Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social |
Número 90
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Maio de 2013
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Distribuição gratuita
Belo Horizonte / MG
Foto: Marcelo Tito
Ano 14
Trabalho infantil: a venda de balas no sinal é apenas um dos exemplos do desrespeito aos direitos das crianças e dos adolescentes Esta edição do jornal O PONTO foi feita prioritariamente com a produção de alunos e alunas da disciplina Mídia e Políticas Públicas Sociais. Isso fez desse número um especial sobre políticas públicas com ênfase na promoção e proteção de crianças e adolescentes, ponto de partida das discussões em sala de aula. Os temas presentes no jornal propõem reflexões sobre graves problemas sociais: o trabalho infantil, exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes, as condições para aplicação da medida de internação de adolescentes em conflito com a lei, os impasses da educação inclusiva, dentre outros. O exercício proposto foi o de abordar essas questões buscando uma avaliação das políticas públicas de cada setor, procurando retratar um balanço da situação em cada tema. Ao longo da produção das reportagens, os alunos e as alunas da disciplina contaram com o apoio da Oficina de Imagens, Organização não-Governamental belohorizontina que integra a Rede Andi Comunicação e Direitos e há 15 anos se dedica às pesquisas e ações relacionadas
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à agenda do desenvolvimento sustentável e dos direitos humanos, em especial aquelas direcionadas para as crianças e adolescentes. A Oficina de Imagens é entidade parceira do curso de Jornalismo da FUMEC na introdução da disciplina Mídia e Políticas Públicas, dentro do programa InFormação, criado pela Andi para estimular essa discussão na formação dos futuros jornalistas. Sabemos que a discussão em torno das políticas sociais esteve ausente das agendas públicas principalmente a partir dos anos 1980, quando ainda prevalecia uma concepção predominantemente econômica de desenvolvimento. No entanto, nos últimos anos, sobretudo no início dos anos 2000, testemunhamos um caminho inverso e as políticas sociais conquistaram um espaço importante na formulação de decisões de governo e também na esfera pública. O jornalista precisa estar atento a essas transformações para identificar a pauta social e também saber como inserir as pessoas nessa discussão em uma relação em que predomine o diálogo.
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02 • Opinião
Editor e diagramador da página: Júlia Falconi - 5º Período
Belo Horizonte, maio de 2013
O Ponto
Cotas e combate ao racismo MARIANA CAMPOLINA DURÃES 1º PERÍODO O senado aprovou há 9 meses um projeto que separa 50% das vagas nas universidades para cotas. Metade delas, ou 25% do total de vagas, será destinada aos negros, pardos ou indígenas. Esse é um dos temas mais polêmicos atualmente. O programa apresenta agora um modelo mais amplo que garante justiça social para a maioria da população brasileira, já que a educação, em especial a formação universitária é a principal forma de ascensão social no Brasil. Já estava mais do que na hora de aqueles que por tanto tempo foram injustiçados tivessem uma chance e um estímulo para ingressar no ensino superior e
garantir um futuro melhor. A população brasileira, no entanto, ainda está muito dividida em relação às chamadas ações afirmativas, por pensar que o verdadeiro problema é a péssima qualidade na educação de base. Mal sabem eles que o verdadeiro objetivo das cotas não é de “esconder a sujeira debaixo do tapete”. Ambas as esferas da educação brasileira precisam urgentemente de atenção e precisam ser resolvidas simultaneamente. Além disso, ao contrário do que muitos pensam, estudos mostram que nas Universidades onde as cotas já foram implementadas (como a UnB e UERJ), não houve perda na qualidade de ensino ou queda no número de formandos. Pelo contrário, em algumas vezes os cotistas tiveram um desempenho melhor do que os alunos de livre concorrência.
Mais absurdo ainda é pensar que as cotas criam o racismo. Ele já existe e é inegável que os negros ainda têm menos oportunidades em todos os âmbitos. Uma vez que a Lei de Cotas provocará debate em torno da ideia de “raça”, ela acabará funcionando como uma medida antirracista. E, sem negar que somos diferentes, conseguiremos promover a igualdade. Contudo, se a médio ou longo prazo não aparecerem soluções para o ensino de base, o projeto se tornará inútil. Portanto, não há espaço para que os políticos se acomodem com o sucesso e aceitação das ações afirmativas e busque a melhora e a ordem no ensino infantil, fundamental e médio. A sociedade civil, por sua vez, deve cobrar e fiscalizar as ações do governo, fazendo jus ao seu voto e papel como cidadão e cidadã.
Maioridade penal MARIANA CHACON 1º PERÍODO A divulgação de casos praticados por adolescentes ou com envolvimento destes, como o do que ateou fogo na dentista Cynthia Magaly Moutinho de Souza (porque possuía apenas R$ 30 em sua conta no banco) e o do rapaz de 16 anos que assaltou um ônibus e estuprou uma das passageiras no Rio de Janeiro, trouxe mais uma vez à tona a polêmica em torno da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. As pessoas que concordam com a mudança afirmam que os menores de 18 anos já não são como os de antigamente, que possuem certeza de seus atos e decisões e são capazes de decidir por um crime ou homicídio e por isso devem ser punidos. Aqueles que são contrários acreditam que os jovens infratores ainda podem ser recuperados e tirados da marginalidade. Alterar a idade com a qual o cidadão se responsabilizará de forma integral pelo seu crime não é um fator que determinará o fim da onda de crimes ou do envolvimento de menores na marginalidade. Sozinha, a mudança na maioridade penal não tem impacto para o número de crimes ou a realidade pavorosa na qual encontra a violência no Brasil. Porém, se amparado por mudanças em outros segmentos, ela poderia ser um fator crucial para um novo cenário. O sistema carcerário brasileiro – que possui a 4ª
maior população do mundo -, é ineficaz, superlotado e meramente punitivo, sem nenhuma metodologia que vise reintegrar o preso à sociedade após o cumprimento de sua pena. Torna-se necessária, então, uma mudança drástica de estrutura, tanto física quanto metodológica em relação às prisões. O código penal brasileiro, de 1940, apesar de ter sofrido alterações durante os anos, é ineficaz e não está preparado para punir de forma justa e correta os crimes que lotam o sistema judiciário. Quando existir um sistema capaz de receber a demanda, a medida da redução da maioridade poderia tomar outro status. Devem estar envolvidos também o resgate e, principalmente, a prevenção de crianças que moram em lugares com maior risco de se envolverem com o crime. Para isso, a educação e o trabalho social devem estar aliados a alterações no código penal, maioridade penal e sistema carcerário. O problema vai muito além da redução da maioridade penal. Esta não deve ser entendida como uma tábua de salvação, mas, se aprovada, como um começo. É necessário que o governo acorde e enxergue que são necessárias mudanças que tenham como foco a criança e o adolescente para que o país cresça e se desenvolva. Só assim teremos um Brasil que garanta um futuro digno para suas crianças, que são e sempre serão o futuro desse país que sofreu e sofre até hoje com o desleixo do tempo e dos governos.
Feliciano e o retrocesso JANDERSON SILVA 1º PERÍODO A questão da homossexualidade no Brasil está longe de chegar a um consenso. São fartas as declarações de ódio e os laços de uma visão funcionalista continuam fortes depois de tantos anos. Um exemplo disso é a resistência na aprovação da lei que criminaliza a homofobia. Por trás, encontramos a própria negação da discriminação, o que não deixa de reforçar esse problema. O conjunto de relações e patrimônios simbólicos, historicamente compartilhados, que podem determinar valores entre membros de uma sociedade expressam a grandiosidade do tema. O juízo de valor, sendo uma decisão individual, deixa a discussão ainda mais íntima, mas sonhemos com uma coletividade na tentativa de compreender a situação. Apesar de toda complexidade e o problema de se conviver com as diferenças, isso não faz com que o assunto se torne menos estimulante, muito pelo contrário. É preciso ter cautela, mas, em tempos de Felicianos, ser cauteloso é exercício de poucos. Se nem mesmo o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Mino-
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rias pratica este exercício de cautela ao formular discursos e propor projetos, como cobrar de uma sociedade uma tentativa de compreensão da causa homossexual e desmantelar os laços com fundamentos dogmáticos? Quando Feliciano propôs novamente a “Cura Gay”, proibida há 14 anos, o presidente da comissão nos colocou no ápice de um retrocesso político-social (foi em 1999 que o Conselho Federal de Psicologia decretou que psicólogos não deviam propor cura para a homossexualidade, visto que não seria um transtorno mental). Tal atitude não é esperada de quem deveria ser um dos principais representantes dos direitos humanos em um país. Nesse contexto se desenvolve a polêmica em torno da criminalização da homofobia. Mesmo com pressões de instituições pilares da formação cultural nacional, como a Igreja, e visões como a do funcionalismo, que se encontram veladas em alguns que buscam justificativas contrárias à causa homossexual, alegando produzir uma inadequação social porque impede formação de novas gerações, ainda há os que persistem na defesa da causa. É necessário legitimar o respeito, e sabemos como fazer isso. Ele passa pela luta contra a desigualdade e contra qualquer forma de discriminação.
o ponto Coordenação Editorial Profa. Ana Paola Amorim (Jornalismo Impresso) Prof. Aurélio José da Silva (Redação Modelo) Professores orientadores Prof. Alexandre Teixeira da Costa (Planejamento Gráfico) Profª. Dunya Azevedo (Fotografia) Projeto Gráfico Dunya Azevedo · Professora Orientadora Pedro Rocha · Aluno voluntário Roberta Andrade · Aluna voluntária Logotipo Giovanni Batista Corrêa Universidade Fumec Rua Cobre, 200 · Cruzeiro Belo Horizonte · Minas Gerais Tel: 3228-3014 · e-mail: opontofumec@gmail.com Presidente do Conselho Curador Prof. Tiago Fantini Magalhães Reitor da Universidade Fumec Prof. Dr. Eduardo Martins de Lima Diretor Geral/FCH Prof. Antônio Marcos Nohmi Diretor de Ensino/FCH Prof. João Batista de Mendonça Filho Diretor Administrativo e Financeiro/FCH Prof. Fernando de Melo Nogueira Coordenador do Curso de Jornalismo Prof. Ismar Madeira Monitores de Jornalismo Impresso Diego Duarte e Túlio Kaizer Monitores da Redação Modelo Júlia Falconi e Laís Seixas Monitores de Produção Gráfica Caroline Lagamba e Raquel Couto Técnico do Lab. Produção Gráfica Daniel Washington Técnico do Lab. Jornalismo Impresso Luis Filipe Pena B. de Andrade Tiragem desta edição: 3.000 exemplares Jornal Laboratório do curso de Jornalismo
Os artigos publicados nesta página não expressam necessariamente a opinião do jornal e visam refletir as diversas tendências do pensamento
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Opinião • 03
Editor e diagramador da página: Júlia Falconi - 5º Período
O Ponto
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Quando a ‘Primavera’ virou ‘Inverno’ JÚLIA ALVES COSTA 1º PERÍODO Há quase três anos um tusiano se imolou em Túnis, os egípcios tomaram a Praça Tahir, os líbios se insurgiram contra o ditador Muammar Khadafi, e vários outros países do Norte da África e Sul do Oriente Médio se revoltaram contra seus governos opressores, dando ínicio ao que ficou conhecido como Primavera Árabe. Mas a “Primavera” há muito se tornou “Inverno” e já são incontáveis mortos, inúmeras perdas materiais e guerras civis intermináveis. Alguns regimes caíram antes, a exemplo do Iêmen, Marrocos, Tunísia, Egito e Líbia. Mas os custos foram altos demais e a tão sonhada democracia não se tornou uma realidade tão vívida assim. No Iêmen e em Marrocos somente promessas; o Egito volta a cair nas mãos dos militares e a Líbia, nas mãos das milícias. As revoluções não mudaram muito a realidade desses países árabes, na ver-
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dade, para muitos, foi piorada pelo terror da guerra. A Síria é um exemplo: desde 26 de janeiro de 2011, o país se encontra em guerra civil avassaladora, contando com cerca de 70 mil sírios mortos nos conflitos e 585 civis estrangeiros. O governo do presidente Bashar al-Assad alega defender o país de terroristas armados, enquanto a oposição busca derrubar o ditador inescrupuloso e implantar uma democracia. E em meio a esse fogo cruzado estão aproximadamente dois milhões de desabrigados e refugiados. Essa é a guerra e é o que ela custa. Cada um lutando pelo que acredita ser certo, mas se esquecendo das vidas perdidas, das crianças sem pais e dos traumas jamais esquecidos. Enquanto os sírios se destroem, as potências ocidentais assistem de braços cruzados, palpitando aqui e ali, porém mais preocupados com o medo por suas delicadas economias, pois o dinheiro importa muito mais
Hashtag
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que o ser humano. O mesmo se diz da ONU, impotente diante da matança. A guerra civil síria caminha para o terceiro aniversário e se espalha pelas fronteiras do país. O caso mais recente foi na fronteira sul com Turquia, com alta concentração de refugiados sírios. Dois carros bombas explodiram provocando a morte de 40 pessoas e deixando 100 feridos. O primeiro-ministro turco culpa o governo da Síria e cobra uma ação mais enérgica da comunidade internacional. A situação já passou do intolerável, mas o Ocidente parece ignorar a realidade desses países árabes, parece querer deixar tudo se resolver sozinho. Entretanto isso é algo que não ocorrerá. A região, que sempre foi vista como uma bomba prestes a explodir, explodiu e a onda de choque continua se propagando e destruindo, transformando a Primavera em um rigoroso Inverno sem anúncio de fim.
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Boa leitura!
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04 • Especial
Editor e diagramador da página: Júlia Falconi - 5º Período
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O Ponto
Escolas de Belo Horizonte implantam projeto para alunos Projeto Comunica Escola entra nas atividades acadêmicas das escolas Paulo Mendes Campos e Alcida Torres Foto: Bruna Rodrigues
ELOÁ MAGALHÃES
3º E 7º PERÍODO
“O projeto chegará aos alunos, para que eles possam vivenciar essa fase educacional que é algo de grande valia” Glauce Palhares, analista de projetos “O projeto está sendo iniciado em primeiro lugar com os professores, até porque eles são os mediadores dentro da escola. Porém, com o decorrer do tempo, ele chegará aos alunos, inclusive para que eles possam vivenciar essa fase educacional que é algo de grande valia”, completou Glauce. A professora de educação física da Escola Paulo Mendes Campos, Maria Elizabete Godoi, afirma que um fator muito importante desse projeto é a aprendizagem de como lidar com as diferenças, ainda que isso tenha sido um paradigma difícil de ser quebrado na sociedade. Elizabete ressalta que é preciso entender
que as crianças e adolescentes merecem respeito. O projeto ensina aos alunos terem compreensão de seus direitos e deveres, itens que muitas vezes são desrespeitados pela sociedade. Educação na comunicação Um item que Elizabete também ressaltou é sobre o fato de educar o aluno para a comunicação, sobretudo porque na Escola Paulo Mendes Campos ,onde ela atua profissionalmente, já existe uma rádio piloto na qual eles fazem trabalhos experimentais com os próprios alunos. Além da rádio, Elizabete informou que a escola também irá desenvolver trabalho de outras mídias com os alunos, que seria produção de imagens, com câmeras fotográficas e vídeos dentro da própria escola.
Professora Elizabete e alunos que participam da oficina de rádio
Foto: Eloá Magalhães
Construção da cidadania O diretor da Escola Municipal Paulo Mendes Campos, Antônio Augusto Horta Liza, conhecido popularmente por “Guto”, considera o projeto Comunica Escola algo de fundamental importância para as diretrizes acadêmicas. Um dos fatores que ele destaca é a prevenção da violência, como briga entre alunos dentro e fora do território escolar e o bullying. Antônio Augusto informa ainda que o projeto é desenvolvido também na Argentina e Bolívia e tem como uma de suas ações o intercâmbio: um indivîduo pode visitar um outro país para trocar experiências.
Professor Cláudio e alunas da oficina
AGÊNCIA
A escola municipal Paulo Mendes Campos, no bairro Floresta, e a Escola municipal Alcida Torres, localizada no Taquaril, ambas da região leste de Belo Horizonte, estão experimentando um projeto de combate à violência, elaborado pela ONG Oficina de Imagens. O objetivo do projeto é incentivar o desenvolvimento de atividades diversas de inclusão. Um exemplo citado pela professora de educação física, Elizabete Godoy, é o programa de rádio experimental desenvolvido pela Escola Paulo Mendes Campos e embasado no projeto Comunica Escola Mercosul. Segundo ela, o trabalho comunicacional pode influenciar positivamente os alunos, permitindo que eles tenham um novo contexto de vida. O coordenador da rádio, Cláudio Pereira, diz que o projeto é um espaço para se discutir a problemática concernente ao ambiente escolar público e tem como ferramenta de trabalho a comunicação. “O projeto da rádio entrou primeiramente em debate na ONG, principalmente nos encontros de formação. Sobre a eficácia, enquanto ferramenta, não só de comunicação, mas reeducacional, estamos ainda no processo de construção para melhorar”, completa Cláudio.
A analista de projetos da Oficina de Imagens e coordenadora do projeto comunica escola, Glauce Palhares, informou que esse projeto chegou a Belo Horizonte no ano passado e que seu desenvolvimento não é tão fácil quanto se imagina, uma vez que depende do empenho da escola onde o aluno passa parte de seu tempo e dos familiares que são responsáveis por ele.
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EXPERIMENTAL
MARCIANO ARCANJO BRUNA RODRIGUES
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Editoria • 05
Editor e diagramador da página: Lais Seixas
O Ponto
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Propaganda infantil sob vigilância Órgão brasileiro insere nova restrição no código que regulamenta a publicidade voltada para o público infantil
ilustração cedida por: artmixweb
RHIZA CASTRO 7º PERÍODO O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, Conar, resolveu estreitar o cerco contra a publicidade infantil. No início de março, o órgão inseriu uma nova restrição no código que regulamenta o setor. Agora, o objetivo é barrar também as ações de merchandising que tenham crianças e jovens como alvos, assim como a participação das mesmas nesse tipo de peça publicitária. Essa nova restrição nasceu por meio de uma solicitação da Associação Brasileira de Anunciantes, ABA, tendo em vista a necessidade de ampliar a proteção a públicos vulneráveis, que podem enfrentar certa dificuldade para identificar manifestações publicitárias em conteúdos editoriais. O Conar é pioneiro entre as entidades brasileiras a impor e praticar limites para a publicidade para menores de idade; fato que ocorreu em 1978, quando foi criado o Código ético-publicitário. Mesmo que a adesão ao
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código seja voluntária, segundo o órgão, “o documento é unanimamente aceito e praticado no país por anunciantes, agências de publicidade e veículos de comunicação”. Joana Rates, dona de um salão de beleza, é mãe de Pedro, de seis anos. Ela, que trabalha com crianças todos os dias, é contra esse código. “O mundo é movido a propagandas, são elas que enchem os olhos das crianças. Claro que deveriam se importar mais em ser educativos do que em vender. Mas aí cabe a mim a educação, é só não comprar tudo o que a propaganda insiste em vender. Eu explico ao meu filho que nem tudo é do jeito que aparece na TV”, afirma. De acordo com a psicóloga Verônica Barbosa Lima, as crianças ganham o que querem porque muitos pais têm certa dificuldade em ter esse mesmo posiciona-
mento de Joana, pois não conseguem lidar facilmente com as vontades dos filhos. Alguns querem dar às crianças aquilo que não tiveram na infância, enquanto outros compram produtos diversos na tentativa de preencher um vazio deixado por eles mesmos, como se o objeto fosse compensar um tempo e dedicação que deveria ser dado a ela e não foi. E ainda têm os que simplesmente não têm coragem de dizer não, que têm dificuldade em impor limites. A Psicóloga ainda afirma que o mais saudável para o desenvolvimento da criança é quando os pais estimulam os filhos para refletirem sobre o consumo Joana Rates de certos produtos e sobre a influência da mídia no desejo em adquirir. “Os pais não podem deixar que o sentido de comprar um presente se perca. Eles devem sempre
“O mundo é movido a propagandas, são elas que enchem os olhos das crianças”
deixar claro aos filhos o motivo da compra, explicando sempre o real significado, como exemplo, uma data comemorativa, um ato de gratificação por determinado comportamento”. A empresária Cristiane Badaró tem duas filhas, Manoella de dez anos e Marcella de seis. Mesmo com poucos anos de vida, as meninas já foram várias vezes para o lugar dos sonhos de qualquer criança, os parques temáticos, hotéis e resorts da Disney. Nesses lugares, o mundo real foge muitas vezes da cabeça - até os adultos viram crianças - e o consumo é altíssimo. Às vezes, para um produto esgotar nas lojas, nem é necessário fazer tanta propaganda. “Durante a nossa última ida para lá, as meninas cismaram com uma boneca que chama American Girl, porque lá nos Estados Unidos todas as meninas têm.É uma febre. A boneca é como se fosse uma filha, as roupas são mais caras do que as nossas. Elas ficaram me pedindo até eu dar, não teve jeito”. Mas Cris-
tiane afirma que não é sempre que cede aos apelos das filhas, falar não pra ela não é tão difícil. “Às vezes elas pedem muito uma roupa, ou um brinquedo. Se é algo mais caro e um desejo que não é passageiro, espero chegar alguma data comemorativa, senão eu falo para elas comprarem com o dinheiro delas. Quando isso acontece, tudo muda. Pensam duas vezes antes de comprar. É bom fazer isso para elas darem valor ao que damos”. Verônica Lima, que trabalha com crianças e adolescentes realizando orientação aos pais e professores, dá sua palavra final: “Sou a favor de fiscalização das propagandas voltadas à criança e ao adolescente para que se preserve a criança de ações agressivas ou desapropriadas. É preciso lembrar sempre que a orientação dos pais é muito mais fundamental e muito mais determinante e decisiva no consumismo desenfreado infantil do que a influência dos colegas ou da publicidade”.
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O Ponto
Obstáculos de uma escola para todos Educação inclusiva é lei, mas falta controle para garantir acesso a mais de 200 mil estudantes com deficiência que continuam fora da escola
GIULIA MENDES E JULIANA PIO 8º PERÍODO
Atenta à diversidade humana, a educação inclusiva busca perceber e atender as necessidades educativas especiais de todos os alunos, em salas de aula comuns, em um sistema regular de ensino, de forma a promover a aprendizagem e o desenvolvimento pessoal de todos. Prática pedagógica coletiva, multifacetada, dinâmica e flexível, requer mudanças significativas na estrutura e no funcionamento das escolas, na formação e capacitação dos professores e nas relações entre família e escola. “Minha filha já passou por oito escolas. Na maioria das vezes, os diretores argumentaram que a instituição não tinha estrutura para receber uma pessoa com deficiência”. Depoimentos como o da professora Luzia Zoline, mãe de Isabela Zoline, que tem síndrome de Down, são
Fotos: Rafael Werkema/CFESS/Divulgação
frequentes quando o assunto em questão é a educação inclusiva. Embora o direito seja assegurado por lei, o acesso ao ensino regular ainda é um desafio constante na sociedade brasileira. Historicamente, a educação inclusiva sempre ocupou uma posição marginal no país, por se tratar de um processo que envolve uma reestruturação da cultura, da prática e das políticas vivenciadas nas escolas. Entretanto, nos últimos anos, seguindo uma tendência mundial, o tema passou a fazer parte da agenda das políticas públicas. Vale ressaltar que o ensino inclusivo não deve ser confundido com a educação especial – que envolve somente o atendimento educacional especializado -, embora o contemple. Em linhas gerais, os documentos legais usados como base para a efetivação da educação inclusiva reportam-se à Constituição Federal de 1988 e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de 1996, e retratam dois momentos, sempre posteriores a LDBEN. Em 10 estados e no Distrito Federal, as referências utilizadas estão relacionadas à LDBEN e a outros documentos como a Política Nacional de Educação de 1994, do MEC. Nos outros 11 estados, as referências centrais, além da LDBEN, são a Resolução 02/01 (Conselho Nacional de Educação/Coordenadoria de Educação Básica – CNE/CEB), que definiu diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. Outras referências documentais relevantes, independentemente do período
de publicação das normas, são o Estatuto da Criança e do Adolescente, citado em cerca de metade dos estados, e a Lei 7.853/89, a chamada Lei da Integração, indicada em 1/3 dos documentos dos Conselhos ou Secretarias estaduais. Os documentos internacionais mais frequentes são a Declaração Mundial de Educação para Todos, de 1990, e a Declaração de Salamanca, de 1994. Além disso, constam normas e documentos específicos de cada estado. Contudo, dispositivos legais servem apenas como sustento das linhas de ação estabelecidas pela política educacional e se constituem em preceitos a serem respeitados e utilizados como ferramentas para embasar as ações que levam ao cumprimento das determinações. A presidente da Associação Mineira da Síndrome de Williams, Márcia Resende, conta que são muitas as famílias que a procuram devido à dificuldade de aceitação e adaptação do filho nas escolas. “É preciso exigir das escolas trabalhos de inclusão e um projeto pedagógico que permita trabalhar de maneira eficiente as dificuldades de cada indivíduo, para que a criança aprenda no tempo dela. Caso isso ainda não funcione, a solução, infelizmente, é procurar outra rede de ensino que de fato valorize a inclusão e a diversidade”, lamenta. Mesmo com os avanços verificados na legislação e a disponibilidade de informações na mídia, como se pode notar, no cotidiano das escolas as mudanças ocorrem lentamente. Alguns mecanismos pon
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Especial • 07
O Ponto
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tuais adotados têm garantido apenas uma inserção física do aluno com necessidades educativas especiais na escola regular. O verdadeiro conceito de inclusão, pautado no respeito, apoio, valorização e equidade de oportunidades, ainda está longe de se concretizar. A consequência é o aumento do número de casos parecidos com o da jornalista e professora universitária Sônia Pessoa, fundadora do blog Tudo bem ser diferente. Embora não tenha encontrado dificuldades para matricular o filho, ela enfrentou situações complicadas durante o crescimento do menino. “O Pedro teve hidrocefalia quando bebê e ficou com sequelas de coordenação motora. Nada que o impeça de andar, brincar ou correr, mas que provoca dificuldades para atividades como desenhar e escrever. O problema é que a escola não tinha estrutura e nem professores capacitados para recebê-lo. Então, tive que procurar outra instituição”. A professora ainda conta que, por causa do blog, muitas famílias a procuram para desabafar e esclarecer dúvidas. “Já recebi vários relatos. Teve uma mãe que entrou na justiça após o filho com síndrome de Down não ser aceito na escola. Outra fez o mesmo por ter um filho autista que era excluído das atividades em sala. Mas o assunto é delicado, porque expõe as crianças. A maioria das mães não gosta de falar e teme que as poucas escolas realmente disponíveis fechem as portas”, ressalta. De acordo com Patrícia Cunha, responsável pelo Núcleo de Inclusão Escolar da Pessoa com Deficiência, da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, a capital mineira segue as políticas nacionais de educação inclusiva e os estudantes com deficiência têm vagas garantidas nas unidades de ensino infantil e fundamental. “Nenhuma escola pode recusar a matrícula de um aluno com deficiência, é um direito garantido por lei. Caso aconteça, a família deve procurar os órgãos competentes, como Ministério Público e as secretarias de educação, para denunciar”. A responsável pela Diretoria de Educação Especial da Secretaria de Estado de Educação, Ana Regina Carvalho, aconselha os pais a visitarem as escolas próximas à residência antes de realizarem o cadastro escolar, uma vez que o critério de seleção é diretamente relacionado ao zoneamento geográfico. “Pode acontecer de a escola ainda não ter adequado, por exemplo, o espaço físico, pois as obras são lentas. Se houver algum impedimento de
Como denunciar Procurar a Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos Em Belo Horizonte, o endereço é Rua Timbiras, nº 2.928, Barro Preto. Informações: (31)3295-2045.
ordem física, a família tem o direito de ter acesso a outra escola. Não existe isso de não ter vaga. Tem que ter, nem que seja em outra instituição. No caso de preconceito, a Secretaria de Educação é aberta e a pessoa pode fazer a denúncia pelo fale conosco ou por meio da regional de ensino”, argumenta. Segundo Patrícia Cunha, a Secretaria Municipal de Educação não tem registros de crianças em fila de espera para a educação inclusiva. “Temos hoje, em BH, 3.449 estudantes com deficiência matriculados e desconhecemos casos de exclusão. Além disso, toda escola é potencialmente preparada para receber crianças com deficiência. Equipes de apoio à inclusão são responsáveis pelo acompanhamento das matrículas dos estudantes e dos professores no desenvolvimento do trabalho pedagógico”, alega. No entanto, o que se percebe é que não há um controle, por parte do governo, de casos e situações em que a pessoa com deficiência não foi devidamente aceita na escola regular, seja por motivos de infraestrutura, superlotação e projeto pedagógico, ou até mesmo por questões relacionadas ao preconceito e à discriminação. A Assessoria de Imprensa do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) informou que as famílias em dificuldade podem procurar a Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos para fazer a denúncia. Em geral, o MPMG entra em contato com a escola e o caso é resolvido de maneira extrajudicial. Caso não exista uma justificativa plausível por parte da escola, esta é notificada. Contudo, o órgão informou que não existe um balanço anual de denúncias. Números O censo escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), realizado em 2011, divulgou que o número de alunos matriculados em escolas em Minas Gerais equivalia a 4.932.285. Já no censo 2012, a quantidade caiu para 4.842.066 alunos, sendo que, desse total, 94.195 têm algum tipo de deficiência; número inferior à pesquisa de 2011, que apontava 107.183. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por sua vez, em levantamentos feitos pelo Censo Demográfico de 2010, quanto às pessoas que apresentam algum tipo de deficiência (física ou mental) em MG, representam um contingente aproximado de 351.618 indivíduos, que têm entre cinco e 17 anos (em idade
escolar). Entre os mineiros deficientes apurados pelo IBGE e aqueles que efetivamente, de acordo com dados do censo escolar 2012, estão matriculados, constata-se que há mais de 200 mil pessoas, entre cinco e 17 anos, que não têm acesso aos bancos escolares. Das 17.112 escolas existentes em Minas Gerais, apenas 10.176 atendem a alunos com deficiência. Verifica-se que há mais alunos com deficiência fora da escola regular do que em sala de aula. De acordo com o psicólogo Edmar Castro, outros problemas comuns são a falta de professores capacitados, adaptação da estrutura física e proposta pedagógica. “Uma boa escola precisa atender às necessidades do estudante e agir em conjunto com a família”, ressalta. Há um esforço considerável sendo realizado a cada ano no país para que a inclusão se concretize. Mas, infelizmente, em Minas Gerais, de 2011 para 2012, ainda com base nos dados do INEP, houve uma redução no total de novos alunos deficientes que ingressaram nas escolas mineiras, públicas ou privadas. Enquanto em 2011 o número de matrículas foi de 107.183 pessoas, em 2012, como foi visto, foram apenas 94.195. Ou seja, houve uma queda de apoximadamente 12%. Embora sejam visíveis os avanços na legislação e nas políticas públicas no cenário nacional, inúmeros são os impasses para a adoção de propostas e ações verdadeiramente inclusivas. Segundo a pedagoga Núbia Réis e o professor Nilton Cavalari, no artigo “A educação Inclusiva no Brasil”, a dificuldade de implementação de propostas reflete a predominância de uma perspectiva assistencialista que, mesmo com todas as lutas e leis instituídas, ainda está diretamente vinculada a iniciativas e disposições individuais. Ainda que se leve em conta os projetos relacionados à inclusão, que estão sendo criados em estados e municípios por suas secretarias de educação, prevalecem, sobretudo, as dificuldades de ordem operacional, pedagógica, técnica e mesmo física, nas escolas, para atender a todos. Uma educação de qualidade implica, entre outros fatores, um redimensionamento da escola no que se refere não somente à aceitação, mas também à valorização das diferenças, bem como maior controle e fiscalização, por parte do governo, dos casos de exclusão, discriminação e não cumprimento de normas previstas em leis.
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Editor e diagramador da página:
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Silêncio faz vítimas refén Em Minas Gerais, a dificuldade de acesso a informações sobre crianças
ANNA CLÁUDIA CASTRO BHIANCA FIDÉLIS 7º PERÍODO Criado em 2002, após a reunião de 160 profissionais para discutir o tema violência sexual contra crianças e adolescentes, o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil tem, por teoria, o objetivo de direcionar os Estados e municípios a criar medidas que interrompam a situação de violação de direitos das crianças e adolescentes vítimas de abuso. No entanto, onze anos se passaram sem que o documento fosse revisto e suas diretrizes efetivamente seguidas, resultando em poucos avanços. Prova disso é o posicionamento de Minas Gerais em 4º lugar no ranking nacional de denúncias envolvendo o abuso sexual de crianças e adolescentes, atrás somente da Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro. Nos primeiros quatro meses de 2012, foram registrados, por meio do Disque Direitos Humanos (Disque 100), 692 denúncias. Entretanto, esses dados não refletem o número de vítimas, já que um mesmo caso pode ser registrado mais de uma vez e, por se tratar de uma situação revestida de preconceitos, muitas delas não comunicam o ocorrido aos órgãos oficiais. O único levantamento consolidado em Minas Gerais é o da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), que se refere apenas aos casos consumados em Belo Horizonte e Região Metropolitana e que foram registrados exclusivamente por meio do Disque Direitos Humanos. Entre janeiro e fevereiro deste ano foram feitas, 46 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes. No mesmo período do ano passado, foram 62 relatos. Segundo a Coordenadoria especial de Políticas PróCrianças e Adolescentes da Sedese, o diagnóstico aponta que 80% das denúncias se confirmam. A pouca ou escassa troca de informações entre entidades e órgãos públicos que tratam o tema é o principal obstáculo no combate à violência de acordo com o técnico da Coordenadoria Especial da Política Pró-Criança e Adolescente (Cepad), Murilo
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Tadeu Moreira. “O mesmo sigilo das famílias que vivenciam o problema ocorre também entre os órgãos do governo, institutos de pesquisa e ONGs. É inaceitável que o enfrentamento funcione isoladamente, sem diálogo, pois envolve muitas outras esferas”, explica. Cassandra França, coordenadora do Projeto Cavas (Crianças e Adolescentes Vítimas de Abuso Sexual) da Universidade Federal de Minas Gerais, acredita que a ausência de diálogo é característica inerente a esse assunto. “São muitas pessoas que trabalham com a mesma problemática, algumas lidam diretamente com a causa e só vão se conhecer em reuniões que organizamos, sem nunca sequer terem discutido ações ou trocado experiências”, critica. Para a coordenadora, a Universidade neste contexto passa a exercer um papel relevante, uma vez que tem sido a principal produtora de pesquisa na área. “A falta de levantamentos estatísticos por parte das autoridades públicas compromete a articulações de ações de combate ao problema”, afirma.
“A questão sexual envolve muitos mitos e tabus e não vai ser fácil alterar essa situação dentro das famílias. Trata-se de um processo histórico que necessita ainda de muito tempo para romper a barreira da denúncia” Murilo Tadeu Moreira A Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais (SES) não possui levantamentos sobre o número de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual atendidas pela rede pública de saúde. A Polícia Civil também não sabe informar quantos inquéritos envolvendo estes crimes foram instaurados no Estado. A Secretaria Nacional de Direitos Humanos traçou um perfil das situações de abuso sexual infantil, no qual identifica que 80%
dos casos ocorrem dentro do ambiente familiar. Para os peritos atuantes na causa, a proximidade dos agressores faz com que os casos sejam subnotificados. “A questão sexual envolve muitos mitos e tabus e não vai ser fácil alterar essa situação dentro das famílias. Trata-se de um processo histórico que necessita ainda de muito tempo para romper a barreira da denúncia”, ressalta Moreira. O procedimento legal Crianças e adolescentes que são abusados sexualmente, normalmente, demoram a relatar o fato. A falta de entendimento, o medo de prejudicar a vida do agressor que está dentro de casa e possíveis ameaças são as razões de tanta resistência. Esse tempo de sofrimento e silêncio afeta as investigações policias, uma vez que as provas materiais - como lesões e DNA do agressor - não podem mais ser identificadas ou coletadas. “Nesses casos, é necessário buscar outros fatores para tentar provar o crime”, explica a delegada Iara França Camargo, da Delegacia Especializada de Proteção da Criança e do Adolescente(Depca). Para a coleta de provas materiais, sobretudo de material genético do agressor, o ideal é que a vítima seja submetida a exame pericial até 72 horas depois de consumado o abuso. É importante que a vítima não tome banho e mantenha sujas as roupas usadas quando o ato foi consumado. Isso garante a manutenção de vestígios de pele, unha, cabelo, ou mesmo sêmen - materiais que possibilitam a identificação do agressor por meio de exames de DNA. Quando não há provas materiais do crime, o depoimento da criança passa a ser de extrema importância. Além disso, o comportamento do suspeito também é analisado e pode ser uma amostra incriminadora. Mesmo diante de provas levantadas pela polícia, normalmente os autores acabam esperando o julgamento em liberdade. “O problema é que fazemos da delegacia o pedido das prisões dos suspeitos e os juízes exigem provas mais consistentes para decretar a prisão preventiva. Mas essa situação é
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éns dos próprios traumas nças e adolescentes em situação de abuso sexual mascara a realidade Fotos: Tiago Ferreira
complicada, pois muitas vezes temos apenas as palavras das vítimas. Em vários casos, o crime é denunciado apenas anos depois. Quando o fato é revelado no momento da agressão, é possível fazer a prisão em flagrante”, conclui a delegada. De acordo com o Assistente Social, Washington Martins, 30, funcionário do Creas (Centro de Referência Especializado em Assistência Social), a justiça usará de todos os meios possíveis para verificar a denúncia. “A criança ou adolescente é encaminhada ao Instituto Medico Legal (IML), onde fará exames de Conjunção Carnal e de Corpo de Delito. Posteriormente o delegado ouvirá a criança e as testemunhas. Depois o Juiz ouve a todos novamente para confrontar os relatos e verificar novos dados (se existirem). Com base em tudo é que a justiça julgará o caso e poderá aplicar a pena ao agressor. Mas o depoimento da criança/ adolescente já é suficiente para inseri-la em programa de acompanhamento psicossocial’’, explica. O papel das escolas Ações preventivas são feitas também nas escolas e espaços educativos, com o apoio de ONG’S e do governo. Nesses ambientes são discutidos temas ligados à sexualidade e às disfunções sexuais. Os objetivos propostos para esses trabalhos é desenvolver o respeito e maior percepção do sujeito e do que ocorre ao seu redor, destacando a importância dos limites que devem impor em relação ao seu corpo. Para Martins, as escolas têm função fundamental no momento de instruir as crianças e os adolescentes. ‘’O trabalho de orientação sexual contribui para aumentar a chance de crianças e jovens a se protegerem de situações invasivas e violentas e, ainda, caso se vejam envolvidos, de solicitarem ajuda a seus educadores para os cuidados e providências necessários. Devido ao tempo de permanência dos jovens na escola e às oportunidades de trocas, convívio social e relacionamentos amorosos, a escola constitui-se em um local privilegiado para a abordagem de todas as questões pertinentes à sexualidade”, comenta.
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O Assistente Social ressalta ainda que a discussão de questões relacionadas à sexualidade é necessária para a formação de um pensamento crítico sobre o assunto e para a vivência de sua sexualidade atual e futura. Além disso, esses debates precisam visar à eliminação ou redução dos fatores que favorecem essa violência. “A ideia das crianças como sendo seres desprovidos de sexualidade, a cultura de negação e acobertamento do fato do abuso pelos próprios responsáveis por vergonha apontam para a necessidade de um trabalho de formação conjunta com a população e profissionais da Educação, Saúde e Ciências Sociais, acerca dos fatores desencadeadores do abuso sexual, sua identificação, prevenção e tratamento’’ elucida. Para a proteção destas vítimas é preciso que exista o esclarecimento do assunto nos ambientes em que frequentam, pois, assim, ao menor sinal, a situação de abuso sexual será identificada. Esse esclarecimento é primordial, principalmente quando o ato é realizado por um parente ou alguém próximo.
“Causa uma tristeza profunda na criança, por causa do silêncio ao qual ela é imposta. Para não revelar o abuso, ela bloqueia o próprio pensamento. Daí surge a apatia” Cassandra França Sinais de mudanças O abuso sexual deixa sequelas visíveis em todos os âmbitos da vida da vítima, segundo Cassandra França. “Causa uma tristeza profunda na criança, por causa do silêncio ao qual ela é imposta. Para não revelar o abuso, ela bloqueia o próprio pensamento. Daí surge a apatia”, ressalta. Deve-se atentar para mudanças extremas, súbitas e inexplicáveis de humor, sono perturbado com pesadelos frequentes, medo de escuro, suores, gritos ou presença de agitação noturna, comportamentos regressivos a padrões infantis, como choro excessivo,
demonstração de medo em lugares fechados, comportamento agressivo com tentativas de fuga de casa, auto depreciação, perda de apetite ou excesso de alimentação, resistência em participar de atividades físicas, aparência descuidada e suja, envolvimento súbito com prostituição, drogas ou alcoolismo. As crianças vítimas de abuso sexual podem desenvolver comportamentos patológicos, como aversão a parceiros do mesmo sexo do abusador, promiscuidade ou uma sexualidade descontrolada. “Mudanças bruscas e aparentemente inexplicáveis no padrão de relacionamento de uma criança ou adolescente são talvez a pista mais segura para nos levar a desconfiar que algo está errado”, salienta o Assistente Social. Mudanças ligadas à frequência e desempenho escolar também são evidentes: assiduidade e pontualidade exageradas à escola, pouco interesse ou resistência em voltar para casa após as aulas, dificuldade de concentração e aprendizagem, resultando em baixo rendimento escolar e pouca ou nenhuma participação em atividades escolares. São objetivos estabelecidos pelo Plano Nacional de Enfrentamento à Violência conhecer e estudar a violência sexual contra crianças e adolescentes em todo o país, para diagnosticar a situação do enfrentamento da problemática e criar condições que garantam o financiamento, monitoramento e a avaliação de políticas públicas, conforme previsto pelo Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, assim como a divulgação de todos os dados e informações à sociedade civil brasileira. O que se percebe é que ainda não há dados estatísticos atuais sobre o assunto. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, somente na capital paulista, uma criança ou adolescente é vítima de abuso sexual a cada duas horas aproximadamente. Já em Minas Gerais e no Brasil, de uma forma geral, não há registros. Desta forma, as ações com este viés são cada vez mais esquecidas, assim como as crianças e adolescentes que, ao sofrerem abuso sexual, têm seus direitos humanos violados.
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Espalhadas pelos semáforos, crianças carentes vendem balas e são expostas às mazelas do trabalho infantil, com a aprovação inconsciente da população Foto: Marcelo Tito
Infância com sabor amargo AMANDA MEDEIROS 7˚PERÍODO As movimentadas ruas da capital mineira escondem dramas e histórias que vão muito além dos engarrafamentos que tanto atormentam a população. Em meio ao trânsito caótico, avenidas lotadas de carros e semáforos que se multiplicam, crianças perdem sua infância com um trabalho informal, que conta com clientela fiel a cada sinal vermelho. Vendedores de balas no semáforo, que quase sempre trocam um único real por uma dezena das mesmas, são parte do dia-a-dia e da rotina da população de todo o país. Especialmente em Belo Horizonte, existem pontos marcados para o trabalho ilegal. A troca, muitas vezes maquiada pela sensação de dever social realizado - um auxílio aos mais necessitados - esconde um grande problema. Está nas linhas da constituição a proibição a toda forma de trabalho exercida por crianças e adolescentes. Apesar disso, em Minas Gerais, de acordo com dados do Censo 2010, 151.193 mil crianças entre 0 e 15 anos exercem algum tipo de trabalho infantil; em Belo Horizonte o número, em faixa etária similar, é de 9.539 exercendo algum tipo de atividade inadequada à idade. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 (art. 7º, XXXIII) admite o trabalho a partir dos 16 anos, exceto nos casos de trabalho noturno, perigoso ou insalubre, que requer idade mínima de 18 anos. O que se vê nas ruas, porém, são crianças espalhadas por cruzamentos, comercializando balas, e depositando as mesmas em retrovisores de carros. São meni-
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nos e meninas que ignoram o perigo vender as balas, que têm o peso amargo do trânsito e lutam contra o tempo. As de uma necessidade, da comida na mesa alterações do sinal verde para verme- da família e do alívio de sua mãe ao ver lho marcam, como um relógio, o inter- que ele voltou para casa com o bolso valo cronometrado para a conquista de repleto de moedas. O dinheiro nunca fica para Rafael, algum trocado, que poderá servir como fonte extra de renda para a família ou, que não sabe dizer dizer de onde vêm em muitos dos casos, como meio para o as balas. Elas são entregues pela mãe, a uso de entorpecentes. Neste caso, o doce mesma que cuida do pequeno lucro do sabor das balas esconde uma agressão vendedor. Já não sabe, ou não quer reveà lei brasileira e um trauma difícil de lar, há quanto tempo trabalha no sinal. Mas, assume que também faz malabarisapagar. Para a psicóloga Mariana Araújo, o mos quando as balas acabam. Não gosta peso de enfrentar as ruas e as obrigações de esmolas, mas precisa do dinheiro. Ao lado do primo do mundo tão cedo Gustavo*, já com é difícil de apagar. 16 anos, Rafael se “O trabalho por si sente protegido, mas só já é um universo assume a tristeza inadequado às diante de sua realicrianças, com todas dade. O primo mais as suas pressões e velho afirma cuidar obrigações. Mas os do irmão mais novo estragos de lidar Mariana Araújo, psicóloga - como insiste em com as ruas e se chamar - e revela deparar com situações de humilhação constante e desam- que ambos descem do Aglomerado paro deixam marcas eternas, principal- da Serra, muitas vezes duas vezes ao mente quando incitado por aqueles que dia (durante a manhã e fim de tarde), torcendo por um trânsito pesado que deveriam proteger e dar carinho”. Para Rafael*, que aos 11 anos carrega deixe a Avenida do Contorno um pouco nos olhos o vazio de quem nem se lem- intransitável. Perguntados sobre as maiores dificulbra do gosto de uma brincadeira, a rotina escolar quase sempre é substituída pelo dades encontradas, eles afirmam que trabalho no sinal de trânsito. Frequentar são os motoristas que saem com as balas a escola no período da manhã é deixar de sem pagar. “Patrão com carro chique às levar para casa cerca de R$ 20, adquiridos vezes rouba nossas balas e num piscar após algumas dezenas de tentativas de de olhos vai embora. Custava nada deivenda. Sem planos, sonhos ou desejos, xar umas moedinhas”, conta o indignado ele afirma que nem mesmo sente von- Gustavo com voz baixa, ansioso com os tade de provar o que vende. Corre entre carros parados, pensando nas vendas os carros, de maneira automática, para perdidas.
“O trabalho por si só já é um universo inadequado às crianças, com todas as suas pressões e obrigações”
Números que preocupam Entre 2000 e 2010, o trabalho infantil diminuiu 13,44% em todo o país, de acordo com dados do Censo 2010. Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o número ainda representa 3,4 milhões de crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos trabalhando. No entanto, o frágil grupo entre 10 a 13 anos de idade demonstrou um crescimento, passando de 699.194 para 710.140 mil crianças trabalhando, quando não poderiam nem mesmo exercer o papel de aprendiz. O cenário preocupa especialistas. Elvira Cosendey, coordenadora do Fórum de Erradicação e Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador (Fectipa), afirma que o trabalho infantil em Belo Horizonte persiste, embora muitas crianças tenham suas famílias inscritas no programa Bolsa Família. “Há um componente cultural muito forte, pois tem família que coloca as crianças para trabalharem para comprar itens supérfluos”. Elvira ainda reforça que o trabalho nas ruas está incluído na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), regulamentada pelo Decreto 6481 de 12 de julho de 2008, portanto, proibida para todas as crianças e adolescentes com menos de 18 anos. A lista, muitas vezes ignorada, indica como proibidos trabalhos em espaços confinados, serviços domésticos, em ruas e outros logradouros públicos. Também compõem a ampla lista todo e qualquer trabalho prejudicial à moralidade. Desejo de mudança O incômodo com a própria atuação é percebido no olhar e na atitude de alguns
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Segundo dados do Censo 2010, mais de 151 mil crianças entre 0 e 15 anos exercem algum tipo de trabalho infantil em Minas Gerais vendedores de bala nos semáforos. É com um certo tom de revolta que Gabriela*, 9 anos, fala sobre sua rotina. Acordar cedo é uma necessidade. A ideia de desbravar a Avenida Amazonas, no cruzamento com a Avenida do Contorno, não partiu dela. Sua tia, com quem mora, é quem lhe tira do colchão de segunda a sexta-feira, às 6 horas da manhã. “Gostar a gente não gosta, mas leva um trocado pra casa”, afirma a menina de olhar meigo, mas feição cansada. De longe, Gabriela, que afirma não gostar de estudar, é vigiada por uma mulher que demonstra descontentamento com qualquer tipo de aproximação que não seja seguida pela compra de balas ou entrega de esmola. Os que compram as balas nem sempre percebem que alimentam um universo sombrio. A economista Marina Victor não esconde ser uma consumidora. “Não vou negar, compro com frequência balas no semáforo. Como o preço é baixo, e a bala sempre bem - vinda, costumo deixar moedas no carro justamente para garantir um pacotinho. Infelizmente, fica em segundo plano a ideia de que é uma forma de trabalho infantil ou mesmo tudo o que está por trás de tal atividade”. Para outros, o pensamento é bem diferente. “Eu não compro bala, nem nada no sinal, por dois motivos. Primeiro porque sei que isso só vai contribuir para a criança continuar na rua, sendo explorada, na maioria das vezes, pelos próprios pais. E, segundo, porque não me sinto seguro em ficar abrindo o vidro do carro em semáforos. São inúmeros os casos de assaltos neste tipo de situação e nunca se sabe qual a real intenção de quem fica vendendo coisas à beira do asfalto”, revela o jornalista Igor Veiga. Para Elvira Cosendey, é necessária uma mudança de pensamento no senso comum e também uma atuação em vários níveis da sociedade. “Nenhuma instituição consegue sozinha erradicar o trabalho infantil, portanto precisamos de um trabalho em rede, em que cada membro faça a sua parte e encaminhe para o outro poder complementar”, afirma, lembrando que a Gestão Municipal de Assistência Social, os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, os Conselhos Tutelares, além do Ministério do
Trabalho e Emprego e o Ministério Público Estadual atuam na luta para erradicar o trabalho infantil, ao lado de outros programas do governo federal. Lutar contra tal atividade, inserida no seio da sociedade, é uma tarefa cada vez mais desafiadora, mas que já mostra resultados positivos nos últimos anos, como, por exemplo, a criação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). Seu objetivo é contribuir para acabar com todas as formas de trabalho infantil no país por meio da transferência de rendas. A retirada de crianças e adolescentes de até 16 anos das práticas de trabalho infantil totalizou, até agora, mais de 800 mil crianças auxiliadas em mais de 3.500 municípios. Ao afastar a criança do trabalho, o Peti observa questões relativas à área de educação, saúde e assistência social, garantindo à criança ou adolescente (e suas famílias) amparo psicológico nos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos da proteção social básica e financeiro, a partir do Bolsa Família. “Minas e o Brasil fizeram vários avanços na redução do trabalho infantil, mas ainda temos muito o que fazer”, lembra Elvira. “Destaco que o Peti e o Bolsa Família são programas que ajudaram muito a reduzir a atividade, mas acredito que a educação em tempo integral (educação e não escola) pode ajudar ainda mais”. Em Minas Gerais, no ano de 2010, eram 151.193 crianças entre 5 e 15 anos exercendo alguma forma de trabalho infantil; já em 2011, o número caiu para 105.274, de acordo com números do Fectipa. Já o Pnad 2011, divulgado pelo IBGE, indica que o trabalho infantil - crianças entre 5 e 17 anos - caiu 14% no Brasil entre 2009 e 2011. A região Sudeste possui o menor percentual de todo o país, mas ainda assim os números são alarmantes. Compõem esses números catadores de latinha, vendedores de bala no semáforo e meninos que vigiam carros parados na rua. Permanece assim a luta pela erradicação do trabalho infantil, reconhecido como abusivo e inadequado ao desenvolvimento de uma criança, ameaçando sua integridade física e psicológica.
Entre os corredores de carros, jovem vende balas na tentativa de arrecadar algum dinheiro
*Os nomes dos personagens foram alterados em respeito ao artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prega o respeito à inviolabilidade física, psíquica e moral de crianças e adolescentes e garante a preservação da imagem e da identidade.
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Os “fantasmas” da internação ainda rondam Foto: Marcelo Tito / Imagem produzida
Medida privativa de liberdade em centros socioeducativos para jovens em conflito com a lei é colocada em xeque. Falta de novas estruturas e profissionais são alguns dos problemas que ainda persistem DIEGO DUARTE 7˚PERÍODO Perguntado se a internação para adolescentes em conflito com a lei em estabelecimento socioeducativo cumpre a sua finalidade, o promotor da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, Márcio Rogério de Oliveira, foi enfático. “Enquanto for presídio juvenil ela nunca vai atender. Vai passar a atender a partir do momento em que, embora privativa de liberdade, ela tenha efetivamente um programa educativo para ser aplicado a esses adolescentes. A começar daí, pode aparecer os resultados. Mas, pelo quadro que nós temos hoje, não dá sequer para avaliar”. O depoimento do promotor ratifica o que foi constatado no relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Por meio do programa “Justiça ao Jovem”, criado em 2010, o CNJ mapeou a situação das unidades de internação de todos os estados brasileiros. A equipe formada pelo Conselho visitou, no período de 20 a 29 de março de 2011, as 19 unidades de internação e 12 varas da Infância e da Juventude situadas em Uberaba, Uberlândia, Patrocínio, Pirapora, Montes Claros, Sete Lagoas, Teófilo Otoni, Governador Valadares, Divinópolis, Juiz de Fora, Ribeirão das Neves e Belo Horizonte. O relatório sobre a situação dos centros de internação de
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Minas Gerais, entregue às autoridades competentes do estado, em julho de 2011, e que está disponível para consulta no site do CNJ (www.cnj.jus.br), apesar de destacar pontos favoráveis, como o acesso à escolarização e a profissionalização do jovem interno, ainda aponta a necessidade de mudanças em algumas instituições visitadas. A internação é uma medida socioeducativa privativa de liberdade, prevista no art. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Sua aplicação ao jovem maior de 12 anos autor de ato infracional só deve ser exercida em último caso (mediante grave ameaça ou violência à pessoa, por reiteração no cometimento de outras infrações graves ou por descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente aplicada) e não deve ultrapassar o prazo de três anos. Um questionamento que deve ser feito é se as garantias dos direitos dos internos à educação, esporte, atividades profissionalizantes, como estabelece o Estatuto e a Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), estão sendo devidamente cumpridas em Minas Gerais. Há 20 anos na promotoria (na capital há nove), Márcio Rogério destaca quais são as principais dificuldades em se cumprir a medida socioeducativa de internação. “A primeira limitação é a inexistência de vagas para atender todo o Estado. Nós
temos muitas unidades concentradas na capital, gerando uma carência de vagas nos outros municípios. Por não ter unidades suficientes, nós temos superlotação em algumas unidades. Também temos unidades em que as equipes técnicas que devem ser compostas por psicólogos, assistente social, médicos, enfermeiros, pedagogos e terapeutas ocupacionais são muito deficientes. As pessoas que deveriam fazer um trabalho socioeducativo propriamente dito são em números muito reduzidos”. Ele ainda destacou que, para que o estabelecimento seja educacional, é necessário profissionais que possam promover a integração social do adolescente, como determina a lei. “Infelizmente o Estado de Minas Gerais está devendo muito nesse aspecto. É preciso ter mais profissionais e que eles sejam mais valorizados e mais bem remunerados. As pessoas que entram para o sistema não ficam, porque é um trabalho muito difícil e às vezes perigoso”. De acordo com levantamento do relatório do CNJ, as unidades Dom Bosco, Santa Terezinha e os alojamentos do Centro Integrado de Atendimento (CIA), localizados em Belo Horizonte, necessitam de reformas, devido às instalações se encontrarem degradadas. Com relação às reformas, de acordo com o promotor Márcio Rogério, há o acompanhamento permanente da situ-
ação das unidades e, especificamente, as unidades do Dom Bosco e Santa Terezinha passaram por uma ampla reforma já prevista no ano passado. Porém ele salienta que, mesmo com essas mudanças, ainda há muita coisa a ser feita. Outra situação apontada no relatório que vai contra ao que é designado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente são as denúncias ocorridas por parte dos adolescentes de abuso em relação ao uso de algemas por parte dos monitores. Procurada pela reportagem para comentar o assunto e também para apontar o que foi feito nesses quase dois anos, a partir da divulgação do relatório do CNJ, a assessoria de comunicação da Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase), que é vinculada à Secretaria de Estado de Defesa Social e responsável pela coordenação da política de atendimento ao adolescente autor de ato infracional, não respondeu os questionamentos até o fechamento da matéria. Políticas públicas integradas Para evitar que os adolescentes infrinjam a lei, é fundamental a garantia destes jovens às políticas públicas sociais, como relata Renata Vieira, Secretária Executiva da Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais.
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Belo Horizonte, maio de 2013 Foto: Marcelo Tito / Imagem produzida
“As pessoas que entram para o sistema não ficam, porque é um trabalho muito difícil e às vezes perigoso” promotor da Infância e da Juventude de BH, Márcio Rogério de Oliveira
“É necessário investir mais recursos principalmente na educação e saúde, cultura, esporte, lazer para evitar que as infrações ocorram e que haja uma demanda excessiva, pois uma população com acesso aos seus direitos básicos
diminui o índice de envolvimento desses adolescentes em atos infracionais”, observa. Renata também avaliou o peso da mudança no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), medida
Faixa etária de adolescentes quando cometeram o primeiro ato infracional
esta que deixou de ser uma normativa e que passou a vigorar como lei federal desde abril do ano passado. “Acredito que o Sinase é um esforço de garantir um entendimento maior do que seja democracia, cidadania e edu-
cação. A visão de preservar direitos ao infrator é garantir que a sua dignidade não seja violada. Além disto, a crença de que o indivíduo pode reavaliar, mudar de escolhas é uma aposta no melhor do ser humano”.
Reincidência entre os adolescentes em cumprimento de medida de internação
Fonte: DMF/CNJ - Elaboração: DPJ/CNJ As amostras não foram estratificadas por Estado. Os dados dos gráficos acima representam tão somente os 1.898 adolescentes internados no Brasil que foram entrevistados para a elaboração do documento Panorama Nacional - A execução das medidas socioeducativas de internação, divulgado por meio do programa Justiça ao Jovem, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Outras medidas previstas no ECA Além da internação em centros socioeducativos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê mais cinco medidas aos jovens em conflito com a lei; são elas: a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade, além da liberdade assistida e a semiliberdade. Advertência - Art. 115. Consiste em advertência verbal por parte da autoridade competente, transformada em documento e assinada pelos envolvidos.
Prestação de serviços à comunidade - Art. 117. Consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período máximo de seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho.
Obrigação de reparar o dano – Art. 116. A autoridade poderá determinar que o adolescente promova o ressarcimento do dano, ou por outra forma, compense o prejuízo da vítima.
Liberdade assistida - Art. 118 e 119. A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar e orientar socialmente o adolescente. A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida de acordo com o orientador, o Ministério Público e o defensor.
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Semiliberdade - Art. 120. Pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto. Possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial. São obrigatórias a escolarização e a profissionalização. A medida não comporta prazo determinado, aplicando-se, no que couberem, as disposições relativas à internação.
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REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL UMA SOLUÇÃO PARA DIMINUIÇÃO DA VIOLÊNCIA? Em entrevista, jurista Geraldo Claret e parlamentares divergem sobre o tema e apresentam suas possíveis soluções para a diminuição da criminalidade praticada por crianças e adolescentes MARCELO TITO 7º PERÍODO
(PSDB-SP). De acordo com o senador, a proposta de emenda constitucional se baseia em casos de jovens com menos de 18 anos, que cometeram crimes violentos e reincidiram em atos infracionais, justificando, assim, a permissão para que os adolescentes de 16 e 17 anos sejam julgados como adultos. “A sociedade se transforma continuamente. Os adolescentes de hoje têm muito mais acesso a informações que aqueles que
centes, posiciona-se contrária à redução da maioridade penal. Lídice disse que hoje vemos adultos “utilizando” os jovens entre 16 e 17 anos para fazerem a “ponte” com a criminalidade, seja no tráfico de drogas ou em outros crimes. Segundo a senadora, se a idade “penal” for diminuída, a tendência é de que os bandidos passem a usar pessoas ainda mais jovens para assumir seus crimes. Como membro da comissão especial do Senado que analisa
Geraldo Claret ainda exemplificou a situação com um jovem vítima do tráfico de drogas. “Imagine um adolescente que mora no morro, onde é praticamente obrigado a vender um cigarro de maconha nas ruas. No ECA, ele terá uma liberdade assistida, e poderá ser recuperado. Mas com a redução da maioridade penal, ele será julgado como traficante”. Em dezembro de 2012, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado adiou a votação da emenda que altera os artigos 129 e 228 da Constituição Federal e reduz a maioridade penal para 16 anos. O autor da Proposta de Emenda Constitucional n° 33 (PEC 33) é o senador Aloysio Nunes Ferreira
viveram em meados do século passado. É fato, inclusive, que quadrilhas se valem de menores para praticarem, ou mesmo assumirem, crimes de toda espécie confiando na inimputabilidade”, afirmou. Já a senadora Lídice da Mata (PSB-BA) é contra a aprovação da PEC do senador Aloysio Nunes. Em entrevista, a senadora foi questionada se a redução da maioridade penal poderia ser a solução para o combate à violência no Brasil. A parlamentar disse que nada garante que a diminuição da maioridade possa, efetivamente, dar esta contribuição. Segundo ela, como defensora dos direitos humanos e, mais especificamente, das crianças e adoles-
a reforma do Código Penal brasileiro, a senadora defende posição contrária ao aumento da maioridade penal. “Não defendo a impunidade de adolescentes, mas sim que cada situação seja analisada levando-se em consideração a idade do envolvido e o tipo de crime praticado. Definir uma idade menor do que a atual, de 18 anos, para a maioridade penal seria o mesmo que andar na contramão de tendências mundiais”. Lídice também ressaltou que é necessário o cumprimento da Lei nº 8.069/1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que tem, entre seus objetivos, o de garantir os direitos fundamentais à vida, saúde, educação, recrea-
Foto: reprodução
A redução da maioridade penal pode ser a solução para o combate à violência? A Constituição Federal prevê que não podem ser penalmente imputados os menores de dezoito anos. Na prática, não podem ser punidos pelos crimes praticados por eles antes de completarem 18 anos de idade. Porém, é grande a pressão de parte da sociedade para que os menores infratores possam ser penalmente responsabilizados por suas ações. Uma pesquisa realizada pelo Instituto DataSenado, entre pessoas de 18 e 40 anos de idade, foi publicada em outubro de 2012. Ela apontou que 89% dos 1.232 cidadãos entrevistados querem imputar crimes aos adolescentes que os cometerem. De acordo com a enquete, 35% fixaram 16 anos como idade mínima para que uma pessoa possa ter a mesma condenação de um adulto; 18% apontaram 14 anos e 16% responderam 12 anos. Houve ainda 20% que disseram “qualquer idade”, defendendo que qualquer pessoa, independentemente da sua idade, deve ser julgada como um adulto. É possível ser contra a redução da maioridade penal, porém a favor de uma reforma do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Essa é a posição do juiz de Direito Geraldo Claret de Arantes, que esteve à frente na Vara da Infância da Juventude da Comarca de Belo Horizonte/MG entre 1998 e 2001. Essa reforma, segundo ele, seria em relação às sanções e aos atos infracionais que envolvam violência ou ameaça contra a pessoa. Ele ressaltou que a redução da maioridade penal poderia fazer jovens imaturos incorrer em graves crimes. “Se houver a redução da maioridade penal, podemos imaginar,
por exemplo, quatro jovens de 13 anos de idade que resolvem pular uma cerca e furtar mangas de um sítio. Pelo ato infracional, eles receberiam uma reprimenda judicial, como prestações de serviços à comunidade ou algo assim. Mas se fossem tratados como adultos, a pena seria de furto triplamente qualificado, ou seja, formação de quadrilha, supressão de obstáculo e realizado à noite. Dessa forma, os quatro poderiam pegar até oito anos de cadeia”, disse.
ção, trabalho e assistência social às nossas crianças e adolescentes. Finalizando, a senadora acredita que o fundamental é estabelecer e priorizar políticas públicas que ofereçam, de fato, condições para que os municípios estejam mais bem capacitados e preparados para oferecer saúde, oportunidades de formação/educação, esporte e lazer para os jovens. Para o funcionário público e arquiteto Thiago Pinto Coelho, a violência jamais será resolvida com a redução da maioridade penal. “Precisamos de políticas públicas de inclusão social que assegurem o direito à participação de adolescentes, bem como outros direitos”. Já o estagiário de jornalismo Guilherme Scarpellini disse ser a favor da redução da maioridade penal. Segundo ele, os criminosos usam “brechas” da Constituição Federal e do Código Penal para se sentirem impunes e praticarem crimes. O jornalista disse que a redução fará com que os jovens pensem antes de praticarem qualquer ato de violência. Uma Pesquisa denominada “Crime Trends”, elaborada pela Organização das Nações Unidas (ONU), analisou a legislação penal de 57 países e constatou que apenas 17% adotam idade menor a 18 anos como definição legal de adulto. A Alemanha que tinha baixado a idade penal – retornou a maioridade para 18 anos e criou, inclusive, uma sistemática diferenciada para o tratamento de infratores entre 18 e 21 anos. O Japão, ao constatar aumento de criminalidade entre jovens, ampliou a maioridade penal para 20 anos. Itália, Bélgica, França, Áustria, Suécia, Dinamarca e Chile também seguem recomendações de especialistas mundiais e as principais convenções internacionais sobre o tema.
Tema tratado em períodos de comoção A atenção ao tema da maioridade penal pela mídia normalmente está relacionado ao destaque de algum crime que tenha chocado a opinião pública e que tenha sido cometido por um adolescente ou com participação de alguém menor de 18 anos. O mais recente aconteceu em São Paulo: trata-se do caso do estudante de jornalismo Victor Hugo Deppman, de 19 anos, que era estagiário da RedeTV. Ele perdeu a vida durante um assalto praticado por um jovem de 17 anos, morador da Zona Leste de São Paulo. O
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que chamou atenção no crime foi o fato de ele ter sido cometido pelo adolescente três dias antes de completar 18 anos. A principal crítica a este tipo de tratamento é que a ênfase em um caso específico, sem que sejam considerados os dados que contextualizam a situação do adolescente em conflito com a lei, dificulta o esclarecimento. O resultado é que instaura-se a polêmica e logo a opinião se divide entre os que são a favor e os que são contra a redução da maioridade penal sem que sejam
discutidas as questões relativas às medidas socioeducativas e as ações de prevenção. Nas redes sociais, logo após a morte de Victor Deppman, foi criada uma campanha em favor da redução da maioridade penal por meio de uma lei que levaria o nome do estudante. Da mesma maneira surgiu também na rede social uma ação contrária à redução da maioridade, defendendo que o tema seja tratado a partir de políticas públicas voltadas para proteção e promoção dos direitos de crianças e adolescentes.
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Editor e diagramador da página: Diego Duarte - 7º Período
Especial • 15
O Ponto
Belo Horizonte, maio de 2013
“Aqui se formam homens” Para formar cidadãos, Tota cria projeto no bairro Providência usando a paixão nacional: o futebol Foto: Gerson Melo
Margareth, à esquerda, e seu marido Tota, do outro lado, fazem o que podem para que o projeto ajude as crianças da região do bairro Providência TÚLIO KAIZER 7º PERÍODO Um projeto começou a mudar a vida de dezenas de crianças na Região Norte de Belo Horizonte. Sem muitos investimentos no bairro Providência, uma ideia de Wilson Martins Gusmão, o Tota, levou o útil ao agradável. Tirar as crianças das ruas, levá-las de volta para a escola em troca de um acompanhamento no futebol, no mais famoso campo de várzea da região. Junto com Margareth Gusmão, sua esposa, Tota, que trabalha na aeronáutica, onde é encarregado de 25 funcionários, iniciou um projeto com o time “Providência”, que era formado apenas por adultos e que virou atração para a criançada da região. O projeto foi criado há 12 anos com apenas oito crianças, quando o treinador passou a levar seu filho para jogar bola e viu uma necessidade de um time de futebol para elas no bairro. Diferentemente do seu trabalho, o treinador tem que administrar aproximadamente 100 crianças em seu projeto social. A ideia de Tota era tirar as crianças do perigo que as ruas podem trazer: drogas, violência, abusos, trabalho escravo. Para jogar em seu time, ele estabeleceu que os atletas deveriam apresentar o boletim escolar e que promoveria conversas mensais com os pais, para saber o comportamento das crianças/adolescentes com os seus familiares. Criando três categorias (garotos até 9, 13 e 17 anos),
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o projeto é a grande sensação da região. As pessoas viram no time do Providência uma forma de ajudar a motivar os garotos da região, principalmente na parte escolar, na qual eles não mostravam interesse. Com um acompanhamento quase que diário, vários garotos passaram a se dedicar mais na escola para poder treinar com o time. Para criar o projeto com as crianças não foi fácil. Apaixonado com o futebol e sem recursos, Tota conta com ajuda de um ou dois reais dos pais e alguns atletas que têm condições de ajudar, para que ele lave os coletes e uniformes, comprados do seu próprio bolso. Ele explica como fez para montar essas categorias e como faz para administrar. “Tive essa ideia de montar o projeto na região para tirar essas crianças das ruas. Antigamente jogava apenas com o time adulto, mas vi essa necessidade aqui no bairro. É difícil administrar, pois não imaginava que cresceria a este ponto. Ter 100 crianças e apenas 50, no máximo, vão poder jogar nos três times no final de semana é complicado; tem que trabalhar bem a cabeça delas para que não fiquem desmotivadas”. Mudar a cabeça Para jogar no Providência não basta apenas ser bom de bola. Tem que andar na linha para ser ser escolhido. Sendo assim, Tota criou seu método para selecionar os atletas que jogam em sua equipe. “Só joga comigo quem estuda e tem bom comportamento. Se
pisou na bola, leva suspensão e só volta quando demonstrar ter aprendido com o erro. A gente cobra boletim, educação com os pais. Já pegamos muitos garotos, novos ainda, que estavam no mundo das drogas, pegavam traseira em ônibus e caminhões e mudamos o jeito
“Meu maior sonho é expandir esse projeto.Já vimos muitos talentos serem desperdiçados por falta de estrutura para o nosso trabalho. Precisamos virar uma vitrine para o futebol” Tota de viver deles. Para jogar aqui tem que comportar”. Os diálogos são a melhor forma encontrada pelo técnico do Providência para mudar a cabeça dos atletas. E também dos pais. Muitos relutam em não deixar o filho jogar bola, mas não sabem o que os mesmos aprontam enquanto estão nas ruas. Tota sabe que a comunidade dá uma grande ajuda para o clube, pois os vizinhos vigiam os garotos também e acabam servindo para abrir os olhos dos familiares. “A comunidade é muito ligada ao nosso time. Muitas vezes a gente não consegue ficar atento a tudo, mas sempre tem alguém que avisa se viu algum deles fazendo algo errado. Sempre conversamos
com os pais, procuramos soluções para aqueles que aprontam e elogiamos aqueles que melhoraram. Muitas vezes, quando eles são suspensos, só voltam com os responsáveis, para que eles saibam o motivo da punição e o autorizem a jogar novamente. É um trabalho que ajuda na criação desses meninos, já que muitas vezes eles sentem falta da família, que tem que trabalhar para sustentar a casa e acabam ficando ‘largados’”. Trabalho voluntário Apesar das dificuldades finaceiras para manter o Providência, Tota consegue levar o projeto com ajuda de pais e alguns atletas. O treinador sabe que precisa motivar ainda mais as crianças, mas vê a situação complicada por causa da demora na entrega dos documentos. “Não ganhamos nada com isso. A situação do nosso campo é ruim. Corremos riscos com o padrão de luz, que está em estado deplorável, caindo aos pedaços. A gente tenta um projeto para dar lanche aos garotos, uniforme. Como somos um clube filiado à Federação, precisamos de uma documentação que estamos esperando faz cinco anos. Isso ajudaria a manter esse trabalho que fazemos aqui no bairro. Um ou outro pai ajuda, além dos garotos do projeto. Mas, mesmo assim, se faz insuficiente pela nossa demanda de jogadores”. O sonho do treinador é expandir seu projeto. Ele, que já revelou jogadores para times profissionais de Minas Gerais, sabe que o Providência, com mais recursos, poderá ser uma
vitrine grande para o futebol mineiro. “Meu maior sonho é expandir esse projeto. Já vimos muitos talentos serem desperdiçados por falta de estrutura para o nosso trabalho. Conseguimos ensinar esses jovens a crescer com atitude, mas queremos que eles realizem o sonho de jogar futebol profissionalmente. Quando eles chegam aqui para o primeiro treino, eu já aviso que não adianta iludir com o futebol, porque é um esporte muito concorrido. Nosso bairro é uma vitrine, pois temos muita gente ‘fominha’, que, se pudesse, jogava bola o dia inteiro. Precisamos virar uma vitrine para o futebol. Por isso acho que expandir esse projeto seria muito importante, pois ajudaríamos ainda mais no crescimento dessa região”. Tota se mostra feliz por ter ajudado na criação de muitos garotos que estão bem na vida. “Muitos passaram aqui e vivem do futebol, outros estão bem sucedidos na vida, com emprego, casa, estudos. Ajudamos muitos garotos a conseguir o primeiro emprego. Fico feliz em formar jogadores, mas muito mais satisfeito em formar grandes pessoas”. Com o Providência, Tota se mostra realizado e sabe que a responsabilidade e o papel social dele na região é importante. “Posso não ter condições de dar o melhor material a esses atletas, mas faço o que posso para que eles sejam bem tratados. Sei que não vou mudar o mundo com um projeto assim, mas passam pelas minhas mãos muitos futuros promissores, e sei que consigo interferir neles para o bem”, concluiu emocionado.
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