Revista Ponto E Vírgula - Fevereiro 2013

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Universidade Fumec

Revista laboratório do Curso de Jornalismo Ano 5 | Número 7 - Fevereiro de 2013

"NÃO ME DEIXE MORRER"

CURSOS DE GRADUAÇÃO PLENA: Ɣ Administração Ɣ Arquitetura e Urbanismo Ɣ Biomedicina Ɣ Ciência da Computação Ɣ Ciências Aeronáuticas Ɣ Ciências Contábeis Ɣ Design de Interiores Ɣ Design de Moda

Capa.indd 1

Ɣ Design de Produto Ɣ Design Gráfico Ɣ Direito Ɣ Educação Física (Licenciatura EaD) Ɣ Engenharia Ambiental Ɣ Engenharia Bioenergética Ɣ Engenharia Biomédica Ɣ Engenharia Civil

GRADUAÇÃO TECNOLÓGICA

MESTRADO

ESPECIALIZAÇÃO / MBA

DOUTORADO

Ɣ Engenharia de Produção/Civil Ɣ Engenharia de Telecomunicações Ɣ Estética Ɣ Jornalismo Ɣ Negócios Internacionais Ɣ Pedagogia Ɣ Psicologia Ɣ Publicidade e Propaganda

Mais informações acesse:

www.fumec.br 0800 0300 200

Ponto & Vírgula - Revista laboratório do Curso de Jornalismo - Ano 5 | Número 7 - Fevereiro de 2013

Conhecimento, ensino de excelência, corpo docente qualificado, tecnologia e infraestrutura de primeira. Em 47 anos de existência, a Universidade FUMEC vem formando os melhores profissionais do mercado.

MMA põe em cheque o limite entre esporte e violência

Giramundo prepara reabertura de museu

Governo lança diretrizes para incluir pessoas com Down

Em resposta ao apelo da boliviana Sonia, 11 anos, vítima da doença de Chagas, a reporter Eliane Brum, prometeu à menina: “vou contar tua história ao mundo” 3/7/13 10:08:57 AM


Universidade Fumec

Revista laboratório do Curso de Jornalismo Ano 5 | Número 7 - Fevereiro de 2013

"NÃO ME DEIXE MORRER"

CURSOS DE GRADUAÇÃO PLENA: Ɣ Administração Ɣ Arquitetura e Urbanismo Ɣ Biomedicina Ɣ Ciência da Computação Ɣ Ciências Aeronáuticas Ɣ Ciências Contábeis Ɣ Design de Interiores Ɣ Design de Moda

Capa.indd 1

Ɣ Design de Produto Ɣ Design Gráfico Ɣ Direito Ɣ Educação Física (Licenciatura EaD) Ɣ Engenharia Ambiental Ɣ Engenharia Bioenergética Ɣ Engenharia Biomédica Ɣ Engenharia Civil

GRADUAÇÃO TECNOLÓGICA

MESTRADO

ESPECIALIZAÇÃO / MBA

DOUTORADO

Ɣ Engenharia de Produção/Civil Ɣ Engenharia de Telecomunicações Ɣ Estética Ɣ Jornalismo Ɣ Negócios Internacionais Ɣ Pedagogia Ɣ Psicologia Ɣ Publicidade e Propaganda

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Ponto & Vírgula - Revista laboratório do Curso de Jornalismo - Ano 5 | Número 7 - Fevereiro de 2013

Conhecimento, ensino de excelência, corpo docente qualificado, tecnologia e infraestrutura de primeira. Em 47 anos de existência, a Universidade FUMEC vem formando os melhores profissionais do mercado.

MMA põe em cheque o limite entre esporte e violência

Giramundo prepara reabertura de museu

Governo lança diretrizes para incluir pessoas com Down

Em resposta ao apelo da boliviana Sonia, 11 anos, vítima da doença de Chagas, a reporter Eliane Brum, prometeu à menina: “vou contar tua história ao mundo” 3/7/13 10:08:57 AM


Jorge Kajuru revela que seu maior inimigo é ele mesmo Gestação abre novas portas para mercado de eventos, produtos e serviços Ensaio fotográfico registra diferentes olhares sobre os belo-horizontinos

ÍNDICE Prêmio

Pág. 05

Eliane Brum

Pág. 06

Indústria da gestação

Pág. 15

Gravidez na adolescência

Pág. 21

Kajuru

Pág. 25

Museu do sexo

Pág. 29

Ensaio Fotográfico

Pág. 32

MMA

Pág. 40

Frente e Verso

Pág. 50

Giramundo

Pág. 52

Marcos Malafaia

Pág. 55

Reitor: Prof. Dr. Eduardo Martins de Lima Vice-reitora: Profª. Guadalupe Machado Dias

Nana Caetano

Pág. 60

Faculdade de Ciências Humanas

Natália D’Ornelas

Pág. 64

Cine Brasil

Pág. 66

Expediente FUMEC

Fundação Mineira de Educação e Cultura

Presidente do conselho executivo Prof. Mateus José Ferreira Presidente do Cons. de Curadores: Prof. Tiago Fantini

Reitoria da Universidade Fumec

Diretor-Geral: Prof. Antônio Marcos Nohmi Diretor de Ensino: Prof. João Batista de M. Filho Diretor Adm-Financeiro: Prof. Fernando M. Nogueira Coordenador do Jornalismo: Prof. Ismar Madeira

Conto

Pág. 69

Editor: Prof. Aurelio José Silva Editora: Profª. Vanessa Carvalho Coordenação Editorial: Profª. Vanessa Carvalho Coordenação Proj. Gráfico: Prof. Aurelio José Silva Apoio Técnico: Luis Filipe P. B. Andrade Apoio Técnico: Daniel Washington S. Martins Revisão de texto: Prof. Dr. Luiz Henrique Barbosa Logomarca: Rômulo Alisson dos Santos Gráfica: Rona Editora Tiragem: 1.000

Línox

Pág. 70

Barão Vermelho

Pág. 72

Diretrizes da inclusão

Pág. 75

Dr. Zan Mustacchi

Pág. 85

Conselho Editorial

Trânsito

Pág. 91

Consumidor na web

Pág. 97

Classe C

Pág. 100

Ponto e Vírgula

Prof. Alexandre Salum Profª. Ana Paola M. Amorim Valente Prof. Aurelio José Silva Profª. Dúnya Azevedo Profª. Vanessa Carvalho

Foto da capa Vânia Alves/Assessoria Médicos Sem Fronteiras

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EDITORIAL

O DESAFIO DA SUPERAÇÃO... Os editores Aurelio Silva e Vanessa Carvalho Jornalistas estão sempre ávidos por novidades. Os repórteres e editores das matérias da Ponto e Vírgula não são diferentes. Embora jovens e ainda inexperientes, ou talvez por isso mesmo, nossos alunos apresentam interesse redobrado mesmo quando a expectativa é que se comportem de forma apática. “Geração que não lê, não se interessa pelo que acontece no mundo, frutos de um tempo caracterizado pelo individualismo, narcisistas, blá, blá, blá”. Os preconceitos desaconselham trabalhar com aqueles que são rotulados por já terem nascido com todas essas “qualidades”. Nessa hora, um amigo lembra o fato de que, apesar do existencialismo andar fora de moda, o ser humano não é isso ou aquilo, ele é um projeto e, portanto, devir. Nossos repórteres conseguiram nos surpreender e toparam com brilhantismo enfrentar todos os desafios que impusemos. Querem ver um exemplo? A reportagem desta edição sobre o MMA. Diego, Túlio e Renato, os responsáveis pela matéria, em nossa primeira reunião de pauta respondiam que o foco de sua reportagem era: a violência no esporte. “Hã???” Indagamos, nós, os editores? “Qual a novidade? Violência em um esporte considerado como extremamente agressivo? Qual o diferencial da matéria, em meio a tantas outras já realizadas sobre o assunto?” Provocados, os repórteres sumiram por um tempo e, sinceramente, nós, seus professores e orientadores, acreditamos que eles não dariam conta do recado. A resistência era muito forte para aceitar sugestões, nos parecia pura expressão de arrogância juvenil. Enquanto esperávamos pela revanche, dias depois, eles voltaram com a matéria pronta, apelidada, carinhosa e provocativamente por sua dimensão,

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de trabalho de conclusão de curso ou Bíblia do MMA. E o leitor da Ponto e Vírgula é presenteado com dez páginas, distantes da superficialidade da imprensa convencional, que tratam das origens da luta, regras, controvérsias, principais campeonatos e lutadores, destaques e, finalmente, um Frente e Verso que apresenta o depoimento do não menos polêmico deputado federal José Mentor (PT-SP), autor de projeto de lei que visa proibir a veiculação do esporte por programas de televisão no Brasil. Por falar em polêmica, um nome: Jorge Kajuru. O jornalista esportivo consagrado, envolvido em vários processos judiciais por sua ausência de papas na língua, com inimigos reconhecidos, dá um depoimento comovente em que declara suas frustrações e decepções na vida pessoal, relembra os poucos e verdadeiros amigos que teve e é, claro, não deixa de disparar seu arsenal contra aqueles que merecem toda sua verve crítica. Enfim, nada melhor que abrir uma nova edição conquistando uma vitória. Vencemos a 6ª edição do Prêmio Délio Rocha – Jornalismo de Interesse Público, na categoria estudante, com a reportagem Liberdade no Cárcere, publicada na última edição da revista-laboratório Ponto e Vírgula (veja texto ao lado). Um reconhecimento merecido e importante para os alunos do jornalismo responsáveis pela reformulação gráfica e editorial da revista, outra iniciativa bem sucedida. Parabéns a todos os envolvidos e, principalmente, à equipe vencedora! A grande dificuldade desta edição era manter, com a produção dos próprios alunos, a consistência e os resultados obtidos no número anterior da Ponto e Vírgula, em que foi apresentada a nova proposta editorial e gráfica

da publicação. Com as diretrizes em mãos e um produto como exemplo e estímulo, a turma do sexto período do curso de jornalismo, que assumiu a produção no segundo semestre de 2012, foi questionada a fazer melhor, ou seja, ir além... Acreditamos que eles avançaram, mas a palavra final será sua. Nas páginas a seguir, caro leitor, você irá se emocionar com histórias contadas pela premiada jornalista Eliane Brum, em entrevista exclusiva, sobre um dos seus últimos trabalhos com a organização Médicos Sem Fronteiras. Vai acompanhar os produtos e eventos criados exclusivamente para as gestantes; as ações e limitações do Ministério da Saúde na divulgação das novas diretrizes de inclusão das pessoas com síndrome de Down; exemplos de trajetória e da rotina dos jornalistas de moda e muito mais... Aceitamos esse desafio e sabemos que, a cada edição, as exigências e expectativas tornam-se maiores com relação ao produto final. Mas vamos dar um passo de cada vez, sem sobressaltos. Essa etapa foi vencida e nossos objetivos alcançados: envolver os alunos e capacitá-los a executar uma produção jornalística mais elaborada. Com isso, conseguimos também identificar alguns talentos. Futuros jornalistas com sensibilidade, dedicação e força de vontade que se sobressaem. Mas o que nos espera na próxima edição? Digam-me vocês, alunos que irão assumir a redação da Ponto e Vírgula em 2013. O desafio continua: reescrever, a cada edição, uma nova página da história da nossa revista laboratório.

Boa leitura!

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PRÊMIO

JORNALISMO DA FUMEC É BICAMPEÃO 6º Prêmio Délio Rocha JORNALISMO DE INTERESSE P´UBLICO

Da esq. para dir.: Duda Ramos, Alexandre Carvalho e Florence Botinha

Pelo segundo ano consecutivo, estudantes do curso de jornalismo da Universidade Fumec foram vencedores do Prêmio Délio Rocha de Jornalismo de Interesse Público, promovido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG). Na sexta edição do prêmio, os vencedores foram Alexandre Carvalho, Florence Sommerlathy Botinha e Maria Eduarda Ramos, com a reportagem Liberdade no Cárcere, publicada na revista-laboratório Ponto e Vírgula. Os estudantes receberam um troféu, certificados e prêmio em dinheiro no valor de R$ 1.500. Em 2011, também na categoria estudante, o primeiro lugar ficou com a reportagem “Esperança em 5 ml”, publicada no jornal-laboratório O Ponto. O prêmio foi criado pelo sindicato em 2007 para estimular, divulgar

e valorizar o trabalho dos jornalistas mineiros que produzem matérias voltadas ao interesse público. O prêmio é parte do Qualificar (Programa de Qualificação Profissional do SJPMG) e tem patrocínio da Vale e Petrobras e apoio da Fiemg, Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Governo de Minas e Unimed. O nome do prêmio é uma homenagem ao jornalista mineiro Délio Rocha, falecido em 2008. Profissio-

nal que trabalhou em diversos órgãos da imprensa nacional, sua trajetória deve ser lembrada por sua atuação como defensor da democracia, dos direitos humanos, da liberdade de expressão e da democratização dos meios de comunicação. Délio também foi um líder sindical que dedicou boa parte de sua vida ao SJPMG e à Fenaj, onde se destacou como dirigente combativo e atento à defesa da profissão

A revista Ponto e Vírgula, na sua edição número 6, apresenta seu novo projeto editorial e gráfico

Foto: Luis Filipe Pena

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ENTREVISTA

“POR FAVOR, NÃO ME DEIXE MORRER” A garota Sonia, de apenas 11 anos, implora à repórter Eliane Brum para que salve sua vida. Assim como quase todas as pessoas de sua família, bolivianos do povoado de Novillero, Sonia é vítima da Doença de Chagas. Antes de partir de volta para o Brasil, Eliane, então, promete a ela: “Eu vou contar a tua história para o mundo” Por: Lu Cafaggi e Stefânia Firmo Eliane Brum

Sonia, de 11 anos, e a sobrinha Érica, de 5. Sonia teve reação alérgica ao tratamento da Doença de Chagas e precisou suspendê-lo. Ainda não há um medicamento pediátrico; por isso, as crianças são mais vulneráveis aos seus efeitos

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Foto: Vânia Alves

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ELIANE BRUM

- ENTREVISTA

Eliane Brum escreve Jornalismo Literário, um modelo que mescla aspectos da literatura com os princípios jornalísticos

Naquela noite, Eliane Brum conta uma história de terror. Um conto sobre vidas assombradas por criaturas que, em seu sangue, carregam promessas invisíveis de morte. Ou uma história verdadeira sobre os “vampiros da realidade”. Três de setembro, centro de Belo Horizonte. É noite de Sempre um Papo no SESC Palladium, quando Eliane fala das histórias que detalhou em reportagem no livro Dignidade! Histórias de Sonia, Maria, Cristina e suas famílias doentes. E pobres. O título da reportagem defende que os vampiros da realidade só matam pobres. O monstro das histórias contadas é o barbeiro, vetor da Doença de Chagas, que penetra nos corpos adormecidos daqueles moradores dos vales da Bolívia. O ruído de suas asas dá o compasso da rotina daquelas aldeias. Seu sangue – ou o sangue das pessoas, chupado durante a noite – mancha as paredes das casas. Sua presença, em milhares, compete com as vidas daquelas famílias. Em tantos momentos, os espectadores, que escutam o relato de Eliane, passeiam as mãos ao redor do pescoço, ou disfarçam, encolhidas, um comichão no braço. A linguagem de seus corpos tensos denuncia o desconforto que nasce a partir daquele mundo novo que Eliane apresenta. Novo sim, mas não porque sua existência era desconhecida. Era novo porque, antes, nunca havia parecido tão próximo. Parecia uma realidade inacessível, tão triste, que só cabia em uma abstração. Um punhado de terra vermelha na dimensão do “infelizmente, não há nada que eu possa fazer por eles”. No entanto, é um mundo vivo, verdadeiro. E é nosso vizinho de mapa. Mas o mapa não mostra seus personagens, com suas tranças,

Foto: Aurélio Silva

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Projeto cultural de incentivo à leitura, que realiza encontros entre público e grandes nomes da literatura, em auditórios espalhados por mais de trinta cidades brasileiras.

Livro que reúne textos de escritores de diferentes países que acompanharam os Médicos Sem Fronteiras em suas missões no tratamento de doenças negligenciadas pelos governantes. Foi lançado em 2012, no Brasil, pela editora Leya.

Inseto vetor da Doença de Chagas. No povoado que Eliane visita com os Médicos sem Fronteiras, é conhecido como “vinchuca”, nome que significa, literalmente, “deixar-se cair.”

Infecção causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi e transmitida pelo barbeiro. Seus sintomas variam de inflamaçcão nos órgãos infectados a insuficiência cardíaca. Se não tratada, a doença crônica pode ser fatal.

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ENTREVISTA - ELIANE BRUM

Cristina e Maria estão entre os milhares de camponeses da região de Narciso Campero, na Bolívia, que convivem com o barbeiro. As duas amigas conheceram-se em uma viagem que fizeram em busca de um marca-passo.

seus silêncios, suas infâncias, colos e acanhamentos. Chega a parecer que o mapa mente, mais esconde do que revela aquela geografia tão particular. Geografia que Eliane desvenda e que, ao fazer um pacto com a menina Sonia – “eu vou contar a tua história” –, aproxima dois mundos. Um mundo de cá, de infâncias inteiras de chances, encantos, encontros, cadernos decorados e joelhos ardidos de Merthiolate. E um mundo de infâncias sufocadas por percevejos que entalam nas gargantas, que é também um mundo de cá, mas um mundo invisível. Eliane Brum é jornalista, escri-

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tora e documentarista. Atualmente, escreve uma coluna semanal para a revista Época. Três semanas após o bate-papo no SESC Palladium, Eliane concede à Ponto e Vírgula uma entrevista exclusiva. Pelo telefone, Eliane nos conta do pouco e do muito que um repórter traz ao mundo quando compartilha as histórias reais que encontra nos parênteses do dia-a-dia. Histórias da vida que ninguém vê. Em momento algum, Eliane se refere a Sonia, Maria, Cristina ou suas famílias como “aquelas” pessoas, “aquelas” vidas. Um pronome demonstrativo mais acolhedor indica

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o estigma “dessas” pessoas que ficou em sua vida reportadeira.

Por que você decide nos contar as histórias dessas pessoas? Qual a diferença que seu trabalho pode trazer ao mundo? Eu acredito profundamente no poder da narrativa, no poder da história contada. No poder da história da vida contada como instrumento de transformação da própria vida. E isso é o que dá sentido a minha vida. Tudo o que eu faço é a partir dessa crença. E, quando eu encontro a Sonia (e eu já fiz várias matérias muito

Fotos: Vânia Alves

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ELIANE BRUM complicadas, várias matérias que eu levei, algumas delas, anos para me recuperar, outras das quais nunca vou me recuperar), eu acho que faço o meu confronto mais profundo com a impotência. Porque, quando ela me pede para salvar a vida dela, o que eu sempre digo para as pessoas é: “eu vou contar a tua história pro mundo” (e eu acho que isso é importante). Quando fui dizer isso para ela (e eu disse), eu sabia que isso não seria suficiente, talvez, para salvar a vida dela. A vida dela, dela que estava me pedindo. Pedindo a mim. Quando volto para São Paulo, eu fico paralisada pela primeira vez na minha vida. Eu não consigo escrever porque, pela primeira vez, eu achei que escrever era pouco, que escrever não ia salvar a vida da Sonia. Então eu fiquei duas semanas paralisada e precisei fazer uma reflexão muito profunda, um mergulho profundo dentro de mim, para entender que, se eu não conseguisse romper essa paralisia e contar a história da Sonia para o mundo, eu não ia cumprir a minha parte no pacto com ela. E contar uma história é pouco. E é muito. É pouco e é muito ao mesmo tempo. E acho que isso eu entendi. Acho que ser jornalista e contar histórias reais é sempre um confronto cotidiano com a impotência. Só que, até então, isso nunca tinha ficado tão claro para mim. A gente tem que conviver com esse muito que é também pouco, mas que é o possível. E é grande contar uma história e, por isso, eu escrevo também que, ao compartilhar o pesadelo que vai ser meu para sempre com as pessoas, é uma tentativa de, através da história contada, conseguir fazer com que as pessoas se mobilizem para fazer a sua parte, para que um dia, no mundo, crianças como Sonia não precisem pedir para serem salvas. Contar uma história é romper a barreira da invisibilidade. É aproxi-

Fotos: Aurélio Silva

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- ENTREVISTA

mar mundos que viviam apartados. Isso é contar uma história real e esse é que é o poder da reportagem. E eu acredito muito nisso.

Os jornalistas são historiadores do cotidiano. O que a gente produz é documento sobre a nossa época. E isso é humano. Suas reportagens são classificadas como Jornalismo Literário. Você acredita que a linguagem que você escolhe para contar suas reportagens – se é que isso é uma escolha – pode fazer com que seu leitor se importe mais com o que está sendo contado do que se você escolhesse uma linguagem jornalística mais tradicional? Eu não sei se existe uma linguagem tradicional no jornalismo. Existe bom jornalismo e existe mau jornalismo. E, às vezes, tu ficas apenas nos números (e acho que os números são sim importantes), mas a gente precisa dar carne para as estatísticas. A gente precisa mostrar os rostos, as vidas, os nomes, os sobrenomes de quem está por trás, de quem está encoberto por essa estatística. A estatística é sempre uma coisa fria. Então eu acho que a boa reportagem é aquela que consegue, o máximo possível, dar conta da complexidade daquela realidade. Contar como são aquelas vidas, quais são aqueles detalhes que alimentam aquelas vidas. Como é que é o am-

biente, como é que é o contexto, como é que é a História. Por isso, fazer uma boa reportagem dá muito trabalho e as suas informações, como repórter, não são apenas as estatísticas, não são apenas as palavras ditas. Mas é toda a complexidade do real que é feita por um monte de coisas, inclusive por cheiros, por gestos, por cores... E silêncios também. Tem muito mais informação para apurar do que tu ficares apenas em aspas e números. Então, isso, para mim, é bom jornalismo. E é isso que carrega as pessoas pro mundo do outro. Porque o repórter vai até onde o leitor não pode ir. E ele precisa trazer para o leitor toda a complexidade desse mundo, para que o leitor possa sentir, com todas as informações que o repórter apurou e

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ENTREVISTA - ELIANE BRUM possa fazer, então, as suas próprias escolhas a partir de sua própria interpretação do mundo. Então eu fico muito feliz. O maior elogio que eu posso receber é quando o leitor me diz: “lendo a tua reportagem, parecia que eu estava lá”. Então, eu consegui chegar perto dessa realidade. O mais criminoso que a gente pode fazer é reduzir a complexidade da realidade. E quando tu enxergas as pessoas, para além dos números, é outro envolvimento que tu tens com a realidade. Tu te implicas, à medida

que tu te implicas com o outro, com aquilo que é humano. Às vezes, as pessoas me dizem: “ah, tu fazes matérias humanas” ou “por que tu escolhes fazer matérias humanas?”Eu não consigo nem entender essa pergunta. “Como assim?” Nós somos contadores da história cotidiana. Os jornalistas são historiadores do cotidiano. O que a gente produz é documento sobre a nossa época, sobre nosso momento histórico. E isso é humano. A História é construída por pessoas. Então toda reportagem é humana. São

huemmanos escrevendo sobre outros. Uma doença não é só uma doença. É como se tu fosses escrever sobre a Doença de Chagas e escrevesse só sobre uma doença. Daí tu estás falseando a realidade, estás resumindo a realidade. Porque uma doença é História, é contexto, é costume, é cultura. E é isso o que eu tento fazer ao contar a história da Maria e da Cristina, ao contar a história de suas famílias. O Chagas não é algo que simplesmente está ali, uma doença que está fora da História, fora do

Pacientes levam suas famílias inteiras para saber os resultados dos exames de Chagas. Aiquile, Bolívia.

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Fotos: Vânia Alves

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ELIANE BRUM processo histórico. Essa doença só está matando essas pessoas por causa de uma série de questões históricas, por ser uma doença da pobreza, por ser uma doença negligenciada. E, por ser uma doença da pobreza, é uma doença que a indústria farmacêutica não tem interesse em pesquisar. E porque ela não se interessa em pesquisar, só existe um remédio, que é de 1960 e tem vários efeitos colaterais. Por causa dos efeitos colaterais, muita gente não pode se tratar. E a gente está em 2012 e ainda não se pesquisou nenhum outro tratamento, nenhuma outra vacina para essa doença. Ela é uma doença que poderia ser erradicada, se fosse erradicado o seu vetor, que é o barbeiro. E, para isso, precisaria ter casas, para essas pessoas, que fossem seguras. E por que essa população é invisível? Então uma doença não é só uma doença. Uma doença é uma doença dentro de um processo histórico cultural. E esse é meu desafio como repórter. Assim como, quando eu falo de vampiros, eu não estou fazendo uma graça. Não estou fazendo uma brincadeira com o barbeiro que é um inseto que suga o sangue. Eles são vampiros por causa de toda uma apreensão que toda essa população tem da realidade. A “vinchuca” (que é como eles chamam barbeiro em

Fotos: José Willian Borges

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quéchua, e eles só falam quéchua), é onipresente para eles. É algo que molda, que marca a cultura, marca a vida deles, marca a história deles. Porque a vinchuca sempre esteve lá. E eles não sabem que existe um outro mundo sem vinchuca. Então, é por isso que são vampiros, porque tem essa presença que molda a vida. Determina a vida e determina a morte. Nosso trabalho de repórter é aproximar os mundos. Até eu ter contato com a história dessas pessoas, até eu ter que fazer esse gesto interno de me mobilizar para ir até o mundo deles, Chagas, para mim, era só uma doença transmitida pelo barbeiro. Era muito pouco. E não: é uma tragédia, uma história de terror real que está acontecendo agora, neste momento, bem aqui do nosso lado. Portanto, qualquer pessoa decente tem que estar implicada nisso.

E você sentiu medo ao ir pra lá, sabendo que é um ambiente de risco? Não senti medo, não. Tem matérias em que eu sinto medo, como quando envolve uma violência em regiões de conflito armado. Aí eu sinto medo. Mas, nesse caso, não. Os Médicos sem Fronteiras só permitiram que eu ficasse uma semana. Em geral, é o tempo que eles permitem quando aceitam jornalistas,

- ENTREVISTA

Língua indígena da América do Sul, ainda hoje falada por cerca de dez milhões de pessoas de diversos grupos étnicos. O quéchua era falado na região central dos Andes desde bem antes da época do Império Inca.

ONG que oferece ajuda médicohumanitária em regiões do mundo inteiro que convivem com conflitos armados, desastres naturais, epidemias, fome, exclusão social ou doenças negligenciadas, locais onde o sistema de saúde ou não existe ou não funciona adequadamente.

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ENTREVISTA - ELIANE BRUM por razões de segurança. Eu gostaria de ter ficado mais. Achei que seria importante ficar um pouco mais, mas era o possível. Fiquei uma semana. E eu também gostaria de ter ficado nas aldeias, mas é também uma regra deles. Tinha de ficar na casa deles, onde havia mais condições de segurança.

Quando e como você se descobriu repórter? Quando e como essa repórter escolheu se aproximar das pessoas anônimas e da sua vida cotidiana? Eu acho que já era repórter antes de saber que era repórter. Sempre fui uma escutadeira e eu acredito que meu principal instrumento para a reportagem é a escuta (que é uma coisa muito difícil). Então, desde pequena, eu gostava de escutar a história das pessoas em vez de brincar. Boa parte da minha família é de origem rural. São pequenos camponeses. Alguns sem terra, alguns com um pouco de terra. Eu morava na cidade, em Ijuí (Rio Grande do Sul), que é uma cidade muito pequena, mas a gente ia, nos fins-de-semana, ficar com os parentes do meu pai. E eu gostava. Botava um banquinho e ficava escutando, num canto, a história dos adultos, em vez de brincar. E eles esqueciam até da minha presença ali, porque eu ficava num cantinho. Acho que, até hoje, eu sou essa criança que fica num canto, num banquinho, escutando a história dos outros. Nunca fui faladeira. Para mim, está sendo uma experiência muito nova essa de fazer palestras e dar entrevistas, que é uma coisa que é importante. É uma forma de compartilhar conhecimento, de também transmitir, continuar contando as histórias que contam nas reportagens, nos livros, enfim. Mas eu não sou uma faladeira, eu sou uma escutadeira. Quando eu tenho que falar muito, eu preciso depois ficar em

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casa, trancada, quieta por bastante tempo, para me recuperar dessa exposição. Eu me sinto, assim, muito desnuda, falando. Mas acho super importante, então, por isso, eu faço. No momento em que aprendo a escrever (já escutava antes de saber ler e escrever), os livros mudam muito a minha vida, eu acho que eles me salvam. Eu acho que eu fui salva pe-

los livros. Eu era uma criança muito triste e encontrei uma forma de viver outras vidas e outros mundos no momento em que eu começo a ler. E comecei a escrever, também, com onze anos de idade. Com onze, não, com nove anos de idade para dar conta da dor do mundo, que era algo que eu sentia muito forte. E a escrita era um jeito de lidar com isso, porque

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ELIANE BRUM

senão eu me sentia sufocada. Fui escutando e escrevendo. Acabei fazendo Jornalismo. Fazia História também, achei que eu ia ser historiadora. Não achava que eu servia para ser jornalista, porque eu me achava muito tímida. Quando já estava no final da faculdade (ia terminar a faculdade porque já estava no final, para ter o diploma), tinha

Foto: Vânia Alves

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certeza de que eu não iria exercer a profissão. Aí encontrei um professor maravilhoso - sempre conto essa história- que se chama Marques Leonam, que me mostrou que ser repórter era a melhor profissão do mundo e trouxe várias reportagens maravilhosas, às quais eu não tinha acesso e que eram muito diferentes daquele jornalismo árido, sem gen-

- ENTREVISTA

te, que vigorava naquela época, na maioria dos jornais. Aí eu escrevi uma matéria para ele sobre... filas. Todas as filas que a gente entra desde que nasce até morrer. Era um tema inusitado para aquela época (hoje, já não seria). Era o que me interessava. Eu me interessava por essas coisas e esse professor, ao contrário de outros, disse que eu podia. Disse que isso era sim interessante. Essa matéria acabou sendo inscrita num concurso universitário da região Sul do Brasil. Eu ganhei o prêmio, era um estágio no jornal Zero Hora, em Porto Alegre, e foi assim que eu entrei no jornalismo. Na Zero Hora, acabei sendo contratada, depois. Em 1988. Aí eu descobri que isso de ser repórter é mesmo o que eu sou, não aquilo que eu faço. E, desde sempre, eu me interessei por essas histórias. Antes de ter consciência disso, quando eu ia cobrir alguma coisa, eu sempre me interessava não exatamente pelo que tinham me pautado para fazer, mas pelo que estava em torno disso, ou pelos personagens secundários. Era essa a matéria que eu acabava trazendo. Por causa disso, em 1999, eu fui fazer “A Vida que ninguém vê”, que era uma coluna de reportagens, dessa vez, assumidamente sobre pessoas anônimas, sobre pessoas que, em geral, não são notícia da imprensa. Mas fui escolhida para fazer isso porque eu já fazia isso naturalmente. A partir de certo momento, isso se transforma em algo muito consciente em mim. Eu começo a refletir sobre o que eu faço. Então, é uma escolha política consciente. É sim uma escolha política, porque, como eu falei, eu vejo a nossa profissão como a de historiadores do cotidiano. O que a gente produz é documento sobre o que está acontecendo agora. Isso influencia a vida das pessoas hoje e vai influenciar a compreensão deste

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ENTREVISTA - ELIANE BRUM momento histórico daqui a cinquenta, cem anos. Então, sempre que eu faço uma matéria, que seja uma nota ou uma matéria de vinte páginas, eu preciso ter a certeza de que, quando o historiador, daqui a cem anos, procurar minha matéria num arquivo digital, ele vai ser bem informado sobre esta época, sobre este momento histórico, sobre as contradições, sobre as nuances. Ele vai ter essas informações. Eu faço o meu trabalho com o peso dessa responsabilidade. O dia em que eu achar que não dou mais conta disso, por algum motivo, eu vou deixar de fazer esse trabalho, porque é muito sério. Quando a gente reduz a realidade, a gente comete um crime. Então, quando a gente está contando o nosso momento histórico e a gente deixa de fora a maior parte das pessoas, dos homens e das mulheres que constroem este país, este mundo, esta comunidade, a gente está dizendo para essas pessoas que as vidas delas não importam, que a morte delas também não importa. E isso tem um efeito enorme sobre a vida dessas pessoas. Então a minha escolha política é contar a vida da maioria das pessoas. A vida das pessoas supostamente comuns. E mostrar que não existem vidas comuns. Toda vida é extraordinária. Por isso, eu também digo que sou uma repórter de desacontecimentos. Porque eu me interesso mais por aquilo que se repete. E por aquilo que se repete sem que ninguém veja. Então, são desacontecimentos desde a vida só supostamente comum das pessoas, como é desacontecimento aquilo que se repete e que não é visto, como essa geração de jovens pobres e, a maioria deles, pardos e negros, que morrem antes dos vinte anos; como são esses conflitos na República Democrática do Congo, como outros conflitos africanos, que, por se repetirem, viram desacontecimentos. Desaconte-

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cem. E a imprensa, em geral, cobre os acontecimentos, aquilo que, de repente, sai da rotina. Só que tem rotinas de violência, tem rotinas de vários tipos que precisam ser contadas. Então a minha escolha é uma escolha política.

A fotógrafa e assessora de imprensa dos MSF, Vánia Alves, registrou momentos do dia-a-dia das famílias entrevistadas por Eliane e cedeu as fotos para esta reportagem.

Você chegou a mencionar o conteúdo das reportagens que, atualmente, é armazenado, publicado e compartilhado digitalmente. Partindo disso, como você vê o futuro do impresso? Eu não me preocupo com o futuro do impresso, até porque eu não tenho como saber o que vai acontecer. Eu me preocuparia se estivesse em risco a reportagem, o futuro da reportagem. E isso eu tenho certeza de que não está em risco. Porque a reportagem, pelo menos da forma que eu vejo, é a narrativa da História contemporânea, da história cotidiana. E isso não tem como não ser contado. A humanidade existe como narrativa. Nós sabemos que existimos pela narrativa, que, antes, era oral e, agora, é também escrita. Então, não existe como isso morrer. A reportagem é uma coisa que vai sempre existir.

Agora, se ela é feita em meios digitais ou impressos, acho que isso é um problema menor. Claro que tem uma questão de modelo de negócios que está em discussão e que nos afeta e que é importante. Modelos de financiamento das reportagens, especialmente. A reportagem é uma coisa cara, acho que sempre vai ser cara. Então todas essas discussões são importantes. O que me importa mais é ter certeza de que a reportagem jamais vai morrer. A imprensa pode mudar a plataforma. E eu acho que é até meio inevitável que tudo isso seja cada vez mais digital. Porque é uma mudança tecnológica muito importante, muito revolucionária. E eu já leio grande parte dos livros, hoje, em e-book. Eu viajo muito, então, pra mim, é maravilhoso poder carregar quinhentos livros em algo que tem menos de um quilo. E, hoje, eu trabalho, fundamentalmente, na internet e acho que a internet dá possibilidades que antes eu não tinha, como a de poder dar para os textos o tamanho que os textos merecem ter, o que sempre foi uma grande questão pra mim. Mas eu acho que a reportagem até vive um grande momento, apesar de todas essas indefinições, todas essas dúvidas, essas inseguranças que sempre fazem parte de qualquer mudança. É um momento muito rico porque, com toda essa quantidade de informações na rede, com tanta gente escrevendo, com tantas vozes narrativas novas que a gente tem, hoje, a gente vai precisar ser muito melhor. A gente vai precisar fazer reportagens muito melhores para ser lido. Porque tem que ser algo muito bom, hoje, para que o leitor dê o seu tempo para ler a nossa reportagem. Então, a reportagem ganha com isso. Os grandes repórteres e as boas reportagens estão beneficiados por essa competição que hoje é muito maior, por causa da internet

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REPORTAGEM

A INDÚSTRIA DA GESTAÇÃO UM MERCADO DE EVENTOS, PRODUTOS E SERVIÇOS ALIMENTA O IMAGINÁRIO DE FUTURAS MAMÃES QUE SE PERDEM ENTRE INACABÁVEIS OPÇÕES PARA MATERIALIZAR A ALEGRIA DO NASCIMENTO. ATÉ QUE PONTO TAL CONSUMISMO É SAUDÁVEL? Por Amanda Medeiros e Bhianca Fidelis

Fotos: Arquivo pessoal/divulgação

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REPORTAGEM - INDÚSTRIA DA GESTAÇÃO pequeno feito. A indústria da gestação é a marca de uma geração que sente a necessidade de mostrar ao mundo suas inúmeras realizações.

O chá virou festa

Fernanda Lobo com as filhas Ana Beatriz e Ana Luiza

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ntre o resultado positivo e a mesa de parto, são muitas escolhas, desejos, anseios e planos. A gravidez é um dos momentos mais aguardados na vida de toda mulher e foi mercantilizada. É, hoje, uma sequência de eventos que fazem do nascimento um acontecimento social com peso e potencial comercial. Para muitos, hábitos e costumes tradicionais como a passagem do enxoval de um filho para o outro virou gafe e a exclusividade é vista não apenas nas roupas, móveis e acessórios novos, mas também na criação de marcas registradas, símbolos ou ícones que acompanham a criança durante o seu crescimento. Batizado, aniversário, primeiros passos, tudo virou motivo para festa e para registro. E cada conquista merece um flash. Cada suspiro, sorriso ou pequeno movimento é fotografado, com centenas de imagens gravadas e estas se multiplicam nas redes sociais. Essa nova realidade, claro, cobra o seu preço e este vai bem além do financeiro. Geradas como benção, e como forma de inserção em um mundo no qual a família perfeita deve ter filhos perfeitos, essas crianças crescem com a cobrança de celebrar e divulgar cada

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A engenheira química, Fernanda Lobo, 30 anos, sabe bem como funciona o universo da gravidez e reforça que este pode mesmo ser encarado como uma indústria. Após duas gestações, culminando com o recente nascimento de sua filha, Ana Beatriz, hoje com pouca mais de dois meses, Fernanda não nega que se rendeu ao “canto da sereira”. Na primeira gravidez, de Ana Luiza, enfrentou com paciência e coragem a organização de todos os detalhes da decoração e compra do enxoval; mas, já com uma filha de três anos, não teve tanta disponibilidade para pensar em cada mínimo detalhe na segunda gravidez. “Na primeira gestação, como tudo ainda era novidade, eu tinha mais tempo e, como era só eu e o meu marido Diogo, fiz tudo sozinha, desde a pintura do quarto até a lembrancinha da maternidade”, relata a mamãe. Já experiente, Fernanda ainda descobriu vários aplicativos para iPhone e iPad que auxiliaram para o acompanhamento semanal da gravidez (como o Hello Baby, Baby Names e Gravidez Workout), alguns gratuitos, outros não. Ela se

entregou à tecnologia também para conhecer melhor seu bebê ainda dentro da barriga, por meio do ultrassom 3D/4D. Tal exame custa por volta de R$ 250,00 e não faz parte da cobertura de pré-natal dos planos de saúde. Mas, em meses de muita curiosidade e ansiedade, não há preço para conhecer logo a carinha do bebê, como lembra Fernanda, que afirma que estava louca para ver o rostinho da sua segunda filha. E se o momento é de grandes emoções, o chá de fraldas não pode faltar e é uma forma carinhosa de agradecer aos familiares e amigos que estiveram por perto durante a gestação. Fernanda conta que, enquanto pesquisava detalhes para decoração e lembrancinhas, descobriu que existem opções de festa para um mês de nascimento, festa de apresentação do recém-nascido para as amigas da avó ou mesmo ideias de festas de batizados que mais parecem festas de casamento. Tantas opções, para ela, seriam apenas desgastantes e, talvez, uma forma de aumentar ainda mais o ciúmes da filha mais velha com a bebê. Por isso, dispensável. No entanto, a indústria não pensa assim e, seguindo a demanda, não para de inventar e elaborar novas formas ou releituras para celebrações que marcam um momento especial na vida de uma família e, principal-

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INDÚSTRIA DA GESTAÇÃO

mente, de uma mulher. Um simples chá de bebê, pensado como forma de confraternizar entre amigos íntimos e familiares o nascimento da criança, ganhou novo tom e, antes consagrado como uma maneira de arrecadar fraldas e outros tipos de doações (com foco em diminuir ou ao menos minimizar os custos do momento) para muitas mamães se transformou em um megaevento. Esqueça aquelas festas pequenas, com poucas opções de comidas – muitas vezes caseiras ou contratadas na padaria do bairro. Buffets e confiseries entregam kits completos de doces e cupcakes personalizados, brincando com elementos da temática baby ou mesmo com as marcas das iniciais da criança. Assim, dezenas de conhecidos - muito além do leque íntimo antes consagrado - se encontram em brunchs, chá da mamãe, chá da tarde, chá-bar de bebê, chá de congelados, chá de fraldas, chá do varal do bebê ou um despojado chá cultural. Não raro são as mamães que optam por mais de uma das opções, aproveitando os nove meses intensamente. O chá pode contar com uma dezena de delícias e guloseimas combinadas à decoração elaborada. A produ-

ção pode ficar ainda mais elaborada se a gestante já tiver voltado da sua viagem para o exterior, onde montou seu enxoval. Para muitas, é inaceitável fazer as compras no Brasil. Lá fora, as opções de pequenas frivolidades são muitas. Fernanda justifica a tendência. Explica que, enquanto uma peça do vestuário infantil custa US$ 20,00 por lá, por aqui pode custar até R$ 120,00. Mas, claro, a mamãe experiente lembra que uma lista é essencial para não se perder entre os intermináveis apetrechos que o mercado oferece, que, muitas vezes, não chegam a ser usados nunca. A psicóloga Vivian Godinho, 28 anos, grávida de seu primeiro filho, lembra que a indústria tem se aproveitado, na contemporaneidade, da corrida maluca do ter e comenta: “Não é diferente com as grávidas. Fico absurdamente perplexa ao ver tantas preparações exageradas, tanto requinte no tal ‘chá de não sei o quê’, que virou um monte de coisa que você já nem sabe mais se é uma festa de aniversário, de casamento... Penso que tudo deve ter seu limite e reflexão e vale perguntar se é necessário, se vale mesmo a pena e os motivos para fazer tudo isso”. Vivendo

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tal realidade e experimentando ter desejos, sonhos e vontades do período, Vivian é taxativa ao relatar que percebe que muitas mulheres, hoje, não querem somente ter filhos, mas sim ostentar uma barriga, tirar lindas fotos e ainda ter o melhor quarto, as melhores roupas para o filho. Sem pensar duas vezes, a futura mamãe Vivian observa: “compras acabam se tornando uma forma de fantasiar um filho perfeito”.

“A indústria tem se aproveitado, na contemporaneidade, da corrida maluca do ter” Made in USA E se a moda de antes eram roupinhas feitas com carinho e esmero por vovós talentosas no tricô, ou madrinhas cheias de dotes, hoje o artesanal pode ser encarado como ultrapassado. Vestida da cabeça aos pés com marcas importadas, com-

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REPORTAGEM - INDÚSTRIA DA GESTAÇÃO pradas em Miami ou Nova York, a nova geração para alguns é a face de uma cultura que se acostumou a viver como se fosse uma grande economia comprar todos os seus pertences acima da linha do Equador. A diferença de preço é real, gritante, mas quando somada aos custos da viagem – e coloque na planilha gastos com passagens, hospedagem, alimentação, deslocamento e o tal excesso de bagagem – a economia se esvai, mas fica o glamour.

Fase de mudanças Mesmo para as mamães que levam uma rotina leve, sem grandes mudanças e desejos de consumo, a fase é de obrigatórios investimentos. Além do enxoval e da elaboração de um novo cômodo, preparado com esmero para o crescimento de uma criança, existem outros detalhes não tão fúteis – e muito mais importantes – que são a base do momento. E para quem não tem o apoio de uma irmã experiente, ou as sábias palavras da mãe, grupos de apoio à maternidade dão dicas e aulas completas com cuidados durante o ciclo da gestação e pós-parto como forma de apaziguar as inacabáveis incertezas que, misturadas à emoção, rondam a gravidez.

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Seja um clube para futuras mamães ou um curso de orientação, a fase de mudanças pode ser acompanhada por serviços que facilitam o momento. Para Carol Mendes, 31 anos, mãe de Luisa, com cinco anos, mudanças e planejamento deram o tom da fase. Foram três anos de tentativas até o aguardado resultado positivo, fruto de tratamentos médicos. Sua história incluiu muitos presentes e lembranças da família, que deixou de herança mais do que ensinamentos. O berço, a cadeirinha do carro e o berço desmontável, por exemplo, foram presentes de uma cunhada; já roupinhas e outros itens vieram da rede de amigos. Para se organizar, Carol tratou de ter, em mãos, uma lista de compras, mas afirma que não era fácil segurar a ansiedade ao passar em frente a uma vitrine com roupinhas cor de rosa, cheia de frufrus. Emoções à flor da pele fazem parte do momento. Para Carol, uma fala de seu médico dava o tom do momento. “Ele dizia que grávida é tudo igual, que a gente sempre se deixa levar pelo consumismo e pela ansiedade. Mas, afinal, como pensar racionalmente com um ser humano crescendo dentro de você? É difícil!”.

Nize Mendes, 52 anos, mãe de Carol, viveu outra realidade com a sua gestação e lembra que atualmente as mulheres esperam muito mais tempo não só pela gravidez, mas até pelo casamento e, por trabalharem fora, não têm tanta disponibilidade para cuidar dos filhos. Com isso, tantos produtos e celebrações podem acabar sendo uma forma de valorizar ou ressaltar o momento da gestação. E, para Carol, os motivos para comemorar foram muitos, ainda que sem grandes exageros. O único exagero, aliás, ficou para a quantidade de chá de fraldas. Para incluir as duas grandes famílias, amigos e colegas da faculdade, foram necessárias três festas, com direito a muitos jogos, brincadeiras, e, claro, um enorme estoque de fraldas. Não há dúvidas que as mudanças são muitas e devem ser celebradas. Mas é preciso muita paciência para enfrentar o momento, curtindo com despreocupação a gestação. Gravida, a psicóloga Vivian lembra que a indústria marqueteira é cruel e está aí não apenas para projetar o desejo das mamães nos filhos, por meio das compras, mas para explorar a ansiedade e o mal-estar de uma falta inerente que todo ser humano apre-

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INDÚSTRIA DA GESTAÇÃO senta, o famoso aperto no coração, ou o vazio, sem saber exatamente de onde vem. “Com a preparação do enxoval e do quarto, estamos também falando da tentativa de formar pessoas do modo como sonhamos. Os pais têm esse papel, isso é

“Em média, as mamães gastam R$ 6,00 por lembrancinha, valor que pode ser multiplicado até por 100” legal. Somente se torna prejudicial quando, na possibilidade de independência da criança, os pais fazem uma barreira real, impedindo seu crescimento e a possibilidade de singularidade”, comenta Vivian, que relata que, como consequência, os consultórios ficam cheios dessas crianças, pois os pais não conseguem dar conta da educação. Isso se dá, talvez, porque a educação não é colocada como um foco, como se educar ficasse naturalmente em segundo plano. Assim sendo, filhos ou bebês podem sim estarem sendo considerados símbolos de status.

O preço da celebração As principais lembrancinhas para recém-nascidos são caixinhas, mamadeiras de chocolate, ímãs decorativos e delicadas embalagens de álcool gel, todos personalizados com adesivos. Entre outros, são mimos que agradecem à visita ou que já dão o tom de requinte personalizado do nascimento. Aquele mero cartãozinho com um educado “Obrigado pela visita” foi substituído por itens mais trabalhados que estão cada

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vez mais inovadores e caros. Em média, as mamães gastam R$ 6,00 por lembrancinha, valor que pode ser multiplicado até por 100 – para as gestantes mais populares ou com grandes famílias. O mercado infantil já supera as expectativas econômicas e cresce em ritmo acelerado no Brasil, 14% ao ano, colocando o país na posição de segundo maior consumidor, conforme dados do instituto de pesquisa Euromonitor de produtos infantis (destinados a pessoas de 0 a 10 anos). Tia Iza é dona de um buffet há mais de 25 anos em Betim, região metropolitana de Belo Horizonte. Ela ainda se surpreende com os muitos modismos das famosas festinhas de um aninho e se impressiona com as tendências que têm transformado o mercado infantil. O que mais desassossega as mães de antigamente, que optavam por um simples bolo, salgadinhos, os famosos brigadeiros e balões para decorar, é o investimento na ornamentação da mesa decorativa. “Há alguns meses atrás nós fizemos uma festa com o tema Circo e só o bolo ficou aproximadamente R$ 1.500”, revela Tia Iza. Há 10 anos, só o valor desse bolo pagaria uma festa infantil aproximadamente para 100 convidados. Outra tendência, segunda a empresária, é o ‘mêsversário’. Até o bebê completar um ano, as mães organizam festas mensais para comemorar a vida dos filhos. Neste caso é só uma comemoração entre familiares e amigos íntimos, mas, de qualquer forma, é um investimento supérfluo. As opções e variações para a celebração do nascimento são diversas. Tia Iza aposta na personalização como ponto de destaque. Antes os bebês tinham toalhinhas bordadas e o enxoval todo decorado segundo o gosto da mãe; hoje, além dos objetos de uso pessoal e diário, os pequenos são vistos por todos os lugares, desde o porta-retratos estampado com o

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REPORTAGEM - INDÚSTRIA DA GESTAÇÃO rostinho da criança até as etiquetas nos bombons, no dia do aniversário. Esse contraste de atitudes é marcado pela globalização e todos se inspiram nas mesmas fontes. Compartilhando os desejos da era pósmoderna, sentem a necessidade de divulgar suas conquistas e cada página de sua vida. A facilidade de acesso a festas diferentes e inovadoras por meio da internet, canais de entretenimento e os principais meios de comunicação mudou tudo. Com toda essa facilidade e a especificação do trabalho, os buffets terceirizam suas atividades. Tia Iza explica que possui um funcionário para cada serviço, como, por exemplo, uma decoradora de mesa, uma decoradora para o ambiente, designer de bolo, cozinheira de salgados, entre outras especialidades. Não é apenas nas comemorações que vemos essa característica global, as mães cada vez mais buscam tendências no exterior para guiar o desenvolvimento dos filhos. Jeniffer Lobemwein, psicóloga, 31, morou um ano no Texas, EUA e conta que, mesmo com a facilidade de fazer o enxoval fora, optou por comprar tudo aqui. “Não é apenas a facilidade para viajar, porque qualquer pessoa hoje pode fazer isso, mas, para fazer uma compra considerável em outro país buscando por inovações, é necessário uma boa condição financeira”, relata. A psicóloga ganhou vários presentes, como o carrinho de passeio, roupinhas e utensílios de higiene pessoal, como fraldas. “Em média, eu gastaria aproximadamente três mil reais, mas eu ganhei muitas coisas, então meu gasto com o enxoval reduziu consideravelmente”, comemora. Fora o custo inicial, as mamães gastam, em média, R$ 400,00 mensalmente com o consumo que vai desde fraldas até situações inesperadas, como médico e remédios. São questões que vão além dos modis-

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mos da indústria, que tocam em gastos e investimentos necessários para aqueles que entram no mundo da gravidez e que, antes mesmo de pensar em enfeites, viagens, festinhas, sabem do básico para o sustento de uma criança. Ainda assim, investir em lembranças e registros não deixa de ser válido e indicado, mas deve ser feito com consciência, dentro das limitações financeiras de cada um. Em um momento de descobertas, preparo, ensinamentos e muita responsabilidade, é importante não perder o foco no que realmente importa, na educação, na construção de uma memória positiva e rica, no sentido de carinho e atenção. Vale cuidar para que a atenção e o amor, de fato, não fiquem em segundo plano, ou esquecidos em meio a itens personalizados que carregam um custo muito maior do que um financeiro, um gasto emocional e uma perda sentimental difícil de recuperar depois de perdida

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REPORTAGEM

Fellipe com a namorada e o filho Victor no batizado da criança

ADOLESCENTES DISPENSAM MÉTODOS CONTRACEPTIVOS E TORNAM-SE JOVENS MÃES Fotos: Divulgação Acervo Pessoal/Facebook

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REPORTAGEM - GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA Imaturidade aliada à falta de orientação, medo dos pais descobrirem vida sexual ativa e até mesmo a busca por uma identidade familiar têm levado jovens, segundo especialistas, à maternidade precoce Por Alessandra Costa* “A Anna Beatriz é o amor da minha vida, o sentimento mais puro. Nunca vou me esquecer do dia em que ela me disse que desejava ser um pássaro ou uma borboleta para encontrar Deus e agradecê-lo pela mãe que ela tinha.” São com essas frases que Ana Carolina Amorim, de 22 anos, encerra a entrevista. Ana Carolina foi mãe aos 15 anos de idade e descobriu a gravidez quando já estava com duas semanas de gestação. Antes de ir ao ginecologista, a jovem fez um exame de farmácia que logo deu positivo. Ela conta que, nesse dia, chorou muito e não conseguiu dormir. No dia seguinte, Carol e a mãe foram ao médico e choraram juntas. A história de Ana Carolina é parecida com a de milhares de adolescentes que engravidaram precocemente. Com medo de que os pais descobrissem que ela já tinha relações sexuais, Ana não usava nenhum método contraceptivo e, apenas em algumas ocasiões, usava camisinha. Assim como ela, 74% dos adolescentes belo-horizontinos dispensam método contraceptivo. É o que aponta um estudo feito pela Universidade Federal de São Paulo e pela Bayer HealthCare, com mais de três mil jovens, para marcar o Dia Mundial de Prevenção à Gravidez na Adolescência, celebrado no dia 26 de setembro. A média nacio-

nal é um ponto percentual menor, 73%. Ainda de acordo com a pesquisa, em Belo Horizonte, a vida sexual de 48% dos entrevistados começou cedo, antes dos 17 anos. Em matéria publicada em setembro de 2012 pelo jornal Metro, a coordenadora do Ambulatório de Sexualidade Feminina da Unifesp, Carolina Ambrogini, explica que essa é a tendência. “O mundo está menos moralista, mas é preciso ter responsabilidade”, alerta. Ela ressalta que a gravidez ou a transmissão de doenças podem acontecer na primeira relação. Para a psicóloga do Centro Viva Vida, de Campo Belo, no CentroOeste de Minas, Lenice Cardoso Lamounier, o comportamento das pessoas, no geral, é atribuído à cultura em que elas estão inseridas. Para ela, a gravidez precoce tem várias causas, desde uma falta de orientação até mesmo a busca de uma identidade familiar. Algumas jovens veem na possibilidade de ter um filho a chance de sentir que tem uma “família”. É o que poderia se chamar de um “novo status” o fato de constituir uma família, uma vez que falta a essas adolescentes um vínculo familiar. Durante a adolescência, a jovem vive, ao mesmo tempo, o processo de amadurecimento do corpo e Alda e o filho João Gabriel come-

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GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA o psicológico. Lamounier explica que é muito doloroso passar por essas mudanças. “Na prática, o que acontece na maioria dos casos é o amadurecimento do corpo e a imaturidade psicológica. As jovens ficam muito carentes, inseguras, abandonadas pelos parceiros e até rejeitadas por membros da família”, enfatiza a psicóloga. Foi o que aconteceu com Alda Carolina Vilela, de 22 anos. Alda perdeu a virgindade aos 15 anos e engravidou aos 18, chegou a casar com o pai da criança, mas conta que ele só assumiu o papel de pai no cartório, pois, nem mesmo quando estavam casados, ele ajudava a cuidar do garoto. “Ele nem vê o filho nem procura saber notícias. Apesar de passar por algumas dificuldades financeiras, a minha sorte é que posso contar com a ajuda da minha mãe”, lamenta a jovem. Mesmo com tudo isso, Alda conta, emocionada, que não consegue se imaginar sem a criança e não sabe como seria a sua vida se ele não existisse. Diferentemente do pai do filho de Alda, Felipe Brasil, de 24 anos, conta que se tornou pai aos 22, mas que antes disso levava uma vida sem limitações e sem muitas responsabilidades. “Quando descobri a gravidez da minha namorada, eu procurei ficar tranquilo para passar total segurança a ela que, na época, tinha 17 anos. Para o meu tipo de personalidade, a minha reação foi até muita calma, eu procurei suprir desde o início todas as necessidades que estavam ao meu alcance.”

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Felipe conta ainda que a relação com o filho é maravilhosa. Começa o dia levando a criança na escola e depois ainda passam uma parte da tarde juntos, além de se verem todos os finais de semana. “Ser pai era um sonho que eu tinha desde pequeno, só não imaginei que isso fosse acontecer tão cedo. A paternidade mudou a minha vida para melhor, me tirando de situações às vezes muito arriscadas. Hoje, eu penso duas vezes antes de fazer algo que, no futuro, possa prejudicar a minha relação com meu filho, pois o medo de deixá-lo no mundo sem os meus cuidados seria uma dor imensa”, conta, emocionado, o jovem pai. A maioria das gestações não é planejada, acontece sem intenção e também é causada por diferentes fatores individuais ou sociais. “Muitas vezes a sexualidade é reprimida no processo educativo, há reprovação do uso de métodos anticoncepcionais, o tema às vezes não é discutido nas escolas e não é abordado adequadamente nos serviços de saúde, explica a enfermeira da Secretaria Municipal de Saúde de Campo Belo, Josélia Maria da Silva, que há 20 anos trabalha com adolescentes. Além do medo e da insegurança, outro problema enfrentado por essas jovens é o preconceito da sociedade. “Depois que engravidei, comecei a ir para o trabalho de ônibus e, quando eu entrava, parecia que todos me olhavam. Eu ficava envergonhada, parecia que eu tinha cometido um crime”, conta Rafaella Casarino Maia, que hoje tem 24 anos, mas tornou-se mãe aos 16.

48% dos entrevistados

começaram a vida sexual antes dos 17 anos

morando o aniversário de três anos dele Revista Ponto & Vírgula — fevereiro de 2013

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REPORTAGEM - GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

74% dos adolescentes belo-horizontinos dispensam método contraceptivo

Ana Carolina e a filha Anna Beatriz

Três anos depois de engravidar, Rafaella se casou com o pai da criança e estão juntos até hoje. “Começamos a namorar quando eu tinha 14 anos, perdi minha virgindade com ele. Sei que era muito nova, mas tinha medo de que o namoro terminasse”. Agora, oito anos depois de ter engravidado, a jovem conta que o amor pelo seu filho é maior do que tudo que possa existir. “No começo, é difícil você aceitar, mas quando você vê um bebê tão pequeno, que precisa de você e é um pedaço seu, todas as dificuldades e medos ficam para trás”. A gravidez na adolescência está longe de representar um problema social novo. De acordo com dados do Sistema de Informações de Nascidos Vivos, SINASC, em Minas Gerais, a quantidade de partos de mães com idade entre 10 e 19 anos era de 20,7% em 1999 e no ano de 2008, esse número baixou pouco mais de dois pontos percentuais, chegando a 18%. Ainda segundo a pesquisa, em Belo Horizonte, nesse

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mesmo período, a redução foi de 4%, caindo dos 17 para 13% dos partos. De acordo com artigo, publicado pela psicóloga Edna Levy, em

“Hoje, eu penso duas vezes antes de fazer algo que possa prejudicar a minha relação com meu filho, pois o medo de deixá-lo no mundo sem os meus cuidados seria uma dor imensa”

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Felipe Brasil

seu próprio site, a armadilha está na constatação de que as garotas tendem a não usar preservativo quando há vínculo afetivo e somam-se a esta tendência três outros ingredientes: a falta de prontidão para ter atitudes assertivas de autoproteção, a imaturidade para conseguir exigir o uso do preservativo e a natural falta de autonomia para colocar em prática métodos contraceptivos. “Objetivamente, há a complicação por não assumirem a vida sexual ativa para seus pais e, por consequência, a visita ao ginecologista, a compra do anticoncepcional e até a sua posse transforma-se em uma operação difícil e algumas vezes impossível de ser executada”, completa Levy. Adolescentes são donos de um corpo em crescente formação e de uma mente ambiciosa por novas experiências, caminhos de curiosidade e de desejo, descobrindo os limites do corpo cada vez mais cedo. Alguns se apoiam no pensamento mágico “isso não acontecerá comigo” e acabam sendo surpreendidos

Foto: Arquivo pessoal

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ENTREVISTA

“MEU MAIOR INIMIGO SOU EU” Por Ana Kellen

Jorge Kajuru fala da sua saúde frágil, dos seus 30 anos no esporte e explica por que deixou de torcer pelo futebol.

Fotos: Divulgação/Esporte interativo

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ENTREVISTA - KAJURU Famoso por suas declarações polêmicas, o jornalista esportivo Jorge Reis da Costa, filho único, nascido no dia 20 de janeiro de 1961, na Cidade de Cajuru, interior de São Paulo, não tem travas na língua. Tal atitude já o colocou em várias situações complicadas: sofreu ameaças, processos, agressões, demissões, entre outros constrangimentos. Conhecido como Jorge Kajuru, iniciou sua carreira aos 16 anos como rádio-escuta na Rádio Capital, em São Paulo. Depois foi para Goiânia e, em seguida, para Belo Horizonte, em 1981, para trabalhar na televisão. Em 2000, foi para a Rede TV e, nessa emissora, sua saída foi espetacular: pediu demissão ao vivo no ar por estar insatisfeito com a direção do veículo. Passou pela TV cultura, ESPN e chegou à Band em 2003, onde protagonizou uma das cenas mais inusitadas da televisão: o pugilista Mário Soares quase o agrediu, ao vivo, depois de ser chamado de canalha por Kajuru. Foi demitido pouco depois. O motivo foi, segundo ele, uma ofensa ao governador Aécio Neves, feita durante a transmissão de Brasil X Argentina, no Mineirão. Responde a mais de 120 processos na Justiça. Várias personalidades já foram alvo de sua língua afiada. Milton Neves processou o jornalista na área cível por ofendê-lo, apresentando contra ele mais de dez queixas-crime. Kajuru foi, então, condenado a um mês e cinco dias de detenção em regime aberto. O ex-presidente do Palmeiras, Mustafá Contursi, o empresário Jaime Câmara Júnior, a apresentadora da Rede TV, Luciana Gimenez e o governador de Goiás, Marconi Perillo, são alguns nomes que recorreram à Justiça contra Jorge. Em março de 2005, Kajuru foi condenado a dezoito meses de prisão em regime aberto por difamação à empresa Jaime Câmara Junior. A

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prisão foi tema do Observatório da Imprensa por não ter sido amplamente noticiada e por ser a primeira prisão de um jornalista depois do fim da ditadura. Foi condenado a pagar 100 salários mínimos - a título de indenização por danos morais - ao governador de Goiás e pesou contra ele uma condenação definitiva em ação movida por Perillo. Teve então que cumprir pena de um ano e seis meses me contra em regime aberto por crime a honra. Kajuru reside hoje – de segunda a eiro e nos sexta-feira – no Rio de Janeiro finais de semana em Belo Horizonte. túdios da No Rio, onde ficam os estúdios resenta o TV Esporte Interativo, apresenta programa “Kajuru Sob Controle”. Além de trabalhar na redee Esporte Interativo, Kajuru ainda mantém vínculos com a BH News TV, onde obre o fuapresenta um programa sobre ador tamtebol de Minas. O apresentador 4 horas na bém tem sua própria TV 24 os de seus internet, com vários vídeos programas e de sua vida e carreira a à Ponto profissional. Em entrevista ortivo faz e Vírgula, o jornalista esportivo novas revelações e fala dee seu momento atual e de sua saúdee frágil.

Kajuru, qual a maiorr loucura que você já fez?

feri tomar as pílulas e morrer. Mas me encontraram a tempo e levaram para o hospital, fizeram lavagem estomacal e me salvaram a vida. Hoje compreendo que fui fraco. Sobrevivi e Deus me deu a oportunidade de reconstruir a minha vida. Pensar na morte como solução é o maior erro, a maior derrota. É jogar fora o que temos de melhor: a vida. Foi o que eu fiz de pior para mim mesmo. O g sempre p foi Jorge g meu maior inimigo Kajuru.

Mas você sempre foi uma pessoa muito cercada de amigos, mulheres… Olha, nesta vida, há muita falsidade. Amigos de verdade eu tenho pouquíssimos. Datena e Juca Kfouri são meus irmãos. Mas o maior deles, o que daria tudo que tem por mim morreu: o Sócrates. Aliás, eu tenho convicção de que ele se matou… Vou mostrar como eu fui amado. Tive 14 mulheres com quem

Tentei suicídio. Tomei 20 0 comprimidos de Dormonid, reméemédio para dormir. Estava immpotente e havia perdido o globo ocular do meu olho direito. No olho esquerdo, já tinha apenas 18% de visão, tudo por causa da diabetes. Teria de colocar prótese. Não queria que ninguém me visse assim. Havia perdido também um programa na tevê e um processo na justiça. Estava sozinho, sozinho, sozinho… Pre-

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KAJURU morei junto. Casei com oito. Quatro no papel. Hoje eu sei que duas amaram o Jorge [a pessoa], as outras 12 amaram o Kajuru [a fama], o glamour dos meus relacionamentos com atores, cantores, jornalistas, pessoas famosas. Nunca tive essas mulheres de verdade. Elas queriam a minha companhia para ter acesso a uma vida de badalação, aparecer em tevê, revista, jornal. A pior coisa da vida é perceber que alguém está na sua cama por interesse em qualquer coisa, menos em você. E as pessoas sempre sabem que estão sendo usadas. Eu tentei mentir para mim mesmo e salvar algumas relações. Foi impossível. E vou contar mais. Essas mulheres acabaram com o meu patrimônio. Todas as vezes que me separei deixei casa, carro. Sou um banana na hora de dizer adeus. E encontrei muita aproveitadora, mesquinha. Me acho tão esperto, mas a última mulher por

- ENTREVISTA

quem me apaixonei eu levei para a minha casa no Rio de Janeiro. Depois de um mês, a mulher roubou tudo o que tinha pela casa. Eu sou assim, quando eu amo, confio, dou a vida. As mulheres me fizeram de gato e sapato. Dilapidaram o meu patrimônio. Se não fosse por elas, estaria rico.

tinuou a beber. Dias antes da última internação, ele tomou garrafas de vinho. Queria e conseguiu morrer. Ah, Magrão…Você não sabe a falta que você me faz…

Fale mais sobre Sócrates, seu melhor amigo que já se foi.

Tem uma coisa que eu quero tornar pública sobre a internação dele. Quero revelar a indignação da família do Sócrates com o Andrés Sanchez (ex-presidente do Corinthians). A insensibilidade desse homem não tem tamanho. Não quero nem falar sobre todas as homenagens que o Magrão deveria ter recebido do Corinthians e não recebeu. Esse presidente é pequeno e a história vai colocá-lo no seu devido lugar. O Sócrates nunca quis a menor proximidade dele porque sabia da ligação profunda com o Ricardo Teixera, com o Lula, com o Ronaldo Fenômeno, gente que não merece o que tem. Na primeira internação, o Sócrates já estava muito mal por causa da cirrose. Quando chega no hospital, recebe um pacote imenso. A família pensou que fosse um presente. Quando o pacote foi aberto, a surpresa. Dentro dele estavam milhares de folhas de sulfite com as contas do Corinthians. Andrés mandou entregar para o Sócrates quando ele estava recebendo a sentença de morte no hospital. Ele teve milhões de chance de entregar essas contas quando o Magrão estava forte, trabalhando no Cartão Verde. Esperou ele estar à beira da morte. Me dá nojo quando lembro dessa situação. E as homenagens que o Corinthians deveria fazer a ele nunca acontecerão enquanto Andrés e seus amigos estiverem mandando no Corinthians. Nunca, porque o Sócrates nunca se dobrou a essa gente. Não vou falar o que realmente penso sobre o Andrés porque não quero

Eu o conheci aos 14 anos, em Ribeirão Preto. Um gênio, inteligente, talentoso, grande amigo, alegre, o irmão que não tive nesta vida, já que sou filho único. Beber era a sua alegria. Sempre soube disso. Mesmo quando jogava futebol. Quando parou, continuou bebendo. Eu falava, mas nunca dei aquele esporro que ele merecia para ele parar porque ele era médico; sabia até onde poderia ir. E a situação estava mais ou menos controlada, até que ele se separou da mãe do seu filho, Fidel. Ele tinha adoração pelo menino. E a mãe, magoada com o Sócrates, o proibia de ver o garoto. Essas coisas terríveis de separação. Ele ficou desolado. Um dia me chamou para conversar e me disse: “Kajuru, perdi a alegria de viver. Eu quero morrer.” Fiquei louco, tentando animá-lo. Mas não teve jeito. O Sócrates começava a beber de manhã e só parava de madrugada. Ele ia me visitar no Rio e entrou nesse processo. Por isso que eu digo que se suicidou de tristeza por causa do filho. Quando ele soube que estava com cirrose, não se importou. Foi internado quatro vezes e não três. Uma já em Ribeirão Preto. Quando saiu da última vez, tinha de seguir um regime terrível para tentar se segurar e esperar um transplante de fígado. Mas ele optou por morrer. Con-

Você sabe de algo que não veio a público sobre o período crítico da doença de Socrátes?

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ENTREVISTA - KAJURU mais processos na minha vida. Só lamento o Corinthians estar entregue a essa pessoa. Mas não quero falar do Andrés e sim lembrar que o Sócrates, por exemplo, salvou a minha vida. Estava depressivo em um condomínio afastado de Ribeirão Preto. Continuava pensando em morrer quando o Magrão foi meu herói. Arrombou a porta que eu deixava trancada para não receber ninguém. Arrombou e me levou para a sua casa. Cuidou de mim como um irmão mais novo. Ninguém faria isso, ninguém seria tão solidário. Eu não tenho palavras para agradecer o que esse homem fez por mim.

Em 2003, você recebeu um famoso convite para trabalhar na TV Globo, não foi? Foi. E acredito ter sido o único jornalista esportivo do país a dizer não para a Globo. Eu cresci vendo o João Saldanha. Juca Kfoury me ajudou a enxergar o que é realmente a Globo e como ela usa a sua proximidade do poder para fazer o que quer com o país. Ela mascara tudo; principalmente o futebol. Fica fazendo lavagem cerebral, mostrando dribles, gols, torcida. E esconde, da maneira mais indecente possível, o que acontece fora do campo. Eu tenho condições de falar porque recebi a proposta de trabalho e sei como é. Fui em quatro reuniões com o Galvão Bueno e a cúpula da Globo para conversar. O diretor de Esportes da Globo, Luiz Fernando Lima, me mostrou como as coisas funcionam por lá. “Você não pode reclamar do horário do jogo. E muito menos falar mal do Eduardo Farah (na época, presidente da Federação Paulista de Futebol). E muito menos de Ricardo Teixeira. Eles são nossos parceiros.” Assim, na cara dura. Sem a menor vergonha. Eu comandaria o Globo Esporte, comandaria uma mesa redonda no

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Esporte Espetacular. E ainda faria um quadro no Fantástico com a Ana Paula Padrão. Seria a Bela e a Fera. Fui nessas reuniões para saber de verdade como a TV Globo trabalha. Percebi como ela se tornou poderosa; principalmente no esporte. Disse não à Globo ao vivo, na TV Bandeirantes. Ninguém acreditou. Galvão, que é meu amigo, queria me matar. Mas fiz o que a minha consciência, meu coração, mandou.

“Eu tentei mentir para mim mesmo e salvar algumas relações. Foi impossível”

Hoje, você está de volta em BH. Acabou sua briga com Aécio Neves? Hoje em dia não tenho nada contra ele, acredito que ele também não tenha mais, senão não estaria aqui, né? Se você tivesse uma emissora de televisão, entraria ao vivo? Não. Porque eu sou incontrolável. O Silvio Santos me perguntou no programa Nada Além da Verdade:“Você pensa antes de falar?” Eu disse a ele: “claro que não. Se eu pensasse, estaria no seu lugar”.

E o amor? Estou solteiro, mas amando como sempre.

Sofreu quando soube da sua esterilidade? Por causa da Diabetes, perdi a capacidade de produzir o esperma e me vi na lona. A coisa que mais gos-

tava na vida eu perdi. Minha vida sexual é muito sem prazer.

O que você acha da Copa do Mundo no Brasil? Torço como um desesperado para o Brasil fracassar, para que seja derrotado. Há um estudo feito pela USP e pouco divulgado mostrando que o Brasil teria um progresso de 20 anos se o dinheiro que está sendo gasto na Copa e na Olimpíada fosse aplicado em obras sociais. Não temos saúde, segurança e educação. Mas colocamos bilhões de dólares em estádios que não precisam ser construídos; só por causa de pessoas como Ricardo Teixeira e Lula, que só pensam nelas e colocam o interesse de milhões para trás. Eu quero falar que estou extremamente decepcionado com o Ronaldo Fenômeno. Ele se prestar a ser escudo de Ricardo Teixeira, joga no lixo a sua imagem. Sua carreira maravilhosa já lhe deu milhões. Mas ele tem uma ganância inacreditável. Quer ganhar muito mais a qualquer custo. Ele não falou que o Ricardo Teixeira tinha dois caráteres? Quem é que tem dois caráteres agora: ele ou o Ronaldo? O Pelé também é outro, juntou-se ao Teixeira que até já havia processado. Será que sou louco ou mesmo com apenas 14% da visão estou enxergando mais do que muitos? O Ricardo Teixeira é um câncer para o futebol brasileiro. Pensa que o futebol é dele e faz o que quer. Só que eu aviso agora para quem puder ler essa entrevista. Pior do que ele só o Andrés Sanchéz. Ele é dissimulado. Tem ligações poderosas. O estádio de Itaquera, de um bilhão de dinheiro púbico, saiu graças a uma birra com o presidente do São Paulo. Ele vai fazer muito mal ao futebol brasileiro se chegar ao comando. Será pior do que o Teixeira. Eu estou falando publicamente só um pouco do muito que sei

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REPORTAGEM

MUSEU SEM VERGONHA PorJoanna Del Papa e Eduardo Zica

Com um click você pode acessar o sexo em suas múltiplas facetas: histórica, artística e científica; basta visitar o Museu Virtual do Sexo O que você faria se, ao abrir uma página de um site na Internet, fosse convidado a romper dois paradigmas, dois tabus ou dois mitos, chame como quiser, presentes desde sempre na vida do brasileiro: o do Sexo (“sujo”) e do Museu (“velho”)? Mudaria de página ou, excitado pelo tema e por sua curiosidade, arrastaria o cursor até o menu de controle “prosseguir” e faria uma visita rapidinha, assim, como quem não quer nada? O convite está mais do que feito. Só falta ser aceito. A convocação é da psicóloga e sexóloga Carmita Abdo, na homepage de apresentação do site do Museu do Sexo (http://www.museudosexo.com.br). “Vamos creditar ao Sexo o seu valor como balizador da Saúde e ao Museu o seu papel como guardião do conhecimento.

Foto: Divulgação

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Nem sujo, nem velho. Nem antigo, nem moderno. Verdadeiramente atual, vivo e instigante”, afirma Carmita Abdo em seu site. O museu organiza o seu acervo em cinco “suítes” ou salas temáticas: Conceitos de Sexualidade, Sexo e Ciências, História e Antropologia da Sexualidade, Sedução, Prazer e Erotismo e Arte Erótica. Na primeira sala, o internauta pode se envolver com o amor, o orgasmo, a intimidade, a homossexualidade, entre outros conceitos, todos explicados detalhadamente, com imagens de obra de arte, incluindo fotos, esculturas, e pinturas com referência para cada tema, mesclando todo tipo de cultura e percepções diferentes sobre cada uma. Na segunda sala, Sexo e Ciências, mostra-se como a ciência nos ajuda para um ato sexual seguro,

explica a anatomia do corpo humano e as diferenças físicas e psicológicas entre homem e mulher na hora do sexo. Evidencia a problemática da AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis, ejaculação precoce e gravidez. Na sala de História e Antropologia da Sexualidade, estão expostas informações dos primeiros registros da sexualidade, como foi vista e entendida ao longo dos anos em diferentes culturas. Encontram-se também curiosidades: a história das primeiras camisinhas (preservativos masculinos) feitas de intestino de cordeiro, até a chegada aos métodos anticoncepcionais atuais. A quarta sala, a mais sedutora e erótica de todas, apresenta os métodos de sedução, o beijo, a nudez e posições sexuais. Informa sobre a

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REPORTAGEM - MUSEU DO SEXO masturbação, o uso de vibradores – desde os antigos, enormes, feitos de metal – e sobre as fantasias sexuais. Entre as várias curiosidades, apresenta as diferentes formas de prazer do ser humano. E na quinta sala, o visitante virtual vai encontrar uma extensa galeria de imagens que explica como a sexualidade é vista desde os tempos pré-históricos até os dias de hoje: os primeiros formatos humanos registrados em paredes, esculturas e tipos de modelagem do corpo: pênis esculpidos na porta das casas de Pompéia, que significava que ali moravam pessoas felizes, literatura e músicas escritas com um tom apimentado, separadas pelos nomes de seus autores.

Experimentou e gostou O psicoterapeuta e analista bioenergético Romário Vieira de Melo, após uma análise no site, disse que encontrou nele informações, reflexões e análises que são fundamentais para a saúde humana na atualidade. Ele afirma que o sexo continua sendo um grande tabu e o desconhecimento de suas implicações físicas e psíquicas tem arrastado multidões para inúmeras frustrações na vida sexual. “A iniciativa da Carmita Abdo é extraordinária por tratar do tema de forma clara, direta e ausente de pré-juízos morais. Ao transportarmos nossa condição do estado de natureza e construirmos nossa existência no estado de cultura, precisamos aprender sobre a sexualidade; não para dominá-la, mas para extrairmos dessa dimensão humana as melhores experiências possíveis.”, elogia. Na entrevista ele diz que o site oferece aos visitantes uma visão bem completa das mais variadas formas, com temas em torno da sexualidade bem abordados. “Ela trata o tema como algo vivo e que precisa se tornar ainda mais vivo a partir da experiência de cada um de nós.”. Rodrigo Fonseca, Professor de arte

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e estética na Universidade FUMEC, após visita ao site, diz ter na sala de “Arte Erótica” a sensação de que as obras mais sintomáticas do assunto estavam em outras “suítes” ou não estavam no site. “Reportando-me ao século XIX, também não encontrei a famosa pintura de Gustav Courbet, ‘A origem do mundo’, de 1863, singular na história da sexualidade e seu respectivo universo imaginário.” Ele afirma que o site retrata um universo de práticas e de repertórios imaginários ligados à vida sexual. E que essa apresentação das primeiras expressões do homem, ainda no Paleolítico, é fundamental. “Mostrar a beleza e sensualidade da silhueta dos corpos, de narrativas dos mitos da criação do homem, como refletem as estatuetas, alto relevos, pinturas rupestres, e etc é essencial.” Ele aposta no site e sabe que é preciso tempo para selecionar e arquivar todo o conteúdo de imagens e textos. “Um projeto dessa envergadura não se constrói rapidamente e o Museu Virtual do Sexo já abarca os resultados de uma ótima promessa de Abdo.” O professor e psicanalista Jacques Akerman conceitua o Museu como “antropologicamente correto”, pois não insiste nas fronteiras de normalidade ou anormalidade para as práticas, orientações e expressões do sexo e da sexualidade. Mas faz uma ressalva: “Um laboratório farmacêutico patrocinando um museu sempre nos deixa com a pulga atrás da orelha; ainda mais quando se trata de sexo, delicado território que sempre fica na fronteira entre o normal e o patológico. Numa época que vem ‘doentificando’ os comportamentos que escorregam para o excesso, diante do imperativo de gozo do capitalismo contemporâneo, a presença do laboratório inspira cuidados”, alerta. Akerman afirma também que a ideia do site-museu cristaliza, preserva e protege o objeto. “O site conta a historia e produz o objeto como um

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MUSEU DO SEXO -

REPORTAGEM

Ao mesmo tempo em que a atividade sexual na adolescência já é vista como um fato natural, ainda se vê a condenação moral e religiosa ao sexo antes do casamento. Outra psicóloga, Fabiana Santos, afirma que o amadurecimento biológico acontece antes da maturidade psicológica, que cada vez mais tarde se torna completa.” Na atualidade, a sociedade tem fornecido mensagens ambíguas aos jovens, deixando dúvidas em relação à época apropriada para inciar a vida sexual”, afirma.

Atualizações

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Hic Habitat - felicitas 1 (aqui mora a felicidade e a sorte) Decoração na portada de moradia com a escrita “Hic habitat felicitas” de 79 d.C. encontrada nas ruínas de Pompéia. 2

Venus - Vênus de Willendorf, com seus seios, barriga, quadril, vulva e nádegas avantajados e os sete círculos concêntricos na cabeça é a representação de “uma sociedade equilibrada, centrada na Terra”.

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Gerard Francois - “Psyché et l’Amour” (1798) do pintor francês François Gérard, obra também conhecida como “cupid and psyche”

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O grande masturbador obra de Salvador Dalí, pintada em 1929, durante o período do surrealismo.

ponto de chegada. Põe em cena os pontos de partida, os enigmas, a angústia do humano diante disso, que não encontra ponto final ou esclarecimento. Faz um serviço!”, conclui.

A sexualidade atual A sexualidade é uma das características mais importantes do ser humano, está presente desde os primórdios da vida, o ser humano é movido por suas pulsões direcionadas à busca de prazer. Apesar de o sexo ser um fenômeno presente em todos os aspectos da existência, ele precisa ser visto também como um fenômeno biológico, social e psicológico que pode ser compreendido dentro das regras da cultura em que se vive. “Em cada sociedade são diferentes as proibições e permissividades em relação à atividade social. Praticamente todas as culturas impõem alguma forma de restrição ao comportamento sexual. Em nossa sociedade, o sexo ainda é um tabu. E os problemas relativos à sexualidade são muito frequentes”, diz a psicóloga Denise Rodrigues.

O Museu do Sexo, que abriu suas portas virtuais em 2003, terá em breve uma reformulação, segundo o promotor do site, ProSex. A próxima etapa será popularizar o site e tornálo também uma ferramenta didática para as escolas e para o público mais jovem. Entre as ideias em ebulição, está a criação de uma área mais interativa, com bate-papos sobre assuntos específicos com profissionais da saúde, respostas às dúvidas dos internautas e troca de experiências. E, num futuro próximo, segundo a coordenadora do projeto, Carmita Abdo, o museu deixará de ser apresentado apenas online e será presencial nas capitais e grandes cidades brasileiras. O ProSex também mantém outro site, mais voltado para a área científica, o Portal da Sexualidade (www. portaldasexualidade.com.br). O Projeto Sexualidade foi criado em 1993, no Instituo de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Sua equipe multidisciplinar, constituída de psiquiatras, psicólogos, urologistas, ginecologistas, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, educadores, pós-graduandos e residentes de psiquiatria, além de estagiários, dedicam-se à assistência, ensino, pesquisa e prevenção dos transtornos da sexualidade, bem como serviços à comunidade

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Mercado central. Mistura de cultura, fé e fruta. Sabores em meio às cores, nos produos dos vendedores. Nos encontro dos corredores, sentimos cheiro das flores. Todo mineiro se sente em casa. O que precisar, encontra-se lá.

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POR JOANA DEL’PAPA

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POR RAQUEL COUTO

Capital dos botecos, da comida caseira, do namoro na praça, dos belos horizontes, da fé verdadeira, das bandas de rock, do domingo na feira.

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REPORTAGEM

MAIS DO QUE UMA ARTE

Difundido pela família Gracie, modalidade ganha espaço, esbarra no octógono do preconceito e tenta dar um nocaute nas críticas 40

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Foto: Johnny Hanson

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MMA -

REPORTAGEM

Por Diego Duarte, Renato Mesquita e Túlio Kaizer “Somos profissionais e não estamos brigando, não somos inimigos de nossos adversários.” O depoimento é do lutador de MMA (Artes Marciais Mistas ou do inglês Mixed Martial Arts), Rodrigo Damm, 32 anos, atleta que participou da primeira edição do The Ultimate Fighter (TUF) Brasil, programa que foi exibido em março de 2012 pela Rede Globo de televisão. O atleta tenta explicar o preconceito: “Infelizmente muitos praticantes do MMA usaram ele para brigar, o que ficou muito mal visto. Acho que o preconceito vem disso. Ou quem sabe dos que não entendem que o MMA também tem regras e que os praticantes estão preparados para se enfrentarem. Os atletas são especialistas em mais de uma arte marcial e vão poder colocar em prática todas elas na hora do combate e, por isso, é claro que é um esporte. A violência fica para a briga, não na luta”, completou. Praticante do jiu-jitsu desde os 16 anos, conheceu a arte marcial graças à irmã Carina Damm, que também é lutadora e sempre o incentivou. O lutador possui um cartel de 10 vitórias e seis derrotas. O crescimento do MMA no Brasil pode ser traduzido em números: o UFC Rio III, realizado em outubro deste ano, vendeu cerca de 400 mil pacotes do canal Combate (principal canal brasileiro de lutas em TV fechada) pelo sistema pay-per-view nos EUA. O número supera as edições anteriores realizadas no Brasil. O UFC Rio I vendeu em torno de

330 mil, o UFC Rio II chegou perto de 225 mil e o UFC BH vendeu pouco mais de 120 mil pacotes. Na página do canal, no Facebook, houve a adesão de mais 25 mil fãs durante a semana do UFC Rio III, totalizando 852 mil seguidores. Durante a transmissão do evento, as postagens do Combate receberam mais de 84 mil curtidas e 45 mil compartilhamentos. No mesmo período, foram 2,5 mil novos seguidores no Twitter, somando um total de 192 mil. Tido por muitos como esporte violento, o MMA, apesar de ter ganhado um grande número de fãs nos últimos anos, está longe de ser unanimidade, sendo constantemente alvo de discussões polêmicas. O momento da novidade já passou. A “febre passageira”, como foi falada por muitos, ficou. O esporte cresceu. Para se chegar ao nível de perfeição, tanto por parte dos atletas quanto por parte da organização de eventos da modalidade, o caminho foi longo. O MMA é composto por diversas artes marciais, como jiujitsu brasileiro, boxe, wrestling, muay thai, taekwondo, judô. O esporte tem sua origem em solo brasileiro, com o nascimento do Vale-Tudo, na década de 30, criado pelos irmãos Carlos e Helio Gracie - tradicional família no universo das lutas-, responsáveis pela propagação da modalidade. Os irmãos tinham, como objetivo com a criação do Vale-Tudo, o chamado “desafio dos Gracie”, convidar lutadores

Rodrigo Damm, lutador profissional de MMA

Foto: Divulgação TUF

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REPORTAGEM - MMA das mais diversas artes para “batalhas” que não possuíam regras e nem limite de tempo, para mostrar que o jiu-jitsu era a modalidade mais completa. O MMA moderno se propagou em 1990, com o aumento de eventos mistos na Europa, além de torneios de Mixed Martial Arts no Japão, em 1970, organizados por Antonio Inoki, promotor japonês de wrestling profissional e ex-lutador da modalidade. Assim como a família Gracie no Brasil, Inoki, no Japão, também é outro grande nome responsável pela difusão do esporte. Alguns dos atuais ídolos nacionais já estão envolvidos com o MMA há anos. Na primeira década de 2000, alguns brasileiros já eram reconhecidos mundialmente. O Pride Fighting Championships, ou apenas Pride como ficou conhecido, contou com muitos talentos nacionais como Vitor Belfort, Wanderley Silva, Antonio “Minotauro” Nogueira, Mauricio Shogun, Ricardo Arona e o maior lutador de MMA da atualidade, Anderson Silva. Criado pelo brasileiro Rorion Gracie, o Ultimate Fighting Championship (UFC), teve, em 1993, seu primeiro evento, ainda sem muitas regras. Hoje, o UFC é o maior evento de MMA do mundo. Coordenado pelos irmãos Frank e Lorenzo Fertitta, donos da Zuffa, empresa que tem a patente controladora do campeonato, além do promotor Dana White, que compraram o programa por dois milhões de dólares, o UFC vale atualmente mais de um bilhão de dólares.

criou a lei 5534/2009 para proibir a transmissão de lutas marciais não olímpicas na TV. A proposta está aguardando parecer na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI). Depois, vai para a Comissão de Constituição e Justiça, podendo chegar ao Plenário, se houver recurso.Mas o deputado não parou por aí. Em um texto sobre o assunto, publicado na Folha de S. Paulo, em março deste ano, José Mentor faz duras críticas ao esporte, ressaltando que a “rinha humana” rende dinheiro a alguns poucos com o sangue de outros tantos. “Basta assistir a um único embate para ver a brutalidade e a contundência dos golpes, desde pontapés e joelhadas na

MMA: Preconceito e Sinônimo de Violência A discussão sobre a violência do esporte ainda segue como pauta. O deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT) de São Paulo, José Mentor, de 63 anos,

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Foto: Divulgação UFC

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MMA -

REPORTAGEM

Lyoto Machida, Rodrigo “Minotauro” Nogueira, Anderson Silva e Vitor Belfort

cabeça até cotoveladas no rosto, chaves de braço e ‘mata-leões’ (chaves no pescoço)”, escreve ele no artigo. Em dezembro de 2011, o brasileiro Rodrigo Minotauro quebrou o braço e teve de passar por cirurgia para colocar 16 pinos metálicos. Para Mentor, as lutas são consideradas uma grande “guerra de sangue”. “Há cenas de sangue jorrando longe após cotoveladas na boca e no nariz do oponente que caiu, tremendo e com espasmos”. E ele complementa: “E a luta continua”. Mentor não classifica a modalidade como uma das artes marciais. “O MMA nada tem a ver com as lutas de judô, taekwondo ou boxe, modalidades com regras previstas em competições olímpicas ou mesmo profissionais. Nem com o karatê, a capoeira ou o jiu-jitsu, destinados à defesa pessoal, ao autocontrole e ao treinamento físico dos atletas. São lutas em que, mesmo nas competições, a integridade

física é preservada”, complementou em seu depoimento na Folha. Contrapondo os fortes argumentos de José Mentor, o Dr. Fábio Costa, médico especializado em Ortopedia e Traumatologia pela Sociedade Brasileira (SBOT) e pósgraduado pela USP em Cirurgia do Joelho, Artroscopia e Traumatologia Esportiva, evidencia que todos os esportistas, assim como os lutadores de MMA, estão sujeitos a lesões esportivas. “A maioria das lesões esportivas ocorre durante o treinamento e não nas competições. Como nesse momento os atletas de MMA usam vários tipos de proteção - capacetes, luvas acolchoadas e caneleiras -, essas lesões são menos frequentes. Essa pseudoagressividade do MMA acaba sendo um fator preventivo, pois a luta dura pouco tempo e tem várias formas de acabar. O que de fato se vê são lesões superficiais como cortes e hematomas, mas, por serem em sua grande maioria na face, acabam as-

sustando”, ressaltou o médico. Fábio trabalhou durante os anos de 2010/2011 na coordenação do Departamento Médico do Esporte Clube Bahia. O médico, que coordenou, no mesmo período, a equipe médica da academia Champion do professor Dorea, um dos mais respeitados treinadores de MMA, afirma que as lesões são em maior número e mais frequentes no futebol. “No Bahia, tínhamos no elenco principal cerca de 40 atletas. Foram mais de 30 lesões musculares, cinco cirurgias de joelho, além de três fraturas e mais de 20 entorses. Com a mesma média de praticantes na academia Champion, tivemos seis lesões musculares, três entorses e fraturas de mão, além de duas cirurgias de joelho”, concluiu o médico. Fanático por MMA, o jornalista Felippe Drummond, do Jornal Hoje em Dia, participou da cobertura do primeiro UFC no Brasil, realizado no Rio de Janeiro, em agosto de 2011 e também do UFC

Rogério “Minotouro” Nogueira, Wanderley Silva, Fabrício Werdum e Maurício “Shogun” Rua Foto: Divulgação UFC

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REPORTAGEM - MMA

Renan Barão, atual campeão interino de pesos-galo do UFC

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Foto: Arquivo pessoal

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MMA -

Belo Horizonte, em junho de 2012. Ele acredita que o público em geral gosta de esportes de contato, ainda mais quando envolve algum tipo de luta. Segundo o jornalista, o MMA não pode ser considerado violento apenas por causa do sangue, que, por várias vezes, mancha o tablado do octógono durante as lutas.“Não pode ser considerado violento por

Foto: Divulgação UFC

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causa do sangue. Em muitos esportes, a gente pode ver o atleta sangrar e ele não ser considerado violento. Então, se for considerar isso violência, todas as outras modalidades de luta, como judô e boxe, são esportes violentos. Violência é quando não se tem regra, ou alguma regra (lei) é descumprida, diferentemente do que acontece atualmente no MMA”. Dono do cinturão interino da

REPORTAGEM

categoria peso “Galo” do UFC (até 61kg), Renan Barão, de 25 anos, credita o preconceito ao MMA à falta de conhecimento das pessoas. “Acredito que ainda é falta de conhecimento de muita gente. As pessoas tem o preconceito de antigamente, não acompanham a modalidade frequentemente, mas já saem falando que é violento. Entretanto, essa mentalidade está mudando, principalmente quando percebem a importância social do esporte”. Ele ainda afirmou que as pessoas gostam das lutas pelo que representam e pela demonstração de superação dos atletas dentro do octógono. “O MMA incentiva muita gente a ir atrás dos seus objetivos. A maioria dos lutadores brasileiros vem de uma história de superação. Saíram de uma infância pobre, resistiram a tentação das drogas e hoje são lutadores. Eles também não são mostrados só como mais um, mas sim como grandes vencedores. Tem o lado humano que é muito explorado hoje, além do aspecto do show

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REPORTAGEM - MMA Professor e lutador Marcelo “Uirapuru”, de camisa preta ao centro e seus alunos na academia Gracie Barra em BH

também. Ginásio lotado, transmissão para todo o mundo, várias câmeras”, concluiu Renan. Também lutador do UFC, Rodrigo Damm ressaltou um dos motivos para o público gostar tanto das lutas. Para ele, isso vem de uma cultura em nosso planeta de grandes combates, muitas vezes com o sangue colocando ainda mais fogo no duelo. “Isso é muito antigo em nossa cultura. Desde os gladiadores medievais as batalhas estão em nosso meio. O público torce pelo que está vencendo, mas também quer

ver a reação do outro. O sangue só apimenta ainda mais essa torcida. Mas em alguns casos, quando a saúde do atleta precisa ser preservada, não dá para continuar”. O lutador e professor Marcelo Uirapuru, de 36 anos, também dispõe da mesma opinião e ainda ressalta a diferença de tratamento experimentada quando morava nos Estados Unidos. Após começar na capoeira aos oito anos, o campeão mundial de jiu-jitsu, por duas vezes, afirma que o preconceito existia no seu começo no MMA.

“No início, sofri muito preconceito. As pessoas perguntavam com que eu trabalhava; eu falava que eu era lutador e professor de jiujitsu. Achavam que isso era brincadeira, passatempo. Eu morei um tempo nos EUA e lá é diferente; a gente é tratado como estrela, como artista mesmo. Com a popularização do MMA no Brasil, hoje em dia, a gente é parado na rua igual jogador de futebol. A gente até estranha e fica um pouco sentido, porque a gente teve que ir embora para o EUA, fazer sucesso lá, para

Público marcou presença no UFC 147, no Mineirinho

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Fotos: Renato Mesquita e Divulgação UFC

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MMA -

REPORTAGEM

Ju Thai, lutadora de MMA mineira, sonha em assinar contrato com o UFC

depois a gente ser respeitado. Sendo que tudo começou aqui, com a família Gracie, criticou”.

Sexo frágil é coisa do passado Se o preconceito já é grande com o esporte em geral, imagine com elas. Durante vários anos, as mulheres eram tratadas como “donas de casa”. Passar, cozinhar e lavar eram as funções exercidas pelas integrantes do chamado sexo frágil. Hoje, com a evolução por que o mundo passa, as mulheres começaram a dominar diversas áreas do mercado de trabalho, disputar e concorrer vaga com os homens e até a lutar. Isso mesmo. Conhecido pela delicadeza, o sexo feminino passou a fazer parte dos octógonos. Minas Gerais está inserido nesse novo mundo. Isso devido a Juliana “Thai” Lima, de 27 anos, que começou aos 17, no Muay Thai e migrou

Fotos: Arquivo pessoal

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para o MMA com 25, quando disputou o Brasil Fight 3, vencendo Aline Nery no confronto de mineiros contra paulistas. A lutadora diz nunca ter sofrido preconceito por ter as lutas como sua profissão e enfatiza que não existe mais esse estigma das mulheres serem o sexo frágil. “Não sofro preconceitos e nunca sofri. Não existe mais isso de sexo frágil. Existia antigamente. Hoje, as mulheres são motoristas de táxi, pilotam aeronaves, trabalham em obras e lutam também. Muitas delas são, inclusive, melhores que os homens dentro do octógono”. O presidente do maior evento de MMA do planeta já avisou: “Vai acontecer o MMA feminino no UFC. Estou comprometido com isso”. Essa frase motivou Ju Thai. A lutadora mineira afirma que o seu maior sonho é estar no UFC, e que,

com muito foco, estará pronta para ser contratada por Dana. “Eu quero ser campeã mundial da minha categoria no maior evento do mundo. Se for o UFC, com certeza, logo estarei lá, pois é meu objetivo que está traçado. Nada vai me tirar o foco. Claro que, sempre com humildade e treino forte, respeitando meus professores, seguindo os ensinamentos deles e a fé que sempre me dá forças quando eu acho que não tenho. Eu vou conseguir atingir esse objetivo pessoal, promete a lutadora”. Dana White começou a mudar de ideia após assistir o combate entre a grande estrela do MMA feminino, a americana Ronda Rousey e sua principal adversária, também estadunidense, Miesha Tate. Em um combate espetacular, Ronda venceu e mudou a cabeça do mandatário. Mas se engana quem acredita que apenas Ronda e Miesha tem cartéis

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REPORTAGEM - MMA espetaculares. A mineira Ju tem um cartel de dar inveja a qualquer um. São cinco vitórias em cinco combates. A lutadora explicou as principais características de seu estilo de luta:“Toda luta é difícil. Sou oriunda do muay thai e tenho um estilo muito agressivo. Costumo ir em cima das adversárias e tento bastante derrubá-las para sair do octógono vencedora, explica”. A grande questão mundial sobre as lutas é saber se é um esporte ou não. A lutadora afirmou que, apesar de ser um esporte de bastante contato, outros também podem ser violentos se forem usados os critérios do MMA. “É um esporte violento, assim como boxe, futebol americano, até mesmo o nosso futebol, que tem mui-

ta violência. Mas, no MMA, são duas pessoas profissionais que treinam há muito tempo e estão ali para mostrar a sua arte”.

Brasil: o celeiro de lutadores O UFC, maior evento de MMA do mundo, possui 352 lutadores distribuídos por oito categorias. Deles, 62 são brasileiros, um total de 17,1%, perdendo apenas para os EUA, com 198 lutadores. Os brasileiros sempre foram temidos no universo do MMA. Lutadores explosivos, técnicos, determinados e muito duros, eles levaram o país ao topo do maior evento de artes marciais mistas do mundo. Atualmente, o Brasil vive um momento histórico, com três cinturões no UFC.

Anderson Silva, 37, é considerado o maior lutador peso-por-peso do mundo. Consagrou-se campeão da categoria pesos-médios em 2006, quando derrotou Rich Franklin, norte-americano campeão na época. Desde então, Anderson defendeu seu cinturão em dez confrontos, o recorde do UFC. O catarinense Junior dos SantosCigano, de 27 anos, já foi o campeão da categoria dos pesos-pesados no UFC, quando em 2011 enfrentou o americano Cain Velásquez, que é considerado um dos grandes nomes da categoria. Cigano é temido principalmente por seu boxe impecável e sua eficiência nos golpes. Após fazer sua fama e conquistar o cinturão dos pesos-pena no WEC

Outros campeões brasileiros no UFC: José Aldo (acima dir.), Junior Cigano (abaixo dir.) e Anderson Silva

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Fotos: Divulgação UFC

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MMA -

(World Extreme Cagefighting) em 2009, o amazonense José Aldo, de 25 anos, está invicto no UFC e defendeu seu cinturão em três lutas. Aldo é faixa preta de Jiu-Jitsu e um lutador muito explosivo, conhecido por seu ímpeto e velocidade. Com pouco mais de três anos no torneio, já ‘‘limpou’’ sua divisão. Renan Barão recentemente entrou para a lista dos brasileiros campeões do UFC na categoria pesos-galo. Assim como José Aldo, Barão também veio do WEC e é detentor do excepcional recorde de 29 vitórias, uma derrota por decisão e uma luta sem resultado. Renan tornou-se campeão ao vencer o americano Urijah Faber no UFC 149. Uma notícia mexeu com os brasileiros amantes do MMA. O diretor de desenvolvimento internacional do UFC, Marshall Zelaznik, disse em entrevista que os planos dos organizadores do maior evento de lutas do planeta é realizar de cinco a sete edições no Brasil. Com a transmissão da TV aberta, os eventos fizeram com que Dana White trouxesse o evento de volta ao país após 13 anos. A primeira vez que o UFC esteve no Brasil foi em 1998, com a vitória

Fotos: Divulgação UFC

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de Vitor Belfort sobre Wanderlei Silva no primeiro round. Em agosto de 2011, o Brasil voltou a sediar o UFC, com a disputa do cinturão entre o brasileiro Anderson Silva, maior nome do MMA mundial, contra o japonês Yushin Okami, pelo evento de número 134. O país ainda recebeu mais três eventos da organização em 2012: dois no Rio de Janeiro e um em Belo Horizonte. E o público mineiro não decepcionou. As 16.643 pessoas

REPORTAGEM

que compareceram ao Mineirinho puderam vibrar com as finais do The Ultimate Fighter Brasil (TUF) e com as lutas de Fabrício Werdum e Wanderlei Silva. Devido a essa presença maciça de público nos eventos do UFC no Brasil, podemos esperar mais em 2013. É o que esperam também os diretores do UFC, que irão investir pesado para trazer o evento para o nosso país, onde provavelmente terão um grande retorno financeiro

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Penso que a violência faz parte do humano de uma forma estrutural, até mesmo porque, pensando na questão da natureza, os animais da nossa condição (primatas) precisam ter certa carga de agressividade e violência, que tem a ver com a sobrevivência. Nesse sentido, a cultura, a civilização desde os nossos mitos fundadores, sejam Gregos, Judaicos etc, apresentam agressividade. Exemplo claro da mitologia judaica: Caim matou Abel, quer dizer, há crime dentro da própria família, realidade presente na cultura humana desde sempre. Então, a nossa cultura vai ritualizando e regulando a agressividade; outro exemplo: gladiadores romanos. Eu deixaria um filho ou sobrinho assistir uma luta se ele insistisse muito. O MMA se tornou um fenômeno de massa e quero que ele participe e tenha crítica sobre isso, mas não que seja um sujeito que simplesmente goze com aquele sangue e violência que o esporte proporciona, mesmo porque, há uma crítica ao MMA em relação à mídia, no sentido do uso comercial e de potenciar este esporte violento, assim como é o boxe também e foram as lutas greco-romanas e etc. Então, eu deixaria meu filho assistir, mas gostaria de discutir com ele os fenômenos de massa, senão só criaremos pessoas alienadas.

Jacques Akerman

Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, especialização em saúde mental pela escola de saúde de Minas Gerais e em psiquiatria social pela escola nacional de saude pública. É mestre em psicologia pela UFMG, professor da Fumec, psicólogo do Centro de Referência Especializado da Assistência Social da Prefeitura Municipal de Betim e exerce atividade clínica de orientação lacaniana.

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O MMA INCITA A VIOLÊNCIA?

FRENTE

Foto: Guilherme Vale

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Proposta de proibição em Tv aberta provoca discussão se MMA estimula ou não a violência nos telespectadores

EDITORIA VERSO

Fotos: Divulgação/Assessoria

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A violência humana é anterior a quaisquer meios de comunicação, mas esses meios, a cada época, propagam as várias formas de violência. Com a exposição, especialmente na TV, os lutadores de MMA tornam-se, da noite para o dia, celebridades. No Brasil, tornam-se ídolos de adultos, mas também de crianças e adolescentes. Lutar dá prestígio, reconhecimento, poder, sucesso e dinheiro. E tudo isso é obtido em uma luta cujo objetivo principal é atingir, “finalizar” e agredir o oponente. Pontapés e tesouras voadoras ou joelhadas na cabeça, sucessivas cotoveladas e socos no rosto continuam a atingir o lutador mesmo quando esse já se encontra visivelmente sem condições de reação. É como se diz no MMA: o sangue é o suor dessa luta. Diferentemente das lutas marciais, que desenvolvem o autocontrole, a disciplina, a autodefesa, no MMA, não há outra mensagem que não seja o ataque, a agressão e a violência. MMA não é um esporte. É uma luta. E violenta. Se dependesse de mim, não deixaria um filho, sobrinho ou neto assistir, nem muito menos praticar essa luta. A transmissão dessa modalidade de luta em concessão pública de televisão fere os princípios dos direitos humanos, desenvolve a agressividade e expõe instintos ferinos do ser humano. Levam crianças e adolescentes a reproduzirem e imitarem seus golpes. Trata-se de uma luta que, em poucos anos de existência, já produziu lesões permanentes e até mesmo várias mortes. Acredito que a exibição desse tipo de luta nada acrescenta as nossas crianças e jovens.

José Mentor

José Mentor Guilherme de Mello Neto, 60, é formado em Direito pela PUC-SP. Deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em São Paulo, exerce seu terceiro mandato consecutivo na Câmara e integra a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Casa Paulista de Santa Isabel. Ao lado do ex-presidente Lula, é um dos fundadores do PT.

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REPORTAGEM

GIRAMUNDO REINVENTA SUA PRÓPRIA HISTÓRIA Por Aurelio Silva, Júlia Falconi e Lais Seixas P

Com mais de quatro décadas dedicadas à prática do teatro de bonecos, grupo que transcende os limites do palco, prepara reabertura de seu museu, programa de estágio e cursos de extenção universitária 52

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Fotos: Divulgação/Giramundo

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GIRAMUNDO Em cada canto do mundo, a arte de manipular bonecos com as mãos recebe um nome distinto. Atalanas na Grécia, Cristovam na Espanha, Guinhol na França, Karagoz na Turquia, Kasper na Alemanha, Mupptes nos Estados Unidos, Petruska na Rússia, Polichinelo na Itália, Punch na Inglaterra... No Brasil é chamado Mamulengo, mas, em Minas, essa arte mágica e sedutora ganha outro nome: Giramundo. A história do Giramundo se confunde com a história do teatro de bonecos no país. Um dos precursores na arte de dar vida a marionetes feitas dos mais diversos materiais, o grupo iniciou sua trajetória em 1970 e obteve sucesso por explorar vários campos da criação artística e por ter ido além, com seu alto potencial educativo. Se nos primórdios, há mais de quatro décadas, a trupe manipulava os bonecos para encantar crianças e adultos, hoje tem uma estrutura que transcende os palcos, oferecendo oficinas, sala de ensaios, estúdio de animação, departamento gráfico, escola de formação e, com o apoio da Fumec, prepara a reabertura eabertura de seu museu, que guarda e conserva todo o acervo de bonecos, s, cenários, desenhos e projetos. Criado há 12 anos nos e fechado há dois, o Museu Giramundo mundo tem previsão de reaberturaa para março de 2013. Para o diretorr de produção do lafaia, a ideia é grupo, Marcos Malafaia, vo, em que o vifazer um museu vivo, sitante terá contato com os ensaios dos espetáculos. A visitação deverá erta para escolas ser inicialmente aberta públicas e privadas da capital e posteriormente para o público em geral. A previsão é de quee ele funcionará integralmente até 2014, de terça a io domingo, em horário comercial. erAtualmente, o acer-

Foto: Divulgação/Giramundo

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vo do grupo reúne 33 peças do repertório, composições cenográficas, fotografias, projetos e desenhos originais, documentos, filmes, áudios, arte gráfica e cerca de 400 bonecos e marionetes. A parceria firmada entre o Giramundo e a Universidade Fumec, em outubro de 2012, prevê, além da reabertura do museu, a criação do Programa de Estágio, criação de curso de extensão de Design de Bonecos e publicação de livros do grupo. Para Malafaia, essa fase representa uma retomada da natureza universitária do grupo, pois o Giramundo foi criado dentro de uma universidade, sendo formado por alunos e professores.

Um pouco de história Para compreender melhor a natureza de um grupo que mudou a forma de ver e compreender o teatro de bonecos no Brasil, vamos recuar um pouco no tempo e ver, no descerrar das cortinas, um espetáculo baseado em uma história real. Década de 70. O cenário, em preto e branco, é de um país em que impera o medo e a incerteza. Anos de ditadura, implantada pelos militares, de falta de liberdade, d e censura e de perseguições. Mas também de resistênc i a

- REPORTAGEM

dos intelectuais, estudantes, operários e artistas. Nesse contexto, na bucólica cidade mineira de Lagoa Santa, a cerca de 40 KM da capital mineira, três artistas plásticos e também intelectuais – Álvaro Apocalypse, Terezinha Veloso e Madu Vivacqua – resolvem somar seus sonhos e criar o grupo Giramundo. Em contraste com esse cenário de falta de liberdade, censura e perseguições, o trio se une para explorar vários campos da criação e percepção artística. O grupo atravessou os chamados “anos de chumbo brasileiros”, viveu a reabertura democrática e as décadas seguintes realizando sucessivas apresentações em praticamente todo o Brasil e em mais de dez países da Europa e das Américas. Espetáculos construídos com experimentações, inserções de elementos da cultura e da história do Brasil, adaptações criativas de clássicos da literatura ou textos próprios. Assim, a história do grupo também se mistura aos sucessos de montagens como o espetáculo Cobra Norato, de 1971. 1971 Baseado no poema Cobra Norato, Norat escrito nos anos 20 pelo modernista Raul Bopp, foi modern inspirado pelo rico ri folclore da Amazônia e conta aas aventuras de um menino-cobra. O clássico A Flauta Mágica, produzido produzi em 1984, é baseado na ópera homônima de Mozart ho e pelo libreto de autoria de Johanm Joseph Schikaneder. O espetáculo Schikane apresenta a histó história do príncipe Tamino, que representa o herói virturepres oso e aplicado que q oscila entre dois opostos: a rainh rainha, que lhe oferece a mão da filha, e Sarastro, que lhe apresenta o caminho da sabedoca ria. Também marcante na trajetória do Giramundo, O Diário, de 1995, 199 foi uma adaptação feita a partir da narrativa de pa

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REPORTAGEM - GIRAMUNDO Diário de um Louco, de Gogol, escritor Russo, que conta a história de um funcionário público si simples que, desprezado e humilhado, desenvolve sintomas de loucura, ach achando que tem parentesco e origem nobres. A peça teve trilha sonora composta pelo maestro Tim Rescala Rescala. Seis de setembro de 20 2003 tornouse outra data marcante para p a trupe. pe O Giramundo m dá adeus a seu fundador Álvaro ApocalypA se, se vítima de infecção generainfec lizada. Apocalypse A viveu 66 an anos, foi um dos principais responsáveis re pela renovação do teatro de bonecos no Brasil e dedicou 33 d anos ao grupo. Nesse período, esp participou da creveu 27 espetáculos, pa bonecos e recriação de mais de 700 bo cebeu vários prêmios, entre ent eles um Prêmio MultiMoliére em 1980 e o Prêm 1998, além de cultural Estadão, em 199 outros no exterior. Outro marco foi o esp espetáculo Pinocchio, de 2005, primeira prime grande montagem para adultos do Giramundo realizada sem Álvaro A Apocalypse. O espetáculo apresenta a história do famoso boneco criado por Carlo Collodi, em 1883. A montagem trouxe novidades para o teatro de bonecos brasileiro, como a inclusão do vídeo, a composição d da trilha no sistema quadrifônico, a utilização de madeira e objetos de demolições e o uso simultâneo dos principais elementos tradicionais do teatro de bonecos: luva, fio, balcão, pantins sombra e tringle, pantins, bonecos gigant gigantes. Já a Escola Giramundo, espaço de iniciação à prática do teatro de b bonecos dedicado ao desenvolvimen desenvolvimento técnico

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de habilidades ligadas ao ofício do marionetista, teve origem no projeto Teatro Oficina Giramundo, realizado entre 2004 e 2006. Mas o grupo já realizava oficinas de iniciação e formação de novos artistas, palestras sobre a prática e a teoria do teatro de bonecos desde 2001. A Escola oferece, além das oficinas, mostras itinerantes, apresentações nos palcos e nas ruas, criação de repertórios de animações para tevê. Parte da equipe do grupo é composta por estagiários e a atual diretoria é composta por Marcos Malafaia, diretor de produção, Beatriz Apocalypse, diretora artística e Ulisses Tavares, diretor de projeto e construção de estrutura cenográfica. Guilherme Zarram, aluno do curso de design de produtos da Fumec, é um dos estagiários do Giramundo. “Comecei a estagiar lá e tive a oportunidade de fazer tudo, trabalhar com a construção de bonecos, de autômatos, mecanismos e projetos. Estamos preparando o espetáculo Alice e também o desfile de Gustavo Lins do Minas Trend.” O Teatro Oficina de Bonecos (TOF), também criado entre 2004 e 2006, trouxe mudanças significativas nos procedimentos didáticos do Giramundo, transformando-se o grupo em uma instituição educativa permanente. Dentre as habilidades desenvolvidas pelos alunos, estão o planejamento de projeto e mecânica da marionete, pesquisa e experimentação em torno de seus materiais e dos métodos de construção, manipulação, dramaturgia do teatro de bonecos, concepção de cenografia e iluminação. A consolidação do eixo teatro – museu – escola e das iniciativas e parcerias projetadas para os próximos anos posicionam o Giramundo não somente como um grupo de teatro de bonecos, mas também como uma instituição pública e de transformação cultural

Foto: Divulgação/Giramundo

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ENTREVISTA

“NÃO SOU CAPAZ DE VIVER SEM O GIRAMUNDO” Por Júlia Falconi e Lais Seixas

Foto: Júlia Falconi

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MARCOS MALAFAIA

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ENTREVISTA - MARCOS MALAFAIA Diretor de produção e Professor da Fumec, Marcos Malafaia, 47, ingressou no Giramundo quando o grupo já tinha 17 anos de existência e participou da superação de muitas dificuldades. Atualmente, além de dar suporte e dirigir o grupo, Malafaia participa das montagens das peças e da seleção de novos profissionais para integrar a equipe. Profissionalmente muito envolvido com as histórias, os bonecos e os processos de montagem do grupo, ele conta, em entrevista à Ponto e Vírgula, como é a rotina, a importância e a vivência do grupo Giramundo. Ponto e Vírgula - Qual a importância da reabertura do museu para o Giramundo? E qual a história que esse museu conta? Marcos Malafaia - Pergunta difícil! Aí falamos da parceria Fumec / Giramundo. Em primeiro lugar, é a garantia do retorno de um acervo muito importante para o público. Podemos ter o acervo exposto novamente, fazendo parte da vida das pessoas. O museu pode ser reintegrado ao circuito de equipamentos culturais em BH, para a comunidade, para os amantes da arte, da cultura e do teatro. É um motivo de comemoração. Para nós, é como ter de volta a nossa identidade. O museu Giramundo é o nosso diário, nossa história, são nossas memórias, da parte que a gente conhece e da parte que a gente conheceu. Muitos bonecos foram construídos com a nossa energia, nossa participação. Aqueles que a gente não construiu, olhamos com curiosidade para saber quem construiu e como construiu, admirando as habilidades. Então, se para o público é motivo de comemoração, porque é mais uma possibilidade de entretenimento, para nós é como reconquistar a nossa alma. Deixar os bonecos extraviarem é perder nossa alma. O museu é um museu vivo e conserva a dimensão cinética, dramática, que é a finalidade dos bonecos. Eles são feitos para subir aos palcos. Eles são personagens, não somente esculturas. Outro fator é que o museu está unido à Escola Gi-

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ramundo. Os bonecos concentram toda uma vivência técnica também. Então, o museu é material porque guarda um acervo de objetos, mas também é imaterial porque guarda um acervo de know how.

Gepeto, que é um boneco que foi construído com restos de oratório e móveis velhos. Então, ele é muito abstrato, uma linha um pouco surrealista, feito de restos e mais restos de

Qual a sua relação com os bonecos? Você tem um boneco favorito? Alguns a gente se afeiçoa por questão da manipulação, outros a gente admira pela beleza ou felicidade na construção e outros ainda por uma questão mais histórica, devido à sua importância para o Giramundo e para o teatro de bonecos em geral. Então, na coleção do Giramundo, destaco vários bonecos. O que eu admiro mais é o acervo como um todo. Acho que o que me impressiona é a monumentalidade desse acervo. Sabendo a dificuldade que é construir um boneco, fico muito impressionado ao pensar o quanto foi gasto de trabalho, de pessoas, de horas. Isso é o que me assombra mais. Mas destacaria, por exemplo, devido à empatia com o público, o Pedro, de Pedro e o Lobo. Ele é realmente muito simpático e causa quase um amor instantâneo nas crianças. Muitas vezes, a gente viu as crianças grudando nele, quase arrebentando os fios, mas realmente não tinha jeito. O Cobra Norato é um boneco que temos que respeitar, temos que guardar no acervo com muito cuidado porque ele representou muito para o teatro de bonecos no Brasil. Dos novos bonecos, gosto muito do

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MARCOS MALAFAIA caráter religioso. Ele tem uma vela dentro dele. Acho que ganhou uma dimensão um pouco mística. É o boneco que me impressiona em cena; acho ele curioso. Outros bonecos também me impressionam, como o Aronax de 20 Mil Léguas e a Árvore Professora. São bonecos muito importantes na manipulação e se tornaram fenômenos em animação.

A peça Pinocchio foi produzida logo após a morte do fundador do grupo. A relação

de Pinocchio e Gepeto, seu pai, espelha a ligação entre Giramundo e Álvaro Apocalypse? Conscientemente não houve essa intenção, mas a vida faz essas coisas com a gente e coloca o acaso a nosso favor. Há pessoas que acreditam no acaso e outras que não acreditam. Há coisas na vida que são surpreendentes. É lógico que a mente tenta ver uma lógica por trás das coisas e acabamos encontrando essa lógica. Se é acaso ou não, a relação do Gepeto com o

- ENTREVISTA

Pinóquio bem como o enredo do espetáculo ficaram fortemente ligadas à imagem do pai. Sem querer exagerar numa interpretação psicanalítica, não há dúvida de que, naquele momento, estávamos vivendo uma perda de uma figura masculina muito forte, de certo modo, nosso pai dentro do Giramundo, nosso professor e líder. E Pinóquio refletiu tudo isso. Tivemos que superar a perda do Álvaro e, ao mesmo tempo, provar que éramos capazes de continuar a obra do Giramundo, mantendo o nível de trabalho do grupo.

Apresentação dos bonecos da peça Giragerais

Foto: Divulgação/Giramundo

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ENTREVISTA - MARCOS MALAFAIA O Giramundo nasceu em 1970. Como o grupo lidou com a opressão da Ditadura Militar? Eu não vivi isso dentro do grupo. O que ouvi o Álvaro falar é que havia uma insatisfação, óbvia, e que o Giramundo procurava, como todos os artistas da época, fazer algum tipo de crítica ou contribuir um pouco ideologicamente para a sociedade da época com uma crítica velada no espetáculo. Percebemos essa ideia política mais forte num espetáculo em especial, que é de 1975, o Baú de fundo fundo. Ele trata a liberdade numa dicotomia: a supressão da liberdade por um lado, ou seja, existe uma cidade liderada por um político e a arte do outro lado. Apesar de não ser uma moral, há uma ideia da arte como ferramenta de libertação política. Por meio da arte e desse espírito livre, espontâneo, as pessoas conquistariam a felicidade e uma vida melhor.

atenção nisso, no que o aluno está renunciando, pois ele tem que ceder, se sacrificar. Não tem jeito de ficar no teatro de bonecos sem se sacrificar. Às vezes, a gente sacrifica família, convivência com amigos, sextas-feiras, sábados, domingos. Então, é isso que observo. Se o aluno sacrifica algo de prazer pelo teatro de bonecos, tem uma chance; os outros não, eles não aguentam. Os que ficam costumam ser muito resistentes e eu acho isso um aprendizado muito importante, porque a vida profissional, em qualquer campo, é dura e há muita competição.

Quais são as maiores dificuldades ao longo das produções do Giramundo? São muitas. Algumas bem óbvias como dinheiro. Essa é uma dificuldade bem concreta. Mas existem dificuldades mais duras, para as pessoas que estão lidando com a coordenação diária em uma montagem, com a direção, com a concepção do espetáculo. As dificuldades são muito mais interiores do que exteriores. Eu sinto, em minha experiência, que uma dificuldade é a convicção de estar fazendo uma coisa boa, a certeza, a experiência. Uma

O Giramundo abre espaço para estagiários em sua equipe. O que procura neles e como os escolhe? Isso é muito difícil de perceber porque é muito fácil errar. Às vezes, vemos um aluno talentoso, inteligente, articulado, raciocínio rápido, lógico, com referências. Mas, na prática, ele não se adapta ou não dá certo. Existem outros tipos de problemas, de convivência e até mesmo aspirações. O aluno tem uma imagem do Giramundo e muitos se surpreendem porque o teatro de bonecos é muito pesado, fisicamente pesado. O marionetista realmente tem que ser jovem e forte e isso, às vezes, assusta. Então, percebi que o importante não são as qualidades teóricas ou as qualidades técnicas. O mais importante é a garra, a vontade que a pessoa tem de estar ali. O que mais valorizo é a disposição para o trabalho. A escolha é uma espécie de renúncia. Presto

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Foto: Divulgação/Giramundo

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MARCOS MALAFAIA

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bilidade do erro, mas de minimizar. No caso do Giramundo, usávamos muito o processo do desenho como a grande ferramenta de antevisão do espetáculo, o que herdamos do Álvaro. Agora, com essa vivência aqui na Fumec, estamos trazendo outras ferramentas que vêm dos processos clássicos do design, especialmente do design de produto, como os modelos, os mocaps (captura e gravação de movimentos), os protótipos, processos específicos que nos ajudam a errar menos e ter uma qualidade maior. Então, essa dificuldade é metodológica. Por isso, o convênio com a Fumec é muito importante. Recebemos apoio tecnológico para melhorar nossos processos de trabalho.

Sua relação com o Giramundo é muito intensa. O que você sente em relação ao grupo?

montagem é feita de uma longa cadeia de escolhas. Essa demanda permanente das escolhas é uma dificuldade grande, porque ela é cansativa, tensa, porque o erro acontece, mas ele não pode acontecer muitas vezes porque corrói a equipe. Um grande risco do trabalho em equipe é quando se perde a confiança e esmorece. Isso é terrível. Por outro lado, se o diretor ou a equipe consegue criar

Foto: Lais Seixas

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um circulo virtuoso de entusiasmo e crença, essas pessoas vão se dedicar mais e melhor e o bom resultado vai alimentar todos os integrantes. Outra dificuldade é conseguir qualidade e, nesse caso, temos métodos. Procuramos nos apoiar em procedimentos. Temos qualidade nos bonecos, que são plásticas, mecânicas, estéticas, em seu funcionamento, e há modos, não de eliminar a possi-

(SILÊNCIO) Como um todo, a minha relação com o Giramundo é uma relação intensa de amor e crítica. O Giramundo me trouxe muitas coisas boas, mas também me trouxe algumas coisas ruins. Faço um cálculo e hoje vejo que o Giramundo me fez muito mais bem do que mal, apesar de normalmente prestarmos mais atenção na dor do que na alegria. Parece que a dor se fixa mais na memória, até como um mecanismo de proteção. É mais fácil esquecer os momentos felizes do que os momentos tristes. O que eu percebi é que, por algum motivo, não consigo me separar do Giramundo. Já tentei, mas não consegui. É uma coisa muito surpreendente porque o Giramundo não é gente. Ele só é gente se pensarmos pelo lado metafórico: por ser composto por pessoas. Em si, é uma entidade, uma coisa abstrata. Me surpreende que tenha tomado um pouco conta de mim, ao ponto de eu não ser capaz hoje de viver sem ele

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ENTREVISTA

“A moda está na moda” Editora de lifestyle da Vogue Brasil, Nana Caetano vive com os pés no chão e a cabeça nos quatro cantos do mundo Por Amanda Medeiros e Thaynara Tanure

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uem se depara com os traços delicados e meigos da mineira Nana Caetano, 33 anos, não imagina que por trás da aparência terna há uma mulher bem sucedida, com vasto currículo e um emprego desejado por inúmeras garotas de todo o mundo. Ser uma voguete é um sonho, registrado no bestseller O Diabo Veste Prada, de Lauren Weisberger, reproduzido no cinema em filme homônimo. E é com os pés no chão, longe do glamour, que a editora de lifestyle da Vogue Brasil, jornalista graduada pela UFMG, conta sua história em entrevista para a revista Ponto e Vírgula. Seu caminho, traçado em 15 anos de atuação em revistas como Capricho, VIP, Veja São Paulo, inclui o cargo de redatora-chefe da Vogue e contribuições para publicações como O Estado de S. Paulo, Wish Report, Wallpaper City Guides (Barcelona), Revista TPM, Ig, Wish Report e outras. Com rodinhas nos pés, Nana Caetano cruza o mundo atrás dos melhores sabores, roteiros e programas culturais. Ela leva em sua bagagem, além de seu bom gosto, do senso apurado para captar o melhor do melhor e o desejo de aprender sempre mais, pós-graduação pela Anhembi Morumbi e mestrado em História e Cultura da Alimentação pelas universidades de Barcelona, François Rabelais (Tours) e Bolonha.

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Foto: Garance Doré

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NANA CAETANO Quais foram os grandes desafios que você enfrentou em sua carreira? Considero que todo dia seja um desafio. Trabalhar com jornalismo e trabalhar com revista, no meu caso, é super difícil e isso faz com que o desafio seja diário, por razões que partem de coisas pequenas como o entrevistado que não chegou, a matéria que caiu, a foto que ficou ruim, ou mesmo coisas maiores como questionamentos sobre se é isso que quero da minha vida, com quais temas quero trabalhar, temas que não quero, se quero fazer um curso ou não.

“O jornalismo é uma profissão muito prática. Então, se você quer mesmo ir para o mercado, o estágio é que vai lhe abrir essas portas, é que vai lhe ensinar o que você precisa aprender” Houve algum momento de grande mudança em sua carreira? Eu era redatora-chefe da revista Vogue e era um cargo super almejado e, por decisão própria, pedi demissão para me dedicar aos estudos e fazer um mestrado. Eu estava ciente de que havia aí um risco. Quando eu saí, não sabia se voltaria, se ainda haveria uma vaga para mim, ou mesmo se haveria trabalho nesse lugar. Além disso, havia a dúvida sobre como eu estaria e como o mercado estaria.

Você se considera bem sucedida profissionalmente? Eu nunca me preocupei muito com isto de ser bem sucedida. Ao menos, eu não sinto que cheguei ao ponto definitivo. Acredito que é uma construção e a carreira é um desafio diário com possibilidades de mudanças.

Sua formação em jornalismo pela UFMG foi seguida pelo Curso Abril, em São Paulo. Como foi tal experiência? Quando eu me formei em jornalismo, em 2000, Belo Horizonte não tinha muito campo de trabalho na área, uma situação diferente da atual, porque acredito que as coisas mudaram um pouco. Mas, logo ao me formar, fui para São Paulo, após ser selecionada para o Curso Abril, da Editora Abril. Para mim, foi o grande jeito de entrar em uma cidade na qual eu não conhecia ninguém. Foi assim que conheci São Paulo. Eu cheguei e aquilo era como se fosse uma pós-escola e as pessoas estavam abertas a me receber e a me ensinar. O curso teve duração de um mês e depois deste tempo eu poderia, ou não, encontrar algum trabalho no grupo ou em algum outro veículo.

Após o Curso Abril, qual caminho você trilhou? Eu posso dizer que dei muita sorte, mas foi uma sorte diretamente ligada ao fato de eu ser uma pessoa que topa tudo, coisa que eu sempre fui e sou. Eu queria ser jornalista e trabalhava já na área em Belo Horizonte, mas com cultura. E sempre gostei de moda, mas até aquele momento não estava diretamente ligada à área. Então, uma conhecida minha de Belo Horizonte trabalhava como produtora de moda na Capricho e me contou que havia uma vaga, com um salário merreca, na publicação. Topei na mesma hora, porque eu estava louca para ficar em São Paulo. Além do baixo salário, o

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trabalho era complicado, muito braçal. Eu tinha que pegar roupa em loja, carregar sacola e foi a melhor coisa que me aconteceu, porque eu conheci a cidade inteira. Eu ia com o motorista buscar roupas em todos os lugares e com o tempo acabei mapeando a cidade. Além disso, conheci várias assessorias de imprensa e fiz vários contatos. Eu ia trabalhar na São Paulo Fashion Week e trabalhava de todas as formas possíveis, até carregando coisas e foi ótimo. Foi um bom jeito de começar.

O que diferencia a formação da faculdade da vivência do trabalho? Eu fiz estágio praticamente desde o primeiro semestre da faculdade e acho que esta é uma coisa super importante. O jornalismo é uma profissão muito prática, então, se você quer mesmo ir para o mercado, o estágio é que vai lhe abrir essas portas, é que vai lhe ensinar o que você precisa aprender. A faculdade vai lhe ensinar a ordenar o pensamento, ela vai lhe ensinar cultura, teoria, ela vai te dar contatos, mas é o estágio que lhe ensina o cotidiano, a técnica da profissão. O jornalismo é um ofício, é uma coisa técnica.

Como foi a passagem da produção de moda para a profissão de jornalista? Eu queria escrever e tinha consciência de que não podia ficar muito tempo trabalhando como produtora de moda. Fiquei um ano, um ano e meio, na revista Capricho e logo fui me movendo para migrar para o texto. E aconteceu. De toda forma, carrego comigo até hoje, na minha carreira, esse espírito de produtora de moda. Comigo não há “não dá”. As meninas que trabalham comigo sabem que eu treino as pessoas para serem muito multitarefa, porque eu acho que é assim que tem que ser. Então, quando o produtor diz que não dá para fazer, eu não aceito porque eu tenho experiência e sei que dá. Também aprendi que

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ENTREVISTA - NANA CAETANO em qualquer profissão você não pode ter muita frescura. De vez em quanto, você vai ter que fazer coisas que não estão no seu job description e você vai ter que fazer. Você vai ter que fazer porque é assim e se você for vendedor, por exemplo e alguém derrubar água no chão, você vai ter que limpar, da mesma forma que, se você for produtor de moda, você pode ter que pegar algo na impressora, recortar, montar e fazer algo que não é seu porque é assim que deve ser e é assim que o bom profissional é.

Não há um curso exato para quem quer atuar como jornalista de moda. Sendo assim, você acha que há alguma fórmula ou cada um faz sua história? Até hoje, pelo mercado que eu conheço e pelas coisas que eu vejo, não há fórmula para atuar como jornalista de moda. Eu conheço várias pessoas que trabalham como jornalista de moda e que não são nem jornalista e nem formados em moda. Existem vários perfis de gente que trabalha com isso, mas, de forma geral, a maioria é, de fato, jornalista. Considero muito importante, claro, mas não é o único caminho. A editora de moda da Vogue, por exemplo, a Bárbara Leão de Moura, é um bom exemplo. Ela é arquiteta e é uma profissional que tem uma formação cultural sólida, ela escreve muito bem e, para ela, o curso de arquitetura foi suficiente. Aliás, são muitos os arquitetos nessa área.

Os blogs de moda estão em ascensão, com blogueiras de moda ditando tendências. Como você enxerga tal momento? Eu olho com muito interesse para o fenômeno dos blogs. Eu gosto de acessar alguns, gosto de ler algumas coisas, mas acho que estamos, neste exato momento, em um instante no

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qual elas, as blogueiras, vão ter que se definir. Porque o que eu acho mais legal nos blogs é o fato de as pessoas falarem de fato do que elas gostam. O melhor em tal universo é a edição pessoal. Então, em vez de alguém falar sobre o que o veículo para o qual trabalha fala, a pessoa pode falar sobre o que ela gosta e esta é a edição pessoal. Isso é o mais legal nos blogs. Só que, quando um blog vira um veículo muito comercial, ele talvez possa perder o sentido, porque não se vê mais naquilo o que realmente importa, que é o gosto da pessoa. Assim, o leitor pode acabar voltando para outros veículos.

“Eu posso dizer que dei muita sorte, mas foi uma sorte diretamente ligada ao fato de eu ser uma pessoa que topa tudo, coisa que eu sempre fui e sou” Falando em blogs, de quais você mais gosta? Eu adoro a Garancé Doré. Uma vez, fui fotografada por ela e este foi um momento alto da minha vida profissional. Eu sou muito fã dela, sempre fui, leio o blog dela desde que ela começou, porque eu amo tudo da França. Mesmo antes de o blog dela ser bilíngue, eu já era super leitora. Então, ela foi para São Paulo fazer um editorial da Vogue e eu fui escolhida para ir almoçar com ela, já que todo mundo na redação sabia que eu adorava o trabalho dela. E foi assim que ela quis me fotografar. Fiquei sabendo quando o diretor de moda da Vogue chegou e me contou. Eu fiquei tão nervosa que fui escovar os dentes. Imagina?! Eram seis da tarde, eu havia saído de

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casa muito cedo e a foto ficou maravilhosa. Além do blog da Garancé, eu adoro o blog da Alexandra Formes, o Boa Vida; o Casa de Valentina, sobre decoração; o Dia de Beauté, da Victoria Ceridono; gosto também do The Sartorialist. Na verdade, eu conheço muitos blogs, sei quem são as pessoas e visito alguns com certa frenquência.

Há uma relação entre os blogs de moda e a padronização de estilo e comportamento? Não sei, não tenho certeza, mas acho que não, percebo que sempre foi assim. Antes era a televisão que ditava as tendências, com as personagens da novela – isso acontece até hoje. Acho que sempre existiu essa relação de padronização e referências, mas talvez essa relação tenha migrado, recentemente, da personagem da novela para a blogueira.

Falar de moda é também falar sobre cultura, arquitetura, música e outras formas de arte. Você acredita que atuar com moda é também atuar com todo este universo? Acho que não existe gente que trabalha moda bem e que não sabe um pouco sobre arte, que não sabe um pouco sobre história de fotografia, que

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NANA CAETANO

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não consegue olhar uma foto de agora e enxergar uma referência do passado, acho que simplesmente não existe. Em todos os universos, tem muita gente que é fechada, mas acredito que as pessoas que despontam são as pessoas mais multidisciplinares.

Sua história profissional foi marcada por experiências no exterior. Você acredita na importância das viagens para o crescimento profissional? Eu, particularmente, acho muito. Na minha vida, eu sempre optei por viajar, conhecer o mundo. Isso acontece desde quando eu ganhava dinheiro como estagiária e viajava para Lavras Novas. Depois, comecei a ir para a Bahia e, mais tarde, eu estava indo para Paris, depois Oriente Médio. Enfim, as coisas começaram a poder ser feitas. Eu amo viajar, aprendo muito. Acho que são experiências diferentes você ver a foto e você ir até o lugar. Há o cheiro, o gosto, a comida e a temperatura. Além disso, você encontra pessoas, conhece, conversa. Mas também não acho que viajar é para todo mundo. Acho que viajar é difícil, dá trabalho. Também não adianta, na minha opinião, viajar apenas para fazer lista. Não adianta, ou então é outro jeito de viajar que não é o meu jeito de viajar, não é o jeito de que eu gosto. Eu também não acho que viagem é a solução para tudo. Muita gente não gosta de

“Em todos os universos, tem muita gente que é fechada, mas acredito que as pessoas que despontam são as pessoas mais multidisciplinares”

viajar, mas gosta de ler e aprende de outro jeito. Aprender não é sinônimo de viajar. Para mim é, mas eu acho que não é para todo mundo.

A moda, como profissão, ainda é encarada com preconceito ou há, hoje, uma nova realidade? Eu acho que há preconceito e, de fato, acho que há preconceito dos dois lados. Por um lado, há um pouco de deslumbramento por parte de algumas pessoas. Eu sinto isso na pele. A Vogue, por exemplo, é uma revista muito forte. É uma marca muito forte. E tem gente que me trata diferente quando descobre que eu trabalho na Vogue. Por outro lado, há sim quem me trata diferente para outro sentido, pensando que eu devo ser fresca ou, por vezes, que eu ou a pessoa que se interessa por moda é pouco interessante. Mas isso não acontece necessariamente. De fato, acho que existem os dois lados. Há o fascínio e o preconceito, além do caminho do meio também. Mas, a verdade é que a moda está na moda e isso abre um

amplo leque de possibilidades.

O jornalismo da Vogue Vogue é moda, tendência, notícia e comportamento. A revista tem como principal objetivo reinventar a cada dia. Seu viés não permite repetição, fugindo do “mais do mesmo.” A revista de moda mais importante do mundo sempre teve uma tiragem bem significativa, mas decolou ainda mais nos últimos anos graças à parceria da Editora Globo com a Condé Nast. O veículo continua se sobressaindo, com tiragem de 80.000 exemplares, em um momento no qual as mídias impressas sofrem com constantes quedas. São milhares de exemplares que circulam pelo país, levando entretenimento e informação, sem deixar de lado os princípios da linha editorial da publição, que preza, acima de tudo, pelo bom jornalismo e têm extrema preocupação com seu público

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EM DESTAQUE - NATÁLIA D’ORNELAS

NOTÍCIA NA PASSARELA

Por Sarah Borém Referência na cobertura de Moda em Minas, a mineira de Guarani, zona da mata, conta como conquistou seu espaço nesse novo e disputado filão do jornalismo. Natália D’ornellas iniciou sua carreira profissional quando ainda cursava jornalismo na Universidade Fumec. Foi como assistente da coluna social de Paulo Navarro, publicada no Jornal O Tempo, que experimentou a cobertura de eventos de moda e conquistou seu próprio espaço, passando a assinar uma coluna sobre estilo e tendências no periódico. Investiu na área, passando pela revista francesa L´Officiel Brazil, na qual atuou como editora de Web e Moda. Buscou especialização na capital inglesa, onde viveu por um ano e graduou-se em Fashion Retail (varejo de moda) pela London School of Fashion. De volta ao Brasil, lançou o primeiro caderno de moda de Minas, o Pandora, pelo jornal O Tempo. A jornalista de moda já cobriu as principais semanas de moda nacionais – Fahion Rio, SPFW, Minas Trend Preview – e eventos internacionais de moda em Londres, Nova York e Paris. Em entrevista para a revista Ponto e Vírgula, Natalia D´ornellas conta um pouco de sua trajetória profissional de sucesso.

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Fotos: Arquivo Pessoal

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NATÁLIA D’ORNELAS Sempre quis fazer jornalismo? Não. A princípio queria ser redatora publicitária do ano. Um dia, meu chefe da agência disse: “Natalia, você é jornalista”. O cara estava certo.

estudando e confirmando. O ensino lá é especial, pois eles têm o peso da história que nós, país jovem, não temos. Londres é uma aula de história ambulante.

Como foi a sua experiência na Universidade Fumec? Bem conturbada. Além de não ter tempo para estudar, pois já trabalhava na época, enfrentava preconceito de vários professores por atuar em uma área considerada por muitos da imprensa como “fútil”.

Como você concilia sua vida profissional e pessoal? Muitas vezes as coisas se embolam. Tenho grandes amigos que foram ótimos entrevistados, mas, quando entro em casa, sei da minha realidade. Minha vida não são viagens internacionais e champanhe. Fechar um caderno semanal é punk.

Quando você começou a se interessar por moda?

Foi maravilhoso. Falo que a minha vida é antes e depois disso. Mas, sinceramente, não fui pra Londres pra estudar, eu queria confirmar se amava mesmo tudo isso o que vinha fazendo no Brasil. Acabei

Foi muito bom. A porta de entrada para o mercado. Foi quando fiz a melhor agenda e o melhor networking que um jornalista pode fazer. Até hoje, conheço políticos, artistas e outros personagens que não conheceria se não estivesse passado por lá. Tenho orgulho disso e nenhum arrependimento.

Pretendo trabalhar o conceito de neocolunismo. Algo entre champanhe francesa e cerveja de boteco. Um radar diário e variado sobre o que acontece em Belo Horizonte. É um sonho antigo de voltar ao colunismo. Amo gente mais do que roupa. (Para saber mais sobre o site, acesse: www.nataliadornellas.com.br)

Já entrei na faculdade trabalhando com o Paulo Navarro, daí minha dificuldade para acompanhar aulas e provas. Trabalhei duro desde o primeiro dia de aula, pois era interina de uma coluna diária de “futilidades”. (Risos)

Como foi estudar no exterior? Existe muita diferença do ensino brasileiro?

Como foi trabalhar com Paulo Navarro?

O que pretende com seu site?

Como foi sair da faculdade e ingressar no mercado de trabalho?

A moda foi uma consequência do social, veio no mesmo pacote. Fiz uma cobertura do Fashion Rio para o Paulo (Navarro), o jornal (O Tempo) gostou e, daí, não parei mais.

- EM DESTAQUE

Como é viajar pelo mundo “pulando” de fashion week a fashion week? Minha vida não é tão glamorosa assim. Só cobri Londres, Nova York e um desfile em Paris. Sinceramente, é quase a mesma coisa, correria total, estrutura complicada (a deles é pior que a nossa). A diferença está na passarela, pois os caras não copiam, né?

Para os alunos da Fumec, que também se interessam por essa área, você teria algum conselho? Estejam com os radares ligados a tudo e leiam até bula de remédio. Outra dica é tentar achar um estilo que se destaque, uma maneira de escrever própria. Meu texto, que era “gongado” na faculdade, é adorado por muitos leitores. (Risos)

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REPORTAGEM

GUERRA E PAZ PARA OS BELO-HORIZONTINOS

Obra consagrada de Candido Portinari será exposta sta tro em setembro de 2013, quando o antigo Cine Theatro Brasil será reinaugurado Por Marina Bhering De volta para casa. Passados 50 anos, a memorável obra Guerra e Paz, de Candido Portinari, voltou ao Brasil e, em setembro de 2013, será exposta em Belo Horizonte. Essa é a proposta para a reinauguração do antigo Cine Theatro Brasil, um dos cartões postais da capital mineira, localizado na Praça Sete de Setembro. No próximo ano, o ex-cinema passará a ser conhecido como V&M Centro de Cultura.

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Para reestreia do local, os gigantescos painéis inéis de Portinari, cada um medindo 14 metros dee altura por 10 de largura e pesando duas tonelaeladas, serão expostos por 60 dias para visitação ão com entrada franca. O espetáculo de inauuguração contará com figuras como Milton n Nascimento, Fernando Brant, a bailarina Ana na Botafogo, Alex Neoral e Hamilton de Holanda. nda.

Foto: Thiago Fernandes

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CINE BRASIL

- REPORTAGEM

Além da obra, serão expostos 180 estudos e filmes sobre o trabalho de Portinari. João Candido Portinari, filho do pintor e presidente do Projeto Portinari, expôs, durante coletiva de imprensa realizada em outubro para anúncio oficial da exposição de Guerra e Paz, sua vontade de exibir as obras na capital mineira, mas, até então, não existia um local adequado para acomodar a obra. Segundo João, a relação do pai com Minas Gerais era estreita, já que o artista teve em seu convívio pessoas de renome ligadas ao Estado, como o ex-presidente Juscelino Kubitschek, o arquiteto Oscar Niemeyer e o poeta Carlos Drummond de Andrade. O filho de Portinari lembrou que seu pai não teve chance de ir à sede da Organização das Nações Unidas (ONU) para ver os painéis montados. A obra foi encomendada ao pintor em 195`2, por JK, então presidente da república, para doá-la à ONU. Atendendo ao clamor público e à própria vontade de Portinari, que dedicou Guerra e Paz “à humanidade”, a obra foi exposta no Theatro Municipal do Rio de Janeiro que, em 12 dias, recebeu mais de 40 mil pessoas, no Memorial da América Latina, em São Paulo, reunindo quase 200 mil visitantes e em Brasília. Belo Horizonte será a quarta capital brasileira a receber a obra. Portinari pintando o painel “Guerra” no galpão da TV Tupi. Rio de Janeiro, RJ, nov. 1955

Candido Portinari

Exposição Guerra e Paz, de Portinari no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Dezembro, 2010

Fotos: Projeto Portinari

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Candido Portinari nasceu em 30 de dezembro de 1903, no interior do Estado de São Paulo. Viveu sua infância na cidade de Brodowski e, aos 15 anos, carregando papel e cores, partiu para o Rio de Janeiro para pintar seu país. Considerado um dos mais famosos pintores das Américas, Portinari faleceu prematuramente em 1962, aos 58 anos, em virtude da toxidade das tintas da época. O artista deixou um legado de mais de cinco mil obras murais, afrescos e painéis, pinturas, desenhos e gravuras.

Histórico O Cine Theatro Brasil, prédio histórico de Belo Horizonte, foi cons-

truído em 1932, na Praça Sete de Setembro, com intuito de ser o principal cinema e maior teatro da cidade. Desenhado pelo arquiteto Âgelo Murguel, o edifício está localizado na esquina da Avenida Amazonas com a Rua Carijós. É um dos precursores do concreto armado e traz a fachada em pó-de-pedra, acabamento típico do estilo arquitetônico art déco. Em 2000, após o cinema ser desativado, uma decisão judicial invalidou o tombamento do edifício conduzido pelo Conselho de Patrimônio de Belo Horizonte. Todavia, no mesmo ano, o Cine Brasil foi tombado como bem cultural pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG).

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REPORTAGEM - CINE BRASIL Restauração do Cine Brasil

Um painel com cinco camadas de pinturas do estilo art déco foi encontrado no Cine Brasil e será totalmente restaurado

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A restauração do antigo Cine Theatro Brasil teve início em 2007, um ano depois de a Fundação Sidertube, mantida pela Vallourec & Mannesmann Tubes do Brasil (VMB), ter adquirido o prédio. Desde então, as obras estão modernizando o edifício e preservando todas as características originais. Com um espaço de 8,3 mil metros quadrados e 11 andares, estão sendo construídos uma ampla sala de cinema, com capacidade para mais de mil lugares, um teatro para 200 pessoas e um café-livraria. Uma antiga galeria que ligava a Rua Carijós à Avenida Amazonas será recriada e uma varanda lateral, com vista para ambos os lugares, será destinado a espetáculos especiais. Durante a reforma do prédio, no Grande Teatro, um painel com cinco camadas de pinturas do estilo art déco foi encontrado e será totalmente restaurado. Os investimentos para realização do projeto de revitalização somam R$40 milhões, originados de recursos próprios da VMB e de repasse da Lei Rouanet do Ministério da Cultura (MINC). A iniciativa recebeu ainda apoio das empresas Usiminas, Cemig e Banco Itaú

Fotos: Ane Hinds/ Divulgação Projeto Portinari

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CONTO

A MULHER COM A NOITE SOB A PELE

Por Iara Araújo

A escuridão tomava conta de tudo, impossibilitando-a de enxergar seu caminho. A lua não lhe parecia o suficiente, sua luz prateada era mórbida e macabra naquela noite. Tantas vezes a apreciou e agora a assustava tanto, que ela procurava algum lugar em que seu fulgor não pudesse ser visto. Ela estava com medo, muito, muito medo. Recordou-se, em um rápido instante, de um conto em que uma mulher possuía a lua sob a pele. Na época, ela queria ser esta mulher, ela queria brilhar, queria ser apreciada. Esconder é o que ela fazia agora. Fazia alguns anos que ela não era mais a mesma. Também pudera. Tornara-se sombria demais, tenebrosa demais. Brilhar e ser algo puro lhe parecia inalcançável. As crianças corriam por todos os lados, gritando e sorrindo, felizes com seus doces e sua diversão de Halloween. Ela nada fazia a não ser se esconder atrás de um capuz avermelhado que encontrara caído na trilha. Aquele era um lugar macabro demais para aqueles pequenos humanos estarem correndo por lá, mas aquela era um circunstância diferente, claro. Seus olhos vermelhos sangue se elevaram apenas o suficiente para capturar uma criança andando pela trilha, quase tropeçando, com uma pequena sacolinha, provavelmente cheia de doces. Achou irônico ele estar vestido de lobo mal. Com certeza, muito irônico. Uma risada seca e mortífera escapou de seus lábios rosados. Era uma risada com que ela estava acostumada, era a única que tinha agora. Piscou os olhos lentamente, analisando sua presa. Não sabia se deveria atacar.

Parecia-lhe errado, mesmo sendo o que é agora. Talvez, por ser ainda muito nova, possuía um pouco de humanidade e brio. Mas... não seria por muito tempo. Seu corpo frio e resistente saiu da trilha. Sua pele pálida como a neve não irradiava luz como a mulher do livro, não, ela carregava a noite sob a pele. Ela era a noite, nada além disso. Um pesadelo infantil. Fora reduzida a isso? Os cabelos negros do garotinho flutuaram com o vento enquanto seus olhos extremamente azuis e hipnóticos a encararam profundamente, perfurando a alma que já não possuía. Ela sorriu da melhor forma que conseguiu, não obtendo nada além de um sorriso mórbido e triste. “Para onde vai, garoto? E qual o teu nome?” Sua voz saiu rouca pela falta de uso. Seus lábios costumavam se abrir apenas para soltar risadas irônicas e para se alimentar das almas inocentes. As inocentes e puras eram as melhores, como a daquele garoto, aquele que a encarava profundamente, desconfiado de algo. Mero instinto de sobrevivência, ela sabia. “Estou procurando meu irmão. E me desculpe, moça, mas não posso falar meu nome. Você é uma estranha e minha mãe sempre me ensinou a não falar com estranhos.” Garoto esperto, ela ponderou. Se abaixou, ficando da altura dele, com seus olhos, que ele acreditava serem lentes, o mirando. Havia alguma cumplicidade, algum dó e tristeza naqueles dois rubis. Como se ela estivesse pedindo desculpa pelo que viria a seguir. “Você conhece a história da chapeuzinho vermelho e do lobo mal, certo, garoto?” Ela não queria matá-

lo, mas precisava. Era o único em cuja alma vira algo realmente puro. Nem entre as crianças mais havia alguém igual a ele. Antes era tão mais fácil encontrar uma presa! “Claro que sim, afinal, estou vestido de lobo mal. Você é a chapeuzinho vermelho, certo? Porque você tem olhos vermelhos? A chapeuzinho não tinha olhos vermelhos assim, até onde eu sei.” Garoto curioso. Essa curiosidade lhe poderia ser perigosa. Muito, muito perigosa. Piscou vagarosamente os olhos, sem pressa de responder aquela pergunta. Na verdade, sem nenhuma vontade de responder aquilo. Passou a mão sobre os cabelos de tom chocolate, deixando o capuz cair. Era o que os seres humanos considerariam bela. Mas precisava ser assim, para atrair suas presas. Era um demônio, afinal. Tinha seus disfarces. Aquele garoto correria para bem longe se visse sua verdadeira forma, provavelmente. “O que acha que aconteceria se os papéis se invertessem?” Ela queria saber aquilo, queria saber o que ele pensava daquela situação. O garoto deu um passo para trás, transtornado, percebendo finalmente as intenções daquela estranha que surgiu do meio da floresta e o parou na trilha. Percebeu que era o animal indefeso de frente para a criatura mortífera. Mas em sua mente, claro, não imaginava que se tratava de algum tipo de monstro, mas sim de uma assassina. E ele era a vítima da noite. Ela não esperou por uma resposta. E aquele era o momento em que sua parte de humanidade desapareceu. Era um animal completo agora, um demônio completo

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UMA PALAVRA, LÍNOX Em seu terceiro disco solo, músico traz a originalidade como marca do novo trabalho

Por Diego Duarte

“Perceber e transformar o lixo, o luxo, o bicho homem”. Esse trecho da canção “Crendice”, uma das 11 músicas que compõem o disco Me Gustan Las Posibilidades, do cantor e compositor Carlos Maurício, ou apenas Línox, traduz a essência deste seu novo trabalho: poesia, ritmo, sentimento e, principalmente, a originalidade. Carioca de Petrópolis, o músico de 40 anos está divulgando seu CD por todo o país. Me Gustan Las Posibilidades tem produção de Plínio Profeta e Lancaster e nele o público

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pode conferir diversas particularidades, como o uso de instrumentos nada convencionais - banjo, acordeom, bandolim e o dobro - , atribuindo uma musicalidade diferente dos trabalhos anteriores do cantor. “Acredito que, a cada novo trabalho, você começa a sintetizar tudo o que já foi vivido. Nesse, eu trago certas coisas dos outros discos e de projetos que eu participei que não foram meus diretamente, mas a forma como foi feito foi muito interessante”, ressaltou Línox. Outro ponto curioso desse novo

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disco foi a sua concepção e gravação. Ao contrário das produções tradicionais, em que é possível se fazer um CD em pequenas partes, por exemplo, gravar uma base inicial e depois trocá-la, acrescentar um outro instrumento ou mudar a voz, o Me Gustan Las Posibilidades foi realizado em apenas cinco dias de imersão em estúdio, como explica o músico.“Esse processo foi bacana. Nós pudemos colher as primeiras impressões, realizando um trabalho de envolvimento e intensidade muito grande.

Foto: Diego Duarte

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LÍNOX acrescenta que suas influências musicais vieram basicamente da música brasileira, com artistas e poetas como Arnaldo Antunes, Caetano Veloso e Chico Buarque. Sem se preocupar em ter um estilo definido, com personalidade, Línox deixa o recado: “Nunca me preoucupei com estilo. A minha religião é do bem querer e a minha música é da arte, a serviço do pensamento. Eu procuro falar através da minha música o que é verdadeiro”. Línox começou na música como baterista da banda de Moraes Moreira. Ao lado de Davi Moraes e Zé Ricardo, lançou um LP em 1990, com a banda Fibra. Também já participou de diversas parcerias com artistas como João Donato, Gabriel o Pensador e Michaell Sullivan. Em 2002, ele iniciou sua carreira solo com o lançamento do disco homônimo, em que a turnê se encerrou com um toque todo especial no palco do Rock in Rio Lisboa, em 2004.

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O cantor relembrou com carinho as parcerias, em especial as feitas com aquele que considera ser um grande professor, Moraes Moreira. “Toda parceria é lastro, percusso e experiência. Grandes nomes são todos aqueles que te levam a grandes lugares, às vezes conhecidos ou não. Acredito que o grande barato na época e agora também é que ali havia um respeito mútuo e uma amizade muito grande. Isto ficou e para mim é o mais interessante do que toda a outra história. A parte mais glamorosa não me interessa muito. O que mais me interessa é o tipo de construção dessas parcerias. O Moraes, por exemplo, foi uma pilastra muito importante na minha vida porque ele faz um uso muito rítmico da palavra e acho que isto está muito presente na minha música”, afirma. A arte de Línox, expressa por meio de suas melodias, está à disposição de quem deseja experimentar “nuevas posibilidades”

“A minha religião é do bem querer e a minha música é da arte, a serviço do pensamento”

Quando a gente decidiu fazer o disco, convidamos músicos que nunca tinham tocado as minhas músicas. Fomos apresentando aquelas canções e as primeiras impressões dessas pessoas foram registradas. Foi um pouco à moda antiga, quando você só tinha a possibilidade de gravar em dois canais e foi exatamente o que fizemos. Nós juntamos todo mundo e tudo o que foi gravado e registrado naquele momento acabou ficando para o resultado final. Não refizemos vozes nem intrumentos. Isto acaba trazendo uma vivacidade maior para o disco”, destaca Línox que acredita que se, por um lado, o advento da tecnologia trouxe uma facilidade, por outro, acaba tirando um pouco a proximidade do artista com o disco.

A serviço da palavra Com 26 anos de carreira, Línox e o sentido das palavras se misturam em um só corpo. “Eu costumo dizer que a minha música vem da palavra. Por mais que às vezes eu comece a canção por uma melodia, a palavra é muito definitiva para mim. Nas formas que eu vou escolhendo, a palavra sempre acaba sendo a minha condução forte”, relata Línox, que

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MAIS UMA DOSE DE BARÃO VERMELHO Por Thaynara Tanure

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BARÃO VERMELHO -

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O Barão está de volta para comemorar 30 anos de muito rock n’ roll Anos 80. Diretas Já. Fim da ditadura militar. Fim da censura. Criação da Nova Constituição Brasileira. Em meio a essa cenaa política tão forte, dezenas de bandas se revelavam, am, artistas emergiam a cada dia. Influenciados pelo soul, blues e new wave, com um lado crítico tico aguçadíssimo e uma enorme vontade dee se expressar por meio da arte, diversos músicos icos ganharam destaque com suas canções que ue abordavam a temática social de um jeito irreverente. verente. Foi na efervescência da década ada de 80, mais precisamente em 1981, quando o tudo surgia ao mesmo tempo e o cenário musical sical pipocava de novas atrações, que, em algum lugar do Rio de Janeiro, estavam Cazuza, Frejat, t, Dé, Guto Goffi e Maurício Barros, cinco garotos os que resolveram se juntar pra se divertir e tocarr um rock n’ roll inteligente e que contavam com m uma pitada peculiar - e até mesmo charmosaa - da malandragem carioca. Não demorou muito para quee o som do Barão Vermelho caísse nos ouvidos do o produtor musical Ezequiel Neves. Zeca, totalmente mente encantado pelas letras e músicas dos barões, es, lançou, juntamente com Guto Graça Mello, diretor da Som Livre, o primeiro LP da banda, a, que foi gravado em apenas três dias. Do álbum Barão Vermelho, destacavam-se músicas cas que até hoje são sucesso, como “Bilhetinho nho Azul”, “Ponto Fraco” e “Down em Mim”. im”. Hoje, 30 anos depois e em m meio a um conturbado cenário da música, sica, que mais parece um fast food musical, sical, o Barão Vermelho retorna aos palcos lcos – lugar de onde não deveria ter saído – para uma turnê inesquecível com Rodrigo mais uma dose de muito rock n’ roll. Na estrada, o Ba-rão conta com a seguint e formação: Guto Goffi, Roberto Frejat, Peninha, Rodrigo Santos e Fernando Magalhães, além da participação especial do tecladista Maurício Barros, integrante da formação original do Barão. A turnê comemorativa teve início em outubro e pretende passar pelas principais capitais do Brasil

até março de 2013. O objetivo da tour “+ 1 dose” é celebrar os 30 aanos do lançamento do disco de estreia da banda e levar aos palcos um pouco da história do Barão Barã com hits que marcaram época. estarã presentes pelo menos duas múNos shows, estarão dis sicas de cada disco, com destaque para o primeiro álbum, que contará com 6 faixas. Segundo b Rodrigo Santos, baixista da banda desde 1992, a turn estar na estrada desde marintenção era a turnê perm ço de 2012, permanecendo até março de 2013, neces quando será necessária outra parada devido aos projetos individuais de todos os integrantes. Mas o que seria um ano de turnê se reduziu para 5 meses, pois, no decorrer desse ano, a banda aguardava a d entrada de alguns patrocinadores. A ideia inicialmente era fazer todos os shows gratuitos para o to público, mas, como com os patrocinadores acabaram não comparecendo, comparecendo a tour teve um atraso em seu início. A cada volta da banda, os fiéis seguidores, que história desde o início, ficam na acompanham sua h expectativa de ver a retomada definitiva de sua carreira. A vontade vontad não vem apenas dos fãs: “na verdade, vontade existe, mas, por diferentes motivos individuais, individuais se torna muito difícil. Nunca quis parar o Barão. Ba No meu caso, fui apenas na maré em que qu se apresentavam as decisões. Mas hoje as coisas mudaram e, assim como também tenho de dar os outros integrantes, int necessária aos projetos. a continuidade continui o Barão será uma banPelo que entendi, e da mais comemorativa do que apresentadora novidades. E eu gosto de apresentar novidades”, desabafa Rodrigo Santos. Santo Após cinco anos de pausa, a reA Santos. tomada veio com uma novidade tom que tem causado frisson nos fãs. qu A gravação da música inédita “Sorte e Azar”, última parcer i a de Cazuza e Frejat, que foi encontrada quando a banda digitalizava o áudio do álbum. A canção teve sua base instrumental regravada, mas a voz de Cazuza foi mantida. Para Rodrigo, ouvir a música remixada com a voz original foi um susto positivo. “Pra mim também foi uma surpresa, fiquei como

“Eu nunca quis parar o Barão”.

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um fã também. A banda se emocionou com o achado, a audição, etc. Cazuza canta muito e a canção é muito boa, como tudo que Frejat e Cazuza compuseram juntos”.

Os rumores de que Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, não teria gostado de ser a última a saber da regravação da faixa não foram pra frente. Rodrigo trata essa história com leveza “Eu acho que descobri depois Rodrigo Santos continua o seu voo solo desde dela... (risos)”. Segun2007, quando o Barão decidiu parar. O baixista do ele, Frejat e Lucinha são muito amigos caiu na estrada com seus projetos individuais e bastou uma convere logo se destacou também como cantor. sa para que tudo se Hoje, com 1 DVD solo, 4 CDs, uma agenda de resolvesse. aproximadamente 20 shows por mês, junto com A volta da banda o trio Rodrigo Santos & os Lenhadores, e de traz ainda mais survolta, temporariamente, com o Barão Vermelho, presas, o álbum Barão o baixista não pensa em parar e já tem diversos Vermelho (1982) será projetos para 2013, incluindo parcerias com regravado em CD e viRoberto Menescal e Andy Summers do The nil e ganhará uma ediPolice. ção especial com dois

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bônus no disco: a faixa “Nós” e o segundo take de “Por aí”. A ideia de regravar o álbum vem desde os tempos da formação original da banda. Os integrantes achavam que o áudio ficou comprometido, pois, devido à pressa de ser lançado logo no mercado, o disco foi gravado e mixado em apenas três dias. A comemoração dos 30 anos foi o pretexto que faltava para tê-lo novamente no mercado com um som mais elaborado. Em tempos de crise no mercado fonográfico, quando os CDs estão perdendo espaço, o resgate do material de 1982, juntamente com fotos atuais, era o que faltava para completar a turnê comemorativa. E parafraseando os barões, “Agora o rock and roll vai rolar e é direto”

Foto: Divulgação

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DIRETRIZES PARA A

INCLUSÃO Documento lançado pelo Ministério da Saúde reúne ações que têm como objetivo garantir autonomia, inclusão social e pleno exercício da cidadania para as pessoas com síndrome de Down Por Juliana Pio

Em 1866, o médico pediatra inglês, John Langdon Down, fez a primeira descrição clínica da síndrome que viria a se tornar a alteração genética mais frequente na população humana. Só no Brasil, existem cerca de 300 mil pessoas com síndrome de Down e a incidência em nascidos vivos é de um para cada 600 nascimentos, independentemente de etnia, gênero ou classe social. A expectativa de vida aumentou a partir da segunda metade do século XX devido a progressos na área da saúde. Mas a sociedade ainda precisa se libertar da zona de alienação e se conscientizar da importância de valorizar a diversidade humana e de como é fundamental oferecer equidade de oportunidades para que as pessoas com deficiência exerçam seu direito de conviver em comunidade.

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Foto: Isabela Zoline/arquivo pessoal

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DIRETRIZES DA INCLUSÃO “Eu não queria ter um filho assim, você queria?”Foi com essa frase que, há dois anos, Ângela Lara e o marido, Marco Túlio Lara, guitarrista da banda Jota Quest, receberam de um profissional a notícia de que estavam esperando um filho com síndrome de Down. Casos como esse são comuns na sociedade brasileira, marcada pela falta de informação, maior responsável pela insegurança, medo e origem dos mitos e preconceitos. “Em princípio, foi muito difícil receber a notícia por causa da falta de convivência, informação e conhecimento. Além disso, a gente também se depara com profissionais da saúde não tão capacitados para lidar com esse tipo de situação”, ressalta Ângela. Para colocar ponto final a essa dura realidade que aflige milhares de brasileiros, o Ministério da Saúde lançou o Manual de Diretrizes de Atenção à Saúde da Pessoa com Síndrome de Down. Ao contrário do que muitos pensam, a síndrome de Down (SD) não é uma doença e sim um comprometimento genético. Durante o desenvolvimento das células do embrião, são formados 47 cromossomos em vez de 46, que é o habitual. Essa

“Em princípio, foi muito difícil receber a notícia, por causa da falta de convivência, informação e conhecimento. Além disso, a gente também se depara com profissionais da saúde não tão capacitados para lidar com esse tipo de situação” Foto: Ricardo Muniz/arquivo pessoal

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REPORTAGEM

alteração ocorre no par de cromossomos 21, daí o outro nome pelo qual é conhecida, Trissomia do 21. Elaborado ao longo de cinco meses com a colaboração de entidades sociais e especialistas, o manual fornece orientações às equipes multiprofissionais para o cuidado à saúde da pessoa com SD, nos diferentes pontos de atenção da rede de serviço ao longo do seu ciclo de vida. A proposta do documento é qualificar e humanizar o atendimento desde os primeiros dias de vida do paciente, alertando sobre as patologias que têm maior prevalência e os principais cuidados para garantir o desenvolvimento saudável da criança. É possível encontrar informações que ajudam na identificação das características físicas da SD, como, entre outros, pregas palpebrais oblíquas para cima, base nasal plana, face aplanada, protusão língual e cabelo fino. Essas informações são importantes, uma vez que a presença isolada de uma característica listada no documento não confirma o diagnóstico. Em caso de dúvida, é necessário solicitar a avaliação de outros profissionais, exames comple-

Ângela Lara com o filho caçula, que tem síndrome de Down

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REPORTAGEM - DIRETRIZES DA INCLUSÃO Ângela e Marco Túlio Lara com os filhos

mentares e encaminhar o caso a um especialista em genética clínica.“Nós descobrimos no sexto mês de gravidez, por meio de um ultrassom, que revelou um problema no coração, comum em bebês com SD. O médico indicou o exame de amniocentese, o resultado foi positivo e a cirurgia cardíaca foi marcada para depois do nascimento”, lembra Ângela. O Ministério da Saúde recomenda, no documento, que o exame ecocardiograma seja solicitado, tendo em vista que 50% das crianças com SD apresentam cardiopatias. Segundo Marco Túlio, o foco do casal mudou repentinamente. “Se, num primeiro momento, a descoberta da síndrome foi um susto, logo em seguida, nós já estávamos preocupados com uma cirurgia de altíssimo risco a que ele iria se submeter”, revela.

Para que a família sinta segurança e compreenda a necessidade dos exames e dos procedimentos solicitados, o manual fornece recomendações sobre, por exemplo, como dar a notícia à família de forma humanizada e ética, tirando dúvidas, incertezas e inseguranças com relação à saúde da criança. Há orientações sobre o diagnóstico clínico e os exames necessários em cada fase de crescimento da criança: de zero a dois anos; de dois a 10 anos; de 10 a 19 anos e do adulto e do idoso. Também é aconselhada, nos dois primeiros anos de vida, a realização do hemograma para afastar a possibilidade de alterações hematológicas como policitemia (caracterizada pela alta taxa de glóbulos vermelhos no sangue), além de exames de leucemia e da função tireoideana.

“Se, num primeiro momento, a descoberta da síndrome foi um susto, logo em seguida, nós já estávamos preocupados com uma cirurgia de altíssimo risco a que ele iria se submeter”.

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Foto: Ricardo Muniz/arquivo pessoal

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DIRETRIZES DA INCLUSÃO De acordo com o ministro da saúde, Alexandre Padilha, em discurso durante o evento de lançamento do material, no Rio de Janeiro, as diretrizes têm como propósito mobilizar esforços para romper qualquer limite que a sociedade impõe às pessoas com necessidades especiais. “É como se fosse um protocolo, um manual para que os profissionais da saúde saibam como diagnosticar, lidar e acompanhar”, explicou o ministro. Baseada nas diretrizes, foi criada uma versão simplificada, denominada Cuidados de Saúde às Pessoas com Síndrome de Down, elaborada em parceria com jovens que têm SD a fim de desenvolver um material acessível, com figuras e linguagem simples e direta. Coordenada pelo Ministério da Saúde, a elaboração das diretrizes contou com apoio de especialistas e entidades sociais como a Associação Movimento de Ação e Inovação Social, o Movimento Down, o Observatório de Favelas e a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down. O tema foi discutido durante cerca de um ano para que pudessem ser traçadas as linhas dessa proposta, que tem como objetivo garantir autonomia, inclusão social e pleno exercício da cidadania a toda pessoa com SD.

ACESSIBILIDADE Lançados em setembro deste ano, o manual e a cartilha estão disponíveis apenas para download no site do Ministério da Saúde. Ainda não foram distribuídos para órgãos públicos e privados exemplares impressos, o que dificulta a difusão da informação. Embora a SD seja um assunto em destaque nas discussões de comunidades científicas, os conhecimentos sobre essa alteração genética, muitas vezes, não chegam de forma apropriada aos profissionais de saúde e de ensino e à população. A Ponto e Vírgula procurou a coordenadora da Área Técnica de Saúde da Pessoa com Deficiência do Ministério da Saúde, Vera Lúcia Mendes, para explicar o motivo pelo qual ainda não houve ampla divulgação do material, uma vez que o acesso às plataformas digitais ainda é restrito no Brasil. Mas a coordenadora não

REPORTAGEM

respondeu aos e-mails, nem retornou as ligações. A psicóloga e mãe de uma pessoa com deficiências múltiplas, Denise Martins, só ficou sabendo das diretrizes porque trabalha diariamente com políticas públicas para as pessoas com deficiência. Contudo, ela reconhece a falta de mobilização do governo em relação à divulgação do documento. “É uma pena, pois o material, além de direcionar o encaminhamento mais adequado para as ações dos profissionais da saúde, pode contribuir na redução do preconceito, porque transmite informações com credibilidade para a população”, lamenta. Para a psicóloga, pais e familiares serão os maiores beneficiados. “O documento foi elaborado por um grupo de profissionais com reconhecimento nacional. Por se tratar de diretrizes que implicam ações integralizadas, dentro da educação e da saúde, por exemplo, os pais tem a possibilidade de acompanhar o que pode ser feito para o melhor desenvolvimento dos filhos, quais são as ferramentas oferecidas pelo poder público e o que está sendo direcionado como métodos para os profissionais lidarem com as políticas públicas”. Denise é otimista com relação ao trabalho do governo. “A sociedade está percebendo as potencialidades das pessoas com deficiência, por isso o nível de aceitação aumento e o preconceito tem sido quebrado ao longo dos anos”, salienta a psicóloga, que tamém reconhece a existênciade dificuldades que impedem melhorias. “Faltam políticas públicas que realmente garantam o desenvolvimento das pessoas com SD. Nem todos têm acesso aos serviços médicos e a maioria ainda não consegue encontrar mprego. Em síntese, falta boa vontadede reconhecer as pessoas com SD como cidadãos completos, que têm direitos e deveres, para que estes ocupem seu espaço na sociedade”.

Baseada nas diretrizes foi criada uma versão simplificada, denominada Cuidados de Saúde às Pessoas com Síndrome de Down, elaborada em parceria com jovens que têm SD a fim de desenvolver um material acessível, com figuras e linguagem simples e direta. Revista Ponto & Vírgula — fevereiro de 2013

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REPORTAGEM - DIRETRIZES DA INCLUSÃO DESDESAFIOS Recentemente, o Brasil ficou conhecendo a primeira estudante com síndrome de Down (SD) a se matricular em um curso de direito. A mineira Aline Hélio Figueiredo Terrinha, 25 anos, que trabalha como caixa de supermercado, é a 21ª pessoa do país e a primeira em Minas Gerais a se matricular em uma faculdade. Esperança para muitos jovens com a síndrome que passam por dificuldades de inclusão no ensino básico. De acordo com o psicólogo Edmar Castro, a maioria das escolas comuns apresenta defasagens que impendem o desenvolvimento dos jovens com SD. “Algumas instituições não estão preparadas para receber o aluno, que acaba sendo transferido para a escola especial sem sequer saber ler”, conta. Ele explica que os problemas mais comuns são a falta de professores capacitados, adaptação da estrutura física e proposta pedagógica. “Uma boa escola precisa atender às necessidades do estudante e agir em conjunto com a família”. O psicólogo ressalta que as maiores dificuldades enfrentadas pelas pessoas com SD ainda são o preconceito e a falta de oportunidades. “Muitos jovens terminam os estudos escolares e ficam com a vida estagnada, pois não existe, por exemplo, um centro de convivência com atividades diferenciadas que ampliem as potencialidades individuais. Por isso, o papel da família é fundamental no desenvolvimento dessas pessoas”, garante. É o caso da professora Luzia Zoline que sempre incentivou sua filha, Isabela Zoline, de 26 anos a começar com a fundação, ao lado de outras mães, há 25 anos, da Família Down, associação filantrópica sem fins lucrativos que oferece apoio às famílias de pessoas com SD. “Nós acolhemos afetivamente as pessoas e as encaminhamos para os parceiros, que podem ser médicos, psicólogos, escolas ou clínicas e hospitais. Também orientamos as mães e levamos questões pertinentes para serem discutidas junto ao Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência”. Para a professora, o mercado está carente de profissionais inte-

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ressados e as informações não são transmitidas claramente para a população, que vive em função dos mitos. Contudo, o principal problema ainda é a deficiência na educação. “Minha filha já passou por seis escolas comuns e duas especiais. Na maioria dos casos, os diretores argumentam que a instituição não tem estrutura para receber uma pessoa com SD”, revela a professora.

Luzia Zoline com a filha Isabela, de 26 anos

Foto: Luzia Zoline/arquivo pessoal

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DIRETRIZES DA INCLUSÃO -

REPORTAGEM

“O governo precisa assumir a responsabilidade e incentivar mais. Muitas mães que me procuram estão cansadas de receber porta na cara e acabam desistindo de lutar pelos direitos do filho”

Atualmente, Isabela Zoline faz dança aeróbica, mas a jovem já fez aulas de danças do ventre e flamenca, teatro e natação. “E quem proporcionou tudo isso para ela fui eu”, salienta Luzia, que concorda com as palavras do psicólogo Edmar Castro, quando o assunto é oportunidade. “O governo precisa assumir a responsabilidade e incentivar mais. Muitas mães que me procuram estão cansadas de receber porta na cara e acabam desistindo de lutar pelos direitos do filho”. Por outro lado, Luzia conta que algumas mães têm uma rotina intensa. “Atravessam cidades em transporte coletivo várias vezes ao dia, às vezes com criança no colo ou na cadeira de rodas, subindo e descendo morro até o ponto de ônibus, só para ajudar o filho e não tem, sequer, acesso ao passe livre, que garante transporte interestadual às pessoas portadoras de deficiência”, conta. Embora previsto na Lei nº 8.899/94, o passe livre é restrito às pessoas com renda familiar mensal igual ou inferior a um salário mínimo nacional e não dá direito à gratuidade para o acompanhante, o que gera certa desmotivação por parte dos familiares. Outra questão que tem sido tema de discussões e debates é o Benefício de Prestação Continuada (BPC-LOAS), cuja operacionalização do reconhecimento do direito é do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e assegurado por lei, que permite o acesso de idosos e pessoas com deficiência às condições mínimas de uma vida digna. Segundo o site da Previdência Social, para receber o benefício, a família deve comprovar que a renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mí-

Embora previsto na Lei nº 8.899/94, o passe livre é restrito às pessoas com renda familiar mensal igual ou inferior a um salário mínimo nacional e não dá direito à gratuidade para o acompanhante, o que gera certa desmotivação por parte dos familiares.

nimo. O benefício deixará de ser pago quando houver superação das condições que deram origem à concessão ou por falecimento.“Com essas restrições, as mães e as pessoas com SD estão preferindo trabalhar na informalidade para não perder o benefício. É preciso acabar com a limitação de salário”, esclarece a professora. Assim como outras associações filantrópicas, a Família Down tem dificuldades de se manter. “Quase tudo o que existe em Belo Horizonte são iniciativas nossas. Temos a responsabilidade de fazer um trabalho legal para que o Down se torne independente. Se tivéssemos o apoio direto do governo, tudo seria mais fácil”, declara Luzia Zoline, que vê esperanças de melhorias caso haja uma ampla divulgação do Manual de Diretrizes de Atenção à Saúde da Pessoa com Síndrome de Down.

EXEMPLO Assim como Luzia Zoline, a psicóloga e pedagoga carioca Suely Viola não mede esforços para ajudar o desenvolvimento do filho, Breno Viola. Aos 31 anos, ele foi o primeiro judoca com SD a ter faixa preta nas Américas. Acostumado aos desafios e a superá-los, Breno alcançou também o segundo Dan do esporte, sendo o primeiro do mundo a atingir esse grau. O rapaz, que foi bicampeão Europeu e conquistou o 4º lugar na Especial Olimpics, os jogos olímpicos para pessoas com deficiência intelectuais, realizado em 2011, na Grécia, também coleciona medalhas de natação e pratica uma série de outros esportes. Sempre em busca de novas conquistas, Breno ainda dedica parte do seu tempo à carreira de ator, ao site para o qual escreve e ao Movimento Down, em que participa como integrante do Conselho Editorial Acessível.

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REPORTAGEM - DIRETRIZES DA INCLUSÃO “Famílias que têm certo conhecimento pesquisam na Internet, viajam em busca de novos tratamentos, gastam muito dinheiro em clínicas e estão sempre trocando experiências. Mas e as que são carentes de qualquer tipo de recurso?”

Suely Viola e o filho Breno, de 31 anos

“Quando o Breno nasceu, me disseram que ele viveria até os 12 anos. Não havia informação suficiente para os profissionais da saúde e, muito menos, para os familiares. Como eu já havia trabalhado com crianças com deficiência, tinha um conhecimento prévio que me permitiu investir no desenvolvimento do Breno; ao contrário de outros pais, menos instruídos, que acabaram desistindo de procurar ajudar, por não saberem o que fazer”, conta Suely. Com relação ao Manual de Diretrizes de Atenção a Saúde da Pessoa com Síndrome de Down, que contou com a colaboração do filho, a psicóloga acredita que é um material importante, que pode contribuir para tornar os serviços mais acessíveis. “O envolvimento do Breno começou cerca de quatro anos, na Convenção da ONU, em São Paulo. Ele dizia que gostava das palestras e discussões, mas que gostaria que as pessoas falassem de uma maneira mais simples para que ele pudesse entender melhor os assuntos. A partir daí, ele foi

desenvolvendo essa preocupação com as pessoas com SD e com a diferença”, lembra. Embora acredite no potencial do material, ela acha que o governo ainda precisa promover outras ações, como a especialização de profissionais e instituições de saúde, para que os pais sejam bem orientados desde a época da gravidez. “Famílias que têm certo conhecimento pesquisam na Internet, viajam em busca de novos tratamentos, gastam muito em clínicas e estão sempre trocando experiências. Mas e as que são carentes de qualquer tipo de recurso?”, questiona Suely.

“Muitos pais me procuram para dizer que querem que o filho seja igual aos Breno. Eu afirmo que ele será melhor se tiver oportunidades na vida. É preciso estimular o desenvolvimento dos filhos e ter paciência que eles vão aprender na hora deles”.

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DIRETRIZES DA INCLUSÃO - REPORTAGEM EDITORIA Na visão da pedagoga, hoje os bebês com SD se desenvolvem com mais facilidade. Existem referências e pessoas com o potencial iguais ao do Breno que estimulam as famílias. “Muitos pais me procuram para dizer que querem que o filho seja igual ao Breno. Eu afirmo que ele será melhor se tiver oportunidades na vida. É preciso estimular o desenvolvimento dos filhos e ter paciência, que eles vão aprender na hora deles”. Nesse contexto, o papel da família é fundamental, uma vez que a questão do estereótipo ainda é um problema na sociedade. “O Breno já sofreu preconceito, mas eu lhe ensinei ignorar. Hoje, as pessoas o acham formidável, porque ele se comunica muito bem, inclusive em outras línguas, namora, trabalha e conseguiu alcançar a autonomia dele. Mas isso foi um trabalho de muito empenho e insistência de toda a família, que estimulou o desenvolvimento e a autoestima dele desde a infância, para que ele conseguisse realizar todos os sonhos”, garante a psicóloga. Bastante satisfeito de trabalhar na produção de informação acessível para as pessoas com SD, Breno conta que é uma tarefa difícil, mas muito gratificante. “Aprendi muitas coisas com a cartilha. Agora sei o que é cromossomo, as características das pessoas com síndrome de Down e também sei sobre saúde. Jovens e adultos podem falar sobre si próprios e é muito importante conhecer o próprio corpo”. Para Breno, as pessoas com deficiência intelectual precisam de textos mais acessíveis para entender melhor o tema. “Meu trabalho é ler textos, estudar com a equipe e reduzilos, para facilitar a compreensão. As pessoas com SD têm que entender melhor a deficiência. Faltam informações sobre a síndrome e muitos profissionais não têm interesse em trabalhar com esse tema”, afirma. Na opinião do ator, a sociedade precisa compreender que as pessoas com deficiência têm potencialidades que podem ser desenvolvidas, lição esta que tira do filme Colegas, do qual foi protagonista ao lado dos amigos Ariel Goldenberg e Rita Pokk, que também têm SD. “Antigamente, éramos tratados como coitadinhos e não somos nada disso. Com o filme mostramos, por exemplo, que podemos ser atores natos”, revela.

“O Breno já sofreu preconceito, mas eu lhe ensinei ignorar. Hoje, as pessoas o acham formidável, porque ele se comunica muito bem, inclusive em outras línguas, namora, trabalha e tem total autonomia”.

COLEGAS Dirigido por Marcelo Galvão, o filme Colegas é uma comédia que narra as aventuras de três jovens personagens com síndrome de Dow (SD) que, inspirados pelo filme Thelma & Louise, resolvem fugir em busca de seus sonhos. Com previsão de estreia no circuito comercial para o dia 1ª de março de 2013, o longa-metragem foi filmado na região de Paulínia, São Paulo, sul do Brasil e Argentina. O elenco também é composto por nomes de peso como Lima Duarte, Leonardo Miggiorin, Marco Luque, Juliana Didone, Christiano Cochrane, Daniele Valente, Otavio Mesquita, Germano Pereira, Nill Marcondes, Thogun, além de contar com mais 60 jovens com SD no elenco de apoio. Breno conta que não foi difícil interpretar o personagem, uma vez que já havia trabalhado como ator em outras ocasiões. Ele acredita que o filme pode contribuir para mudar a visão preconceituosa que muitas pessoas têm com relação à SD. “Primeiro, a sociedade tem que nos aceitar, não basta apenas a gente procurar se incluir. Dessa maneira, o preconceito e a discriminação vão diminuir e todos serão mais felizes”. O filme venceu diferentes prêmios pelos locais onde foi exibido e, recentemente, conquistou o título de Melhor Filme no festival de cinema “International Disability Film Festival Breaking Down Barriers” em Moscou (Rússia) e o prêmio de Melhor Filme (júri popular) no Festival del Cinema Latino Americano di Trieste (Itália). Além disso, foi exibido no Red Rock Film Festival (Utah, EUA), em novembro. No Brasil, conquistou o prêmio de Melhor Longa-Metragem Brasileiro no Festival de Gramado 2012 e de Melhor Filme Brasileiro e Troféu Juventude – ambos eleitos pelo público da 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. No cenário não-competitivo, o longa-metragem foi aclamado no Amazonas Film Festival e no Festival do Rio. Para Breno Viola, o longa-metragem representa mais uma conquista entre outras que estão por vir. “Estou fazendo curso para terceiro Dan e sou árbitro estagiário. Também pretendo seguir carreira artística, fazer novela, seriado e teatro. Tudo que vier vou fazer. Parte da minha missão eu já conquistei. Agora é hora de outras pessoas com síndrome de Down conquistarem também”. É o que vem acontecendo com Theo, filho de

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REPORTAGEM - DIRETRIZES DA INCLUSÃO Ângela e Marco Túlio Lara. Aos dois anos de idade, ele tem uma rotina intensa que se resume em fisioterapia uma vez por mês, fonoaudiologia e terapia ocupacional duas vezes por semana, natação e equoterapia (método científico aplicado - por meio da utilização do cavalo - como terapia na saúde e na educação), que é a atividade preferida do garoto. “Ele é alucinado com cavalo, de modo que o olho chega até a brilhar”, revela Ângela, que pretende, ao lado do marido, desenvolver ao máximo todo o potencial do filho. Ela conta que obteve conhecimento a partir de pesquisa, experiência própria e troca de informações com outras mães. “A situação vai ficando mais confortável, por isso é preciso aceitar todas as fases, a da rejeição, de adaptação e de acomodação, que é a mais prazerosa, e não ter vergonha dos sentimentos. Isso nos fortalece para que, depois, possamos enfrentar cada etapa com peito erguido”, garante Ângela. Para Marco Túlio, entrar em contato com o universo Down trouxe para a família amadurecimento, tranquilidade e paz. “Analisando idosos que têm a síndrome, eu percebo as possibilidades da geração do Theo. O potencial de desenvolvimento e autonomia deles pode ser muito maior, devido ao atual estilo de vida e aos avanços científicos e tecnológicos”. O músico acredita que a síndrome de Down é um assunto que, quanto mais presente e desmitificado for, melhor para a sociedade. “Porque, na prática, o que eu vivo com o Theo é uma situação absolutamente normal com cuidados que todo filho deve ter. Assim como qualquer outro indivíduo, ele também tem suas características e particularidades”, explica Marco Túlio, que ainda aconselha: “É preciso dar tempo ao tempo, d

“Parte da minha missão, eu já conquistei. Agora é hora de outras pessoas com síndrome de Down conquistarem também”. Breno Viola

Cena do filme Colegas, com o ator Breno Viola

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Fotos: Colegas/divulgação

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DR. ZAN MUSTACCHI

- ENTREVISTA

PALAVRA DE ESPECIALISTA É consenso para as equipes que atuam no cuidado das pessoas com síndrome de Down (SD) que todo investimento em saúde, educação e inclusão social resulta em uma melhor qualidade de vida e autonomia. O aumento da sobrevida e do entendimento das potencialidades das pessoas com deficiência levou à elaboração de diferentes programas educacionais, com vista à escolarização, ao futuro profissional, à autonomia e à qualidade de vida. Não existe cura para a SD, mas vale ressaltar que existe tratamento e que este é fundamental no desenvolvimento do indivíduo. A sociedade está em constante preparação para receber pessoas com SD e existem relatos de experiências muito bem-sucedidas de inclusão, como o caso do ator Breno Viola. Mas a estrada é longa e ainda são muitos os obstáculos encontrados no caminho. Acabar com os mitos e fornecer informações com credibilidade para a população é questão de urgência. A revista Ponto e Vírgula ouviu o médico, pediatra e geneticista, referência em Síndrome de Down no país, Dr. Zan Mustacchhi, não apenas pelo vasto currículo, mas também pelos 35 anos de experiência no atendimento às pessoas com deficiência. Formado pela Faculdade de Bandeirantes de Medicina, em 1977, o professor e doutor ZanMustacchi, atualmente, é presidente do Departamento Científico de Genética da Sociedade de Pediatria de São Paulo, membro da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD) e responsável pelo Ambulatório de Genética do Hospital Estadual Infantil Darcy Vargas (HEIDV), em São Paulo.

Ponto e Vírgula: O que é a síndrome de Down e quando ela ocorre? É um comprometimento genético. Não está vinculado à consaguinidade, isto é, a laços de parentesco entre os pais. Intimamente ligada a um excesso de material cromossômico, tem nítida relação com a idade dos pais. Quanto mais idosos eles forem, maior é a probabilidade de gerarem um filho com essa síndrome, que vem necessariamente associada a um comprometimento intelectual e a uma hipotonia, a redução do tônus muscular.

Quantas são as pessoas com síndrome de Down no Brasil? Um levantamento, feito em 1985, calculou que no país havia 300 mil pessoas com síndrome de Down.

Foto: Agência Assêmbleia SP

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Dr. Zan Mustacchi atende pessoas com síndrome de Down há 35 anos

De lá pra cá, não foi realizada nenhuma contagem ou estatística que envolve a proporção de nascidos vivos por idade materna.

O número tem aumentado? Com certeza. O motivo é o índice de prolificidade, que significa quantas pessoas dão à luz e em que faixa etária, que variou muito nas últimas duas décadas. As pessoas estão tendo filho em dois momentos claramente definidos, mais tarde ou muito mais cedo. Então nós temos muitos adolescentes engravidando e muita gente entre os 35 e 40 anos tendo filho. É essa alteração de índice de prolificidade que justifica o aumento da incidência da população com síndrome de Down.

É possível fazer o diagnóstico antes de o bebê nascer? Sim. O diagnóstico pode ser feito em vários momentos, até mesmo antes de o embrião ser inserido no útero, por fertilização, ou seja, uma alternativa pré-implantacional. Fecunda-se o espermatozoide e o óvulo no laboratório e, na hora em que o embrião estiver entre a sétima e oitava divisão celular, o profissional coleta uma das células, que não irá atrapalhar no desenvolvimento desse embrião, e conta quantos

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ENTREVISTA - DR. ZAN MUSTACCHI são os cromossomos. Outra alternativa, já na barriga da mãe, é fazer um estudo da pulsão de vilo corial, habitualmente antes das doze semanas de gestação, entre a oitava e décima segunda semana. Ou então, o estudo do líquido aminiótico, que, na verdade, é o estudo citogenético das células de descamação do corpo do embrião do feto que estão sobrenadantes no líquido que envolve o bebê. A amniocentese, como é conhecida, diferentemente do vilo corial, é feita depois das doze semanas.

Algumas famílias só descobrem depois do nascimento. Por quê? O diagnóstico pré-natal pode ser feito como sugestivo de, com diagnóstico de imagem e não significa o estudo citogenético, portanto, não é nem pulsão de vilo corial nem pulsão de líquido aminiótico. Dessa forma, os cromossomos não serão estudados. O diagnóstico feito por imagem é uma fotografia das sombras traduzidas pela tecnologia das ultrassonografias. Essas sombras têm modelos que permitem um diagnóstico não preciso, ou seja, permitem uma sugestão de risco aumentado. Com isso, o profissional consegue ter uma margem de segurança que varia de 30 a 60%, dependendo da tecnologia, da máquina e do indivíduo que está realizando os exames.

Como as famílias reagem e devem se preparar diante da notícia? Essa é uma pergunta que eu vou responder com um aspecto crítico. Vocês certamente já viram jornalistas perguntarem para uma pessoa que acabou de perder um filho num assassinato o que ela está sentido. É uma pergunta de desrespeito à humanidade e a integridade emocional do indivíduo. Uma pessoa que tem um filho inesperado

A síndrome de Down é um comprometimento genético. Não está vinculada à consaguinidade, isto é, a laços de parentesco entre os pais. Está intimamente ligada a um excesso de material cromossômico e tem nítida relação com a idade dos pais. está emocionalmente abalada e qualquer resposta que ela der naquele momento não é uma resposta racional, é uma reposta exclusivamente emocional e, por isso, tem que ser aberto um leque de traduções. Sem dúvida nenhuma, a pessoa perde o piso, tem uma sensação de perda muito grande, porque ela não sabe quem é o filho que ela recebeu. É a famosa história: eu pego um avião e vou viajar para a Alemanha, mas o avião desce no Japão. Eu viajei? Viajei. Conheci outro país? Conheci. É um país de primeiro mundo? Também é. Mas eu chego lá e não consigo ler nenhuma informação, é algo completamente fora dos padrões de que eu esperava. Esse é o modelo pelo qual os pais se encontram quando recebem uma informação que o filho tem síndrome de Down. E aí vem: quando eu morrer, o que vai acontecer com meu filho? Esse é um grande problema. Como é que vai ser o desenvolvimento do meu filho? Esse é o outro problema. Como é que vai ser a questão social? Aceitarão meu filho na escola, na vida, nas atividades, no amor, no trabalho, no prazer, na família? Todo esse contexto aflora como se fosse uma explosão de perguntas agudas. É assim que eles se sentem.

“Sem dúvida nenhuma, a pessoa perde o piso, tem uma sensação de perda muito grande, porque ela não sabe quem é o filho que ela recebeu. É a famosa história: eu pego um avião e vou viajar para a Alemanha, mas o avião desce no Japão. Eu viajei? Viajei. Conheci outro país? Conheci. É um país de primeiro mundo? Também é. Mas eu chego lá e não consigo ler nenhuma informação, é algo completamente fora dos padrões que eu esperava”. 86

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DR. ZAN MUSTACCHI O que fazer quando o diagnóstico é definido? Primeiro é tranquilizar os familiares dizendo que é uma pessoa que tem potenciais de capacitação. E que é uma criança como qualquer outra, que virá a ter cuidados adequados, vai mamar,crescer e terá que fazer exames específicos. As pessoas com síndrome de Down podem ter cardiopatia? Claro. Uma pessoa comum também pode ter cardiopatia. Agora, esses eventos de cardiopatia, de efeitos digestivos, de problemas respiratórios, e uma pequena série de outros problemas que também acontecem na população comum, na população com síndrome de Down, são mais frequentes. É por isso que nós elaboramos as diretrizes, para que haja um consenso da atenção e uma maneira de conciliar essa atenção nacionalmente para todas as pessoas com a síndrome de forma uniforme. A mesma língua deve ser falada por todos os profissionais, escolas e famílias.

É preciso acompanhamento médico durante toda a vida? Claro. Como qualquer pessoa tem que fazer acompanhamento médico durante a vida inteira. Por exemplo, é preciso ir ao dentista pelo menos duas vezes por ano, mas o brasileiro não faz isso. Quando vai, vai apenas uma vez. Já oftalmologista é preciso ir pelo menos uma vez por ano, mas as pessoas não vão, preferem esperar ficar um pouco mais velhas e dizer que “o braço ficou curto” e só aí procuram um profissional.

Existem graus diferentes de síndrome de Down?

- ENTREVISTA

“Já ouviu falar em olho por olho dente por dente? Uma pessoa Down, não é olho por olho nem dente por dente, ela é olho, pelos seus dois olhos, e dente, pela dentadura inteira. Se você for carinhoso com ela, ela te beija e abraça. Se você olhar feio ela te dá pontapé”.

A resposta mais honesta para essa pergunta é: Qual é o seu grau? Se você tem algum grau de desenvolvimento, então eu também vou ter um grau, meu vizinho vai ter outro e um Down também terá grau. Enquanto nos não tivermos graus, Down também não tem grau. Mas nós somos diferentes. Porque uma pessoa é jornalista e outra é médico? Porque elas tiveram oportunidades diferentes, não é habilitação nem dom. Um Down que teve mais oportunidades será melhor do que um que teve menos oportunidades. Hoje, nós temos uma noção boa de que uma pessoa leiga, sem formação educacional, conseguiu ser presidente da república. Duas vezes ainda. Por quê? Por questões de oportunidades, não foi capacitação primária. Ele se capacitou durante a presidência. Mas ele não era capaz para ser presidente. Ele teve oportunidade, conseguiu segurá-la e se tornou presidente da república. E se candidatar de novo ganha, porque ele sabe aproveitar as oportunidades que ele tem. Essa é a ideia. Nós somos pessoas diferentes entre nós e Down também é diferente entre si, e tem melhor desenvolvimento de acordo com a oportunidade que ele teve, de saúde, educação, nutrição, higiene e inclusão social.

Nós somos pessoas diferentes entre nós e Down também é diferente entre si e tem melhor desenvolvimento de acordo com a oportunidade que ele teve, de saúde, educação, nutrição, higiene e inclusão social.

Existe algum comportamento característico da síndrome Down? A forma que a gente poderia afirmar em termos de comportamento é que eles têm uma característica. Já ouviu falar em olho por olho, dente por dente? Uma pessoa Down não é olho por olho nem den-

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ENTREVISTA - DR. ZAN MUSTACCHI te por dente, ela é olho pelos seus dois olhos e dente pela dentadura inteira. Se você for carinhoso com ela, ela te beija e abraça. Se você olhar feio, ela te dá pontapé. Então ela tem esse oito ou oitenta.

É possível uma pessoa ter síndrome de Down e não apresentar nenhuma característica física? Sim. Existem dois extremos. Há pessoas que têm manifestações clínicas exuberantes, que você não consegue detectar no cariótipo a presença da trissomia do material do cromosso 21. Nesse caso, elas não apresentam nenhum comprometimento intelectual. E pessoas que, clinicamente, você não consegue definir nada, mas os sinais clínicos menos exuberantes podem estar presentes e, a partir do cariótipo, é possível encontrar a alteração genética. As duas extremidades são raríssimas. Você pode ter um Down que não tem tanto sinal clínico, mas 99,9% deles expressam manifestações clínicas.

Existe cura ou tratamento para Síndrome de Down? Não existe cura até o momento. Mas existem muitas melhorias.

Qualquer pessoa pode ter um filho com Síndrome de Down? Qualquer pessoa. Todos têm o direito de.

Qual é a atual expectativa de vida das pessoas com síndrome de Down? A perspectiva de vida de uma pessoa com síndrome de Down atualmente é de 60 a 70 anos no Brasil.

Quais são os maiores desafios para as pessoas com síndrome de Down? O maior desafio da pessoa com síndrome de Down ainda é a sociedade, ou seja, a aceitação social.

“A perspectiva de vida de uma pessoa com síndrome de Down atualmente é de 60 a 70 anos no Brasil”. 88

Quando eu vejo uma mulher, eu não falo para ela que a acho bonita e gostosa. Eu posso até pensar dessa forma, mas eu não falo, porque eu tenho minhas predeterminações sociais e culturais que me prepararam para eu não fazer isso. O indivíduo com síndrome de Down olha e fala. Então se ele fala que acha fulana bonita e gostosa, ele é tarado? Mentira. Todo homem faz a mesma coisa. As pessoas julgam que eles têm uma vida sexual exacerbada. É verdade? Não. Eles não têm exacerbação sexual e sim uma tradução da vontade sexual sem nenhum preconceito ou inibição social. Quando eu vejo uma mulher, eu não falo para ela que a acho bonita e gostosa. Eu posso até pensar dessa forma, mas eu não falo, porque eu tenho minhas predeterminações sociais e culturais que me prepararam para eu não fazer isso. O indivíduo com síndrome de Down olha e fala. Então se ele fala que acha fulana bonita e gostosa, ele é tarado? Mentira. Todo homem faz a mesma coisa. As mulheres, por exemplo, quando veem um homem bonito, uma cutuca a outra para comentar, mas não falam para ele o que estão pensando, porque elas têm cultura e inibição social. A mulher com Down fala. Então ela é tarada? Não, ela simplesmente está falando tudo o que ela pensa e que qualquer mulher também pensa. Então eles serão entendidos como tarados ou com exacerbação sexual e eu não, eu sou bonzinho. Isso é mentira, né.

O senhor acha que faltam profissionais capacitados? Não acho. Tenho certeza, tanto assim que nós fizemos o primeiro e único curso de pósgraduação em síndrome de Down, em São Paulo e em Brasília. Sempre temos turmas boas. Mas

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DR. ZAN MUSTACCHI

- ENTREVISTA

“Lamentavelmente a inclusão ainda está longe de ser uma realidade, justamente porque os nossos dirigentes e nossa jurisdição ainda não assumiram papel de respeitar o cidadão e a cidadania. Isso tem que começar por eles” faltam profissionais simplesmente pela falta de interesse.

Como o senhor vê a questão da educação no Brasil para as pessoas com deficiência? Estamos longe de alcançar a verdadeira inclusão? Eu tenho certeza que estamos muito longe. É preciso fazer uma inclusão primária. Nós não somos pessoas que incluímos. Os nossos governantes também não. Os juízes determinam inseguranças com relação à legislação e o que sai da cabeça deles é o mesmo que nada. Lamentavelmente a inclusão ainda está longe de ser uma realidade, justamente porque os nossos dirigentes e nossa jurisdição ainda não assumiram o papel oficial de respeitar o cidadão e a cidadania. Isso tem que começar por eles. No momento em que todo o departamento jurídico do país assumir a respeitabilidade da cidadania, aí a gente vai poder falar em inclusão. Enquanto isso, não adianta. A gente vê absurdos. Por exemplo, um indivíduo que rouba uma galinha pega 10 anos de prisão, já o outro que estupra e depois mata fica um ano preso e rapidamente é solto. Políticos roubam milhões e de tarde estão liberados. E a questão da anistia? O governo deve para o indivíduo e não paga. Mas esse indivíduo precisa ter responsabilidades para com o governo, se ele não pagar os impostos, ele dança. Onde é que está a justiça? Onde está a inclusão social?

Qual a melhor opção: a escola comum ou a especial? Escola comum até a pré-adolescência e adolescência. Depois: vá procurar sua turma. Ou seja, vá procurar alguém que pensa

e veste como você, alguém que curte a mesma atividade esportiva que você. Eu não gosto de futebol, a minha turma também não. Eu gosto de natação e vôlei, por isso eu ando com quem tem a mesma afinidade. Então as pessoas com síndrome de Down ficam na escola comum até o início da adolescência e a partir daí vão para uma escola especial para ampliar o seu universo.

O senhor considera o atual modelo de ensino no país deficiente? O modelo de ensino no país é bom. O problema é o modelo de capacitação do grupo com Down que não está adequado. Nós aprendemos ouvindo. A professora fala: presta atenção menino, você ouviu? Repete o que eu falei. Isso significa o quanto que você ouve. Mas a pessoa com síndrome de Down aprende vendo, aprende com os olhos. É como se tivesse um professor falando para um grupo de pessoas surdas. Não adianta falar, é preciso mostrar. Porém, a professora não tem instrumento para capacitar esse indivíduo. Felizmente, hoje, existe um bom instrumento, mas ainda caro, que são os tablets. Esses mecanismos, assim como a TV e o computador, possibilitam o indivíduo ver e aprender. O Down aprende muito mais vendo do que ouvindo. Então é preciso primeiro capacitar os professores.

O senhor acha que o governo tem cumprindo papel de melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência? Tenho certeza que o governo está fazendo passo a passo, montando toda uma estrutura de capacitação. Um pouco lenta, mas assumindo as suas responsabilidades civil e governamental. E finalmente o Ministério da Saúde conseguiu determinar a liberação do Manual de Diretrizes de Atenção à Saúde da Pessoa com Síndrome de Down. Todos têm o direito de ter o acesso a essa informação. E direito de fazer por isso.

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ENTREVISTA - DR. ZAN MUSTACCHI O que falta o governo fazer para melhorar as condições de vida das pessoas com deficiência? Eu acho que falta o governo assumir as responsabilidades oficiais. Ele assumiu a responsabilidade dentro de um contexto dito oficial, mas ainda não está realmente elaborando isto, por exemplo, as diretrizes já deveriam ter sido entregues para todos os postos de saúde do país no dia 21 de março deste ano. Não foram. Mas está disponível na Internet e todos podem ter acesso. O problema é que o acesso à Internet ainda é restrito. Já o papel, não. Então a gente ainda tem passos a serem concluídos, mas, para isso, a sociedade precisa ter acesso a essas informações. Eu só posso contestar o governo no momento em que eu observar uma falha do governo com relação ao cumprimento das diretrizes. O que posso dizer é que ele não está cumprindo o envio da documentação no papel. Mas até agora eu não ouvi nenhuma queixa com relação ao material disponibilizado na Internet. No hospital que trabalho, estamos cumprindo todas as diretrizes sem nenhum problema.

dente. Mas a gente não podia fazer com que o cariótipo fosse obrigatório durante o primeiro mês de vida. É algo inviável se pensando num contexto nacional, para toda a população. Com isso nós acordamos que o cariótipo deveria ser feito durante o primeiro ano. Hoje, a pessoa com síndrome de Down, até o primeiro ano de idade, pode fazer o cariótipo e o governo assumiu a responsabilidade de conceder esse direito. Por isso as nossas discussões foram paulatinamente respeitando a possibilidade do governo. E assim, passo a passo, nós conseguimos elaborar um excelente projeto. Foi um produto resultado de 35 anos de trabalho com síndrome de Down.

Qual é o papel da família na contribuição para o desenvolvimento da criança?

Quais contribuições o lançamento das diretrizes e da cartilha vão trazer para a sociedade?

O papel da família é, primariamente, apoiar a criança e exigir para que essas diretrizes sejam cumpridas. E, sem dúvida nenhuma, dar uma estrutura de apoio para o individuo com síndrome de Down dentro de contexto nutricional, alimentar, higiênico e educacional.

Todas. Eu não vejo contribuição que não seja trazida. Todas as contribuições, desde informação e respeito, a aspectos legais de direito e cidadania, bem como saúde e crescimento.

O senhor contribuiu na elaboração das Diretrizes de Atenção à Saúde da Pessoa com Síndrome de Down. Como foi a criação? Nós nos reunimos durante algumas semanas, uma a duas vezes por semana, com o objetivo de selecionar as melhores diretrizes e acreditar que, necessariamente, o governo poderia assumir a responsabilidade de fazer. Por exemplo, a necessidade de fazer o cariótipo era evi-

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“Eu acho que chegou o momento em que o nosso papel social não é mais suprir a falha do governo e sim cobrar do governo a responsabilidade dele”

Conversando com profissionais aqui em BH, percebi que muitos ainda não estão sabendo das Diretrizes. A que você atribui essa falha? Infelizmente as pessoas não sabem das diretrizes, porque elas não existem no papel. Elas estão na informática, estão nas nuvens. Isso não foi divulgado de forma adequada. Eu acho que chegou o momento em que o nosso papel social não é mais suprir a falha do governo e sim cobrar do governo a responsabilidade dele

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REPORTAGEM

“POR FAVOR, PARE AGORA”

Por Anna Cláudia Ferreira Castro e Rhiza Castro

Com mais de um milhão de motoristas em circulação, Belo Horizonte abriga, além de 1,5 milhão de carros, condutores que desrespeitam as leis de trânsito todos os dias e uma população que clama por mudanças comportamentais.

Fotos: Reprodução de desenho animado de Walt DisneyRevista Ponto & Vírgula — fevereiro de 2013

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REPORTAGEM - TRÂNSITO Buzinas, filas intermináveis, lentidão, motoristas mal-educados, acidentes, motoqueiros imprudentes, a pressa de chegar a determinado lugar, percorrer uma curta distância em um grande intervalo de tempo, congestionamento. Esse é o retrato do trânsito em Belo Horizonte. O caótico trânsito da capital mineira, que insiste em se instalar não apenas nos horários de pico, é tão rotineiro, que não surpreende mais os moradores da cidade. Vias públicas apertadas, grande fluxo de carros - segundo o Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran/MG), aproxima-se a 1,5 milhão de automóveis - e a falta de planejamento também são fatores que agravam essa situação. No entanto, nem todo trânsito conturbado que se vê nas ruas é culpa apenas da administração pública; muitos motoristas contribuem de forma vigorosa para essa desordem. Eles abdicam de todo o bom senso e das regras de trânsito para chegar aos seus destinos rapidamente, podendo causar fatalidades irreversíveis. Segundo o antropólogo Roberto da Matta, em seu livro Fé em Deus e pé na tábua, a conduta do motorista é o grande responsável por esse quadro: “o comportamento que, afinal, constrói o contexto do acidente, pode ser atribuído a um mundo de fatores que vão do descuido ao erro, da imprudência à ousadia criminosa, do engano à falta de competência do condutor”. Da Matta destaca que, agrupado a esse comportamento, há ainda a necessidade inerente ao brasileiro de ignorar as leis, mais um fator que molda o motorista e consequentemente o ambiente em que está inserido. “O fato concreto é que o cidadão brasileiro - seja pedestre, ciclista, motociclista, motorista ou até mesmo carroceiro - tem uma dificuldade atávica no que diz respeito a obedecer à lei. Num sentido pre-

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ciso e marcadamente aristocrático, a obediência à lei exprimia inferioridade e subordinação social. Em qualquer campanha seria preciso indicar com força e precisão o papel da lei como elemento nivelador e não hierarquizante, e o fato de que a lei não existe contra o cidadão a pé ou de bicicleta, mas a seu favor; sobretudo no trânsito”. Assim, esses indivíduos, muitas vezes, consideram normal o ato de ignorar os semáforos, as faixas de pedestres e as leis, fazendo com que o trânsito da capital se assemelhe a uma guerra civil em que conflitos de interesses e de poder são expostos. Consciente do grau de estresse que o simples ato de ir trabalhar

“O fato concreto é que o cidadão brasileiro - seja pedestre, ciclista, motociclista, motorista ou até mesmo carroceiro tem uma dificuldade atávica no que diz respeito a obedecer à lei” Da Matta pode causar, a revista Ponto & Vírgula foi às ruas descobrir quais atitudes irritam os belo-horizontinos que lidam diariamente com o caótico trânsito local. Após sondar 20 motoristas, pôde-se observar que, pelo menos nesta pequena amostra, o não uso das setas é a negligência às normas de trânsito que mais incomodam a todos. Famosos por

ignorarem a existência desse fundamental dispositivo, os condutores de BH parecem ter desaprendido a regra que potencializa o uso das setas. Para eles, o sinalizador é apenas um acessório inexpressivo nos carros. As pessoas entram e saem de grandes avenidas, passam de uma faixa para outra sem nem ao menos pensar em utilizá-las, e, quando o fazem, não conseguem passagem. Com a cidade saturada por uma crescente frota em circulação, esses maus hábitos, aliados a obras travando os principais corredores e à falta de transporte coletivo eficiente, contribuem para que a mobilidade urbana entre em colapso. Belo Horizonte conta com 413 agentes da BHTrans, 162 policiais militares e 261 guardas municipais que seriam responsáveis por fiscalizar, regulamentar e manter a ordem no quesito mobilidade. Entretanto esses agentes de trânsito parecem ter esquecido o propósito pelo qual estão diariamente nas ruas, permitindo que a vontade individual dos motorista se instale no tráfego, contrariando o interesse coletivo que deveria guiar o trânsito. Cansado do desgaste diário de ir ao trabalho, tendo que lidar com essa pluralidade de acontecimentos que o irrita, o advogado Robledo Castro, 50 anos, optou por manter a sua sanidade mental quando decidiu, há dois anos, fazer o trajeto de casa para o escritório caminhando. “Chegava ao trabalho já de cabeça quente com tanto motorista imprudente ao meu redor. O pequeno percurso de dez minutos me exigia uma atenção exaustiva, pois, na maioria das vezes, se transformava em meia hora“, salienta o advogado. Para ele, a decisão foi o pontapé inicial para a escolha de hábitos mais saudáveis: “hoje, essas caminhadas são essenciais para meu bem-estar; elas contribuíram para minha redução de peso, para minha tranquilida-

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TRÂNSITO de mental, e já não tenho dores de cabeça como antes. Optei por me estressar e preocupar com coisas que realmente valham a pena. Carro agora só aos finais de semana e ainda assim é um exercício de paciência”. Assim como o advogado, o funcionário público Osvaldo Scavazza, 43 anos, buscou soluções que lhe permitissem esse mesmo conforto. Obrigado a deslocar-se em horários de rush até a Cidade Administrativa de Minas Gerais, localizada em uma região oposta à qual reside, Osvaldo gastava cerca de uma hora e meia no trajeto para o trabalho. Assim como ele, outros colegas passavam pela mesma situação, até que encontraram uma solução, o revezamento de motoristas. “Cada dia da semana, um de nós cinco dirige. Como todos moramos próximos, combinamos um ponto de encontro onde o motorista busca o restante dos passageiros. O estresse não foi exterminado. No entanto, consegui reduzi-lo drasticamente, já que apenas um dia na semana eu tenho que preocupar-me e dedicar minha atenção ao tráfego. Além disso, de alguma forma estamos contribuindo para a diminuição da emissão de gases poluentes, uma vez que passaram a ser quatro carros a menos em circulação”, explica o servidor público.

Infrações Um dado alarmante comprova as negligências que são vistas diariamente: pelo menos 376 motoristas são multados por dia na capital pela fiscalização eletrônica. De acordo com a assessoria de imprensa do Detran-MG, desde 2011, com a instalação dos 39 detectores de avanço de sinal, houve um crescimento de 318% no número de multas aplicadas aos que não respeitam o sinal vermelho. O histórico de infrações cometidas por esses motoristas não param

Foto: Rhiza Castro

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- REPORTAGEM

Carro ultrapassando a velocidade máxima permitida

por aí. O excesso de velocidade e o uso do celular ao volante são os motivos pelos quais os belo-horizontinos mais são autuados. O campeão da lista é o desrespeito ao limite de velocidade em até 20%. Esse item, que já liderava a estatístiva no ano passado, teve um aumento de 34,17%. Gabriel Castro, estudante de administração, 22 anos, é um exemplo dos que fazem uso do aparelho celular durante o tempo em que estão no trânsito. “Trabalho como representante na área de alimentos. Meu trabalho exige muito tempo no trânsito. Então, para que o período em que estou no carro não seja desperdiçado, costumo checar meu e-mail pelo celular e fazer ligações importantes.”, explica. O estudante salienta que recorre a outro aparelho eletrônico durante sua permanência nos engarrafamentos. “Ao fim do dia, ainda tenho que suportar o trânsito sobrecarregado no horário de pico. Costumo estar desgastado, com a cabeça cansada. Então uso a televisão do GPS para me distrair; assim nem vejo a hora

passar e lido melhor com a pressão”. Além dos detectores de avanço de sinal, atualmente, a cidade possui 50 radares fixos, três estáticos e quatro detectores de invasão de faixa exclusiva. E, só no primeiro semestre deste ano, já foram pegos por esse arsenal de vigilância 439.024 condutores, sendo punidos da forma que mais atinge o brasileiro: o desembolso de valores significativos que podem variar entre R$26,60 a R$957,70. Para agravar a situação, a tipologia do terreno em que está inserida e a forma como está estruturada fazem de BH uma capital com opções restritas para desafogar o trânsito. É o que explica o engenheiro Felipe Fonseca, 27 anos: “a topografia de Belo Horizonte não possibilita o desenvolvimento das linhas de metrô, por se tratar de uma cidade montanhosa”. Segundo o engenheiro, como a cidade está contornada por montanhas, seu crescimento se torna limitado. “Sem possibilidade de expansão, não tem como aumentar as vias

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REPORTAGEM - TRÂNSITO WALT DISNEY ERA UM VISIONÁRIO! Criado em 1932, o Pateta (em inglês Goofy), além de personagem da Disney, é um cão da raça Bloodhound. Entre os vários desenhos protagonizados por ele, está ‘Motormania’, no qual o personagem representa um cidadão comum chamado Sr. Walker (Senhor Pedestre em português) que, ao se posicionar atrás do volante de seu carro, transformase em Sr. Wheeler (vem de wheel - volante), um motorista irresponsável e, sobretudo, imprudente, que acredita ser o dono da verdade. Há 30 anos, esse desenho retratava uma visão da atual mentalidade global, incentivada pela filosofia industrial de Henry Ford, que introduziu na indústria automobilística a montagem em série, possibilitando a produção em massa de automóveis em menor tempo com baixo custo. Esse incentivo ao consumo acelerado de veículos levou à popularização dos mesmos. A partir daí, as pessoas começaram a lidar com os familiarizados congestionamentos, que ainda hoje são tão recorrentes. No entanto, não houve, e ainda não há, uma preparação mental e/ ou psicológica, visando capacitar a população a conviver com esse fenômeno. Assim, o congestionamento passa a ser um fator preponderante para a transformação de humor e personalidade retratados no desenho, mas que é tão real no cotidiano de qualquer cidadão que lida com o trânsito.

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urbanas, levando à saturação das mesmas em decorrência do grande número de veículos em circulação”. De acordo com a professora do Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnologia da UFMG, Heloisa Maria Barbosa, a impossibilidade de desenvolvimento das vias públicas da cidade não é o problema, “a questão é ‘controlar a demanda’, uma vez que construir e/ ou aumentar vias gera tráfego e criase um circuito vicioso”. Heloisa ressalta a necessidade de priorizar alternativas práticas que irão apresentar resultados efetivos: “enquanto não tivermos planejamento de transportes para médio e longo prazo, fundamentado em uma política de mobilidade urbana, que priorize o transporte público de qualidade com soluções técnicas (e não políticas), os problemas de trânsito persistirão e se agravarão”. Ainda de acordo com o Detran, em dezembro de 2011 circulavam 1.005.634 automóveis e 178.480 motocicletas. Em maio de 2012, já eram 1.015.058 carros e 183.743 motos. Em cinco meses, quase 15 mil veículos a mais circularam em uma cidade com 627 km de vias arteriais e em uma área de 331 km². Para o diretor de ação regional e operação da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte S/A(BHTrans), Edson Amorim de Paula, o crescimento da frota está relacionado com a melhora econômica da população. “Os incentivos dos governos normalmente priorizam o transporte individual. Temos

pouco incentivo para transporte público, o que explica o transtorno”, justifica. Com apenas um programa permanente de Educação no Trânsito (“Trânsito Legal”) e três campanhas educativas (”Volta às Aulas”, “O Jovem e a Mobilidade”, “Andar de Moto é legal. Arriscar a vida não!’), sem uma periodicidade definida, a Bhtrans procura, por meio dessas ações, sensibilizar a população para os conceitos de mobilidade urbana sustentável e para a criação de hábitos relacionados à segurança e à convivência harmoniosa no espaço urbano. No entanto, a maioria dessas medidas é voltada para jovens e adolescentes que se preparam para entrar no mundo motorizado, deixando de lado o público que mais necessita, os motoristas ativos. Além disso, foca-se no problema errado, não é necessário que se crie apenas novos hábitos, é preciso que mude uma percepção enraizada sobre a sociedade e os interesses que a movem. “A imprudência, o descaso e a mais chocante e irreconhecível incivilidade brasileira no trânsito decorrem da ausência de uma visão igualitária de mundo, justamente num espaço inevitavelmente marcado e desenhado pela igualdade mais absoluta entre seus usuários, como ocorre com as ruas e avenidas, as estradas e viadutos”, explica Da Matta. Neste sentido, associam-se os surtos de agressividade e negligência às normas, a uma reação à imposição de igualdade no trânsito, em uma sociedade hereditariamen-

“A questão é controlar a demanda, uma vez que construir e/ou aumentar vias gera tráfego e cria-se um circuito vicioso”. Heloísa Barbosa

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TRÂNSITO te aristocrata na qual aquele que detém poder detém também privilégios. Assim, percebe-se que o trânsito, não apenas na capital mineira, como no Brasil, não tem apenas problemas de engenharia e falta de educação, mas um intenso conflito de diferentes estilos de comportamento que precisam ser estudados. “No caso do trânsito, essa consciência depende de políticas públicas que sejam capazes de extinguir uma enraizada e costumeira crença na impunidade. Devem também conscientizar os cidadãos de suas responsabilidades perante os outros no cenário de um sistema complexo e dinâmico que reúne pessoas, animais e máquinas, bem como sinais de demarcações impessoais”, sugere o sociólogo como uma possível solução para esse caleidoscópio que se tornou o trânsito e os indivíduos que dele participam. Apoiada à opinião de Amorin, a professora adiciona: “o problema de BH é a falta de um sistema eficiente de transporte público, que leva ao uso indiscriminado do transporte individual motorizado. As ruas são suficientes, não o são para acomodar uma política de incentivo ao automóvel, como a redução de IPI para um veículo novo”. A capacidade das principais cidades do mundo de absorver mais carros há muito dá sinais de esgotamento. A Europa perde 40 bilhões de euros anuais com os engarrafamentos. Nos Estados Unidos, um cálculo feito em 2006 apontou um prejuízo de 65 bilhões de dólares anuais com o desperdício de combustível e tempo. Cidades como Londres, na Grã-Bretanha, não esperou pelo caos: buscou alternativas, que necessariamente tinham como premissa o aumento da oferta e qualidade do transporte público. Estabeleceu-se, no início de 2003, a cobrança de pedágio dos carros que circulam na região central da cidade. Apesar de a capital britânica contar com uma malha de transportes públicos eficiente - como ônibus, trens, e mais de 400 quilômetros de linhas de metrô -, a preferência pelo carro tornou-se comprometedora para a fluidez do trânsito. Como as campanhas em favor do transporte coletivo não surtiram o efeito desejado, Londres adotou mudanças profundas. Entre essas mudanças, destacam-se: o investimento de 110,5 milhões de libras na melhoria dos transportes públicos; a taxação de oito libras diárias para utilização do espaço público na área central da cidade durante os horários de grande fluxo; instalação de câmeras, com precisão de 90%, para garantir o cumprimento da lei; a facilitação do uso do novo sistema, uma vez que o pedágio urbano londrino pode ser pago por SMS, telefone, correio, internet, em lojas credenciadas e máquinas de atendimento. Ainda visando melhorias, o

Fotos: Reprodução de desenho animado de Walt Disney

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- REPORTAGEM

ATITUDES QUE IRRITAM... Não sinalizar mudança de faixa

Não dar passagem

Desrespeito ao pedestre

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REPORTAGEM - TRÂNSITO

...OS MOTORISTAS NO TRÂNSITO Parar em fila dupla

governo de Londres estabeleceu outra regra em 2008, a taxação de 200 libras diárias (equivalente a R$690) para que veículos poluidores com peso acima de doze toneladas possam trafegar na região metropolitana da cidade. Em resposta a esse estímulo, houve uma redução de 21% do fluxo de automóveis, aumento de 43% no número de bicicletas circulantes, os ônibus passaram a fazer seus percursos em menor tempo, o centro de Londres livrou-se de uma frota de aproximadamente cinquenta e três mil veículos diários, houve diminuição de engarrafamentos e a redução em 20% dos níveis de gás carbônico. Esses resultados foram importantes na escolha da capital britânica como sede dos Jogos Olímpicos de 2012 e lhe conferiram o título de cidade modelo de trânsito.

Melhorias exigidas para a Copa do Mundo seriam a solução?

Andar devagar na faixa da esquerda

Dar totó nos carros para estacionar

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Em maio de 2009, Belo Horizonte foi anunciada pela FIFA como uma das cidades-sede da Copa do Mundo. Orgulho para todos os belo-horizontinos, a escolha também evidenciou um desafio para a cidade, desencadeando um trabalho de planejamento e execução sem precedentes. Segundo a Prefeitura Municipal, oito obras de mobilidade urbana estão em andamento. Ao todo, o investimento na área será de R$ 1,389 bilhão, com R$ 1,023 bilhão de financiamento federal. Os projetos incluem três Bus Rapid Transit (BRT), três vias, uma central de monitoramento e um corredor exclusivo de ônibus. Lutando contra a falta de planejamento e o crescimento desordenado, o governo municipal encontrou uma alternativa para o caos instalado em BH: a criação de um sistema de ônibus em vias de trânsito rápido, evitando que os coletivos fiquem presos em congestionamentos. Tal sistema está sendo posto em execução como preparação para a Copa de 2014 e contará com 200 ônibus articulados, que circularão nas avenidas Dom Pedro I, Antônio Carlos, Cristiano Machado e na área central. De acordo com a BHTrans, o projeto prevê o transporte de 750 mil dos 1,2 milhão de passageiros diários do sistema público de transporte e as obras serão concluídas nos próximos sete meses. Para a administração pública do estado, engenheiros e especialistas, o investimento no transporte público é a forma mais eficaz de solucionar os problemas de mobilidade em Belo Horizonte. No entanto, constata-se que, no Brasil, o transporte mais comum é o automóvel que, muitas vezes, é utilizado somente pelo próprio condutor

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REPORTAGEM

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Relações entre consumidores e empresas se popularizam cada vez mais pelas redes sociais Por Raiane Bergman e Maria Clara Evangelista Em março de 2011, Murilo dos Reis, 46, estava desempregado. Um pequeno acidente, que resultou em uma fratura no calcanhar esquerdo, o impossibilitou de procurar trabalho. Como possuía um cartão de crédito que contava com um seguro que cobria “desemprego involuntário” por incapacidade física temporária, resolveu tentar acioná-lo. “A intenção era receber alguma indenização até que pudesse procurar outro emprego. Liguei para o número de atendimento ao cliente e não consegui, nos primeiros dez dias, uma orientação precisa. Quando conseguia falar com um atendente e relatar os fatos, era transferido para outro atendente. Esperava por um

longo tempo até que a ligação caía e eu tinha que começar tudo outra vez”, afirma. O atendimento feito pela empresa foi tão ruim que, para conseguir fazer valer seus direitos, Murilo foi obrigado a entrar com uma ação na justiça. Sua história não é um caso isolado. Por causa da falta de agilidade e do mau atendimento, o consumidor acaba perdendo a paciência e saindo prejudicado. Ricardo Amorim, assessor jurídico do Procon-MG, fala sobre o Decreto 6.523/2008, conhecido como a lei do SAC. “Essa norma, regulamentada pelo governo federal, estabelece critérios de qualidade para os serviços de atendimento ao consumidor.

Ou seja, a prestação de serviços no país atravessa uma revolução tão intensa, que o Estado teve que criar um sistema de controle de qualidade, pois o consumidor não consegue mais ser ouvido.” É por isso que reclamações via redes sociais ou sites especializados estão se tornando cada vez mais populares e mais funcionais. Hoje, a maioria das grandes empresas possui um perfil em redes como Facebook e Twitter, que têm por objetivo interagir e monitorar o que os usuários estão falando sobre seu produto ou serviço; assim os consumidores aproveitam esses canais para exporem seus problemas. Nas mídias digitais, existe mui-

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REPORTAGEM - CONSUMIDOR NA WEB to mais transparência do que em outros canais de comunicação. Geralmente, as reclamações feitas por esses lugares deixam de se tornar uma relação que acontece somente entre contratado e contratante e se tornam públicas. A internet permite que qualquer um veja e opine sobre qualquer problema divulgado; desta forma, as empresas têm que agir rapidamente para não perder credibilidade entre os clientes. Quem utilizou dessa nova ferramenta foi Amanda Abuquerque, 27, para resolver seu problema com a Tok&Stok, há três semanas. “Fiz uma compra e eles tentaram entregar no dia errado. No dia marcado, argumentavam que seria impossível fazer a entrega. Tentei por várias vezes o contato por telefone, pelo 0800 e não obtive sucesso. Decidi mandar uma mensagem pelo Twitter, falando que a empresa não respeitava o cliente.” Assim que Amanda começou a fazer as reclamações, rapidamente a empresa fez seu contato e ela conseguiu receber o produto no mesmo dia. Amanda, que já é experiente no assunto reclamações, passou pelo mesmo problema com a Fiat. “Encomendei um carro e, passados três meses, a montadora ainda não tinha o modelo para me entregar. Comecei a reclamar pelo Twitter e em uma semana me arrumaram um carro exatamente como eu queria”, conta. Grande parte dessas reclamações é especificamente em relação às operadoras telefônicas. Uma pesquisa realizada pelo Datapopular, em parceria com a WebSIA, por meio da plataforma Tracx - Big Data de Social Intelligence / Market, mostrou que as operadoras de telefonia geraram mais de 200 mil conversas nas redes sociais em apenas seis meses, sendo que 20% do total das conversas eram de mensagens críticas, cerca de 40 mil.

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Entre os usuários analisados, o público entre 20 e 30 anos representou mais da metade dos participantes das discussões. Logo em seguida, estão as pessoas da faixa de 30 a 40 anos (19%) e depois as de 10 a 20 (15%). Entre as redes sociais, o Twitter é o mais usado, com índice de 61,07%, sucedido pelas fan pages das operadoras, com 25,57%, blog, com 8,92%, Facebook, com 2,31%, notícias, com 1,13%, Youtube, com 0,47% e Tumblr, com 0,38%. O problema do jornalista Welington Oliveira, 40, é considerado um dos mais comuns, entre os brasileiros, com as operadoras de telefonia. Sua internet apresentava excelente sinal, porém não se conectava. Demorou 15 dias para ser resolvido. Tudo isso depois de uma série de reclamações e protocolos abertos na Oi, que chegou a alegar que a deficiência era no provedor. Após um intervalo de dois meses, outra situação parecida aconteceu, porém, desta vez, a Oi tentou forçar Welington a mudar de provedor na tentativa de convencê-lo que seus problemas iriam acabar. O problema persistiu e foram mais vinte dias tentando solucionar, até que fosse necessária a visita de um técnico. Para quem prefere não utilizar as redes sociais, existe um site especificamente para dar suporte a consumidores insatisfeitos do país: o Reclame Aqui. Nele, pode-se fazer reclamações quanto a atendimento, compra, venda, produtos e serviços. O sistema é aberto a qualquer cidadão e sem custo, basta ter um cadastro no site. Funciona da seguinte forma: a reclamação é publicada e um aviso é encaminhado via e-mail à parte reclamada, caso a empresa tenha seu SAC cadastrado no Reclame Aqui. Assim, a empresa pode se manifestar e publicar sua resposta. Vale destacar que o site possui também um ranking com as empre-

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[1] Amanda só conseguiu ser atendida depois que reclamou nas redes sociais

[2] Murilo teve que recorrer à justiça para solucionar seu problema

Fotos: [1]Raiane Bergman, [2] Maria Clara Evangelista

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CONSUMIDOR NA WEB sas citadas nas reclamações. Ele é atualizado conforme critérios como número de reclamações, tempo de resposta, ausência de resposta, índice de solução, índice de fidelidade à empresa, entre outros. Quem também já está presente nas mídias sociais são órgãos e entidades que zelam pela defesa de quem consome, como, por exemplo, o MDCMG (Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais), a Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor e inúmeros Procons municipais e estaduais. O Procon-MG é um deles. Percebendo a importância da aproximação da instituição com os consumidores, o órgão criou blog, Facebook e Twitter, que são atualizados diariamente, com assuntos relativos à defesa do consumidor, eventos

Foto: Maria Clara Evangelista

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realizados, dicas de educação para consumo e ainda respondem dúvidas enviadas. Mas nem tudo acontece como o planejado. No caso de Nisielly Ticiany, 21, a reclamação pelo Twitter não foi suficiente para resolver seu problema com o banco Santander. “Eu reclamei, aí eles vieram me perguntar o que houve. Eles orientam pra ligar pra algum número, conversar com sua gerente ou ir até seu banco. No final, o povo no Twitter não resolve nada mesmo, é só um meio de relacionamento pra gente ver que eles se importam”, desabafa. Com a popularização das mídias sociais em todas as classes, faixas etárias e demais segmentos da população, poderemos experimentar um momento em que as reclamações virtuais serão mais usadas do

- REPORTAGEM

que as telefônicas, fazendo com que as empresas tenham menor possibilidade de monitoramento e não consigam solucionar todas as demandas. Segundo Ricardo Amorim, “quando isso ocorrer, acabou a onda de reclamar via internet; esse ser tornará um meio de reclamação tão ineficiente quanto os tradicionais. Na verdade, isso já começa a ocorrer.” Ele ainda afirma que a solução será o aprimoramento da forma de prestação de serviços, com uma maior qualificação, constante capacitação e uma inteligência efetiva no processo de ouvir seus consumidores. E essa qualidade de serviço deve existir antes, no momento e depois da contratação, fazendo com que o consumidor seja muito bem tratado e não tenha motivos para reclamar

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REPORTAGEM

DONA DEUSA VAI AO PARAÍSO E AO CIBERESPAÇO TAMBÉM Com o aumento do poder de compra da nova classe média brasileira, a população vai em busca de informação. De acordo com o IBGE, somente na internet, o crescimento foi de 53% em 2012 Por Isabella Monteiro e colaboração de Diego Duarte A lanchonete da Deusmira, localizada no Centro de Preparação Equestre da Lagoa (Cepel), já é conhecida de longa data dos frequentadores da região. Funcionária há quase 25 anos, Deusa, como é carinhosamente chamada pelos clientes mais frequentes, assumiu o balcão há 7 anos, e garante que de lá pra cá muita coisa mudou na sua vida. “Trabalhei como faxineira e depois gerente da faxina, mas foi quando assumi a lanchonete que tudo mudou. Não só financeiramente, mas também a qualidade de vida. Abriram-se portas para o mundo, tenho contato com as pessoas, converso com todos e tenho prazer em trabalhar. Terminei minha casa, tenho telefone celular e internet, coisas que há alguns anos seriam impossíveis”, comemora. Tudo isso porque agora Deusa faz parte da nova classe média brasileira. A nova classe média, segundo o IBGE, já representa mais de 50% da população do país. Esse crescimento, que vem sendo destacado desde 2001, significa, em número absolutos, que atingimos a marca de 100,5 milhões de brasileiros pertencentes a essa classe social, sendo que, destes, mais de 40 milhões foram agregados nos últimos 10 anos e 2,7 milhões nos últimos dois. Levando-se em consideração o fator econômico, pode ser inserido na nova classe média – ou classe C - indivíduos que possuam Renda Total Familiar de R$ 5.174,00 mensais, segundo a ABEP ( Associação Brasileira de Pesquisa).

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Esse processo de crescimento de consumo teve início durante o Governo Fernando Henrique, entre 1992 e 2004, e teve continuidade no governo Lula, de 2004 a 2010, com o aumento do emprego formal, do nível de escolaridade, do salário mínimo, além da facilitação de crédito e da estabilidade social. Para Rubens Menin, fundador da construtora MRV, o canteiro de obras pode ser um exemplo fiel do novo Brasil. “Os pedreiros têm celular, vão trabalhar de moto ou até de carro. E, pela primeira vez, eles podem comprar o apartamento que estão construindo”, afirma Menin. Com todas essas mudanças no poder de compra da classe C, foi constatado um grande aumento de interesse por consumo de conteúdo, seja esse informativo, noticioso ou de entretenimento. O aumento na procura por internet banda larga cresceu 38,8% entre os anos de 2009 e 2011 e somente em 2012, esse percentual pulou para 53%, de acordo com pesquisa publicada pelo IBGE, o que significa aproximadamente 75 milhões de usuários. Na classe C, 56% possuem acesso à internet, destes, metade possui banda larga em casa e a outra metade acessa no trabalho, na faculdade ou pelo celular. Patrícia Silva Alvarenga, professora de Economia da Universidade Fumec, aponta algumas divergências a respeito deste crescimento.

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CLASSE C

No balcão da Deusmira, as guloseimas dividem espaço com o jornal e a TV

Para a estudante Izabela Oliveira, o advento da tecnologia propciou o fácil acesso à informação

“Existem estudos em relação a essa questão que apresentam algumas controvérsias. Existem pessoas que acreditam que essa ascensão aconteceu devido às transferências de renda nos últimos governos com os programas sociais. Mas, pesquisa da fundação Getúlio Vargas descobriu que, na verdade, esse processo da ascensão da classe C aconteceu a partir de 2001 e foi crescendo em um período em que não houve muita transferência de renda”, destaca Patrícia, que ainda acredita que as mudanças ocorreram devido à estabilidade econômica, depois do plano real com um nível de inflação baixo, além das políticas do gover-

Foto: Isabella Monteiro

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no em relação ao aumento de carteira de trabalho assinada. No espaço em que Deusmira trabalha, vendem-se bebidas e salgados para todos os gostos. Mas o que chama atenção não é variedade de lanches, mas sim a quantidade de jornais do dia que estão sempre à disposição da clientela no balcão. “Tenho esse hábito já há alguns anos. Sempre quando estou vindo pro trabalho, passo na padaria e compro o jornal. Venho lendo no ônibus, e, quando chego no serviço o coloco à disposição dos clientes”, conta. Além disso, Deusa lembra que, quando falta o jornal, os clien-

“Com a chegada de jornais mais acessíveis, e claro, do gratuito Metro, podemos ter acesso às notícias, sem que isso pese no orçamento” tes logo reivindicam, por isso, além do Super Notícias, que ela busca comprar todos os dias na padaria, ela resolveu investir na assinatura

- REPORTAGEM

do Jornal O Estado de Minas e garante que não sabe mais ficar sem o veículo. Deusmira se encaixa na faixa dos 93% de indivíduos com renda familiar de até cinco salários mínimos que compram jornal impresso diariamente, como foi divulgado em pesquisa da Associação Nacional de Jornais (AJN). Esse grande percentual deve-se ao aumento significativo da classe média brasileira, que agora consome informação mais do que nunca, além do surgimento de veículos com o custo mais baixo, como o Super Notícias, Aqui e o gratuito Metro. “ Minha família não podia se dar o luxo de ter uma assinatura de um jornal ou até mesmo de comprá-lo diariamente. No entanto, com a chegada de jornais mais acessíveis, e claro, do Metro, podemos ter acesso `as noticias, sem que isso pese no orçamento”, conta a jovem Karoliny Neves, de 22, que, desde os 17, ajuda a incrementar a renda familiar. O principal desafio para o mercado, no entanto, é entender quais são as preferências , os anseios e as vontades desse novo público. Para Julio Ribeiro, diretor da agência de publicidade Talent no Brasil, os novos consumidores não se diferem muito daqueles das classes A e B no que diz respeito a interesse de consumo: “Eu nunca fui classe C. Então recorri às pesquisas e, para minha surpresa, descobri que eles querem a mesma coisa que as classes AB”, afirmou o publicitário. Reforma da casa, compra de carro e de imóvel estão entre as prioridades, segundo pesquisa da Fecomercio sobre hábitos de compra. Dos 19,2 milhões de brasileiros que têm planos de comprar um imóvel nos próximos dois anos, 11 milhões são da nova classe média. De acordo com Patrícia, “a chamada ascensão da classe C não está relacionada somente com o aumen-

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REPORTAGEM - CLASSE C to no número de pessoas. O rendimento das classes mais baixas teve um crescimento bem maior em relação às classes A e B. Outro ponto de destaque é a melhora inédita da distribuição de renda no Brasil entre os mais ricos e os mais pobres. A última mudança neste sentido havia ocorrido na década de 60 e foi uma mudança para pior, de maior concentração de renda. Ainda temos uma concentração, entretanto, passamos de terceiro para o décimo país com pior distribuição de renda”, ressalta. Para Artur Moreira, editor-chefe do MGTV, da Globo Minas, há mais de 20 anos no mercado da comunicação, o segredo para conquistar e atrair o público da classe C é saber escolher o tema de interesse, além de se preocupar com a linguagem mais coloquial : “A classe C, sem dúvida alguma, é um público cada vez maior e influente. Tentamos sempre oferecer assuntos que sejam do interesse dessas famílias. Investimos muito nas pautas de serviços, educação, emprego, saúde e comportamento humano. O objetivo é que o telespectador encontre na programação dicas e novidades para ter uma vida melhor. E muitas notícias, naturalmente.”, conta Moreira. Atualmente, todas as emissoras da TV aberta produzem, pelo menos, uma atração de cunho mais popular, que, geralmente, tem a classe C como foco. Podemos citar como exemplo a trama da Rede Globo ambientada no subúrbio de Avenida Brasil, os casos policiais do Cidade alerta, da Record ou o Casos de família, do SBT, que costuma oferecer um cachê de R$ 80 a cada participante, além de uma dentadura, caso seja necessário.

O jovem emergente A evolução no consumo desper-

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tou na nova classe média sonhos antes impossíveis. Se os mais velhos priorizam a compra de bens duráveis, carros e imóveis, os jovens estão buscando investir no futuro, e enxergam a educação como forma de garantir um futuro ainda melhor. De acordo com pesquisa realizada pela Agência Quê e pela Casa 7 Núcleo de pesquisa, 17% dos jovens da classe média estão cursando faculdade e outros 49% pretendem ingressar nos próximos anos. Ainda de acordo com a pesquisa, um dos grandes responsáveis pelo engajamento dos jovens é o acesso à internet. As redes sociais geraram oportunidades de interação de informação, fazendo com que os jovens enxergassem que outro mundo e outras possibilidades existem e que devem começar a ser trabalhadas agora. Para a estudante de direito Izabela Oliveira, grande parte do interesse pela obtenção de informação na internet veio com os smartphones. “Quando se possui acesso à internet em qualquer lugar, você acaba ocupando seu tempo ocioso em sites de noticías ou redes sociais; seja no ônibus, na espera do médico ou até mesmo na fila do banco”, justifica. Atualmente, já são 19 milhões de brasileiros que possuem smartphones. Destes, impressionantes 34% pertencem à nova classe média, de acordo com pesquisa do Instituto Ipsos Mediact, dos Estados Unidos. Enquanto boa parte da emergente classe C gasta com bens duráveis e não-duráveis, os jovens estão se preparando para o que vem pela frente. Não há dúvidas de que os parâmetros da nova classe C do Brasil se modificaram. Com o mercado aquecido, atendendo e entendendo esta demanda, a tendência é que essa parcela de brasileiros se torne consumidores cada vez mais exigentes

Revista Ponto & Vírgula — fevereiro de 2013

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Curso de Psicologia da FUMEC, 1º Lugar de Minas Gerais. Fonte: www.ruf.folha.uol.com.br/rankings/rankingporcursos

O Ranking Universitário da Folha de São Paulo avaliou a aceitação dos cursos das instituições de ensino superior no mercado de trabalho. O curso de Psicologia da FUMEC foi eleito o melhor de Minas Gerais.

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Curso de Psicologia da FUMEC, 1º Lugar de Minas Gerais. Fonte: www.ruf.folha.uol.com.br/rankings/rankingporcursos

O Ranking Universitário da Folha de São Paulo avaliou a aceitação dos cursos das instituições de ensino superior no mercado de trabalho. O curso de Psicologia da FUMEC foi eleito o melhor de Minas Gerais.

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