Jornal O Ponto (nº 92) - Maio 2014 - Ed. 1

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Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social Ano 15  |  Número 92  |  Maio de 2014  |  Belo Horizonte / MG

Distribuição gratuita

Mais uma dose de álcool para elas, por favor!

Segundo psiquiatra da Unifesp, mulheres estão bebendo mais principalmente por terem uma vida social mais agitada em conjunto com uma maior estabilidade financeira

Comportamento Consumo

Pesquisa aponta crescimento no número de mulheres como usuárias de álcool. O aumento foi de 36%, segundo Levantamento nacional de ácool e drogas (Lenad), divulgado pela Unifesp. Pag. 11 e 12

Crônica O lado bom da minha vida

“Fiquei feliz. Não tanto por levantar. Muito por ter uma história que contar. Vida de cronista.”

Esporte MMA Futebol Clube

Estádios se tornam verdadeiros campos de batalha, confusões macham o espetáculo perto da copa.

A Flor

Cidades Teste

Foto: Carolina Mercadante

A reportagem de O PONTO faz amostragem de tempo entre os ônibus articulados do MOVE, o BRT de Belo Horizonte e o BHBus. Diferença pode chegar a 25 minutos na economia de tempo. Pag. 3

“Naquela noite, Ana fingiu que era uma flor de magnólia. Ainda era março quando caiu, desflorada.” Pag. 15

Especial Questões do impresso

Andre Brant/Jornal Hoje em Dia

Marcelo Miranda e Ricardo Corrêa em entrevista sobre o futuro do impresso: a visão de dois profissionais contemporâneos de visões distintas. Pag. 7

Foto: Maria Antônia


02  •  Opinião

Editor e diagramador da página: Janderson Silva - 2º Período

Belo Horizonte, 09 Maio de 2013

O Ponto

Editorial O PONTO abriu mão do papel. Principiamos no final do ano passado um exeprimento no laboratório de jornalismo impresso, que se consolida a partir dessa edição: o jornal passa a ser exclusivamente online. A decisão é fruto de longas discussões feitas no curso, em sala de aula e nas atividades laboratoriais, quando nos debruçamos sobre as tendências do jornalismo em época de possibilidades abertas por novas tecnologias da informação. Nessas reflexões, conseguimos separar a função do jornalismo impresso da função do suporte. Idenficamos o público do jornal, seus hábitos de consumo de mídia e concluimos que era possível manter a linguagem do impresso – a forma de organização das notícias – fora do suporte papel. Essa questão está posta nas redações dos principais jornais do país e do mundo. Os elevados custos de impressão e distribuição ficam ainda mais evidentes quando comparados com as facilidades trazidas pela Internet – sobretudo com a garantia de neutralidade de rede, com o novo marco civil. Uma observação feita pelo jornalista Roberto Baraldi, em uma palestra aqui na escolar, nos chamou atenção: até o Wall Street Journal, último a adotar foto, é hoje multimídia e tem uma das mais altas produções de video. Resolvemos apostar. O desafio agora é continuar as experiências, saber explorar os recursos tecnológicos para reforçar o potencial da linguagem do impresso. Sabemos que não será a mesma linguagem. Mas nós já não somos os mesmos. Já não vivemos como os nossos pais.

BBB saturado Thaís Costa 3º Período Sai ano e entra ano, e o BBB (Big Brother Brasil) permanece. Já está na 14ª edição e me pergunto a serviço de que este programa ainda está no ar. Nada acontece de novo, nada muda. A não ser o cenário, que a cada ano fica mais luxuoso e moderno. E também as pessoas. Que nas edições passadas, lembro que a diversidade era maior. Agora só vemos corpos sarados, e rostos bonitos (nem todos). Tem um ou outro feio, intelectual e sempre tem um gay, provavelmente para as pessoas não falarem que o programa é preconceituoso. Outro ponto que questiono é a entrada dos participantes. Certa vez entrei no site para verificar como era a inscrição. É um questionário extenso, eles querem saber tudo sobre sua vida. Imagino pessoas que ficam perdendo seu tempo, sendo que a maioria dos que entram são convidados, inesperadamente. Muitos contam como foram convidados, e a produção do programa não se preocupa em esconder isso. Até aí não me indigno tanto. É exibido na Rede Globo, a emissora mais assistida em todo Brasil. Tem muita audiência, mesmo que de uns tempos para cá esteja apelativo. E cá entre nós, as pessoas adoram ver o círculo pegando fogo, falar da vida alheia, e deve ser por isso que ainda rendem bons milhões para a Globo. Milhões que saem do bolso dos telespectadores desocupados que ainda gastam seu tempo e dinheiro fazendo ligações diárias, e comprando produtos fúteis na loja do BBB.

O homem é o lobo do homem Júlia Alves 3º Período Dia 31 de janeiro de 2014, essa foi a data em que um jovem infrator foi espancado e amarrado pelo pescoço a um poste na cidade do Rio de Janeiro. Entretanto, esse episódio não foi o último. Há alguns meses temos testemunhado incontáveis casos de justiça com as próprias mãos, alguns dos mais recentes em Santa Catarina, Goiás e Bahia. Mas estes não são os primeiros, e também não ocorrem unicamente no Brasil. Todos esses atos tiveram grande repercussão na internet e outros meios de comunicação, atos que exaltaram a violência e libertaram de suas “amarras” outros tantos sedentos por ela, fazendo assim, as opiniões dos brasileiros colidirem. Muitos cidadãos não concordam com esses ataques, acreditam que a violência nunca irá acabar com a violência, somente piorá-la. Confiam no poder do Estado como única forma de punição aos infratores e repudiam qualquer tipo de incentivo a essas ações. Mas outros tantos aderiram ao pensamento desses “justiceiros”, muitos creem na máxima do bandido bom é bandido morto, muitos apoiam a polêmica jornalista do SBT, Rachel Sheherazade. Ela diz entender os agressores, já que aparentemente vivemos em um clima de anarquia, a polícia nada faz e o cidadão de bem (aqueles que moram longe da periferia, pois lá somente os bandidos) fica a mercê dos tenebrosos marginais que nunca são presos. Tudo isso ocorre no mundo maléfico de Sheherazade, o qual ela vê da janela de seu lar luxuoso, pois nas ruas ela não anda. E o brasileiro a ouve, se deixa manipular pela visão sensacionalista, deturpada e extremamente exagerada de alguns meios de comunicação que incitam novos agressores a entrarem na causa, pois o Brasil se encontra sob o poder desses criminosos e a única forma de nos salvarmos é limpando as ruas com porretes e armas. O problema é muito mais denso e profundo que isso, não é somente o centro que sofre com a violência da periferia, a periferia e os marginalizados também sofrem. Não estou tentando dizer que entendo e saberia o que faria se eu ou uma pessoa querida fosse assaltada, sequestrada, estuprada, morta. Talvez meu desejo fosse realizar a infame justiça pelas minhas mãos, mas isso não mudaria o que ocorreu e poderia trazer consequências mais graves, pois além do peso do crime que aconteceu, teria o peso do crime que cometi, seja a agressão, ou mais impactante, a vida que tirei.

Não alego também, que o sistema de justiça brasileiro seja perfeito, longe disso, ainda vemos um tipo pior de bandido com seu colarinho branco governando o país, menores cometendo crimes hediondos e saindo impunes, motoristas matando e sendo liberados sob fiança, ou que a segurança não é uma questão preocupante. O Brasil está longe de ser um paraíso e o povo sofre com essa realidade. Mas a questão vai muito além, o problema está enraizado em nossos primórdios, não somente do Brasil, mas da humanidade.Os autoproclamados justiceiros não são um fenômeno recente e exclusivo ao brasileiro, é um mal inerente ao ser humano, gostamos do acerto de contas, gostamos da violência, estas são as únicas maneiras de se chegar rapidamente ao equilíbrio. Parece-nos justo, quando o Estado é fraco, o cidadão comum, de bem e contribuinte deve pegar suas armas e punhos para espancar, torturar e matar a caminho da justiçaverdadeira. Era dessa forma que o homem impunha a justiça na sociedade dos povos bárbaros da Europa e Ásia antes dos gregos e do Império Romano levar a civilidade e a racionalidade aos seus algozes saqueadores e invasores. Mas essa civilidade e racionalidade chegavam sob a forma de espadas e lanças, de guerras e mortes, da escravidão e da imposição de uma nova religião e governo. Nada era mudado, a justiça com as próprias mãos era somente legitimada pelo mais forte. Temos incontáveis exemplos da justiça que não provém do Estado regulador, que tem o direito e o dever de garanti-la. Mas também temos exemplos que corroborados pelo Estado, soam tanto como a vingança, a qual a justiça com as próprias mãos acaba se tornando. Os Estados Unidos ao fim da Segunda Grande Guerra, quando jogou as duas bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, demonstrou seu poderio, mas foi muito mais que isso, o Japão já havia se rendido, fora uma vingança ao ataque kamikaze em Pearl Harbor, foi a justiça. Seja ela realizada pelos civis ou pelo Estado, essa justiça, independentemente de ser no Brasil ou não, é a demonstração da verdadeira face do homem, aquela que ele tanto tenta esconder por detrás de sua racionalidade e normas, a face animalesca que põem em prática o olho por olho, dente por dente, que rejeita a autoridade do Estado, ou cria um Estado violento e autoritário, e deseja sujar suas mãos para trazer uma falsa sensação de satisfação. Aquela que aceita e apoia espancar e matar o estuprador e assassino, aquela que comprova o que Maquiavel quis dizer com O Príncipe, o homem é realmente o lobo do homem.

O que realmente me indigna é que o brasileiro está carente de educação, de cultura. E o BBB só serve para alienar mais as pessoas. Os milhões investidos nesse programa poderiam contribuir para um série de projetos educativos que fariam o ser humando evoluir. Tem tantas questões que precisam ser resolvidas no Brasil, assunto mais importantes poderiam estar sendo discutidos. Como por exemplo, o programa “Na Moral”, que é exibido em temporadas, apresentado também por Pedro Bial, que levanta questões relevantes acerca do que acontece no Brasil, no cotidiano das pessoas. Seria muito mais interessante. Tirando os BBBmaníacos (assim são chamados os loucos por BBB), o brasileiro já está cansado de tanta banalidade e baixaria protagonizada pelos “guerreiros” (assim que Pedro Bial se refere aos participantes). Guerreiros de que? Guerreiro, na minha concepção é quem sai da cama cedo, trabalha horas seguidas, recebe um salário medíocre, cuida da casa, dos filhos, paga as contas, sobrevive com o indispensável (as vezes nem isso) e ainda leva um sorriso no rosto, agradecendo todos os dias por estar vivendo. Esses sim são guerreiros merecedores de respeito. Gostaria de conseguir enxergar algum ponto positivo que esse programa trás para nossa realidade. Mas não dá. Não tem nada que acrescente para o nosso crescimento intelectual. Ainda espero que o gigante acorde, assim como acordou a meses atrás, nas manisfestações e que, os que ainda assistem a essa futilidade, percebam o quanto estão sendo enganados.

o ponto Coordenação Editorial Profa. Ana Paola Amorim (Jornalismo Impresso) Professores orientadores Profª. Dunya Azevedo (Planejamento Gráfico) Projeto Gráfico Dunya Azevedo · Professora Orientadora Pedro Rocha · Aluno voluntário Roberta Andrade · Aluna voluntária Logotipo Giovanni Batista Corrêa Universidade Fumec Rua Cobre, 200 · Cruzeiro Belo Horizonte · Minas Gerais Tel: 3228-3014 · e-mail: jornaloponto@fumec.br Presidente do Conselho Curador Prof. Tiago Fantini Magalhães Reitor da Universidade Fumec Prof. Dr. Eduardo Martins de Lima Diretor Geral/FCH Prof. Antônio Marcos Nohmi Diretor de Ensino/FCH Prof. João Batista de Mendonça Filho Coordenador do Curso de Jornalismo Prof. Ismar Madeira Monitores de Jornalismo Impresso Janderson Silva e Rachel Duarte Monitores da Redação Modelo Bruna Oliveira e Paulo Madrid Jornal Laboratório do curso de Jornalismo

Os artigos publicados nesta página não expressam necessariamente a opinião do jornal e visam refletir as diversas tendências do pensamento


Cidades  •  03

Editor e diagramador da página: Janderson Silva - 3º Período

O Ponto

Belo Horizonte, 09 de Maio de 2014

BRT/Move: ônibus articulado é 25 minutos mais rápido que o convencional Teste realizado pela reportagem de O PONTO da amostragem de tempo das linha 82 São Gabriel/ Savassi/Hospitais e a linha 3503 Santa Terezinha/São Gabriel, que usam o corredor Cristiano Machado.

Foto : Maria Antônia

Nova linha de Ònibus BRT na Estaçao São Gabriel Maria Antônia Taynara Cristian 3º Período Uma das maiores dúvidas dos passageiros de ônibus de Belo Horizonte é se o recém inaugurado BRT MOVE será mais agil do que o BHBus, transporte urbano público tradicional. Mesmo tendo enfrentado problemas na sua estreia, o BRT Move pode ser considerado um transporte mais rápido do que o BRT. A reportagem O PONTO testou o serviço e constatou que o trajeto foi 25 minutos mais rápido no novo modelo. Foi um beneficio para a população apesar da estreia ter sido com algumas falhas com alguns painéis sem funcionar ate mesmo a falta de informação e algumas escadas rolantes para ter acesso ao BRT não estão funcionando , mesmo assim não vai deixar de ser um transporte mais rápido do que BHBus ,foram

falhas que podem ser analisadas e resolvidas relatou a Gerente de Sistema Laura Alves de Melo de 32 anos. A reportagem O Ponto fez o teste em um horário de pico as 8hrs da manhã, saindo da Estação São Gabriel região Noroeste na linha 82 (região Hospitalar/Savassi) até o centro de Belo Horizonte passando pela Avenida Cristiano Machado , gastamos 20 minutos para chegar ao centro de Belo Horizonte. Fazendo o mesmo percurso no dia seguinte e no mesmo horário pegamos o ônibus do BHBus 3503 (Santa Terezinha/ São Gabriel) e a diferença foi muito grande, gastamos 45 minutos para chegar ate o centro de Belo Horizonte, o tempo que gastamos utilizando a linha 3503 foi um tempo que daria para fazermos outra viagem com o mesmo trajeto pelo transporte do BRT Move , sendo assim sobrando ainda 5 minutos para fazer outras coisas.

Algumas passageiros disseram que tem vontade de estar fazendo um teste, como a Estudante de direito Priscila Moura de 19 anos. “ Tenho uma curiosidade enorme em fazer o teste para saber a diferença e o tempo gasto por cada um dos meios de transporte, o BRT deve ser mais rápido por não pegar engarrafamento “ disse. Quando soube da diferença entre os dois transporte a Estudante ficou espantada com a tamanha diferença entre o BRT Move o BHBus. O novo transporte com certeza agradou muita gente pelo fato de ser bem mais rápido e ter um ar condicionado excelente, com poltronas confortáveis, com isso a minha viagem está sendo mais confortável e ate mesmo agradável, na primeira vez que eu entrei no BRT não queria sair de tão confortável que ele é, diz a Estudante de Administração Ana Beatriz Oliveira de 23 anos.

Nem com o tamanho congestionamento da Avenida Cristiano Machado prejudicou os passageiros do BRT a chegar em seu destino com alguns minutos de antecedência, ao contrário dos passageiros do BHBus que com o congestionamento não conseguiram chegar a tempo no serviço, na

escola, ou até mesmo levar o filho para a creche que foi o caso da Empregada Doméstica Leila Silva de 43 anos, “ minha filha vai chegar um pouquinho atrasada na creche, sai de casa mais cedo e mesmo assim com o congestionamento não vamos conseguir chegar a tempo na escola dela.

Gastos (em tempo) Linha 82 20 minutos

82

Linha 3503 45 minutos

3503


04  •  Perfil

Editor e diagramador da página: Mariana Chacon Naddeo

Belo Horizonte, 09 de Maio de 2014

O Ponto

A amizade que fez história na política “Sempre brigamos muito, mas sempre muito próximos e até hoje tenho relacionamento com a família dele”

Nos dez anos de morte de Leonel Brizola, o jornalista José Maria Rabelo relembra o tempo em que trabalharam e militaram juntos e fala do papel do velho caudilho na resistência à ditadura

Dez anos se passaram e todos os resquícios de um homem que fez história no país foram deixados, como exemplo de superação, luta, esperança, sonho e conquistas. Leonel de Moura Brizola foi um dos mais destacados líderes nacionalistas do país, herdeiro político de Getúlio Vargas e João Goulart, que foi seu cunhado, e pretexto para usar a frase de sua campanha pré-eleitoral à presidência “cunhado não é parente, Brizola para presidente”. Para relembrar os feitos desse cidadão pelo Brasil, após 10 anos, diretamente de Belo Horizonte, José Maria Rabelo descreve Brizola, como amigo pessoal, de carreira e aonde chegava a bravura de seu companheiro na luta por um país melhor. Amigos desde a década de 50, José Maria Rabelo conta emocionado detalhes deste relacionamento.

O Ponto: Quem foi José Maria Rabelo, no Governo de Leonel Brizola? Fui vice-presidente do BANERJ (Banco Estadual do Rio de Janeiro) por duas vezes, durante o período em que Brizola governou o Rio.

Como era a personalidade de Brizola? Leonel era um homem de grande coragem física e moral que enfrentou as elites brasileiras. Líder forte, pessoa geniosa, de pensamento positivista, centralizador e não gostava de questionamento, ele achava que o processo brasileiro passava pelas mãos dele. Eu era um dos poucos que divergia dele. Leonel não fazia acepção de pessoas, ia direto ao assunto e às vezes era até bruto pra responder as perguntas minuciosas de jornalistas maldosos.

Como era o Brasil antes do Golpe Civil-Militar de 1964? Pode-se dizer que o Brasil moderno começou com a revolução de 30, pois antes, do ponto de vista econômico, só tinham os gêneros alimentícios, principalmente as indústrias de café. O país precisava

Crédito: Mariana Chacon Naddeo

Janaina Barcelos Mariana Chacon Naddeo 7º e 3º Pedíodo

Amigos desde a década de 50, José Maria Rabelo lembrou com saudades seus anos ao lado de Brizola

de investimento na educação desde sempre.

Como foi e o que você aprendeu no exílio? O Exílio, no Chile, foi um período difícil, percebi o ódio que as elites dominantes tinham dos brasileiros, pois são escravistas. Leonel era muito bombardeado, sempre pelas elites tradicionais porque os donos do poder econômico e social não querem um povo consciente de seus direitos e a educação leva isso. Fui à UFMG outro dia e quando vi muitos negros, me perguntei feliz “será que estou em Cuba?”(risos).

E sobre o direito de resposta que Brizola teve na TV Globo? Representando as oligarquias brasileiras, Roberto Marinho tinha muitos desentendimentos com Brizola. Desde aquela época, era dono do maior sistema de comunicação do país, mas Brizola nunca teve medo dele. Em 1992 Roberto chamou Brizola de “Senil”, Brizola não gostando do adjetivo, recorreu e ganhou. Roberto Marinho teve que dar o direito de resposta ao primeiro político no país, que foi lido por

Cid Moreira, em 1994.

falar sobre politica.

Qual a crítica você faria ao governo Leonel Brizola?

Você teve alguma divergência com Brizola, quando você fundou o PDT e/ou durante o tempo em que ficou lá?

Brizola marcou a sua posição pelo seu compromisso com o povo brasileiro, e só tenho uma única crítica, ele não soube criar um partido, ele errou ao querer fazer a revolução sem o povo.

Ao fundar o PDT, você teve alguma divergência com Brizola? Em 1979, em Lisboa quando fundei o PDT eu tinha a visão de usar dos cargos públicos como grande instrumento de luta para o povo, que seria o partido. Mas fui criticado várias vezes por Brizola, que tinha a visão centralizadora, reclamando que ninguém mudava a orientação do partido, mas na verdade, não era eu que não mudava, era que a estrutura funcionava, então, não precisava mudar.

Quanto tempo você ficou no PDT? Deixei o partido 17 anos depois, seguindo como pastores que pregam pelas cidades, porém levando a palavra de Brizola. Era e é minha paixão

Em 1979, em Lisboa quando fundei o PDT eu tinha a visão de usar dos cargos públicos como grande instrumento de luta para o povo, que seria o partido. Mas fui criticado varias vezes por Brizola, que tinha a visão centralizadora, reclamando que ninguém mudava a orientação do partido, mas na verdade, não era eu que não mudava, era que a estrutura funcionava, então, não precisava mudar. Pois não entraria aproveitador no partido. Eu batia mesmo de frente com ele, e deixei o partido 17 anos depois, seguindo como pastores que pregam pelas cidades, porém levando a palavra de Brizola.

Qual o legado que Brizola deixou para o país? Foi esse exemplo de educação, sobre escola em horário integral, ele já discutia e fazia no Rio Grande do Sul, desde a década de 50. Ele chegava a ter obsessão pela educação. Então, a grande herança que

ele nos deixou foi esse legado fantástico de colocar a educação como a primeira tarefa dos administradores públicos brasileiros. O nacionalismo e os direitos dos trabalhadores. Ao ser perguntado sobre o que mais ele sente falta nesses dez anos desde a morte de Brizola, José Maria Rabelo conta, que mantiveram relacionamento até a morte de Leonel. “Sempre brigamos muito, mas sempre muito próximos e até hoje tenho relacionamento com a família dele”. Emocionado e contendo as lagrimas ele diz que era quando eles discutiam muitos problemas brasileiros juntos, com aquela acuidade e intuição que só o Brizola tinha, o que superava cursos de pós graduação, de cientistas sowciais que ele não teve, ele via antes os acontecimentos e o que mais o impressionava era o desprendimento de Brizola em favor das causas públicas. “Pois era pobre, casou em família rica, lutou com muitas dificuldades para estudar, tinha trabalhos modestos, foi adotado por um casal de protestantes, e venceu na vida. A honra de Brizola é intocável” disse José Maria.


Perfil  •  05

Editor e diagramador da página: Mariana Chacon Naddeo

O Ponto

Belo Horizonte, Abril de 2014

Trajetória de Luta pela Educação

ria e a distribuição de renda no Brasil. Com a deposição do presidente João Goulart pelos militares, em 1964, Leonel Brizola foi obrigado a se exilar no Uruguai. E voltou ao Brasil

Créditos: Eugenio Hansen, OFS/ commons.wikimedia.org

Leonel de Moura Brizola, foi um homem de coragem, com caráter e personalidade fortes. Brasileiro, nascido no dia 22 de janeiro de 1922 no povoado de Cruzinha, Passo Fundo (RS) que em 1931 passou a jurisdição de Carazinho (RS). Filho de camponeses pobres, Leonel estudou em Passo Fundo e em Viamão, antes de ingressar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no curso de Engenharia Cívil, onde se formou em 1949. Iniciou sua carreira política no Rio grande do Sul após dois anos de filiação ao PTB(Partido Trabalhista Brasileiro) em 1945, quando foi eleito Deputado Estadual pelo Rio Grande do Sul. Casou-se com Neuza Goulart, irmã do ex-presidente João Goulart(1961/64) tendo como um dos padrinhos outro líder histórico do Brasil: Getúlio Vargas.Tentou se eleger prefeito de Porto Alegre em 1951, mas sofreu uma grande derrota, não desistindo e continuando nos bastidores da Assem-

bléia Legislativa do Rio Grande do Sul em 1954. Um ano depois ele deixa a ALRS para disputar novamente ao cargo de prefeito, desta vez os eleitores garantiram sua vitória. Com toda a popularidade conquistada ao longo desses quatro anos, Brizola não teve nenhuma dificuldade para se eleger governador do Rio Grande do Sul em 1958, com mais de 55% dos votos válidos, empossado criou a Caixa Econômica Estadual e adquiriu controle acionário do Banco do Rio Grande do Sul, criou a Aços Piratini e a companhia Riograndense de Telecomunicações, pressionando o governo federal a instalar uma refinaria no Estado. No setor de educação, construiu mais de 5 mil escolas primarias, quase 300 escolas técnicas e 131 ginásios e escolas normais. Com uma votação recorde de 269 mil votos, em 1962, foi eleito deputado federal pelo antigo Estado da Guanabara pela primeira vez. Como parlamentar fez discursos veementes defendendo a implantação da reforma agrá-

Estátua em homenagem a Leonel de Moura Brizola, em Porto Alegre.

somente com a lei da Anistia, em 1979. Ao perder a legenda do PTB, Brizola junto com José Maria Rabelo, fundaram o PDT (Partido Democrático Trabalhista) em 1979, em Lisboa, partido pelo qual Brizola foi eleito governador do Rio de Janeiro em 1982, onde sua atuação foi marcada com as construções das dezenas de CIEPs (Centros Integrados de Educação) o que muitos políticos copiaram nos anos seguintes, a construção da Linha Verde e do Sambódromo aconteceu também em seu governo. Em 1984 apoiou a campanha das Diretas-Já, um projeto que foi derrotado pelo deputado Dante de Oliveira. Em 1986 causou polêmica com o Plano Cruzado, quando a maioria dos políticos apoiava o plano econômico. Em 1989 participou da primeira eleição direta a presidência desde o Golpe militar de 1964, ficando em 3° lugar com 11 166 228 mil votos, bem próximo de Luiz Inácio Lula da Silva que teve 11 622 673 votos, indo a segundo turno, pelo qual Brizola apoiou

Lula, que perdeu para Collor. Em 1990, com cerca de 60% dos votos, foi reeleito governador do Rio de Janeiro e ao término de seu mandato, em 1994, tentou mais uma vez a presidência, não obtendo êxito, com apenas 3,2% dos votos válidos. Em 1998 na tentativa ao cargo de vice-presidente na chapa encabeçada por Luiz Inácio Lula da Silva foi novamente derrotado, na reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Teve mais duas derrotas até o final de sua carreira, a de Prefeito do Rio de Janeiro (2000) e o Senado (2002). Em 2003 já com Lula na presidência, Leonel Brizola rompeu com a base aliada, fazendo críticas constantes a administração federal. Morreu no Rio de Janeiro em 21 de junho de 2004 aos 82 anos, por infarto agudo de miocárdio. Foi velado na presença de Lula, no Palácio Guanabara e foi sepultado em São Borja, Fronteira do Rio Grande do Sul com Argentina, onde estavam os túmulos de Getúlio Vargas e João Goulart.

Brizola concedendo entrevista em 1984

Crédito: Agencia Brasil/commons.wikimedia.org


06  •  Esportes

Editor e diagramador da página: Filipe Diniz - 3º Período

Belo Horizonte, 09 de Maio de 2014

O Ponto

Coliseu do Futebol Um ambiente que é feito para apoiar o esporte, se torna local de confusões e tragedias.

Foto: Samuel Costa/Acervo hoje em Dia

Torcedores do Cruzeiro brigam em clássico valido pelo Campeonato Brasileiro Filipe Diniz Pedro Maia 3º Período

no ano passado. E a 30 em 2013. ‘’ O nordeste é a região com mais confrontos pois as armas são mais fáceis de circular dentro dos estádios por ter um policiamento menor”, afirma Pereira. Mas essa realidade não é uma exclusividade do nordeste, em 2009 após o rebaixamento do Coritiba Foot Ball Club, torcedores do clube invadiram o gramado para agredir o árbitro gaúcho Leandro Vuaden. A Polícia Militar teve de intervir e houve confronto generalizado. Cadeiras do estádio foram destruídas por vândalos e usadas

como armas contra os militares. Fogo Amigo Outro caso chamou atenção, no dia primeiro de dezembro de 2013, o torcedor do Cruzeiro presente no Mineirão viu sua equipe perder por 2 a 1 para o Bahia, mas pouco se importou, pois, após o final da partida, a equipe recebeu a taça de campeão brasileiro de 2013. Desta forma, a diretoria celeste programou uma grande festa nos arredores do estádio nesta noite, mas uma briga entre duas torcidas organizadas do Cruzeiro, Máfia Azul e Pavilhão Indepen-

Foto: Guilherme Antunes

No dia 8 de dezembro de 2013, em uma partida do campeonato brasileiro entre Atlético Paranaense e Vasco da Gama, uma grande briga na arquibancada interrompeu o jogo que ocorria na Arena Joinville, em Joinville(SC), durante uma hora e quinze minutos. O conflito aconteceu logo no primeiro tempo, deixando quatro feridos. A polícia não estava presente para intervir. Alguns jogadores tentaram pedir para os torcedores que parassem de brigar, mas de nada adiantou. Este ocorrido foi apenas um, de vários outros que mancharam a história do futebol brasileiro. Em 2010, em Belo Horizonte, em um evento de mistura de artes marciais mistas (MMA), as torcidas de cruzeiro e atlético se confrontaram fora do local, deixando um torcedor morto a pancadas. A pergunta feita pelos torcedores é: até quando isso vai continuar se repetindo? A violência nos estádios tem sempre novos relatos. Muitos torcedores já não têm confiança para ir ao estádio, como é o caso de José Marques de Souza Junior, aposentado, 51 anos. Ele conta que não tem coragem

de levar seu próprio filho, para assistir a um jogo do seu time de coração, e diz ter medo de Torcidas Organizadas. “Meu filho tem 7 anos e nunca viu um jogo do Flamengo no Maracanã, a falta de segurança não permite arriscar a vida dele”, lamenta. Para o advogado especialista em direito desportivo Álvaro Pereira, as brigas nos estádios entre torcidas organizadas, só vão acabar quando as mesmas forem extintas.’’ A maioria dos torcedores organizados têm ficha criminal’’, observa. Já para o presidente da Galoucura e lutador de MMA, César Augusto o “Cesar Gordim”, o fim das organizadas seria um problema, pois para ele as torcidas organizadas ajudam a polícia a distinguir quem são os baderneiros que vão ao estádio.

dente colocou fim no evento. “Prendam, punam, julguem. Botem na cadeia. Se eu pudesse, faria alguma coisa. Mas não posso. São as mesmas pessoas. Condenem. É o mesmo problema de sempre”, esbravejou o diretor de futebol Alexandre Mattos, em entrevista à Rádio Itatiaia. Ciente do que ocorria no Mineirão, o dirigente se pronunciou antes mesmo de deixar o estádio. O assessor de imprensa da Máfia Azul, Diego Barbosa, quando questionado sobre o incidente que ocorreu na festa do título, afirmou que a instituição está em processo de reformulação e que hoje todas as torcidas organizadas que torcem pelo Cruzeiro se encontram unidas. E afirma: “Nessa nova fase da Máfia Azul, nós estamos unidos com todas as organizadas. No ano passado o coronel Antônio Carvalho, da Policia Militar de Minas Gerais, pediu que as torcidas organizadas do Cruzeiro envolvidas em brigas fossem extintas “Faremos um pedido (ao Ministério Público) para que essas torcidas deixem de existir”, informou o coronel em entrevista a rádio Itatiaia. Já para o sargento Welber Chaves, ele não vê problema no que se refere a composição de torcidas organizadas, pois para ele é vista como uma associação de torcedores, mas diz que o que ocorreu na festa da torcida cruzeirense é uma falta de respeito ao desporto e a sociedade.

“Acabando com a organizada não dará para saber quem é o bom torcedor e mal torcedor”

Cesár Gordim

Entre 1999 e 2008, 42 pessoas foram mortas no Brasil por causa de conflitos entre torcidas. As vítimas aumentaram a partir de 2009, chegando a 23 mortos

O presidente da Galoucura César Augusto “Gordim” é o segundo da direita para esquerda


Especial  •  07

Editor e diagramador da página: Janderson Silva - 2º Período

O Ponto

Belo Horizonte, 09 de Maio de 2014

Os desafios do impresso Pressionados pelo avanço da internet e tendo o Super Notícia como o jornal mais vendido do Brasil, Marcelo Miranda e Ricardo Corrêa apresetam suas perspectivas sobre o futuro da mídia impressa Conrado Braz Luciana Caffagi Márcio Frederico Mazoni Mariana Batista Stêfania Firmo Especial As perspectivas em relação ao futuro do jornal­­ impresso não são as mais otimistas. O jornal O Ponto entrevista os jornalistas Marcelo Miranda – freelancer e editor do Suplemento Literário e Ricardo Corrêa – editor de política do “Hoje em Dia” para que os dois nos apresentem seus pontos-de-vista em relação ao jornalismo impresso tal como ele se coloca nos dias de hoje. Miranda e Corrêa compartilham uma mesma geração, muitos pontos coincidentes em seus currículos profissionais, mas tem opiniões distintas quanto a esse panorama. Um estudo da empresa Future Exploration Network, centro de consultoria norteamericana, prevê que os jornais impressos sairão de circulação, no mundo, por volta do ano 2027. A pesquisa foi realizada levando-se em consideração a absorção da tecnologia, o desenvolvimento da banda larga, o comportamento do consumidor etc. O que você pensa a respeito? Vale para o Brasil? Do seu ponto de vista, diante do avanço tecnológico e da internet, dos rumores da criação do papel digital, o impresso aguenta até 2027? Ele terá forças para ultrapassar essa data prevista? Ricardo Corrêa - Para 2027, estamos falando de 14 anos. Não é um tempo tão extenso e, talvez, por nossa digitalização estar abaixo de outros países, essa conta mude um pouco para o Brasil. Mas, ainda assim, creio que os mesmos efeitos não demorarão mais do que 20 anos para surgir por aqui. Então, ainda que com essa pequena variação de 14 a 20 anos, acho que a resposta é sim. O jornal impresso, como é hoje, vai acabar mais ou menos na década de 30 desse século. Há mil razões para isso. Acho que é bom considerar que: a) a pressão ambiental será cada vez maior. Não faz sentido usar a quantidade que usamos de papel, ainda que de fontes renováveis se há outras opções

sustentáveis. Logo teremos uma legislação mais dura, impostos mais altos para quem usa papel, não tenho dúvidas. Além disso, também não faz sentido que se gaste quantidades grandes de combustíveis para o transporte dos jornais de lá para cá se eles podem ser simplesmente transmitidos. Essa pressão ainda terá que ser enfrentada. b) a geração mais jovem já não se identifica com o conteúdo no papel. E talvez nem precise ser tão jovem assim para preferir outras plataformas. Eu mesmo tenho assinatura digital do Hoje em Dia, em vez do impresso. Não é sintomático? Eu sou editor de um jornal tido como “impresso”, mas assino a versão “digital”. c) o modo de fazer impresso hoje é ultrapassado, foi planejado e pensado antes do surgimento da internet e, por isso, não está pronto para enfrentar a “concorrência” dos meios online, ainda que, por outro lado, eles também sejam aliados na esperança de sobrevivência (falo disso depois). O mais importante, no entanto, não é essa discussão se os jornais impressos vão acabar. Pouco importa se o conteúdo que está hoje no impresso virá um tablet, em um site, se estará em redes sociais. O que é mais interessante discutir é: as empresas jornalísticas que hoje dominam o mercado conseguirão resistir a essa mudança? O jornalismo saberá lidar com essa nova era que democratiza mais as informações, que faz um jornal concorrer com um post no Facebook ou com um cidadão com uma câmera na cabeça em meio às manifestações? Isso é o que importa. Discutir se o papel vai ou não acabar não chega a ser mais tão relevante, pois só não reconhece seu fim iminente quem teme que essa fatia de mercado e essas tantas vagas de emprego que hoje eles oferecem desapareçam. Marcelo Miranda - Essas previsões de “vai acabar” são sempre muito aleatórias. Tem mil parâmetros que você pode tomar para diagnosticar isso. E o parâmetro que essa pesquisa escolheu, prevê que vai acabar em 2027. É um parâmetro legítimo. Deva haver milhares de outros que prevêm para o ano que vem. Muito particular-

mente, eu acho que não. Não vai acabar, mas não não vai mais existir do jeito que existe hoje – como já não está existindo, na verdade. Se a gente pegar um exemplar de jornal diário, grande – Estado de São Paulo, Folha de S. Paulo, O Globo – de cinco anos atrás e um de hoje, ele já é muito diferente. Ele não acabou, mas não é o mesmo jornal. Outros, realmente, acabaram: Jornal do Brasil, Diário da Tarde... Mas eu acho que esse extinção, esse “o jornal impresso vai virar peça de museu”, não vai acontecer. Mesmo porque eles estão dizendo que o livro vai acabar desde 1940 e, hoje, em 2013, a gente está aqui, conversando em uma livraria. Mas as coisas mudam, se adaptam, se ajustam. Eu acho que o jornal não vai mais existir do mesmo jeito. Mas, de que novo jeito, exatamente, eu não sei. Porque tá tudo mudando, tanto o conteúdo quanto a maneria de se ler. O leitor já pode ler o jornal em um equipamento eletrônico. Mas dá pra dizer que o jornal acabou? Não. Talvez mudem as mídias, talvez o papel diminua e circule menos papel, talvez alguns jornais migrem totalmente para a internet, como aconteceu com alguns americanos – o Harold Tribune, por exemplo, acabou de anunciar que vai ser exclusivamente online... Mas o jornal como veículo de transmissão de informação, eu acho que não. Acho que vai mudar. Radicalmente, como já está mudando.

Ilustração: Luciana Caffagi

“Temos que tornar os jornais mais sustentáveis. No noticiário digital temos mais chance de conseguir isso do que no impresso. Então, que acabe o impresso!”

Ricardo Corrêa

Que diferenças você percebe que já estão acontecendo no impresso de uns tempos pra cá? Marcelo Miranda - Eu acho que especialmente a quantidade de massa de texto e o conteúdo. Hoje, as notícias, nos jornais impressos, com raríssimas exceções (chega a ser difícil de achar) são mais breves, por definição, então escreve-se menos. Vários jornais até adotaram a estratégia de aumentar um pouco o tamanho da fonte exatamente para ter menos massa de texto, parecendo que tem a mesma quantidade de texto. Vou dar o exemplo do Estadão. Ele era um jornal cheio de suplementos, cheio de cadernos, e esse era o diferencial dele. E esse ano ele acabou com todos os suplementos e manteve três cadernos essenciais. O primeiro, que é Política e Economia; o segundo, que é um noticiário local, de São Paulo e região; e o terceiro é o caderno de Cultura, que é um cadernos mais... fácil – fala muito de televisão e de cinema blockbuster e diminui o noticiário de coisas mais segmentadas; tudo que era bem segmentado, como literatura, informática e turismo, eles diminuíram ou acabaram com os cadernos. Porque o leitor segmentado, o sujeito que gosta de literatura, que gosta de cinema, vai buscar, em geral, uma outra fonte. A internet propicia isso. Então o jornal perde um pouco o motivo de investir naquilo, porque aquilo não dá retorno financeiro. Por que o jornal vai manter um caderno de literatura, todo sábado, que dá custo – custo de funcionário, custo de material, impressão... mil coisas – para pouca gente? Aquilo não tem anúncio, não dá lucro nenhum. Dá só prestígio. E as empresas não estão muito preocupadas com o prestígio de um caderno específico. Elas querem saber se aquilo vai dar retorno. E o leitor que quiser aquele conteúdo, ele vai buscar isso de outro jeito. Então, isso é,

ao mesmo tempo, uma libertação do leitor eventual como é também uma decepção porque leitores, às vezes, compram o veículo para ter acesso àquilo. Quando aquilo acaba, ele deixa de comprar. Então é uma aposta do empresário. Então a gente está sempre falando de empresas, de figuras que não têm essa utopia que, nós, do meio, temos em relação a cadernos, reportagens... O empresário quer... outras coisas. E os jornais estão todos um pouco nessa linha. Eles estão tirando o segmentado para ficar no essencial, o que é um pouco herança da internet. O leitor de notícias desta geração, com raras exceções, se informa virtualmente. Ele lê as coisas muito rápido, ele não tem a cultura da leitura lenta, detalhada, que o jornalismo histórico trabalha. O tempo é muito curto, hoje em dia. É muito comum entre colegas de minha geração que dizem que jornal de hoje não faz sentido nenhum. O pensamento é “por que eu vou comprar o jornal de hoje, se o jornal de ontem, na internet, me deu tudo em primeira mão?”. Esse raciocínio carrega, em si, um desinteresse muito evidente pela possibilidade de aprofundamento das notícias. Então, beleza: temos acesso total ao noticiário na internet mas, em geral, ali está a notícia bruta. E o desafio do jornal impresso, hoje, é tentar ir além disso. Só que as empresas estão fazendo um procedimento que eu acho muito maluco, que é justamente o inverso: elas estão tirando o caráter específico do jornal impresso para tentar ficar igual à internet. A gente está vivendo uma esquizofrenia que parece sem saída. É inevitável que a notícia chegue na internet bem antes dela chegar no impresso. E o leitor quer novidade, certo? Diante disso, o que você acha que as mídias impressas devem fazer? Elas devem ser voltadas para o jornalismo investigativo e para a interpretação dos fatos, deixando o factual para a internet? O impresso deve passar por uma transformação na linguagem, no aprofundamento dado à reportagem ou até mesmo na aparência? Para você, qual é a saída para a sobrevivência do impresso?


08  •  Especial

Editor e diagramador da págin

Belo Horizonte, 09 de Maio de 2014

O Po

Ricardo Corrêa - É. Mais que as questões ambientais, de logística, de adaptação à plataforma, a grande questão da sobrevivência ou não do modelo de jornalismo hoje feito no impresso está no modo de fazer jornal. Então, as empresas que quiserem sobreviver (esqueçam o papel) mas nesse novo modelo que irá migrar do impresso para o online terão que trabalhar conteúdos cada vez mais exclusivos. E quando eu falo em conteúdo exclusivo não é só informação, investigação. Isso é fundamental, mas falo sobretudo de opinião. Veja: a Folha e O Globo talvez sejam hoje os jornais impressos que mais produzem conteúdo exclusivo. Mas por volta de 8h, 9h da manhã o conteúdo da Folha e do Globo já está disseminado e repercutido por milhares de sites por aí. Pois informação não tem dono. O furo tem, mas minutos depois, não é relevante mais pro internauta quem deu primeiro. Entendem? Se a Folha deu a informação às 7h e você leu no Uol às 8h, que diferença isso faz? O que as empresas que hoje fazem os impressos precisam é apostar mais em opinião. Opinião cada um tem a sua. Não tem como copiar sem citar, sem creditar. E, mesmo copiada, nunca deixará de ter um nome, de ter um selo de quem é: esse texto, essa opinião é do Fulano, da Folha. Mesmo que você leia no Uol, lerá a opinião do Fulano, da Folha. Então, o cidadão comprará a Folha pois ele tem o melhor time de colunistas, ou é um jornal que opina e analisa melhor as informações. Comprará para ter tudo aquilo no mesmo lugar. Isso é ter uma vantagem competitiva. Dar informação factual será cada vez mais irrelevante, pois a informação será copiada e repercutida cada vez mais rápido: em 10 minutos ou menos às vezes. A saída é opinião e histórias exclusivas, bem contadas. De assuntos que tragam uma assinatura. Que ninguém conseguirá fazer

sem citar necessariamente de onde veio. Descobrir personagens novos, assuntos envolventes fora da cobertura de agenda que hoje ocupa 70 a 80% dos jornais. Isso fará as grandes empresas de comunicação sobreviverem, ainda que sem o papel, mas nas versões digitais no tablet ou nos sites convencionais. Marcelo Miranda - Se há alguma coisa que sobreviveria, seria isso: investir nas possibilidades que só o jornal impresso tem. O grande dilema, hoje, é: por muito tempo, o jornal impresso reinou sozinho. Ele competia com a TV, mas é uma competição diferente porque a TV não está em todos os lugares; você não está sentada aqui comigo e está vendo TV. Mesmo que tivesse uma tela, você iria olhar, mas você não estaria “ligada” e a internet, por sua vez, permite que você esteja. Então ele reinou sozinho porque, mesmo tendo perdido algum público para a televisão, o impresso não tinha um concorrente à altura. A internet é um competidor pesado porque ela rouba tudo aquilo que o impresso tinha de exclusivo. Então, o impresso ainda não está sabendo como lidar com esse competidor pesado. Então, em vez de enfrentar, ele está se rendendo, está tentando ficar igual. Só que, se ele ficar igual, ele vai à falência, porque não tem competição possível. Você nunca vai comprar um jornal que tenha o mesmo tipo de conteúdo que tem na internet, isso não tem um sentido lógico. Então, como enfrentar a competição com a internet, né? Daí o segmentado se torna uma saída, mas é difícil ter investimento nessas revistas específicas. Então, muito profissional migra pra internet por isso. Lá, o espaço é maior, a independência é maior e as possibilidades são maiores. As empresas vão limando, cada vez mais, a liberdade e as possibilidades dos profissionais. Você tem alguns exemplos de impressos que façam, hoje, esse caminho da reportagem aprofundada? Marcelo Miranda - Dos diários tradicionais, não. Você encontra alguns jornais que ainda têm uma aposta na ousadia. Mas eles são mais regionais e mesmo assim ainda reféns desse novo sistema. Mas dos grandes que a gente conhece – falando só de Minas, temos O Tempo, Hoje em Dia e Estado de Minas; no Brasil temos Folha de S. Paulo, O Globo, Estado de São Paulo, Valor Econômico –, todos estão se adaptando de uma maneira estranha. O Valor Econômico é muito segmentado em economia, mas aposta em grandes reportagens. Qual a necessidade de que o impresso sobreviva?

Ilustração: Luciana Caffagi

Marcelo Miranda - (Nossa que difícil... Vou acabar falando besteira. Bom, alguma vai sair, né...) E difícil responder perguntas em que a base delas – pelo menos do meu ponto de vista muito particular – não é nem uma questão. Quer dizer, nunca, em nenhum momento, eu questionei, ou vou questionar se o jornal diário impresso é, ou não, necessário. Isso não é uma questão pra mim, assim como não é uma questão dizer que essa mesa é de madeira. A gente não pergunta “mas, ela é de madeira ou não é?” porque a gente sabe que ela é, por essência. Então, nesse sentido, o jor-

“Esse ano a coisa tá feia né. Muito fim de publicação, muita demissão, muito caderno acabando. A gente tá tomando um susto atrás do outro.”

Marcelo Miranda

nalismo impresso vai continuar existindo e se adaptando. A necessidade é intrínseca aos tempos. Há um tempo atrás, ele servia para informar. Hoje, já não dá pra gente dizer que ele serve para informar, porque esse primado, agora, está na internet, está nas redes sociais, está em tudo. Então, o impresso não existe para isso mais. Então, ele deve servir para outra coisa. Talvez para analisar, para refletir, para desenvolver melhor... Para ser uma opção. Nesse sentido, ele mantém essa relevância e essa necessidade mesmo. Mas, ele precisa, de fato, de se adaptar a esses tempos. Não acredito que ele seja necessário, hoje, do mesmo jeito que era há cinquenta, setenta anos atrás. Ele é necessário de outras maneiras. De que maneiras, a gente está tentando descobrir. Os jornais estão indo à falência porque não sabem como se manter relevantes nos tempos de hoje. Então eles vão tentando encontrar alternativas. Uns conseguem uma saída e outros, não, e fecham ou demitem. Se eu tivesse uma resposta eu viveria de consultorias e viveria de salvar jornais. Mas eu sou só um jornalista sem veículo em Belo Horizonte. Acho que há, aí, um caminho possível, só que depende de uma série de fatores; entre eles, vontade. Tanto vontade da empresa de acreditar nisso – porque elas vão perdendo a crença, quanto menor é o retorno que elas têm – e vontade dos leitores em geral – que vão perdendo a crença. Cada um busca a leitura que é melhor para si. Mas é difícil a gente falar de uma coisa que vai se tornando, cada vez mais, abstrata. A cada no que passa, falar do jornal impresso vai se tornando mais distante. Ele vai se tornando uma ilha, quando, na verdade, ele precisa se adaptar a esses novos tempos. Mas, então, depende muito do interesse também. Isso tem de começar em quem é do meio:, como fazer o leitor da geração atual , primeiro, ser leitor? A partir do momento em que a pessoa é, então, uma leitora, como fazer com que ela se interesse por algo que é vendido, hoje, como algo que é do século passado, velho, retrógrado, atrasado. Esse é o grande desafio. Ricardo Corrêa - O impresso como papel, não vejo necessidade de manter vivo. O que vejo como necessário ao bem do mercado para o jornalismo é que as empresas de comunicação sólidas, que possuem um nome no mercado, consigam sobreviver, ainda que migrem totalmente para os meios digitais. Isso é importante para a nossa profissão, para o mercado, para a liberdade de informação, pois empresas jornalísticas grandes e fortes podem enfrentar as mazelas de forma mais honesta. O que faz os jornais serem menos isentos hoje é o fato de estarem de pires nas mãos, implorando por verbas estatais. Se forem grandes, fortes, muito lidos, serão financiados por seus leitores. Poderão fazer um jornalismo mais


Especial  •  09

na: Janderson Silva - 2º Período

onto

Belo Horizonte, 09 de Maio de 2014 honesto, mais isento, mais íntegro. Então, não vejo razão para torcer para que o Hoje em Dia tenha tiragem impressa contínua pelos próximos anos. Vejo razões para torcer para que as assinaturas digitais, como a minha, e os acessos ao site, cresçam. E que a credibilidade do impresso seja transportada sem perdas para o online. _Ficarei feliz no dia em que todos tiverem acesso ao conteúdo digital e não for necessário imprimir um jornal mais sequer. Eu, como consumidor, já migrei. Espero que todos migrem. Marcelo, quais as diferenças que você percebeu em suas experiências no Tempo e agora como freelancer? Marcelo Miranda - Eu trabalho no segmento do segmento. Em geral, sou um jornalista de cultura, que já é um segmento, e, dentro da cultura, eu atuo com mais continuidade e mais conhecimento no cinema – mas também dou uns tiros pra literatura, quadrinhos, algumas coisas, mas sempre “sub-segmentos”. Por essa experiência, o freelance é uma maneira de me dedicar mais a esse segmento. Conseguir ler mais coisas, estudar mais coisas, me inteirar melhor, estar mais no corpo-a-corpo com esse mundo, de alguma forma. Mas por outro lado, eu fico refém da demanda do mundo. Ou seja, no tempo que a gente está vivendo, em que o segmento está diminuindo nos grandes jornais, se você trabalha num segmento você vai junto. Então fica mais difícil conseguir matéria, é mais difícil convencer o editor de que aquilo que você está vendendo para ele é interessante. A não ser que você seja repórter da indústria, é mais difícil e você fica dependendo dos humores dos editores. Por outro lado, pintam convites, pro meu lado, para coisas fora do jornalismo – textos para catálogos, revisão de catálogos de cinema, palestras, debates, seleção de filmes para festival; coisas assim que jornalismo do segmento propicia. No caso, me propiciou. Por circular muito no meio, entrevistando gente, fazendo matéria, conversando, convivendo, fazendo algum trabalho que alguém, em algum momento, leu ou conheceu, as pessoas te procuram para fazer outras coisas dentro daquela área. Então, é natural que pinte esses convites. Acaba que é uma alternativa em que estar fora de uma empresa te facilita muito, você pode aceitar mais as coisas – e você precisa delas. Eu organizo meus horários para poder transitar em todos os meios. As mídias digitais estão cada vez mais presentes no dia a dia do consumidor e a migração do meio impresso para o meio online é natural e fato comprovado. Os jornalistas já estão se preparando profissionalmente para isso. Eles estão aprendendo a produzir para todas as mídias. Mas e o leitor? Você acha que os leitores estão preparados para as mudanças e exigências do jornalismo digital? Ricardo Corrêa - É interessante, pois tem pouca gente efetivamente se preparando. Ainda se vê na redação quem, por ter mais tempo de casa, acredite piamente que continuará fazendo jornal impresso para sempre. Enquanto isso, jovens recémformados, recebendo menos, estão ocupando as vagas do online, que é feito sem muita coordenação, sem muita orientação.

Os jornais têm em seus sites um acessório só, ainda. Há muito pouca integração. E isso é um grande problema pros veículos e pros jornalistas. Os que se prendem ao impresso, vão sofrer com essa mudança. Os mais novos, por outro lado, não estão podendo crescer na direção correta. Vejam os portais dos três jornais mineiros. Comparem com os impressos. Parecem outras empresas. Tirando as matérias do impresso reproduzidas ao longo do dia por esses portais, o resto é totalmente diferente. A linha é diferente, o público é diferente. Você tem um jornal escrito para a classe A e um portal para a classe C. Isso prejudica a migração da credibilidade de um para o outro. Se o trabalho for integrado, conjunto, complementar, essa migração será mais saudável. Os jornalistas que hoje fazem o impresso, aos poucos, irão se integrar aos conteúdos online e essa mudança irá ser benéfica para ele e para a empresa. Como está sendo feito hoje, estão formando dois grupos: dinossauros no impresso, jovens desorientados no online. Quem integrar vai se dar bem. Sobre o preparo dos leitores, sim. Estão preparados. Mas faz parte do amadurecimento digital de todo o povo brasileiro selecionar, saber no que confiar, como transmitir informações verificadas, confiáveis. Hoje as pessoas publicam tudo. Leu em um site, sai compartilhando sem saber se faz algum sentido, se é verídico. As pessoas ainda não sabem diferenciar bem. Isso só muda um pouco quando uma marca reconhecida está envolvida: Ah, isso deu na Folha! No Globo! No Estado de Minas! No Hoje em Dia!. É diferente de dizer: “saiu no blog do Zé...”. Mas isso é um aprendizado da sociedade, que ainda vai continuar. Marcelo Miranda - O leitor não se dá conta dessas mudanças. Nunca se consumiu tanta notícia como hoje, nunca se soube de tanta coisa ao mesmo tempo, de tudo. Não há parâmetros da quantidade de coisa que é noticiada hoje. Há um excesso de imagem e de noticiário. A gente sabe de tudo, não há dificuldade. Acho que o leitor não se dá conta dessas mudanças, ele consome. Às vezes até passivamente demais. Talvez esse seja um desafio que o jornal impresso não consegue, porque o jornal impresso exige uma atividade que é a busca. Com o excesso de informação hoje, você não busca nada. AS coisas chegam. Você não precisa de sair correndo atrás de noticiário hoje. Ele vem até você com muita facilidade, quando você entra no Facebook, quando você troca mensagens com alguém, quando você senta em um lugar e tem alguém do lado acessando uma coisa e comentando. Então não acho que o leitor se dê conta dessas mudanças, ou seja, a adaptação dele é natural. Não é nem que ele se adapte, na verdade. Ele já nasceu ali. Quem nasceu de 2000 pra cá – pegando dos adolescentes e puxando para trás, também quem nasceu de 1990 para cá – nasceu nesse mundo. É um leitor que não precisa se adaptar a nada. A gente é que tem de se adaptar a ele. Eu, com meus pouco mais de 30, meus amigos com mais de 40 ou 50 anos, é que precisamos nos adaptar a esse mundo deles. Eu sou relativamente jovem em relação a alguns colegas que estão no meio há muitos anos. Eu estou na faixa dos 30, há colegas na faixa dos 40, 50. Eu já sofro muito impacto. eles sofrem impactos maiores a cada década.

Ilustração: Luciana Caffagi

Meu chefe no Suplemento Literário, que tem quase 70, tem uma máxima muito divertida. Ele diz “eu e o século XXI não combinamos”. É um pouco isso, a gente é que tem de se adaptar. As novas gerações nasceram nesse mundo, o mundo está dado. Do mesmo modo que nós não conseguimos conceber um mundo onde não havia a televisão, as mais novas gerações desconhecem um mundo sem tablets. Cada geração se adapta ao mundo que tem para ela. Hoje, a criança nasce num mundo ultra-informatizado, ultra-noticioso, ultra-tecnológico e, aos dois, três, quatro anos, essas crianças já dominam os equipamentos muito mais do que a gente dominava quando tinha a idade delas. E isso influencia no noticiário: como fazer, hoje, um jornalismo para essa geração que, daqui a quinze anos vai se tornar consumidora? Marcelo Miranda - É curioso, né... A internet domina muito mais, mas ela não tem a legitimidade que o jornalismo impresso ainda tem. Acho que isso se deve ao tempo. Você tem 1500 anos de imprensa contra o quê? 30 anos, 20 anos de internet. E há uma certa ilusão, uma utopia de que o que sai na imprensa é mais bem cuidado do que o que sai na internet, A internet é muito veloz, então tudo pode ser mudado a qualquer momento. Se eu publico lá uma notícia e alguma coisa dentro dela muda, eu, imediatamente, troco. Então ela não é tão confiável. E tudo isso é bem pra se desconfiar também. “O jornal impresso é mais confiável”. Desconfie bastante disso também. O investidor do anúncio acredita um pouco que o que está no papel tem um peso legítimo maior do que o que está na internet. A interface da internet não garante que o leitor se prende necessariamente ao anúncio. E, na faculdade, a gente houve clichês do tipo “jornalismo é aquilo que é publicado entre um anúncio e outro”. E é meio verdade. Se você tem um caderno de oito páginas e tem de publicar um anúncio muito grande, ou parte do noticiário vai cair ou o número de páginas vai ser aumentado. Mas o anúncio não vai deixar de entrar. Muito repórter termina o dia infeliz porque a matéria dele de duas


10  •  Especial

Editor e diagramador da página: Janderson Silva - 3º Período

Belo Horizonte, 09 de Maio de 2014 laudas diminuiu para uma, porque entrou um anúncio. É o drama que mais se vive dentro de uma redação. Isso não vai mudar tão cedo porque é o que sustenta o jornal. No dia em que o anunciante parar de anunciar, ali o jornal acaba. Mas é um mundo a ser explorado, esse dos anúncios da internet. Como fazer, de fato, isso funcionar? Existe quem consegue, mas ainda é um desafio, porque tudo ali é muito fluido e as estratégias que se precisa criar para anunciar na internet elas vão contra o leitor porque incomodam. E o leitor acaba não voltando para aquele site nunca mais, mesmo que aquele anúncio seja justamente o que sustenta aquele site. A extinção do impresso já é dada como certa há um tempo. Porém, como apresenta gráficos da ANJ, após passar por uma forte queda no início da década, o impresso superou as expectativas e vem recuperando seu espaço com um crescimento constante desde 2009. Um exemplo disto é que em 2012, a circulação média de jornais pagos auditados pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) chegou a 4,52 milhões de jornais no país. Diante disso, porque ainda se fala no fim do impresso com essa amostragem de crescimento? Ricardo Corrêa - Bom, isso é simples. De fato em números absolutos a venda de impressos cresceu, mas ela se deu apenas por um fenômeno de ocupação de um espaço desocupado. A circulação só cresceu por conta dos surgimento dos populares. E isso só é possível pois o público que os populares atingem é formado, sobretudo, por pessoas que não têm o mesmo acesso que outra parcela da sociedade tem aos meios digitais. Quem lê o Super não tem tanto acesso à internet quanto quem lê o Estado de Minas. Então o Estado de Minas tem a internet como concorrente e o Super não. Se forem excluídos os populares (Super, Meia Hora, Diário Gaúcho, entre outros) a queda na circulação foi vertiginosa. Então, é erro achar que o impresso está crescendo. Não está. O impresso ocupou um espaço que não tinha ocupado, para fugir da concorrência da internet, mas a internet chegará até lá também. E o espaço para crescimento, na minha avaliação, já acabou. Marcelo Miranda – A gente vê as grande empresas se debatendo para manter a relevância de seus veículos. Há uma

diminuição cada vez maior do espaço do impresso no mercado porque o leitor de hoje não compreende mais a necessidade de noticiários extensos e ‘atrasados’, se na internet o noticiário é menor e chega mais rápido. Então, revistas fecham, jornais fecham, demitem, mudam equipes porque foram incapazes de se adaptar. As empresas estão tentando se adaptar, outra alternativa é fechar. Até o final de 2012 os jornais pagos tiveram um crescimento de 1,8% em relação a 2011. E naquele ano, a ANJ apontou o Super Notícia (MG) como o jornal de maior circulação no país. Já em 2012, esse “título” foi da Folha de São Paulo. O Super é um jornal sensacionalista e é mais acessível financeiramente. Ele tem o que as pessoas querem ver e quando a gente pensa em um tipo de impresso que pode durar, é esse modelo que nos vêm a cabeça. Então, o que você acha que poderia ter causado essa “queda” do Super? O que você vê como uma explicação pra isso se esse tipo de jornal impresso é o que mais tende a se manter “em pé”? Ricardo Corrêa - O que ocorreu não foi bem uma queda do Super, mas uma reação da Folha. Por dois motivos: O primeiro é que o Super não tem margem para grande crescimento mais, como eu disse na outra resposta. Pois ocupou o espaço desocupado e, agora, tende a ver esse espaço diminuir. A digitalização, o acesso cada vez maior à internet, que fica mais barata nos smartphones, que é mais presente nos empregos e atinge a casa de quase metade da população brasileira vão reduzir esse espaço dos populares, que nada mais fazem do que o trabalho que a internet faz para a outra parcela da população. Basta ler as seções mais acessadas dos sites e verão que são tão sensacionalistas quanto esses jornais. Quando chegarem até essa parcela da população, os tempos de ouro acabarão para eles também. A reação da Folha deve-se ao incremento das assinaturas digitais. A Folha está fechando seu conteúdo e tentando forçar seus leitores mais assíduos a assinarem o jornal digitalmente. Então não é um crescimento do impresso. É um crescimento dos veículos baseado no digital. O IVC considera como uma coisa só, mas não é jornal impresso crescendo. É jornal impresso no formato digital crescendo. É diferente. E pros veículos é muito

O Ponto melhor. Os custos e a lucratividade com a edição digital são amplamente maiores. Em resumo: ir pro digital é ótimo em todos os aspectos. É bom para a sociedade, ambientalmente falando. É bom para o jornalista, que ganhará outras ferramentas de trabalho, é bom para as empresas, pois a logística e os custos de produção são mais baratos. E isso faz

muita diferença se você notar que ano após ano a inflação come 6% das receitas, o jornal continua custando o mesmo preço e os salários dos jornalistas são reajustados no mesmo valor (6% aproximadamente). Então o papel custa mais, o jornalista custa mais, o tranporte custa mais.... no impresso, isso vai asfixiar as empresas, que vão cortar vagas. É o que está

acontecendo há décadas. Com menos gente, farão um jornalismo de pior qualidade, vão perder credibilidade e fechar as portas. Esse é o grande problema. Temos que tornar os jornais mais sustentáveis. No noticiário digital temos mais chance de conseguir isso do que no impresso. Então, que acabe o impresso!

“Os desafios do impresso” é um especial desenvolvido por atuais e ex-alunos do Jornalismo da FUMEC e publicada com autorização dos mesmo.

Opinião

O poder da linguagem Marina arias espeCiaL As palavras têm efeito poderoso sobre o comportamento e exerce influência de quem a pronuncia modificando emoções de quem as recebe. Este efeito, que está ligado às relações sociais (como na família, com amigos na rua, etc.) também acontece no jornalismo. Tanto na Argentina como no Brasil e outros países que fazem parte da América Latina, o jornalismo é produtor de tal violência, que neste caso, é a violência escrita. Muitas vezes uma pessoa que lê uma notícia de jornal não percebe a carga que algumas palavras têm e como estas podem afetar o cotidiano das pessoas. Um exemplo disso está nos seguintes títulos de jornais argentinos: “Homossexual assaltado e assassinado” ou “pegaram o assassino de negros”. Esses títulos são bem comuns no meio impresso, que, por muitas vezes denunciam a descriminação feita pelos jornais. Se as pessoas envolvidas nestas notícias fossem heterossexuais ou brancas, possivelmente as características do título seriam outras. Por outra parte o mesmo acontece com jornais brasileiros, como por exemplo, no jornal “O Globo”, no Rio de Janeiro, onde houve uma reportagem sobre dezenas de pessoas que eram exploradas sexualmente e enviadas para fora do país. O crime seria o tráfico de pessoas, mas o jornal estampou “tráfico de travestis”. Outro caso é o jornalista Paulo da Costa Ramos que foi acusado pelo Ministério Público Federal em Santa Catarina por praticar apologia à descriminação racial quando escreveu no jornal “O Estado” um artigo com título “BeiraMar para os Índios”, incitando o

Marina Arias é estudante de Jornalismo na UADE Universidad Argentina de la Empresa e está atualmente ao que corresponde nosso 7º período. É intercambista na Universidade FUMEC e foi convidada pelo jornal O Ponto a escrever para esta edição. preconceito e à discriminação. No texto o jornalista denigre a comunidade indígena guarani “Morro dos Cavalos” como sendo formada por estrangeiros e aproveitadores que “vencem” na vida à custa de outros. Para ele os índios se utilizam de prerrogativas que causam a derrota do Estado Nacional. Também, tanto na Argentina quanto no Brasil acontece o mesmo quando se trata de crimes praticados por pessoas que moram nas “Villas Miseria” (na Argentina) ou “Favelas” (no Brasil). A notícia não é um homem ou mulher de 20 anos que roubou um carro, é um homem da Rocinha que roubou um carro ou uma mulher de “Fuerte Apache” (bairro humilde de Buenos Aires). Com títulos assim, para quem lê a notícia, associa o local ao ato de roubar. Através destas notícias está taxando estas pessoas como ladras, o que leva a um mal estar social. Além disso, devemos levar em conta o fato de que as notícias que mais vendem são aquelas que estão sempre associadas a crimes, roubos e abusos, podendo assim identificar

certo grau de discriminação por meio dessas notícias. Para um jornal não é rentável contar a vida cotidiana, se não aconteceu algum roubo ou assalto, não se está tudo bem nas “villas miséria” quando estão trabalhando e indo à escola. O mesmo acontece com leitor já que para ele não é atraente ler esse tipo de notícia. Apesar destas questões, nos últimos anos o jornalismo em toda a América Latina sofreu diversas transformações positivas. No caso da Argentina, com a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, tem sido possível argumentar sobre esses temas podendo dar voz a quem até então não tinha, mudando o modo como lidamos com a informação. Como exemplo, uma comunidade indígena possui agora seu próprio canal de televisão. Estas são indicações de que há muitas pessoas que querem mudanças no jornalismo e que estejam compromissados com a transmissão de informação com responsabilidade e que não faça juízo de valor tentando polarizar a sociedade no seu âmbito geral.


Comportamento  •  11

Editor e diagramador da página: Carolina Mercadante - 2º Período

O Ponto

Belo Horizonte, 09 de Maio de 2014

Um novo cenário no consumo de álcool

Pesquisa da Unifesp indica que as mulheres estão consumindo cada vez mais bebidas alcoólicas; as mais jovens e escolarizadas seriam as principais adeptas Foto: Carolina Mercadante

são muito novinhas não sabem beber e acabam exagerando”.

“Algumas que são muito novinhas não sabem beber e acabam exagerando”.

Dalton Carvalho

As mulheres estão frequentando mais os bares. Elas bebem mais quando estão com as amigas Carolina Mercadante Júlia Alves 3º período

No Bar Sócio do bar Brasas, Dalton Carvalho diz que, cada vez mais mulheres estão frequentando o estabelecimento. “Tenho muitos fregueses homens, mas ultimamente muitas mulheres também frequentam o bar porque, geralmente, elas levam amigas, chegam em grupos”. Outra realidade observada por Dalton está no fato de que, quando acompanhadas por homens e namorados, as mulheres tendem a beber mais, ainda não tanto quanto os homens, mas a preferência por cerveja é algo comum aos dois sexos. Fato que surpreende o dono do bar. “Antes, as mulheres bebiam mais destilados, pelo menos aqui, mas hoje elas preferem cerveja”. Ponderando sobre o excesso, Dalton acredita que, as mulheres são bastante resistentes ao álcool e conseguem acompanhar, ou até mesmo, superar os homens. Mas ainda existem as que excedem seus limites. “Não foi em meu bar, mas em uma calourada que aconteceu aqui perto, uma garota exagerou e passou muito mal, vomitando e caindo pela rua. O pai dela chegou e a levou pro hospital, brigando bastante com a garota no carro. Algumas que

O Prazer se Torna um Vício Esse aumento na quantidade de álcool ingerido pelas mulheres, muitas vezes culmina no vício. Dessa forma, o número de pessoas que procuram ajuda também cresceu. Em entrevista ao Jornal O Ponto, O Grupo Alcoólicos Anônimos Carmo Sion, ponderou sobre o aumento de mulheres alcoólicas no Brasil. O ingresso e a frequência das mulheres nos grupos de A.A, segundo eles, ainda é um assunto bastante problemático, pois persiste arraigada na sociedade, a ideia de que, a instituição é só para homens. Porém, a presença feminina vem crescendo. Nos últimos anos mais mulheres iniciaram os passos para a sobriedade. Uma vitória contra o preconceito, atesta o Grupo Carmo Sion, porém uma vitória com gosto amargo, já que significa um grande aumento de mulheres com esse vício, termina. Comprovando essa realidade, no Grupo Carmo Sion , o número de mulheres ingressantes e que frequentam com regularidade as reuniões de recuperação é hoje de, aproximadamente, 30% do total de membros do grupo. Uma quantidade crescente, se comparada a anos anteriores. Foto: Carolina Mercadante

A bebida alcoólica é uma droga legal e de grande aceitação social. No Brasil, metade da população é consumidora. Porém, nos últimos anos o aumento da ingestão nociva de álcool cresceu em 30%, segundo o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), divulgado pela Universidade Paulista de Medicina (Unifesp). Acompanhando esses números, as mulheres tiveram um aumento de 36% em seu consumo, em apenas um ano, o que contrasta com o aumento dos homens de 29,4%. As mulheres estão bebendo mais. Reafirmando esse aumento ao longo dos anos, um estudo realizado pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo demonstra que, há 15 anos, duas mulheres bebiam para cada 10 homens, enquanto atualmente, são 8 mulheres para cada 10 homens. Ainda de acordo com a pesquisa, a maior escolaridade das mulheres contribui para o crescimento de seu consumo de álcool. Buscando exemplificar

esses números, em uma faculdade, um ambiente mais próximo da realidade da maioria das mulheres que bebem, a reportagem de O Ponto realizou uma enquente sem vínculo à nenhuma instituição especializada ou ligada a alguma pesquisa científica. Foram entrevistadas 48 alunas entre 18 e 26 anos. A enquete aponta que solteira é o estado civil mais comum, com 47 alunas, somente uma das entrevistas se declarou casada. Dentre elas, 36 relataram consumir bebidas alcoólicas, enquanto apenas 12 não bebem. Já a frequência em que bebem varia bastante, indo de três vezes por semana a uma. Porém, a opção mais recorrente, com 22 das entrevistadas, foi a de duas vezes por semana. A idade de início do consumo também possui grande variação, ondulando entre 13 e 20 anos. Entretanto a mais assinalada foi 15 anos, com 14 das entrevistadas. A maioria das mulheres ouvidas disseram que, preferem beber em bares e boates. Também pontuaram que o começo do consumo de álcool foi por iniciativa própria. Algumas, no entanto, assumem que houve a influência de amigos.

Os Especialistas Dizem Em uma entrevista à revista ISTOÉ, o professor de psiquiatria da Unifesp e diretor do levantamento dos números sobre o consumo de álcool no Brasil, Roberto Laranjeira afirma que as mulheres estão bebendo mais, principalmente, por terem uma vida social mais agitada do que anos atrás. Segundo ele, com a maior estabilidade financeira e com a igualdade conquistada perante os homens, as mulheres tendem a beber como eles. Elas estão praticando cada vez mais o que os especialistas chamam de “binge” – a ingestão de pelo menos quatro doses de álcool em menos de duas horas. Foi um crescimento maior do que o registrado entre os homens .Isso torna-se algo alarmante para muitos especialistas no assunto. Estudos apontam que o organismo da mulher absorve o álcool mais rápido e por diferenças de peso corpóreo, mesmo ingerindo a mesma quantidade que um homem, possuirá níveis de álcool maiores

no sangue. Laranjeira pontua ainda o fato de não haver uma política ou campanhas mais eficazes para o alcoolismo na mulher, é um caso ainda relegado à escuridão.

Apesar da peferência por cerveja atualmente, as mulheres aiinda escolhem bebidas destiladas


12  •  Cultura

Editor e diagramador da página: Janderson Silva - 2º Período

Belo Horizonte, 09 de Abril de 2014

O Ponto

Eduardo Coutinho (1933-2014)

O recorte natural do cidadão brasileiro

Inês Peixoto conta sua experiência com Eduardo Coutinho que trabalhou junto a ela no longa “Moscou”. Crédito: Arquivo Grupo Galpão

Inês Peixoto, atriz. Paulo Madrid Thaís Costa 2º e 3º Período

Qual a sua visão sobre o trabalho dele? A minha visão sobre o trabalho dele é de profunda admiração pela originalidade com que ele abordou a realidade brasileira. Desde o lendário Cabra Marcado para Morrer, de forte cunho político, até o maravilhoso Edifício Master, que para mim é uma obra prima, Eduardo Coutinho trouxe para as telas temas inusitados, tratados com leveza e profundidade, de uma maneira que só ele conseguia fazer. As pessoas se abriam para ele, sem que

nenhuma barra fosse forçada. Ele simplesmente sentava do outro lado da câmera, sempre com um cigarro na mão e, escutava, provocava com delicadeza, fazendo aflorar a emoção e memória de todos. É um documentarista das emoções, do cotidiano, da vida. Para você, qual a contribuição de Eduardo Coutinho para o cinema e/ ou teatro brasileiro? A contribuição do Coutinho para o cinema foi a genialidade dele. Ele, com certeza, contribuiu para popularizar o gênero documentário. Levar mais pessoas às salas de cinema para assistir a um documentário. Ele também era, e ainda é muito reconhecido fora do Brasil. Foi muito emocionante a homenagem que fizeram para ele na entrega do Oscar. Muitas vezes ele praticou no cinema um termo que está muito na moda: Serendipidade. Ele cismava com algum lugar ou algum tema e, simplesmente pegava a equipe, a câmera e aguçava a percepção de tudo que acontecia ao seu redor. O inesperado podia trazer um filme.

Mais conhecidas De ABC do Amor até As Canções, difícil falar qual teria sido mais importante ou mais marcante. Eduardo Coutinho deixou um legado cheio de originalidade. Seu trabalho foi marcado pela capacidade de ouvir o outro e pela sensibilidade com que aborda os problemas, emoções, sonhos, de pessoas comuns. Sem truques, ou sentimentalismo simulado. Averso a internet e tecnologia, Coutinho dizia que a comunicação deveria ser trocada face a face “Hoje em dia ninguém escuta ninguém, e já é assim há uns 20 anos. Eu realmente escuto as pessoas, e talvez seja por isso que elas falam comigo. Minha vida depende disso. Eu preciso das pessoas - por profissão até”. Afirma Coutinho em uma entrevista ao iG São Paulo, em outubro de 2013. Além de ter dirigido vários documentários, Coutinho também integrou a equipe do Globo Repórter, da TV Globo, permaneceu por nove anos, rodando filmes em 16mm, e foi lá que ele descobriu sua vocação de documentarista. Seu interesse por cinema surgiu na década de 1950, quando ainda era estudante de

Direito. Foi para França e formou-se em direção no IDHEC (Institut Des Hautes Etudes Cinématographiques). De volta ao Brasil, em 1960, integrou-se ao Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional de Estudantes (UNE), onde fez alguns trabalhos e foi gerente de produção do primeiro filme produzido pelo CPC, o longa metragem Cinco Vezes Favela. Já em 1964, seu segundo trabalho pelo CPC começou a se desenvolver com Cabra Marcado para Morrer. O documentário conta a história do líder da liga camponesa de Sapé (Paraíba), João Pedro Teixeira, assassinado em 1962. As filmagens foram feitas com camponeses do Engenho Galiléia (PE), e com a viúva de João Pedro, Elizabeth Teixeira. Entretanto, com o golpe de 1964, as filmagens foram interrompidas pelos militares e alguns membros da equipe foram presos sob alegação de comunismo. Dezessete anos mais tarde, Coutinho retomou seu projeto, desta vez com as primeiras filmagens do filme interrompido e depoimentos dos mesmos camponeses e de Elizabeth Teixeira, que desde 1964 viveu na clandestinidade. O tema central do filme passou a ser a história de João Pedro e as experiências que os camponeses viveram durante a ditadura militar, inclusive a de Elizabeth Teixeira que reassumiu sua identidade e contou como foi o reencontro com os filhos que espalharam-se por várias cidades do Brasil, na tentativa de reestabelecer suas vidas. O documentário foi lançado em 1984 e certamente foi um dos trabalhos mais importantes e excepcionais de Coutinho, conquistando 12 prêmios, grande parte internacionais.

Dentre tantos incríveis trabalhos, Edifício Master se destaca pela sensibilidade que Coutinho tem ao tratar as histórias de vida dos entrevistados. Histórias tristes e felizes, íntimas e reveladoras, que enriquecem a obra de forma simples e sem efeitos. Foi seu documentário mais assistido. Foram sete dias filmando o cotidiano e conhecendo alguns dos 500 moradores do Edifício Master, com 12 andares e 276 apartamentos, localizado na zona sul do Rio de Janeiro, em Copacabana. Ainda que se encontre em uma área nobre da capital carioca, o edifício é marcado pela diversidade. Pessoas de várias idades e lugares, com múltiplas histórias e que vivem no mesmo lugar. Em uma entrevista concedida ao Canal Brasil em 2012, Eduardo Coutinho diz que não basta ter uma grande história, tem que saber contar essa história “Quem sabe contar com riqueza uma vida pobre e cotidiana, isso eu acolho, isso me interessa. O cara que viveu uma vida extraordinária e que me conta mal essa vida, tá fora”.

Documentário inacabado Incansável, Coutinho disse uma vez que trabalharia de cadeira de rodas e até mesmo cego. E não foi porque seus 80 anos chegaram que ele pararia. Nos meses que antecederam a sua morte, estava em fase de pós-produção o documentário “Palavra”, sobre o universo adolescente. Entrevistou 30 estudantes do ensino médio de escolas públicas do Rio, e como na maioria de seus trabalhos, deixou que os adolescentes falassem à vontade. Ainda não se sabe se o documentário será levado adiante. Crédito: Arquivo Grupo Galpão

“Ele simplesmente sentava do outro lado da câmera, sempre com um cigarro na mão e, escutava, provocava com delicadeza, fazendo aflorar a emoção e memória de todos. É um documentarista das emoções, do cotidiano, da vida.” Em mais de quatro décadas de carreira, Eduardo Coutinho, um dos mais consagrados nomes do documentário brasileiro, nos deixou aos 80 anos, em 2 de fevereiro, de forma brutal. Foi assassinado, a facadas pelo seu filho, que sofria de esquizofrenia. Uma perda lastimável para o cinema nacional. Diante desse triste fato, entrevistamos Inês Peixoto, consolidada atriz belo-horizontina, que teve a honra de ser direcionada por Coutinho. Sua trajetória artística iniciou-se em 1981 e é marcada por grandes trabalhos na TV, no cinema e no teatro. A atriz integra o Grupo Galpão, uma das companhias mais importantes do cenário teatral brasileiro. Foi lá que ela e seus companheiros tiveram a honra de serem direcionados por Coutinho. Ele esteve na sede do Grupo aqui em Belo Horizonte, e fez uma proposta que deixou os atores bastante empolgados. Ao contrário da maioria de seus trabalhos, que era ligar a câmera e deixar que falassem à vontade, a proposta para este filme era outra. A ideia era que eles que ensaiassem uma peça para ser documentada em seu filme “Moscou”. A peça escolhida foi “As três irmãs”, clássico russo de Anton Tchecov. O que “Moscou” mostrou, foram ensaios e exercícios que Enrique Diaz (diretor da peça escolhido pelo Grupo) propôs aos atores, como se estivessem montando uma peça que nunca seria encenada. O filme foi estreou no cinema em 2009.

Como foi trabalhar com Eduardo Coutinho no filme Moscou? Trabalhar com o Coutinho no filme Moscou foi o que de mais inesperado aconteceu para o Galpão. Eduardo Coutinho é um documentarista pelo qual sempre fomos apaixonados. Sempre fomos assíduos na platéia dos documentários dele e quando assistimos “Jogo de Cena”, ficamos encantados com a pesquisa dele sobre o delicado limite entre ficção e realidade. Era realmente um jogo sensacional. Quando a Videofilmes entrou em contato com o Galpão e nós o recebemos juntamente com o João Moreira Sales em nossa sede em Belo Horizonte, ficamos bastante animados com a proposta dele. Além de ser um um cara maravilhoso, ele era um artista inquieto e disposto ao imprevisto. Ele nos disse que queria fazer um trabalho com um grupo de teatro que já tivesse uma história consolidada. E que, a ideia dele para o filme era, a câmera ligar, ele entregar para este grupo um texto que só ele sabia qual era e, a partir daquele momento, nós ficaríamos por três semanas, dentro do Galpão CineHorto, fazendo exercícios e provocando a criação, para uma possível montagem teatral daquele texto. Nós topamos! Então, o Henrique Diaz, renomado ator e diretor, veio dirigir o processo teatral para a montagem do texto, que era “As Três Irmãs” de Anton Tchékhov. E o Coutinho, com a equipe dele, ficava com a câmera ligada, registrando tudo. Foi lindo. Uma experiência inesquecível. De repente, nada estava em primeiro plano. Estávamos todos misturados, os atores, os diretores, a câmera, a equipe e os personagens.

Coutinho foi um importante diretor brasileiro de filmes e documentários


Editor e diagramador da página: Janderson Silva - 2º Período

CRÔNICA

Belo Horizonte, ## de ##### de

C

O Ponto

A Flor Bruna Marta 6º Período “E naquele mesmo ar, antes se respirada Magnólia.” “Uma alameda delas, embaixo da minha janela”. Era o que Ana dizia quando lhe perguntavam sobre a fotografia na parede ou sobre a infância em Belo Horizonte. Quando completou 12 anos, seus pais deram de presente uma câmera fotografia e a notícia que em breve se mudariam para o Rio de Janeiro. Há quase um mês, o pai, Antônio, cumpria aviso prévio numa pequena indústria automotiva local. O irmão, recém-empreiteiro, o havia chamado para trabalhar na cidade dizendo que “nunca falta dinheiro para construção civil”. A mãe, Carolina, que a princípio nem se permita falar do assunto, a essa altura resignara-se. Chorou durante duas semanas inteiras e até o momento da mudança quase não falou com o marido. Justificou-se pela venda da casa dos pais, herança dela e de Ana, mas todos sabiam de que o

O lado bom Paulo Madrid 2º Período Não vi o cobertor no chão. Ao levantar da cama, escorreguei nele. Indignado com a minha (falta de) sorte e desatenção, não me conformei em ter que esperar que alguém chegasse e me resgatasse. Joguei o cobertor longe. Analisei o cenário. O que eu poderia fazer para sair dali? Bom... eu estava sentado no pequeno espaço entre a cama e a porta. Uma mão na cama. Outra na parede. O pé empurrando a porta.

desgosto era por desconfiança da boa fé do cunhado. Enquanto isso, Ana fotografava as magnólias. Até pediu ao barbeiro que fizesse uma foto ao lado de uma delas. Despediu-se das amigas da escola, da moça da confeitaria, das cores do amontoado de lojinhas que davam ao bairro a impressão de ser uma cidade pequena dentro de uma maiorzinha. Em janeiro daquele ano, mudaram-se. Foram morar em Lins de Vasconcelos, numa casa pequena de dois quatros. A foto das magnólias metida num porta-retratos barato era para Ana o motivo de orgulho e argumento para fazer novas amizades. Na primeira semana de aula, levou as coleguinhas da escola para conhecer a cidade jardim de que tanto falara. Quando o tipo que não conhecia foi fazer a primeira visita, ela foi quem fez sala e o levou pela mão até o quatro para ver o retrato. Ele viu como a menina era bonita apesar de um pouco franzina para a idade. Passou a almoçar todos os dias com a família. Chegou a comentar com

o marido sobre as perguntas da escola, dos amigos, das brincadeiras, das preferências; mas este ele respondia que devia ser para tentar agradá-la e que ela devia parar de ver os outros com os olhos tão ruins. Era quase Carnaval. A perspectiva de estar ali, nesta época do ano, fazia Ana transbordar de excitação e ansiedade. Falava nisso desde sempre e pediu à mãe que lhe fizesse uma fantasia “de moça”. Ela achou graça ver a filha tão crescida. O vestido do paetês cor-de-rosa dançava no seu corpinho pequeno e magro enquanto pulava na frente do pai tentando convencê-lo. Antônio, que não era muito de Carnaval, disse que tirou o feriado para descansar e Carolina reclamou que estava apertada demais terminando a costura, mas Ana insistiu tanto e estava tão animada que, a contragosto, acabaram deixando que o tio a levasse para festa a festa. Naquela noite Ana fingiu que era uma flor de magnólia. Ainda era março quando caiu, desflorada.

da minha vida

Poderia ser isso. Tentei uma vez. Subi pouco. Precisaria de mais força. Tentei de novo. Na hora do último impulso, uma de minhas mãos escorregou e voltei ao solo. Descanso. 2 minutos. Existe um ditado em castelhano que diz: a la tercera va la vencida. Em tradução livre, quer dizer que na terceira tentativa se alcança o fim desejado. Enfim, acredito nessa frase desde que a conheço. Ali sentado, me lembrei dela. Não deu outra. Depois de mais uma investida, estava eu novamente em cima da cama.

Sou deficiente físico. Na minha cabeça, esse é um problema como outro qualquer. Muitas pessoas enfrentam situações piores. Claro, tive e ainda tenho algumas dificuldades incomuns até mesmo em situações cotidianas. Mas não é nada demais. Com criatividade, esforço e insistência se resolve tudo. Fiquei feliz. Não tanto por levantar. Muito por ter uma história que contar. Vida de cronista.


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