dedicar exclusivamente ao mercado de ações. Mas observa que é necessário ter muita disciplina e atenção ao mundo financeiro, que por ser inconstante, pode gerar prejuízos para pessoas que tomam suas decisões baseadas Fonte: DataFolha

apenas em dicas ou no “feeling”. “Acho possível viver exclusivamente de operações na bolsa via Internet, desde que se tenha muita disciplina, informações muito precisas e bastante sangue frio. Escolher uma boa corretora, começar devagar, investindo valores que não comprometam seus compromissos e que não façam perder o sono em caso de quedas mais bruscas são fatores importantes para obter sucesso nesta área”, aconselha. Praticidade Mais prático, Bernard indica que o passo inicial para investir, é entrar no site da Bovespa, onde qualquer pessoa pode esclarecer todas as dúvidas iniciais e conhecer como o processo de investimento é feito. Segundo ele, fazer cursos para entender o mercado através da Internet é uma excelente saída para quem nunca teve contato com Home Brokers, corretoras de investimentos ou com a própria Bolsa de Valores. “Com a ‘massificação’ deste perfil de investidor, a bibliografia sobre este assunto ficou farta. Na própria Internet existem vários Guias de Investimentos muito bons, além de vários livros que estão disponíveis no mercado. Um que eu indico para quem está começando é o Mercado de Capitais: Fundamentos e Técnicas, do autor Juliano Lima Pinheiro”. Além de proporcionar ao investidor praticidade e rapidez nas negociações, as corretoras on-line oferecem vantagens como acompanhamento da carteira de ações, acesso a cotações, consulta a posições financeiras on-line, extrato da conta, retiradas financeiras, notas de corretagem e envio de ordens programadas. Mas para obter todos esses benefícios, o investidor deve ter atenção redobrada na escolha da corretora, afinal, somente corretoras de valores regulamentadas na Bovespa podem oferecer serviço de Home Broker aos seus clientes.

Os estilos Aprenda o de investir básico Ao aplicar o próprio dinheiro em ações da bolsa, geralmente o investidor traça objetivos que passam pela expectativa de retorno e aversão a perda do que foi investido. No limiar da trajetória encontram-se os mais diferentes tipo de investidores. Existem os conservadores, que procuram ter uma segurança alta dentro do mercado financeiro. Este tipo de investidor aplica uma quantia menor de ativos, com menor risco e com retorno mais estável ao longo do tempo. Existem também aqueles que são moderados. Estes obtém um retorno ao longo do tempo. Exemplificando, em uma escala de 1 a 10, ele arrisca 5 de seus ativos. Por fim, temos o chamado investidor agressivo. Este aplica seus ativos em ações que tem um risco muito alto mas, em contrapartida, com retornos financeiros elevados. Geralmente, são experientes. Pode parecer tentador ser um investidor agressivo. Contudo, é fundamental que se tenha experiência para exercer tais tipos de investimento, caso o contrário, grande perdas podem acontecer àquelas pessoas impulsivas que agem sem conhecimento. Fonte: Sebrae - MG

O site da Bovespa ensina o básico para quem tem interesse em entrar para o mundo dos investimentos on-line. O que são ações? Ação é um pedacinho de uma empresa. Com um ou mais pedacinhos da empresa, você se torna sócio dela. Sendo mais formal, podemos definir ações como títulos nominativos negociáveis que representam, para quem as possui, uma fração do capital social de uma empresa. Quais são os tipos de ações? As ações podem ser: - Ordinárias (ON): que concedem o direito de voto nas assembléias da empresa; - Preferenciais (PN): que oferecem preferência no recebimento de resultados ou no reembolso do capital em caso de liquidação da companhia. Entretanto, as ações preferenciais não concedem o direito de voto, ou o restringem. Como posso investir em ações? Você deve procurar uma Corretora de Valores. As Corretoras e outros intermediários financeiros dispõem de profissionais voltados à análise de mercado, de setores e de companhias, e com eles você poderá se informar sobre o momento certo de comprar e vender determinadas ações para obter melhores resultados. Além disso, você pode investir por meio de Fundos de Ações, administrados por um banco ou mesmo por uma corretora, sendo que as decisões em relação a quando e em quais ações investir, nesse caso, são tomadas pelo banco ou corretora. Outra opção é a de investir através de um clube de investimento, no qual um grupo de pessoas físicas se reúne e procura uma corretora, para aplicar recursos em uma carteira de ações.


08 09 - esp índios munduruku

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08 E S P E C I A L

Belo Horizonte – Ju

Tawé

um povo

O LIVRO NARRA UMA VIAGEM PELA SELVA DA AMAZÔNIA E RESGATA OS DESAFIOS ATUAIS QUE OS ÍNDIOS ENFRENTAM NO BRASIL BIGODE BIGODEBIGODE BIGODEBIGODE BIGODE LÍGIA RÍSPOLI E LÍDIA RABELO 8º PERÍODO

K

arl Marx e Friederich Engels ficariam com inveja do nativo brasileiro Walter Parreira, não necessariamente pela filosofia que Walter passou em seu livro “Tawé – nação munduruku”, mas pelo motivo que gerou o livro. Marx foi um grande crítico do excedente, gerador de lucros, na sociedade capitalista. Engels, parceiro intelectual de Marx, é autor do livro “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”. Na ditadura brasileira, enquanto as notícias que se tem por aquele período é o de terror e torturas, Walter e sua esposa colocaram uma mochila nas costas e partiram rumo ao desconhecido, a única certeza era de que iriam para o norte. Eles tiveram a oportunidade de aprender, ao vivo e a cores como uma sociedade desprovida de propriedade vivia. E não eram os hippies, invenção norte-americana. Eram os mundurukus, tribo indígena da Amazônia. Longe do romantismo de José de Alencar, em que sua personagem indígena Iracema se apaixona perdidamente por um branco, “sô Valto”, como era chamado pelo cacique Tawé, é que se apaixona por uma tribo que nunca tinha tido contato com o

homem branco. Em uma experiência que pode-se dizer única, “sô Valto” e sua esposa Maria Francisca, Kika, ou melhor, “Alê-alê-ô”, como a chamava os curumins por ensiná-los música com esse refrão, passaram mais ou menos 2 meses escondidos pelas matas selvagens da Amazônia. Mas eles não tentam ensinar os valores ocidentais para os índios e nem vão morar para sempre com eles, vão como visitantes e quando sentem incomodá-los saem de suas moradas, sem deixar rastros de destruição. Ser índio, de acordo com o Estatuto do Índio da Constituição Federal de 1988, “é todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é intensificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional”. Ser índio no Brasil de hoje também é ter 12% do território brasileiro, para quem já foi dono de 100% desse território chamado Brasil, o equivalente a 247 povos ou 180 línguas que, de acordo com o ex presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Mércio Pereira Gomes, em declaração à Agência Reuters em janeiro de 2006, os índios têm muita terra, o que causou comoção entre lideranças indígenas. Os índios, dentro da categoria de características que os distinguem da sociedade nacional, explica Walter, “não se encaixam no modo capitalista de produção”, em outras

palavras, não acumulam excedente. Se não existe esse excedente, todo dia é dia de caçar e garantir sobrevivência, e se não há caça, há o risco de morrer de fome, daí a importância de grandes territórios para a sobrevivência do povo indígena. “São 12.000 anos de registro de humanos no Brasil vivendo dessa maneira, conquistando o dia de hoje”, explica o autor. E diante dessa dependência do que a natureza oferece é que o índio não poderia ter propriedade fixa, ele tem que ir onde existe alimento. E é também por isso que o índio não destrói o ambiente em que vive: ele é a sua sobrevivência. E também por isso os filósofos europeus morreriam de inveja: antes da idéia do comunismo existir pelo mundo, as matas brasileiras já abrigavam povos sem bens materiais, com compartilhamento de sua produção, sem excedente. Walter fala de uma anedota que contaram a ele: “Uma vez os índios foram caçar com um homem branco. Pegaram um jacaré para se alimentar. Havia outro, do lado, fácil de pegar. O homem branco pergunta: vocês também não vão pegar esse? E os índios, surpresos: Você come dois jacarés??? Porque nós comemos só um”. Por esse diferente modo de vida, é que a visão do índio sobre a natureza, sobre a terra, as mulheres, os curumins, a fauna se diferencia tanto do homem branco, o que Parreira define como uma relação sagrada e que por muiIlustrações cedidas por Ivana Andrés

to tempo passou uma idéia falsa de ingenuidade dos índios, por exemplo, não ligarem para o ouro, já que não era de comer. E como Marx defendia, o homem pensa como vive. Ideologia nas escolas Walter explica que não é por acaso a visão distorcida que o homem branco aprende nas escolas, do índio primitivo, ingênuo, bobo. É que eles não se adequam no modo capitalista de produção, e por nunca terem entendido muito a lógica do homem branco é que davam péssimos escravos. E se sentiam acuados, se suicidavam, ou melhor, se suicidam. Mas quando tentam também se adaptar à sociedade, são vistos como “desertores”, que não tem nada de índio, e por isso não merecem direitos do Estado. Mas voltando aos bancos escolares, é nele que os invasores ensinam às suas crianças que o outro é inferior. “A escola procura formas de convencer a sociedade, de maneira que essa não se importe com as invasões. Como a sociedade legitimiza as invasões? Descaracterizando a cultura daquele povo, discriminando o outro. É a mesma coisa dos EUA que invade o Iraque: quem reage é terrorista, o que acaba por deslegitimizar qualquer reação. O mesmo na Ditadura brasileira: quem reagia também era subversivo”, explica Walter. E ele lembra que a imprensa também está a serviço dessa ideologia, de maneira a ocultar ou revelar os fatos, de acordo com conveniências dessa ideologia. “Eu vou contar uma pequena história que aconteceu aqui em Minas Gerais, numa tribo dos Krenak, indo para o Espírito Santo de trem passa no território deles, um lugar maravilhoso. Eles têm um ritual de tempo em tempo pegar os males da tribo e chegar às margens e jogar no rio para ir embora, é um ritual de purgação, de purificação, assim como toda cultura possui, quando se reza pelo sinal da santa cruz, você está fazendo esse ritual, que é tirar os inimigos de perto da gente, candomblé, umbanda, todos tem danças para espantar os males, dos Krenak é isso. Aí eles ficam em paz, apaziguados e continuam a viver. O que é que aconteceu com esse povo, dois quilômetros abaixo no rio, é que construíram uma represa, então o que começou a acontecer, na visão deles, é que os males começaram a ficar represados, não iam embora mais. Como se o católico não pudesse mais fazer o sinal da cruz, os índios se desesperaram, não sabiam o que fazer, daí começaram a se suicidarem, porque o mundo simbólico deles é outro. O problema da terra é muito comum entre os índios, como explica o missionário frei Edison, na obra de Walter: “Há um mês atrás fazendeiros invadiram e se apossaram das melhores terras dos Xavante e, se não me engano, dos Kayabi. E a mesma coisa numa outra região, chamada Diamantino, em Mato Grosso. Lá, inclusive, os índios começaram a preparar sua resistência. Mas eles vão pela via legal primeiro, pela lei do homem branco – que ele próprio, branco, faz e não respeita. Nesse lugar, Diamantino, por exemplo, os índios pediram que o chefe da Funai na região resolvesse o problema e ele não resolveu. Pediram, então, que chamassem o presidente da Funai, e ele acabou indo mesmo lá, mas disse para esperarem porque ele não podia resolver na hora – eles não aceitaram, claro. Ora, não podia resolver na hora...! Os índios estavam sendo inva-

didos, eles não podiam esperar...! Esperar o quê?! Se o governo não tomava providências era porque, claro, estava do lado dos fazendeiros – ou mineradores, não sei -, estava defendendo os interesses dos invasores. Eles queriam tempo, isso sim, para tirar os índios, e não os invasores. Mas os índios não aceitaram a lengalenga da Funai. (...) Exigiram então a presença do ministro do Interior – e ele foi, mas disse a mesma coisa, que precisava de tempo. (...) Como não pode ser resolvido na hora o problema de alguém ter invadido e se instalado em suas terras? Se alguém entrasse na casa ou nas terras do senhor ministro, é lógico que ele chamaria a polícia e resolveria o caso na hora. (...) Eles não arredaram o pé e pediram então presença sabe de quem? Do Presidente da República!!!dizendo assim: ‘ Ele não é um general (na época da Ditadura)? Então ele pode colocar seus soldados para expulsarem os homens de nossa terrasse ele não fizer isso, nós mesmos vamos fazer!’ Eu não sei ainda como ficou...” Alcoolismo A Companhia Pombal Arte Espaço Alternativo, de teatro, esteve presente em Belo Horizonte. A peça representada na capital mineira, de acordo com um ator munduruku, era para contar um pouco a história de seu povo. O teatro trata do tema do alcoolismo, que tem sido um dos grandes problemas entre diversas tribos. Walter, no livro, também aborda essa questão ao conversar com o próprio cacique sobre o assunto, no qual ele fala: “Quando o ‘civilizado’ dá ao índio uma garrafa de cachaça, ele sabe o que quer, ele já sabe aonde vai chegar. E, muitas vezes, ele não dá só a cachaça, ele dá presentes também para enganar. (...)Se um índio ganha uma espingarda, ele vai ficar satisfeito, porque ela vai facilitar muito a vida, vai trazer mais quantidade de caça, mais alimento. Mas onde ele vai fazer a munição? Flecha, a gente faz toda hora, igual arco, armadilha para peixe. Mas como a gente vai conseguir as balas? Aí vem a dependência.” Tawé lembra ainda: “A vida do índio é dura, e a cachaça é uma ilusão que vem para enganar. A gente tem que tomar muito cuidado. O índio é bom, aceita tudo, aceita as coisas novas com facilidade e os homens ruins aproveitam isso. O índio não tem maldade, ele não vê a maldade que o pariwat (homem branco) tem, não entende que o pariwat tá é interessado em tomar sua terra, fazer um garimpo ali, levar o que sua terra tem.” Ser índio continua a ser tarefa árdua. De acordo com a Funai “hoje, no Brasil, vivem cerca de 460 mil índios, distribuídos entre 225 sociedades indígenas, que perfazem cerca de 0,25% da população brasileira. Cabe esclarecer que este dado populacional considera tão-somente aqueles indígenas que vivem em aldeias, havendo estimativas de que, além destes, há entre 100 e 190 mil vivendo fora das terras indígenas, inclusive em áreas urbanas. Há também 63 referências de índios ainda não-contatados, além de existirem grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista”. Sobre a importância dos índios hoje, Walter explica: “Se eu pudesse eu colocava essa tribo (a que ele visitou) em um redoma de vidro, para ficar intocado, que era para a gente ver e também as gerações futuras, a sociedade evoluída que existe.”


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Leonardo Fernandes - 8º Período

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o e vários ensinamentos Livro pode se tornar um filme A peça de teatro “A saga dos Munduruku” conta a história de um índio que vive fora da aldeia e que é afastado de um espetáculo por preconceito racial e cultural. Segundo o diretor da peça Luiz Vitalli a obra de Walter foi de grande importância para a peça. Após conhecê-la, ele acrescentou várias coisas que considerou importante para o espetáculo. Vitalli fala da humanidade com que Walter narrou a história dos Munduruku, e imagina um filme quando lê trechos do livro. Luís Vittali é diretor, ator de teatro, cinema e televisão, roteirista para televisão, escritor, teatrólogo e produtor cultural / multimídia. Além disso, é diretor da Cia Pombal Arte Espaço Alternativo, Organização Não Governamental em Manaus, sem fins lucrativos com mais de 20 anos, que desenvolve trabalhos na área de teatro, música, dança, artes visuais e manuais, literatura, dentre outros. O diretor esteve em Belo Horizonte em junho para apresentação da peça “A saga dos mundurukus”. Ele ofereceu também um workshop cuja técnica trabalhada foi de “Teia Teatro”, que trabalha com o envolvimento da platéia na construção coletiva de uma peça. O workshop foi oferecido no projeto “Sábado com Arte” da Universidade Fumec. Abaixo segue a entrevista concedida pelo artista, na qual fala de sua vontade de trans-

Religião para os índios A campanha da fraternidade promovida pela igreja católica neste ano tem como tema “Fraternidade e Amazônia” e como lema “Vida e missão neste chão”. De certo modo se pode desconsiderar a atualidade e necessidade em se tratar do tema em nossa sociedade contemporrânea cerceada pelas injustiças sociais, pela não consciência em preservar a natureza e tudo que nela existe, pela arrogância e pelo poder. Um trecho da oração demonstra muito bem os problemas que os homens tem causado para a Amazônia e principalmente para o povo indígena que com isso vem perdendo território, os latifúndios que se estendem, o corte de madeira irregular que destrói a floresta, a procura por minerais. “Ninguém cuida melhor da floresta do que o índio, ninguém tem mais carinho pela mata, pelos animais, pelas plantas do que ele” relata Walter. Ele explica que os índios tem um imenso respeito pela floresta e por todo tipo de vida que ali existe, eles são os que mais preservam a natureza. Essa discussão que é colocada pela igreja reforça que existe algo muito impor-

tante que deve ser preservado, embora em alguns momentos a igreja por meio das missões religiosas seja contraditória em relação aos índios. Como explica o psicólogo, as missões por um lado atuam de modo favorável na defesa dos territórios indígenas, mas por outro trazem consigo um discurso colonizador que desqualifica, descaracteriza a cultura indígena. “As missões religiosas vêm imbuídas de fato de arrogarem um saber civilizado que aquele selvagem desprovido de conhecimento não tem, então desqualifica a vida do índio e os colocam como se eles fossem ignorantes e selvagens, e daí passar o saber para eles, eles tem que encaixar nessa concepção de vida, nos nossos valores , que é a ocidental e “civilizada”, esse é o discurso de todo colonizador, desqualificar a cultura do outro para impor e fazer valer a sua”, reforça Walter. Os Mundurukus vivem o evangelho, na opinião de um missionário citado no livro “Tawé- nação munduruku”, que está no seu modo de viver, no respeito, no amor que tem com o próximo, embora não conheçam a Bíblia sagrada, por não reconhecer a língua.

formar o livro “Tawé- A saga dos mundurukus” em um filme.

só livro. É isso que me encanta da possibilidade de fazer um filme.

Luís Vitalli: Para falar da idéia, tenho que falar do livro, do Walter como pessoa. Esse acontecimento especial, esse encontro (entre eles) só foi possível através dos mundurukus, o que é muito inusitado. O livro é um romance apaixonante. A literatura de Walter é como uma fotografia, um filme, ele conduz a gente no processo. Conduz a gente como se pegasse a nossa mão e fizesse a gente viajar pelo mundo encantado que ele viajou. Encantado que digo, não por uma floresta encantada, mas encantado pela forma como ele se apropria das palavras. Eu imagino tudo se transformando em cena. É um filme que passa pela minha cabeça, eu acho que ele quase não tem palavras, é um filme mais de condução emocional e visual, por causa da forma como ele olha. Eu já passei muitas vezes por várias nações indígenas, já fui em vários lugares. E o Walter caiu como uma folha, para que eu possa entender emocionalmente e intelectualmente os ensinamentos indígenas. O livro vai muito além das nações indígenas, ele consegue colocar os próprios pensamentos, a narrativa faz com que a gente respire toda a atmosfera. É um livro pedagógico, é um romance de ficção, é uma narrativa vivida, ele consegue colocar tudo isso em um

OP: Fale mais sobre os índios que moram na cidade, tema de sua peça teatral. LV: É que nem japonês quando sai de sua terra: continua a ser japonês. É um aprendizado constante. Os valores (indígenas) são outros, a perspectiva de vida é outra, a questão reliogiosa passa por outro caminho. E o preconceito está instalado no ser humano, a gente que se vigiar e policiar. No cotidiano mesmo fazemos isso, julgamos o outro. Manaus, por exemplo, que é uma cidade cruel e desordenada, como a maioria das cidades, está meio de diversas nações indígenas. Para se ter uma idéia, o Brasil tem mais de 220 nações indígenas diferentes. Quase que 220 línguas. E acho que isso é uma riqueza muito grande, que a gente tem que saber. Nós todos, brasileiros, somos descendentes de índios. Das três raças (africana, européia e indígena), a mais forte é a indígena, mas é que matamos esta história, este passado milenar. Quando você vai a uma aldeia, você percebe que esse passado milenar está presente. A peça conta a história do índio que vai à cidade e batalha, sem perder identidade. Os atores são índios, representam eles próprios e também personagens “brancos”.


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Editoras e diagramadoras da página: Luana Bastos e Poliane Bôsco 6º período

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Baixa no Hemominas FALTA DE DOADORES DIFICULTA O ATENDIMENTO Ã DEMANDA DOS HOSPITAIS DA CAPITAL Enzo Menezes

Fatores como a gripe impedem o comparecimento dos doadores de sangue; só em julho, o número de doações no Hemocentro de Belo Horizonte caiu 30% em relação ao ano passado ENZO MENEZES FELIPE IZAR 6º PERIODO Durante o outono e o inverno, os níveis do banco de sangue das 19 unidades da Fundação Hemominas sofrem uma queda. A baixa no estoque é devido ao grande número de doadores em potencial que ficam impedidos de doar sangue porque contraíram o vírus da gripe – ou tomaram sua vacina preventiva. Outra razão é a maior ocorrência de doenças respiratórias, que passam a ser o foco de campanhas de saúde, e a chegada do período de férias. O reflexo disso foi registrado pelo Hemominas: em abril, o comparecimento de candidatos a doação de sangue caiu 50% em relação ao resto do ano. No mesmo período do ano passado, a queda foi de 30%. Em maio deste ano houve um desfalque de 20% de candidatos. No início de agosto, os estoques estão 30% mais baixos. A queda de doações prejudica o banco de sangue, que com um número restrito de amostras não dá conta de atender à demanda dos hospitais. Segundo Flávia Loureiro, gerente técnica do Hemocentro de Belo Horizonte, uma pessoa só pode doar sangue após sete dias sem apresentar sintomas da gripe. “Para as pessoas que tomaram a vacina, o período se estende por 28 dias”, explica. Flávia diz que o Hemominas atende cerca de 120 hospitais em Belo Horizonte e mais de 400 em todo o Estado. Transfusões Manhã de terça-feira, sala de espera do Hemocentro da Fundação Hemominas, na Alameda Ezequiel Dias, Belo Horizonte. Hernani Marcelo de Oliveira, 46 anos, aguarda ansioso para o gesto que já se tornou rotineiro em sua vida: o pedreiro já perdeu as contas de quantas vezes doou sangue, desde 1995. Em poucos minutos ele vai se deitar em uma cadeira reclinável, ver seu braço ser esterilizado com álcool e em seguida sentir uma leve fincada de agulha. Durante alguns minutos seu sangue vai passar por um tubo, e logo de-

pois ser recolhido por um técnico. Após identificação, o frasco será levado para um hospital, provavelmente não muito distante dali, e um paciente receberá a transfusão. A quantidade de sangue retirada pelo braço de Hernani , meio litro, não lhe fará falta alguma, mas poderá salvar a vida do paciente que o recebe. “Doei pela primeira vez porque um amigo precisava. Tive a felicidade de saber que meu sangue era compatível com o dele. A partir desse momento, criei uma responsabilidade com a doação de sangue e descobri que dessa forma podemos salvar vidas”, comemora Hernani. O pedreiro confessa que teve um pouco de medo na primeira vez em que doou, mas garante não ter sentido nenhuma dor. “As pessoas têm medo. Tenho um amigo que até hoje não teve coragem de vir comigo. Mas realmente não dói”, enfatiza. A estudante Carina Borges, 28, não conseguiu doar sangue nesse dia. “Hoje, infelizmente, não vou poder doar porque estou gripada”, lamenta. Ela havia marcado uma entrevista de estágio no Hemocentro e queria aproveitar para fazer sua doação. Apesar de não ter dado certo, Carina mostrou insistência : “Mas vou voltar quando estiver melhor”, afirma a estudante. Aline Pabliane, estudante de direito da Milton Campos, doou sangue há 3 anos, quando um parente precisou fazer uma transfusão. Desde então, a cada quatro meses procura o Hemocentro na capital. “Só deixei de doar uma vez, porque eu estava com pressão alta e princípio de anemia. Eu sinto obrigação de doar, é quase uma questão ideológica”, acredita. Combate ao estoque baixo O Hemominas já possui alguns métodos para reverter esse quadro, “Para suprir o desfalque de candidatos à doação de sangue, nós usamos alguns recursos para mobilizar doadores. Temos acesso a uma lista com o cadastro das pessoas que já doaram, e entramos em contato por meio de telefone e carta, com a intenção de convocá-las a uma nova doação”, explica Dulce Ma-

ria Rodrigues, responsável pelo setor de captação da Fundação Hemominas. Ela conta que pelo telefone 0800-310101 o candidato pode marcar o horário e o dia em que deseja fazer a doação. “Há também a reposição de sangue. Existe um convênio da Hemominas com os hospitais, no qual os parentes dos pacientes que recebem sangue são convidados à doar”, afirma. Outra alternativa a curto prazo é a coleta externa. Ela é feita fora da área física da Fundação Hemominas, e pode ser realizada em empresas, associações de bairros, universidades,e cidades da região metropolitana, mediante deslocamento da equipe médica e equipamentos. Também podem ser realizadas palestras de sensibilização antes do dia da coleta.“Nestas palestars as dúvidas dos candidatos à doação podem ser esclarecidas”, explica Dulce. “Para que a coleta externa seja compensadora, é necessária a coleta de, no mínimo, 50 bolsas de sangue. Existe um custo relativamente alto para o deslocamento da equipe e montagem das condições de atendimento, de maneira a manter a segurança para o doador e qualidade do sangue coletado. É necessário, portanto, realizar pré-cadastro dos candidatos”, salienta. Dulce Maria lembra que, de acordo com a lei federal, o funcionário que efetivar a doação de sangue tem direito a um dia de descanso, negociado com a empresa. “A coleta externa serve para conscientizar as pessoas sobre a importância da doação de sangue. Além disso, facilita a vida do doador e o deixa mais tranquilo, pois levamos os equipamentos necessários à coleta no seu ambiente de convivência”, diz Zélia Ottoni, coordenadora do setor de Coletas Externas do Hemocentro de Belo Horizonte. Alguns pré-requisitos para quem quiser doar: ter de 18 a 65 anos; peso acima de 50 quilos; ter e estar com boa saúde; não apresentar sintomas de gripe e não ter tido hepatite após os dez anos de idade. Os homens podem doar sangue até quatro vezes ao ano, e as mulheres, três.

Em busca de futuros doadores Numa manhã de terça-feira, um garoto tímido observava quem passava enquanto esperava sentado no fundo da sala de espera do Hemocentro da capital. O jeito de menino logo se confirmou: “Tenho 16 anos”. Mas para doar você precisa ter ao menos 18. O que você faz aqui? “Estou aqui com meu padrasto. Mas quando eu for maior de idade vou doar sangue também. Quero salvar vidas”, argumenta. Essa idéia do estudante Francisco Conrado pode ser um retorno animador para um projeto da Fundação Hemominas, “O Doador do Futuro”. O projeto tem o objetivo de informar e conscientizar a população sobre a importância da doação de sangue, principalmente aos jovens menores de idade, que são futuros candidatos à doação. É, portanto, um planejamento a longo prazo desenvolvido pela Fundação. Segundo Dulce Maria Rodrigues, o projeto envolve palestras em escolas, apresenta-

ção de teatros e organização de gincanas relacionadas ao sangue para as crianças, além do atendimento aos filhos de doadores - enquanto eles estão no Hemocentro - através de jogos que se referem à doação. “A intenção é alertar os jovens o mais cedo possível sobre a importância da doação de sangue. Temos que transformar isso em um ato de cidadania”, explica. O projeto conta também com um “Curso de Mutiplicadores”. “Esse programa serve de orientação para pessoas que exercem influência sobre os jovens e têm muito contato com eles - como professores a disseminarem a relevância da doação”, explica Dulce. Segundo ela, apenas campanhas de conscientização para toda a população podem ajudar a sanar os problemas da falta de doação de sangue, e programas que contemplem ações a longo prazo podem contribuir para os bancos de sangue darem conta das necessidades dos hospitais.

Falta de consciência O Presidente da Associação dos Pais, Amigos e Pacientes de Doença Falciforme do Estado de Minas Gerais (Dreminas), Cláudio Henrique Machado, diz que além da falta de consciência das pessoas sobre a importância da doação de sangue, ainda existem outros motivos para preocupação, a discrimiação racial. “Principalmente a anemia falciforme – doença em que a maioria dos portadores são negros – há uma discriminação muito grande. E isso vai desde o atendimento - ou falta de atendimento – ruim nos hospitais até a dificuldade de inserção no mercado de trabalho”, explica. Cláudio conta que uma mulher teve que ligar para a polícia para conseguir que seu filho fosse atendido em um hospital. Para ele, o ideal seria o desenvolvimento de um projeto para inclusão social dess pessoas, pois só assim a qualidade de vida delas seria digna de um ser humano. Enzo Menezes

O projeto “Doador do Futuro” pretende conscientizar os jovens sobre a importância da doação


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Editor e diagramador da página:

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Coração quente para dias frios nos bancos de sangue. Doe sangue e aqueça o seu coração.


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Editores e diagramadores da página: Enzo Menezes, Ana Paula Condessa, Rafael Barbosa e Lígia Ríspoli 6º e 8º períodos

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Bruno Chiari - 5º período

A MEDICINA ALTERNATIVA E REMÉDIOS NATURAIS OFERECEM EQUILÍBRIO ENTRE CORPO E MENTE, ALÉM DE QUALIDADE DE VIDA PARA QUEM PROCURA OPÇÕES QUE A MEDICINA TRADICIONAL NÃO OFERECE A acumpultura é uma das práticas da medicina chinesa que trabalha o equilíbrio entre corpo e mente no tratamento de várias doenças

Medicina entre ocidente e oriente ANA PAULA CONDESSA 8º PERÍODO As medicinas chamadas alternativas ou complementares são tradicionais em seus países de origem. Quando elas vêm para o Ocidente, passam a ser vistas com um outro olhar, de algo misterioso, curioso, místico ou mero charlatanismo. Isso se dá porque é a forma que olhamos para práticas medicinais desenvolvidas com base em uma forma de pensamento diferenciada em relação à linha ocidental, ou cartesiana, da medicina tradicional. Elas são tratadas como se fossem apenas algo complementar à medicina tradicional. No entanto, essas técnicas nada têm de recentes, já que a maioria existe há mais de 300 anos. O médico Paulo Tavares

diz que esse preconceito é gerado pela própria herança cultural e pela forma como se deu a formação do pensamento humano ocidental. “A medicina como conhecemos tem herança nos campos de batalha da Europa, dos médicos militares que estavam ligados à guerra”, conta Tavares. Ele observa que essa herança é encontrada no uso das expressões da linguagem médica como lutar contra a doença, levantar barricadas para proteger o doente e outras. A própria forma como se dá o estudo da medicina na alopatia, em que o olhar do médico se volta para uma parte do corpo, pelas próprias divisões das especializações médicas, se distancia do paciente, que tem suas particularidades, seus hábitos, seus sentimentos e sofre à sua maneira. “O cliente anda decepcionado com o aten-

dimento desumanizado nessa medicina”, diz Tavares. Nesse contexto, surge a acupuntura, que faz parte da medicina tradicional chinesa e tem registro de três mil anos. A metodologia dessa prática considera a resposta individual que cada paciente pode apresentar de forma que o equilíbrio é seu princípio básico de funcionamento. A doença na medicina chinesa é vista como um desequilíbrio da energia vital do corpo causado por fatores internos ou externos. “O corpo sem saúde está em desequilíbrio e a acupuntura age de forma a tentar reequilibrá-lo”, afirma Luis Cláudio, fisioterapeuta e acupunturista do Instituto Isisa/IMAM. Outra prática com mais de 300 anos de história é a homeopatia. Ela foi oficialmente introduzida no Brasil pelo francês Benoît Jules Mure,

discípulo direto de Samuel Hahnemann, pai dessa medicina. Mure chegou ao país depois de realizar uma peregrinação na Europa, onde difundiu e divulgou os princípios da então nova arte médica. Na homeopatia, a doença é encarada como um desequilíbrio da energia vital do corpo. Há uma relação dos principais sintomas que é usada como parâmetro para que o homeopata estabeleça qual é a melhor forma de tratar a doença. A medicina indiana chegou recentemente no Brasil, mas já existe há 5 mil anos em sua terra de origem. Ela trabalha com a prevenção de doenças. O presidente do Instituto de Terapia Oriental Sol Nascente, Ulisses Martins Filho, diz que essa medicina propõe dietas, exercícios físicos e boa alimentação, à base de cereais, verduras, fru-

tas, alimentos naturais e sem o consumo de carnes. Ele prega a integração entre corpo e espírito e entre o meio e os sentidos. O embate não se dá no sentido de que as medicinas chamadas de complementares neguem a medicina clássica, mesmo porque alguns tratamentos necessitam de acompanhamento feito por exames da medicina clássica. “O grande segredo é englobar e integrar técnicas”, diz Cláudio. Para ele não existe uma medicina melhor, mesmo que ainda haja descrenças no tratamento das medicinas alternativas. “Tudo que podemos fazer em prol do paciente é o que vale”, conclui ele. Por esse motivo o Ministério da Saúde baixou decreto para integrar a acunpuntura ao Sistema Único de Saúde (SUS), visando atender ãs diferentes necessidades dos pacientes.

População tem acesso pelo SUS

Alternativas para as fórmulas farmacêuticas convencionais

O Ministério da Saúde, em 3 de maio de 2006, baixou uma resolução para implantar a acupuntura, a homeopatia e a antroposofia no SUS. A resolução foi feita segundo o artigo 87 da Constituição Federal que trata da integralidade da atenção, do atendimento, como diretriz do SUS. A partir disso, surge o programa de Homeopatia, Acupuntura e Medicina Antroposófica do SUS, coordenado por Cláudia Srass Santos, médica homeopata, Nina Tereza Brina, médica antroposófica e Iracy Aparecida Ansaloni Soares, farmacêutica homeopata.

A indústria farmacêutica serve e alimenta a medicina alopática, que possui medicamentos de grande eficiência no tratamento de doenças. Mas há casos que não têm cura na medicina tradicional ou que o medicamento serve apenas ao tratamento de alguns sintomas. Muitas pessoas, presas ao método ocidental, não conseguem se curar porque não procuraram alternativas. A indústria farmacêutica se alimenta do consumo dos medicamentos, mesmo em casos que outros tipos de tratamento dispensariam seu uso. Luis

Ele conta com 27 médicos: 16 homeopatas, 9 acupunturistas e 2 antroposóficos. O número de consultas realizadas nas medicinas alternativas pelo SUS vem crescendo. Em 2003 eram 15.980 e passou em 2004 para 18.894, já em 2005 foram 21.492 pessoas atendidas. O início do tratamento se deu em 1994 para a homeopatia e medicina antroposófica. A percentagem de participação da população, relacionada ao número de consultas é na homeopatia de 60%, na acupuntura de 35 % e na medicina antroposófica de 5 %.

Arte de Rafael Barbosa e Eduardo Pônzio sobre foto do site sxc.hu

História da medicina alternativa A acupuntura surge em 90aC, há 5 mil anos atrás na China. No Brasil a acupuntura foi reconhecida como especialidade médica em agosto de 1995. O atendimento no SUS começou a ser realizado em 1996.

A medicina Indiana foi desenvolvida a partir da época de Buda sendo praticada na índia desde 10ac.

Cláudio relata casos de pacientes, principalmente os mais idosos,que tomam coquetéis de remédios diariamente, e poderiam ter seus sintomas combatidos caso buscassem outros métodos de tratamento, sem a ingestão de fórmulas químicas, que atacam o organismo. “Os medicamentos são padronizados, sem levar em conta as individualidades de cada paciente”, afirma. Assim, segundo ele, não há um esforço para curar o doente, e sim o de mantê-lo refém do remédio. Ele ressalta que a indústria farmacêutica

A Homeopatia, descoberta pelo alemão Samuel Hahnemann, se desenvolveu por volta de 1800. No Brasil a homeopatia surgiu pelas mãos do francês Benoit Mure em 1844, e funciona no SUS desde de 1994.

1800 10 a.c 90 a.c

tira a capacidade que o médico tem de fazer formulas individualizadas para cada caso. As medicinas alternativas têm uma farmácia diferente, com uso de elementos naturais que são receitados para o preparo pelo paciente, ou manipulados em farmácias com formulas individualizadas. “É preciso entender que toda técnica tem seus limites, compreender esse limite é muito importante”, alerta Luís Cláudio. O paciente que tem de buscar bons profissionais precisa entender como eles trabalham, para saber os limites de cada atuação.

Pacientes dizem que acupuntura é mais eficiente O paciente vai ao acupunturista, depois de ter passado por vários médicos, sem ter como tratar suas dores nas costas. O homem não conseguia andar de tanta dor e chegou de cadeiras de rodas ao consultório de Luiz Cláudio. Evitava movimentar-se muito, para não forçar sua coluna. Já na primeira seção, após 40 minutos com agulhas, ele saiu caminhando e deixou a cadeira de rodas de lado. Na terceira sessão já saiu do consultório sem sentir nenhuma dor. Luiz Cláudio conta que foram três meses de tratamento com acupuntura e que com a redução progressiva da dor, introduziu exercícios físicos no tratamento. Em um caso que ilustra essa interação, Cláudio conta que uma mulher apareceu no seu consultório com uma dor de cabeça intensa que se descobriu ser desencadeada por um cisto na cabeça; por isso foi necessário um acompanhamento neurológico, mas o tratamento foi todo feito com a acupuntura. O professor Ulisses Martins atende os pacientes em Venda Nova, na mesma casa onde mora. Logo na entrada tiram-se os sapatos, deixados à porta. Quando cheguei, ele atendia a três pacientes. Era uma família, a avó, a mulher e o marido. Eles afirmaram que o tratamento de suas dores avançou consderavelmente, e que obtiveram resultados que não foram conseguidos com anos de tentativas via alopatia.

A medicina Antroposófica surge na Europa Central. A pioneira desse trabalho foi a médica Ita Wegma, em 1920. No Brasil começa a ser praticada em 1939, e está oficialmente presente nos serviços do SUS desde 1994.

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13 crônicas

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INCOMPREENSÃO E O ESTRANHAMENTO DO COTIDIANO. DUAS CRÔNICAS DESTA EDIÇÃO REVELAM SUJEITOS PERDIDOS. CONFIRA AINDA A SURPRESA DE DESCOBRIR UMA PALAVRA ATRAVÉS DE UMA CANÇÃO.

Morreu MARCELA BOECHAT 6ºG

Morreu... Acode! Morreu... Estava esbodegado da noite passada. Meia garrafa de whisky ao pé da cama. Estava esbodegado da vida... Tinha tripla. Dormia tranqüilo o sono pesado que é a morte. Olhos entreabertos e na cabeceira a imagem de Nossa Senhora e um manual “Comece o dia feliz”. Virou Santo. Esqueceram-se os pecados. Que noites mal dormidas e bebedeiras sem fim? Traição? Que atire a primeira pedra quem nunca traiu.

- Esse foi digno. Nunca matou nem roubou. - Esse vai cuidar de nós. Morreu santo. Morte sagrada de quem merece. - Só vão assim, aqueles escolhidos! Para trás deixou uma viúva comadre. Lia “150 maneiras de paparicar seu marido”

A morte Leu o horóscopo: “Hoje, apesar de toda tensão que está ainda recaindo sobre você neste momento, há uma tendência de se sentir equilibrado/a e com boa disposição para o contato social. Hoje, a Lua em Aquário promete revelar segredos e tirar estruturas falsas da sua vida. Preocupe-se menos com o trabalho e mais com a pessoa amada neste dia. Sua atenção exagerada pelos negócios pode deixá-lo/a ansioso/a demais e atrapalhar o bom andamento do trabalho.”

Como todo bom burguês assistiu a segunda edição do jornal. (tinha discurso até para a morte). E como todo bom burguês dormia em cama separada. Afinal é um dos luxos da velhice, evitar o aborrecimento acumulativo de noites mal dormidas, resultado de sucessivas cotoveladas e roncos. Um bom horóscopo. Seria uma boa vida. Deveria estar certo. Afinal de contas trabalhou tanto. Havia sido o monge e o executivo, o pai rico e o pai pobre. Nada errado. Nenhum erro, errado. Com certeza eram perdoáveis. Uns tropeços aqui, buracos ali. O manual seguido a risca. Ninguém é perfeito! Mas hoje não pensava em vida e morte, pensava em delícias. Cansou de não fumar. Afinal era seu grande charme Cansou de não beber. Era sua graça. Cansou de não comer gordura. Mataria por uma lingüiça gorda, esguichando óleo e gordura. Queria sal, muito sal. Queria a vida ordinária, canalha. Disse o médico: Um ataque cardíaco acontece quando parte de seu coração não recebe oxigênio em quantidade suficiente. O coração é um músculo e precisa de oxigênio que é fornecido pelo sangue dos vasos sangüíneos, conhecidos como artérias coronárias. Um coágulo sangüíneo em uma dessas artérias pode bloquear o fluxo de sangue para o músculo cardíaco o que acarreta prejuízos ao coração e a depender do tempo de duração deste bloqueio, uma parte do coração morre fazendo com

que pare de funcionar corretamente. Ataques cardíacos podem ocorrer caso seu coração passe a precisar subitamente de mais oxigênio durante exercícios intensos. Fragmentos de colesterol podem crescer no interior das artérias diminuindo seu diâmetro. Além disso, coágulos sangüíneos podem então se formar nesta artéria estreitada e bloqueá-la. Mais foi porque estava na hora! Nada é por acaso! A viúva Quero de volta o que é meu por direito. Esse corpo que é meu. Quero a mão. Só a mão já serve. Se bem que os braços também! Quero o corpo, o espaço que ele preenchia. Egoísta! Nem disso abriu mão. Essa vez era a minha. ........ Bati meu cartão de ponto. E pro inferno com todos esses. O panfleto do céu tinha design mais atraente que o da terra. ........ A viúva nada viu. Acordou e o viu duro, roxo. Dormia tranqüilo o sono pesado que é a morte. Olhos entreabertos e na cabeceira a imagem de Nossa Senhora. Virou Santo. Esqueceram-se os pecados. Dor que sufoca.

8ºG

Relicário MARIANA CELLE

Cristina Barroca- 7º período

Eu nem sabia o que significava. Essa palavra nem ao menos me remetia a qualquer outra para que eu pudesse vê-la num texto, frase ou, ao menos num dicionário. Não havia referências. A conheci num tempo em que ela não fazia muito sentido pra mim, mas foi mesmo desta forma, com a música. Duas vozes. Instrumentos. Doces. Graves. Melodia que fica na mente e agrada o coração (antes era só a música que trazia essas sensações). Mas do que falo aqui é do seu nome, não dela própria. Palavra que começa com um arranhão mas depois se deleita. Não é grande, não é pequena. É ideal. Mesmo que ainda vazia do significado que eu buscara, buscava, buscaria. Ou não. Ouvi certa vez: artesanato, madeira, preço, relicário. Ahn?! Mas como condicionar um valor a uma palavra feita também de madeira? Não pensei mais. A música afastou-se. A palavra a seguiu e me deixou por um tempo. Eu disse, um tempo. O cômodo colorido naquela rua de pedras esteve lá desde o primeiro dos quatro dias e no outro também, mas somente esteve lá. Feito para olhar. Enquanto algumas horas se passavam daquele sábado nublado o cômodo pôde tomar forma. Antes disso: ansiedade, palpitação, insegurança, telefonemas, outras dúvidas e mais outras. Um outro assunto. Não serviria de nada e nada serviu. O roteiro foi seguido, mas, desta vez, não estava mais condicionado.

O dia final “Chorar a vida. Brindar à morte... Quem sabe o que é normal... Refúgio perdido, liberdade banida. Corpo inóspito... Descobre então uma alma insana... A alma que morre aos poucos, perdida no vácuo de um pesadelo

Então é isso. Mais uma vez tentara em vão entender o que se passava em seu interior, repleto de dúvidas e medo. O medo sempre o impedira de realizar seu mais antigo sonho, de ser verdadeiramente livre. Mera utopia. Cada dia se assemelhava a algo solitário, incompleto. Entretanto, algumas vezes os dias lembravam um velho vulcão, atormentado por sentimentos aflitivos, e já cansado de queimar. Notava-se que era um sujeito de poucos amigos, talvez por opção própria, apesar de, às vezes, queixar-se da falta de interesse dos outros pela sua vida, bem como da falsidade alheia, considerada por ele como sendo um vício repugnante. Assim, acostumou-se a andar só... a chorar sem ter ninguém por perto. A falar para o vácuo. Essa vida farta de ausências gerava nele um sentimento dilacerante, queria se livrar de tudo o que lhe fazia sentir prisioneiro. Da solidão, das dores indefiníveis, das incompreensões. No parque de sua cidade, ele andava como quem estivesse caminhando nas nuvens, meio disperso e observando os incontáveis pássaros no céu. Os pombos despertavam curiosamente seu interesse. Gastava horas a fio com eles. Suspeitava que a forma de amar dos

Era fluido. Escadas, curva, bica, igreja, árvore, pedras. O cômodo tinha novos visitantes. Texturas, formas, laranjas, azuis e mais amarelos, rosas e verdes e mais, e mais. No canto esquerdo alguém apontou. Apontou para quê? Retangular, vertical, com abertura, um tipo de torre religiosa, enfeitado, detalhes. Precisava ser mesmo naquele lugar, rua, cidade, região, estado, país. Fiquei satisfeita. Dessa forma não havia mais como esquecer a palavra. Mais uma para o vocabulário, para a vida. Mais sete dias. A palavra esquecida é agora realmente parte da vida. O que está acontecendo? O dia amanheceu mais uma vez e a paz ainda não voltou. Continuo usando o colar, vendo milhões de vasos sem flor e tentando trocar a eternidade, mas isso não é permitido. Já tentamos. Várias vezes, cada vez mais, mas o esforço não foi o suficiente para vencer o dia. De onde veio essa semente e para onde vai? Ninguém tem respostas. Todos só temos lembranças, mas agora lembranças preenchidas. Desta vez foi a música que seguiu a palavra, e ganhou mais um seguidor. Agora somos dois. Seguidores conscientes e confusos. Os lábios não poderiam mesmo mais se tocar. Foram embora. Outro lugar foi invadido. Mesmo que seja estranho se sentirem agora como velhos amigos. Mas as últimas três frases da última estrofe ecoam enquanto tentam (re-) conviver com a rotina, a saudade e o medo.

LUCIANA FRAHYA - 7ºG pombos era tão doce quanto a liberdade deles... fazendo-os voar como o vento. O vento. Já havia escrito sobre o vento. “O vento me parece ser uma música que faz as flores dançarem... mas talvez nem todas dancem, pois o vento pode ser também uma música que só é ouvida à surdina de um sonho”. Quem o conhecia, sentia uma grande empatia. Ele era uma boa pessoa. O que, então, o fazia se sentir isolado, sem compartilhar seus momentos de forma completa, sempre desconfiando e culpando-se? Certa vez resolveu refletir sobre o medo que o consumia dia e noite, sobre o desejo pulsante de ficar em paz consigo mesmo. “O paraíso visto na paralisação do medo se torna um sonho acima da solidão. Como ser um grão de areia que recebe o fardo de um diamante? Uma terra estéril não pode ser um campo com pétalas que flutuam”. Poucas relações tivera em sua vida insossa. Era um amante percorrendo caminhos incertos. Solitários procurando certos amantes. Todos, no fundo, abandonados e prontos para serem aceitos. Escrevia todas as suas angústias e seus versos eloqüentes. Nas noites chuvosas, ele sentia-se especialmente só. O caderno sobre a mesa cheia de papéis e livros era sua única companhia. As folhas suportavam tudo. Passava muito tempo sentado na sua dura cadeira de metal. Lá fora se ouvia apenas os sussurros da noite. Era difícil dormir. Ele ainda morava com a mãe, no auge de seus 25 anos. Era uma controladora, regulando seus horários e bisbilhotando suas coisas. Na verdade, isso refletia sua preocupação materna. Afastava-se cada vez mais da vida que havia fora de sua casa, e seu mundo o esmagava sempre que tentava sair dele.

Certo dia ele estava no ônibus em direção à sua faculdade, quando um silêncio perturbador se fez presente. Era curioso pensar naquelas pessoas sentadas umas do lado das outras, sem desenvolver ou sequer ensaiar qualquer comunicação...Era interessante, ninguém se conhecia, mas todos estavam ali, no mesmo lugar, tão próximos e tão distantes ao mesmo tempo. Claro que era algo insignificante, incomum de se pensar, mas ele assim mesmo pensara, e podia ver a solidão pairando sobre cada um envolto em seu próprio mundo. Por que não conversar, não conhecer quem se senta ao nosso lado, afinal é algo sugestivamente amistoso, mas ninguém naquele ônibus parecia querer sair de sua individualidade. Nada. Nenhum som sequer entre as pessoas. Achou tudo meio estranho, sempre haveria de ter gente conversando, falando expressivamente...mas parecia que naquele dia ninguém ali estava disposto a ser sociável. Para ele, especificamente para ele, não fazia diferença, ele também, de certa forma, detestava quem quer que fosse puxando assunto a seu lado. Uma intromissão. Definitivamente ele preferiria ser anti-social a um chato inconveniente. Então por que aquele silêncio total entre as pessoas o incomodou a ponto de o fazer pensar sobre aquilo? Seria um paradoxo pensar que ele, sempre calado e inserido em suas idéias, incomodava-se com o fato do silêncio e da individualidade das pessoas. Ao longo do tempo, ele se via cada vez mais deslocado da sociedade, do seu ritmo inquietante. O espaço virtual, onde grande parte das pessoas se encontra inserida, não o atraía em nada. Achava tudo superficial. Eram discursos que, aos olhos dele, não passavam de vazios e

banais, frutos da solidão mascarada do indivíduo. Quanta dificuldade, quantos “contras” ele notava ao seu redor. Tantas formas de controle exercidas nas pessoas, o tempo todo sentindo um certo monitoramento de cada passo dado fora de casa. Chegava mesmo a pensar se não o vigiavam dentro de casa, quão absurdo seria! Talvez estivesse se tornando neurótico, ou coisa similar, pois pensava numa suposta conspiração contra os direitos das pessoas, a ponto de as tornarem meros fantoches do poder. Quanta loucura. Como manter sua própria identidade em um lugar que não é mais seu? Ficando o indivíduo totalmente perdido, torna-se uma verdadeira batalha acordar e seguir em frente. A manhã daquele dia estava muito fria, e ele não quis sair da cama. Sua mãe o chamou assim que percebeu que ele não levantaria para ir à faculdade. Num ato quase raro, ele disse não. Cansara-se de fazer tudo sempre da mesma forma. Era tempo de inovar. Todos os dias ele estava sozinho. Por dentro, um sentimento de coisa nenhuma. “Quanta bobagem querer sair do próprio mundo, da realidade!” Era o que diziam à sua mãe quando ela contava dos devaneios do filho. Pobre mulher. Em seus olhos, o filho podia ver quanta decepção e tristeza que ela sentia, e isso o atingia profundamente. A dor da mãe, a dor do filho, a casa cheia de dor espalhada. O que sucedeu com ele, ninguém soube ou se atreveu a dizer. Tempos depois, a casa onde moravam foi fechada. A mãe parecia ter se evaporado no mundo, nunca mais apareceram notícias. Por cima da cabeceira do jovem, um caderno grosso chamava a atenção: “De volta ao começo – uma obra para quem realmente acredita no outro mundo”. Silêncio.


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Um parafuso a mais

na mprensa CRISTINA BARROCA E HENRIQUE LISBOA 7º E 8º PERÍODOS

No dia 29 de maio o editor e idealizador da revista piauí, João Moreira Salles, esteve na Universidade Fumec e realizou uma palestra no auditório Phoenix. João foi apresentado pela assessoria de comunicação da Faculdade de Ciências Humanas e logo após pediu ao coordenador da mesa, o professor doutor Frabrício Marques, para que direcionasse a conversa já que ele, Mo-

reira Salles, não tinha um roteiro pré-definido. Assim Marques fez o prólogo e iniciou. João discursou sobre a rotina produtiva da revista, sua gênese, a ausência de reunião de pauta, a influência do documentário, até a origem do nome que, segundo ele, é a pergunta mais feita sobre a piauí. Logo após a palestra o editor concedeu uma entrevista à Radio Fumec e depois uma coletiva para os estudantes de jornalismo Ligia Dagostini, Rafael Barbosa, Lidia Rabelo, Ana Paula Condessa, Rubens Marra, Cristina Barroca e o professor Getúlio Neuremberg.

Cabelos pretos repicados, franjinha estilo gueixa, os óculos sem armação ao redor da lente e com as hastes grossas e escura, blusinha regata rosa com a alça do sutiã branco à mostra. Ela surge com olhar atento e apreensivo, como quem enxerga de longe um pequeno incômodo no canto do quarto: - Agora só tem um pernilongo. Ela não mostra muita preocupação com a situação pois, parece estar certa que o fim do inseto de cerca de 15 mm e peso de apenas de 2 a 2,5 mili-

em São Paulo, com dopping e uma página reservada para o grande campeão. Assim também, dedicou página de agradecimento ao então ministro, mas agora ex-ministro da defesa, Waldir Pires. Uma homenagem de gratidão pelo aumento das vendas de exemplares nos aeroportos brasileiros, em tempos (ainda presente) de apagão aéreo. A revista para quem tem um parafuso, ou pernilongo, ou ainda um ioiô a mais é dificilmente definida pelo seu autor como sendo bem humorada, e sem ge-

gramas, está chegando ao fim. Então, ela contorna a cama de casal no centro do quarto e se aproxima da vítima. Avista a arma do crime em cima da cama e pensa rápido: - Agora eu vou matar! Ela pega a revista piauí sobreposta na cama e se coloca em posição de ataque. “Olha o tamanho desse pernilongo!“ diz admirada. (PAH! PAH! PAH!) - Acho que matei. Não satisfeita com o achismo, ela se curva ao chão, quase em posição genupeitoral, a

mesma em que napoleão ficou ao ser impedido de montar em seu cavalo, para verificar a morte assassínia do inseto. - Matei. Tá aqui no chão. Esta descrição de um vídeo caseiro e sem propósito, disponibilizada no portal youtube.com, se tornou propaganda da revista piauí. E esta é apenas uma das histórias inusitadas com que João Moreira Salles colhe risos dos alunos da Fumec, durante a palestra. A revista também já foi patrocinadora oficial do I Campeonato Mundial de Ioiô, realizado

((

neralizações. “A gente sempre encarna as histórias num personagem singular. Ela é meio invertebrada, no sentido de que ela não tem editoria, ela não tem colunas, ela não tem páginas que pertencem a Fulano ou Beltrano. O que permite que a revista mude muito a cada número.” Com uma redação pequena, com cerca de 13 pessoas nunca houve uma única reunião de pauta para predeterminar os assuntos do próximo número. A forma de tratar um tema como violência e extorção, se sintetiza no exemplo do seriado americano, “24 horas”, em que soldados estadunidenses no Iraque, estariam sendo influênciados pelas cenas de tortura da série. O nome piauí foi escolhido por ser cheio de vogais, e a partir de uma teoria de Gilberto Freyre, de que os países tropicais são de nomes moles, simpáticos, o que torna o nome da revista doce e de fácil apego afetivo, de acordo com o seu idealizador. “Piauí foi o primeiro nome que me ocorreu quando eu pensei na revista. E não como um deboche, como as pessoas a princípio acharam. Eu não tenho nada contra o Piauí , para a falar a verdade, nada a favor também. Eu nunca fui ao Piai... na verdade, eu já fui quando eu tinha 15, 16 anos de idade. Foi muito rápido e bom, mas não foi a viagem mais marcante da minha vida. Não tive nenhuma epifania no Piauí.” Como qualquer outra revista em seu início, a revista encontra suas dificuldades no mercado brasileiro mas, João Moreira Salles garante “a piauí vai existir por muito tempo, mesmo perdendo dinheiro. Mas é claro que ela não foi feita para perder dinheiro, então a gente imagina que dentro de quatro ou cinco anos a gente consiga recuperar o que foi investido nela, e que a partir daí ela seja uma revista que caminhe com as próprias pernas e possa se eternizar.”

O PONTO: Por que o nome piauí e qual a linha editorial da revista? João Moreira Salles: Essa é uma pergunta de 1 milhão de dólares. A piauí é uma revista de assuntos gerais, e eu acho que o que a define é a maneira como os temas são tratados, porque vários deles são completamente fora do radar da imprensa tradicional. O nome, de certa maneira, indica isso. A piauí aponta para um Brasil que não é muito coberto, e é um pouco a vontade da revista fazer isso: trazer histórias. É uma revista sobre assuntos periféricos, e não necessariamente uma revista que trata das candentes questões brasileiras. A gente foge dessas coisas. OP: Vocês trabalham com colaboradores voluntários ou pessoas fixas? E são remuneradas? Como é que é a estrutura lojística da redação? JMS: Tudo. A gente trabalha com uma redação de 13 pessoas. Fica no Rio de Janeiro, o que eu acho que dá à revista, não um tom carioca, que ela não tem, mas ela fica mais relaxada, digamos assim. E eu acho bom que a revista não seja uma revista muito dura e severa. Não é uma revista escrita por jornalistas e nem sequer por escritores, ainda que jornalistas e escritores escrevam para a piauí. Tem sambista, tem uma matéria escrita pelo Tom Zé. A gente já publicou um diário de um ascensorista. Você poderia imaginar, em primeira mão, que nada mais sem graça que a vida de um ascensorista - naquele negócio subindo e descendo - e ele escreveu um diário de uma semana sobre a vida dele. E é maravilhoso! Porque a especificidade do ascenssorista é que ele só ouve as histórias até a metade. Ele nunca sabe o fim. Porque as pessoas saem quando contam o resto. Tem pedreiro, tem costureira, tem médico e tem estudante de jornalismo. Todo mundo escreve para a piauí.


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“ A CADA QUATRO GLOBO REPÓRTER, TRÊS SÃO SOBRE O PANTANAL. ELES TÊM UM FASCÍNIO PELO BOTO COR DE ROSA. MAS É A VELHA LINGUAGEM QUE EXISTE DESDE A DÉCADA DE 30.” OP: Por dirigir documentários, o senhor possui uma significativa experiência na área da comunicação, porém um pouco diferente, apesar de ter alguma semelhança com o jornalismo. Brincando um pouco com o campo do cinema e do teatro, como foi o seu laboratório para fazer o jornalismo impresso? JMS: Para mim, é quase o contrário. Eu aprendi a fazer documentário lendo textos de nãoficção. Especificamente um determinado tipo de jornalismo que foi inventado nos EUA, que ganhou o nome de jornalismo narrativo, seja lá o que for. Esses textos clássicos influenciaram muito na minha maneira de fazer cinema. Então eu diria que o caminho é inverso, quer dizer, eu aprendi a fazer documentário lendo. Eu fiz um documentário sobre o Nelson Freire e eu filmei durante dois anos. É claro que nenhuma matéria será apurada ao longo de 2 anos, mas nós temos matérias que são apuradas ao longo de 3 meses, o que significa que o jornalista fica em contato com seu personagem ao longo de três meses. Esse é um prazo que não existe na imprensa brasileira. Essa é uma definção que eu trouxe do documentário: tempo. Ela precisa de tempo. OP: Eu conheço pessoas que não têm uma formação ligada, digamos assim, à cultura, o jornalismo, e acabam fazendo essa incursão. E a sua formação é econômica. Como foi essa incursão no documentário e também no jornalismo, a partir do momento que você abriu esse espaço para criar uma revista? JMS: No documentário foi por acaso. Eu me formei em economia, foi um curso que eu não me arrependo de ter feito. Na época, o grande problema do Brasil era a inflação, era impossível viver nesse país com aquelas taxas que chegavam a 80% ao mês. Era como hoje é a violência, digamos assim. Eu estudei no departamento de economia da PUC, e como os professores eram exigentes, os alunos também precisavam ser, porque se não eles dançavam, eram jubilados por falta de notas. Então eu aprendi a estudar; eu fui um bom aluno de economia. Mas eu sabia que eu não seria um economista. Ao me formar, o Waltinho (Walter Salles), meu irmão, tinha acabado de voltar do Japão, e trouxe 70 horas de um material que ele tinha filmado, e me pediu para organizar aquilo. E eu organizei. Fiz o roteiro, fiz o texto, e a série se chamou Japão e foi ao ar pela Manchete. Deu certo, e, no ano seguinte, eu estava filmando na China, EUA, e nunca mais parei. Eu não sou um cinéfilo, eu não sou um vocacionado para o cinema. Em relação ao jornalismo, foi como eu já falei, eu sempre fui mais influenciado pelas coisas que eu li, do que pelas coisas que eu vi. É uma transição natural. A piauí fica no mesmo prédio da videofilmes, quer dizer, eu subo um andar, eu sou documentarista; eu desço um andar eu sou piauiense. Tudo isso no território da não-ficção. OP: Muitas revistas buscam um público específico, buscam se especializar em meio a esse novo mercado, e eu gostaria que você falasse um pouco sobre qual é o lugar da revista piauí neste meio de especialização e segmentação. JMS: A gente se posiciona em lugar nenhum. Porque nós não somos uma revista especializada, nós somos uma revista de público geral. É mais uma coisa à contra-mão. Não somos

segmentados, o que é difícil para o mercado publicitário, porque ele não sabe direito quem é o leitor da piauí, e nós também não. É difícil definir nosso público. E eu te diria, quando foi criada essa frase, que é divertida, ainda que seja um pouquinho pretenciosa - “A revista para quem tem um parafuso a mais” - é de certa maneira o que a gente imagina que seja o leitor da piauí. É um cara que provavelmente tem um nível uni-

que urra, que berra, que é indignada, que denuncia, o que não quer dizer que isso não seja importante. Eu acho que é importante ter uma imprensa aguerrida, que fique no calcanhar das pessoas, que denuncie, mas não pode ser só isso, não pode ser só leituras irritadas. Há maneiras e maneiras de se fazer críticas. Uma delas é serrar o punho, levantar ou apontar com dedo e dizer “você é culpado”, a outra maneira,

tem sempre alguma coisa que vai te pegar na piauí, porque ela atira para todos os lados. É uma metralhadora giratória. OP: O que você acha do jornalismo narrativo no telejornalismo brasileiro? Ele existe? Em que medida ele existe? Deveria melhorar? Porque essa é uma proposta de jornalismo interessante. JMS: De que jornalismo? Me dá um exemplo.

Viana e a Regina Casé estão tentando uma maneira de lidar com o real, que não é a tradicional, mas que eu acho que tem problemas. Eu acho que a Regina Casé se sente mais importante que o tema. Agora, parabéns pelo fato de tentar mudar a forma. O diabo, é que as pessoas não acham, ou ainda não se deram conta de que o essencial não é o Pantanal, é a forma como se trata o Pantanal. E ainda tem a coisa abo-

João Moreira Salles e a

mistura da piauí versitário, uma pessoa curiosa em relação ao Brasil, normalmente alguém que lê, que frequenta livraria, que está insatisfeito de certa maneira, ou acha que a dieta da imprensa brasileira não é suficiente para o apetite que ele tem. O que não significa que a imprensa brasileira não seja boa. Ela é muito boa em alguns momentos, mas ela é muito parecida. Então eu me senti um pouco órfão. Eu não encontrava na banca uma revista que me desse outro tipo de coisa. Que a Veja, Época, Bravo, todas essas revistas dão, entende? E a piauí foi criada para oferecer uma alternativa. Não é uma revista que se possa comparar a qualquer outra. A questão é saber qual é o tamanho do orfanato. Se for grande, a revista vai dar certo, se for pequeno, não dará, se for médio, ela existirá ali na linha da água. Por enquanto, parece que o orfanato não é tão pequeno quanto as pessoas imaginam. OP: A sua trajetória e a da revista se misturam um pouco por causa da perspectiva crítica. Fale da importância desse viés crítico, que está faltando nos jornais tradicionais. Como vocês procuram colocar isso na revista? JMS: É um grupo de pessoas muito diferente, mas que são meio parecidas, em espírito, eu diria. São pessoas que estão um pouco cansadas. Eu estou um pouco cansado da imprensa

que é a maneira da piauí, é através da ironia, do sarcasmo, do humor, é através de não se levar a sério pessoas que se acham sérias. Nunca ridicularizar, porque é um gesto de cima para baixo, mas eu acho que a sátira é importante. Eu acho que a ironia com os poderosos é importante. E toda vez que a piauí mostrar seus caninos nunca vai ser gritando, urrando, denunciando, berrando, mas vai ser um pouco como nós fizemos com o Waldir Pires ( ex-ministro da Defesa) no anúncio que publicamos em homenagem a ele por ele ter sido tão eficiente em atrasar todos os voôs do Brasil. Porque em função disso, as pessoas puderam ler a piauí nos aeroportos. A gente vendeu muita revista. E essa é uma maneira de dar uma rasteira melhor. De tanto berrar, ninguém mais ouve. Ela não é o “planeta diário”, não é o “casseta”, por isso é muito difícil definí-la. Ela é séria, ela é tola, ela é divertida, ela é sisuda, ela é tudo ao mesmo tempo. E é muito variada, então, é muito difícil que você abra a piauí e não encontre alguma coisa que você realmente goste e queira ler. Ao mesmo tempo, eu acho que é difícil você ler ela inteira. Porque de repente tem o perfil de um banqueiro e você não se interessa, mas tem um grupo grande de pessoas que se interessam. Aí você vai ler Molvânia, que é um país que não existe e que é divertidíssimo. Então,

OP: Por exemplo, você acha que a Rede Globo faz... JMS: Não! OP: ... um telejornalismo narrativo. JMS: Não! O que a Rede Globo não faz é aquilo que ela já fez há tempos atrás, na época do Globo Repórter, da década de 70. As reportagens hoje geralmente fala do Tuiuiu, da marmota do campo, do Pantanal... Eles adoram o Pantanal! A cada quatro Globo Repórter, três são sobre o Pantanal. Eles têm um fascínio pelo boto cor de rosa. Mas é a velha linguagem que existe desde a década de 30. Um repórter que narra na terceira pessoa, que aparece diante da câmera e faz as cabeças. Quando ele entrevista alguém, tem sempre o plano de corte para ele, que é feito depois, porque a gente sabe que só tem uma câmera e ele fica dizendo que sim com a cabeça como se ele tivesse ouvindo o que a outra pessoa estivesse dizendo aquela hora. É uma linguagem absolutamente envelhecida que se utiliza na televisão há mais de 40 anos. Não tem um pingo de criatividade. Onde é que você vai encontar criatividade na Rede Globo? Certamente não é no Globo Repórter. O Luciano Carvalho faz coisas que inovam. Eu não gosto de todas elas, mas ele faz. O núcleo do Guel Arraes faz algumas coisas que tentam reinventar. Na televisão, o Ermano

minável do repórter participativo, que veste máscara, mergulha, ou salta de helicóptero, enfim, essas coisas são gastas e velhas. Eu pergunto: qual foi o último Globo Repórter que ficou na cabeça de vocês? (silêncio por 3 segundos) Não ficou nenhuma. Acho que isso é sintomático. OP: você identifica jornalismo que trabalha com a narrativa em outras publicações no Brasil? JMS: Certamente na internet tem muita coisa. No jornalismo impresso está havendo esse florescimento de revistas novas, que indicam que as pessoas estão querendo escrever de forma diferente. Algumas matérias da Rolling Stones tem isso. Nenhuma revista cuida tanto do texto quanto a piauí, o processo de edição é muito demorado. O texto vai para o editor, volta para o autor, o autor mexe, volta para o editor... Alguns textos são escritos e reescritos quatro ou cinco vezes. Depois vai para uma editora de estilo, gramática, coerência, clareza e depois para um checador. Na imprensa brasileira hoje em dia, só tem duas publicações que tem checagem, a piauí e a Veja, o que é provavelmente impressionante, e assustador. E editor de eslito, gramática, clareza, fluência de texto, só a piauí tem. Agora, eu acho que você encontra aqui, ou ali, matérias que são muito boas, e que vão

um pouco nessa veia de um jornalismo que nao tem que responder logo de cara aquelas cinco famosas perguntas, que eu não sei nem quais são, “quem”, “como”, “onde”, “de que jeito”, “se vestido ou não”. Nós não temos isso. OP: Com o enxugamento das redações nos meios impressos, por questão de custos, muitos jornalistas procuram a Internet, principalmente nas formas dos blogs; procuram fazer um jornalismo literário na Internet, quebrando com essa ditadura do lide e sublide. Como você vê esse advento dos blogs? JMS: Eu acho muito bom e saudável, porque indica que as pessoas querem ler e escrever. Me dá um pouco a sensação de que a gente voltou ao século 18, em que as pessoas escreviam diários. Aqueles romances epistolares. A primeira pessoa que me indicou isso, curiosamente, foi o Humberto Eco. Me lembro de ler, há uns 10 anos, ele dizendo que a Internet recuperaria o gosto da leitura e da escrita. E eu acho que ele tem razão. Eu não sou nenhum leitor de blog não, mas alguns eu vejo, nenhum com regularidade, mas um dos problemas dos blogs, eu acho, é o excesso de narcisismo. Os blogs são sempre escritos a partir do próprio umbigo, e nem todo mundo tem uma vida interessante, ou por outra, talvez todo mundo tem uma vida interessante, mas não sabe escrever com interesse a vida que leva. Na maioria das vezes, os blogs dizem mais ou menos a mesma coisa: “eu estou aqui entediada, sábado de manhã, está chovendo lá fora, eu estou olhando pro meu livro aberto do Johnny Fontane sempre o Johnny Fontane, eu não entendo porquê, mas os blogueiros sempre tem um livro aberto do Johnny Fontane - e aí falam da música que estão ouvindo, há um certo tédio existencial, não vale mais a pena sair, “o que eu faço da minha vida? Passei dois dias inteiros assistindo televisão”. Não sei, tem alguma coisa um pouco complacente nos blogs. Parece que as pessoas estão com pouca energia e garra para sair lá fora e falar de outras coisas que não sejam de si mesmas. Então, tem muito blog que sofre desse mal, o mal da primeira pessoa. OP: Você tem ministrado muitas palestras em centros universitários. Como avalia esse interesse dos jovens por grandes reportagens, pelo jornalismo narrativo e pela piauí? JMS: Eu acho o máximo porque tentaram me convencer que uma revista dessas era só para quem tinha mais de 40 anos de idade. E que quem tem menos de 30, não tem paciência para ler textos longos. Mas ao contrário do que as pessoas dizem, há um equilíbrio. É evidente que nem todo mundo tem a vontade de ler a piauí, mas muita gente tem. E o que eu percebo nas universidades é um entusiasmo muito grande e eu acho que é sincero, de pessoas como vocês, que conhecem a revista, e escrevem para as seções, e que dizem “olha, não gostei disso, não gostei daquilo”. Tem comunidades no orkut sobre a piauí, as pessoas discutem apaixonadamente a revista, e eu acho que essa é uma ótima notícia. Eu tenho impressão de que a Veja não interessa muito a quem tem menos de 30 anos de idade. Vai ler por obrigação, porque é a revista mais importante do Brasil. Mas eu não sei se é uma revista lida por prazer.


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Editor : Rodrigo Bertolini/ Diagramadores: Rodrigo Bertolini e Rafael Barbosa: 7º e 8 períodos

o ponto

16 E S P O R T E

Belo Horizonte – Julho/Agosto/2007

Calvário Americano COM O REBAIXAMENTO NO CAMPEONATO MINEIRO, COELHO BUSCA REESTRUTURAÇÃO Bruno Novais - 6º Período

Shopping é esperança de recuperação

VICTOR DE OLIVEIRA BRUNO MARTINS 6º período O juiz vai apitar o fim do jogo, olha para o meio de campo, e termina a partida. Rio Branco de Andradas dois, América zero. Com apenas quatro pontos ganhos em dez jogos disputados, o América não tem mais chances de escapar da zona de rebaixamento e agora está matematicamente rebaixado para a Segunda Divisão do Campeonato Mineiro. O único decacampeão mineiro, clube que completou 95 anos de história no cenário esportivo nacional este ano, entra na sua pior fase, com a confirmação da descida para o módulo II -segunda divisãodo campeonato mineiro. Mas esse problema não é novidade para o clube, que nos últimos anos disputou a Série A e hoje se encontra na Série C – última divisão do campeonato nacional-, e para piorar a situação, esse ano sua participação foi vetada após o rebaixamento no campeonato estadual. Para o presidente da maior torcida organizada do clube, a Seita Verde, Carlos Ameba, é inegável que essa é a pior crise no clube e tal explicação se deve as sucessões de más administrações. "O América foi dilapidado ao longo dos últimos anos por gestões irresponsáveis e imediatistas que quebraram o clube. A queda para a Série C foi anunciada, o América esteve perto de cair em 2003 e nada foi feito para que isso não se repetisse no próximo ano . Sem planejamento e sem um time competitivo, caímos em 2004. De lá pra cá começou o inferno astral americano, que culminou com este rebaixamento vergonhoso no Campeonato Mineiro". O representante da bancada do Alterosa Esporte, Otávio de Toledo,também compartilha da mesma opinião, para ele o América sofreu de consecutivas administrações incompetentes e desastrosas que fizeram péssimos contratos que acarretaram em 30 mi-

Depois do rebaixamento do campeonato mineiro, o ct Lanna Drumond fica a maior parte do tempo com seus campos vazios lhões de dívidas trabalhistas."Não existe sorte ou azar no futebol, existe competência e trabalho ou incompetência e falta de trabalho. O América teve dirigentes que não souberam administrar e não entendem nada de futebol. Foram gradativamente afundando o clube até a terceira divisão. Nem na terceira esse ano ele está,e agora caiu pra segunda do mineiro". Categoria de Base O América sempre foi reconhecido nacionalmente pelas suas revelações provindas das categorias de base, que sempre tiveram lugar de destaque dentro do clube. Vários atletas saíram do clube para se tornarem reconhecidos jogadores do futebol mundial chegando a vestir a amarelinha da seleção. São exemplos recentes o Wagner, que agora está

no futebol árabe, o Fred que atualmente está no Lyon da França, Gilberto Silva no Arsenal da Inglaterra, além de jogadores do passado como Tostão e Éder Aleixo que ficaram consagrados no futebol vestindo a camisa dos seus rivais. Apesar de grandes talentos revelados e vários títulos nos campeonatos de base, o clube sempre pecou na venda desses jogadores ao negociar valores abaixo do mercado da bola. Incompetência dos dirigentes, amadorismo ou simplesmente necessidade de dinheiro para pagar as contas, são as respostas para os casos ,como do Evanilson, hoje no Sport Recife. Vendido para o Cruzeiro, o jogador foi revendido seis meses depois para o futebol alemão 10 vezes a mais do valor que fora comprado Casos semelhantes aconteceram nas vendas dos

passes de Gilberto Silva, Fred e Wágner. Para piorar a situação da base americana, o Cruzeiro, este ano, emprestou ao clube, alguns jogadores juniores vencedores da copa São Paulo principal campeonato da categoria júnior do futebol. Os jogadores chegaram ao novo clube para integrar o elenco profissional do coelho, o que limitou as chances dos juniores do próprio clube participarem do elenco principal. O fato foi duramente criticado por vários torcedores. Pensando nisso, Jorge Murta, vice-presidente das categorias de base do clube, anunciou que será criada a Associação Amigos da base, que pretende reviver os tempos de ouro da base americana. Composta por torcedores ilustres, a base terá um investidor que terá direito a um percentual

na venda de dois jogadores por ano: "Vamos abrir o leque e outras pessoas poderão investir", declara Murta. Atualmente o custo mensal das categorias de base gira em torno de R$ 120 mill por mês. Reconhecendo o atual sucateamento da base, Moises Teixeira, coordenador geral das categorias de base, acredita que esse novo projeto será de total importância para base do América e ressalta que todo atleta do clube terá benefícios médicos, psicológicos, dentários, e principalmente educacionais: "Esse projeto vai dar uma nova estrutura física à base do América e iremos voltar a ser um reconhecido celeiro de jovens talentos", resalta. O objetivo, segndo Moises, é não deixar que algumas jovens promessas deixem o clube precocemente.

Dívidas assolam o clube em crise financeira Já não bastavam as crises financeiras que todo clube brasileiro normalmente têm, o América praticamente elimina qualquer forma de receita esse ano com o seu futebol. Com o rebaixamento no campeonato mineiro, e a não conquista da vaga para a série C do campeonato brasileiro, o clube fica a mercê de amistosos até a chegada da Taça Minas Gerais, que tem o seu inicio previsto para setembro. Sem o futebol, não há patrocínio, sem patrocínio não há receita. Então como o clube fará para honrar com seus compromissos financeiros, com seus funcionários e atle-

tas? Afinal, quem investiria é em um time na atual situação do América? Segundo o vice-presidente de patrimônio, Olímpio Naves, a solução imediata está sendo a permuta do terreno Três Barras – localizado no centro de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte- que viria em troca com uma construtora. Além da realização de construções de benfeitorias no local e no CT , seria cedido ao clube uma participação no aluguel de apartamentos. “O nosso objetivo é gerar receita, por meio do patrimônio do América. Com esta aprovação do projeto, fare-

mos uma licitação e a minha estimativa é de que, em 120 dias, já possamos conhecer a empresa vencedora", afirmou Naves. Outro foco do clube é a Timemania que foi sancionada pelo presidente Lula que proporcionará a criação de uma loteria nos moldes da megasena, mas que os apostadores escolherão, ao invés de números, escudos de 80 times brasileiros. O dinheiro arrecadado pela nova loteria servirá para os clubes saldarem suas dívidas com o Governo Federal. Os clubes e o governo ainda precisam normatizar a maneira com que o dinheiro se-

rá distribuído entre as agremiações participantes. A idéia inicial seria a participação de vinte clubes da Série A, vinte clubes da Série B e mais quarenta, com pelo menos um time de cada estado. Irá se criar um critério para definir quem está melhor e não quem foi melhor. Também já esta em pauta no clube medidas para o saneamento financeiro. Hoje o clube encontra-se com cerca de 100 ações trabalhistas na justiça. O clube busca com a criação do "condomínio de ações", instalado em dezembro passado, a negociação de todas essas dívidas. Antônio Baltazar, presidente do clube,

acredita na resolução de todas essas dividas em um futuro próximo. "Assim, o passivo trabalhista vem sendo quitado gradativamente e, o que é mais importante: sem comprometer a vida do clube. Pelos meus cálculos, em cinco anos tudo estará resolvido ", explicou o presidente. Todo mês o América reserva em juízo 10% de suas receitas para a quitação dos débitos. O estádio do Horto, o Independência, que hoje traz prejuízos para o clube de R$ 30 mil mensal, também entra no plano futuro do América para a construção de uma Arena Multiuso.

Com a aprovação do conselho e liberação das obras, já é possível ver os primeiros movimentos de obras no imóvel da Avenida dos Andradas, terreno da antiga sede do clube. Lá será construído um shopping Center com 289 lojas. O centro de compras, de 23 mil metros quadrados, terá como principal atrativo o Hipermercado Carrefour, com a previsão de inauguração até o fim deste ano. O projeto que recebe o nome de Planeta América, além do shopping contará com um complexo esportivo e social de 11 mil metros quadrados, e com a sede administrativa do clube, que possuirá 1,5 mil metros quadrados. De acordo com o vice-presidente de comunicação do clube, Alencar da Silveira Junior, parte do valor do arrendamento de 50% do shopping por 20 anos será feita com a transferência ao clube de um lote a ser anexado ao CT Lanna Drumond, na região da Pampulha. As dimensões do terreno poderão variar entre 90 mil metros quadrados a 110 mil metros quadrados. A partir do inicio de 2008, o América começa a receber o repasse de R$ 60 mil por mês. As outras lojas darão ao clube R$ 30 mil mensais. A sede administrativa e a área social, a princípio, serão entregues um ano e meio após o shopping entrar em funcionamento. Mas é possível que haja antecipação para dezembro de 2008. Os outros 50% do Planeta América serão divididos igualmente entre o clube e o grupo empreendedor. Segundo o presidente do América, Antônio Baltazar, o clube espera que o projeto Planeta América se torne à redenção financeira do clube futuramente. "Com o patrimônio e as finanças saneadas, será criada a estrutura necessária para o retorno do clube à elite do futebol brasileiro", explica Baltazar. Alguns torcedores do America estão muito empolgados com o projeto e crêem que o Planeta América pode ser o pontapé inicial para o renascimento do clube. É o caso de Carlos Ameba. Segundo ele, os problemas do América não se resumem a questões financeiras, mas também administrativas. “O patrimônio do clube crescerá consideravelmente com o Planeta América e será mais uma fonte de recursos. Ganharemos com o aluguel das lojas e os eventuais acordos de patrocínio que com certeza surgirão . É fato que esta não é a salvação da lavoura, não vai ser o Planeta América sozinho que irá garantir a volta por cima do clube no futebol, mas sem dúvidas é um grande começo", acrescenta Carlos Ameba.


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