FORTALEZA - CE
QUINTA-FEIRA
19/12/2024
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23 ANOS
educação
FCO FONTENELE
Além da
SALA DE AULA | EDUCAÇÃO INTEGRAL | O contraturno escolar oferecido pela Rede Cuca amplia os saberes e as oportunidades para jovens em busca de formação complementar
PÁGINA 8 E 9
PÁGINAS 10 E 11
Educação como potente ferramenta no combate ao racismo estrutural
Bullying: os desafios dos educadores e as estratégias de prevenção
22 O PROJETO
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QUINTA-FEIRA TERÇA-FEIRA
FORTALEZA -- CEARÁ CEARÁ -- 30 19 DE DE NOVEMBRO DEZEMBRO DE 2024 FORTALEZA 2021
educação
EDITORIAL EMPRESA JORNALÍSTICA O POVO PRESIDENTE INSTITUCIONAL & PUBLISHER Luciana Dummar PRESIDENTE-EXECUTIVO João Dummar Neto DIRETORES DE JORNALISMO Ana Naddaf e Erick Guimarães DIRETOR DE JORNALISMO RÁDIOS Jocélio Leal DIRETOR DE ESTRATÉGIA DIGITAL E NOVOS NEGÓCIOS Filipe Dummar DIRETOR DE NEGÓCIOS Alexandre Medina Neri DIRETORA DE GENTE E GESTÃO Cecília Eurides DIRETOR CORPORATIVO Cliff Villar DIRETOR DE OPINIÃO Gualter George EDITORIALISTA-CHEFE Plínio Bortolotti
educação O POVO EDUCAÇÃO CONCEPÇÃO E COORDENAÇÃO GERAL Cliff Villar GERENTE DE PROJETOS Vanessa Fugi
Sobre o que é necessário debater? A escola é palco dos mais diversos episódios sociais. É ali um terreno fértil que muitas vezes envolve pautas delicadas para toda uma sociedade como racismo, bullying, diversidade e futuro. E nesse sentido, a sala de aula é o melhor lugar para aprofundar esses debates. É onde é possível equilibrar os lados e formar cidadãos. Contemplados em suas identidades ou cientes de seu dever de respeito ao outro. Nas páginas a seguir, trouxemos as pautas do projeto O POVO Educação para ampliar o alcance dos debates. A diretora de Esporte, Educação e Trabalho da Rede Cuca, Manuela Bandeira, fala sobre o trabalho da Rede Cuca com a educação integral. “A educação integral é a oportunidade. A gente está oportunizando para aquele jovem do nono ano uma infinidade de possibilidades. Às vezes, eles chegam e não sabem nem que podem trabalhar com o meio ambiente, sustentabilidade. Hoje em dia, o meio ambiente e a sustentabilidade estão super em alta. Então, eles têm a possibilidade de conhecer o nosso viveiro, de plantar, de trabalhar com essas temáticas. Eles têm a possibilidade, por exemplo, de entender que, no futuro, se eles quiserem trabalhar, eles não precisam, necessariamente, ser CLT. Eles podem
empreender, podem aprender a fotografar, por exemplo”, conta. Já Marcus Giovani, sociólogo, advogado, professor universitário, pesquisador e coordenador do Escritório de Direitos Humanos Dom Aluísio Lorscheider (EDHAL), da Câmara de Fortaleza explica o conceito de racismo estrutural e como ele afeta a vida de pessoas negras e indígenas. “O racismo é, antes de tudo, um locus político. É a ideia de que existem pessoas que são superiores a outras por conta de um fenótipo, por conta de uma origem, por conta de uma cor da pele. Isso já tem uma dimensão política porque, a partir do momento que você diferencia uma pessoa da outra, você tem uma repercussão política. Então, o senso comum acha que o racismo tem relação com a injúria racial, por exemplo, eu xingar alguém pela origem, em virtude da sua característica fenotípica ou em virtude da sua cor da pele. Mas não é só isso. O racismo permeia a formação brasileira”, ensina. Ao tratar de bullying, Lorena Soares, psicóloga e CPO da Amar.elo Saúde Mental, plataforma de saúde mental que promove a saúde e o bem-estar emocional, aponta os caminhos para abordar o tema. “A gente hoje tem,
principalmente nas escolas, que é o local onde o bullying mais acontece, várias possibilidades de atuação. Inclusive, dentro da sala de aula, na hora em que você está trabalhando um conteúdo, é um tema transversal. Qualquer conteúdo que você esteja trabalhando em sala de aula, você consegue acessar esse tema e trabalhar com o aluno. Mas também existem programas, ações de tempos em tempos que as escolas fazem para trabalhar a temática do bullying”, destaca. E Lena Oxa, artista e apresentadora, uma das organizadoras da primeira Parada pela Diversidade de Fortaleza, aponta os caminhos para tratar a diversidade no ambiente escolar. “A educação é um todo, tanto na hormonização, como na fala, na escola, na faculdade, no cursinho. É primordial que, mais uma vez, as pessoas tenham sensibilidade. Se você tem religião, deixe em casa, se você tiver algum problema, deixe em casa, mas, na hora do tratamento, tem que ser tratado como a pessoa é”, defende. Nas páginas centrais deste caderno, reunimos as produções realizadas por alunos da Rede Cuca. Boa leitura!
COORDENAÇÃO DE PROJETOS E RELACIONAMENTO Daniel Oiticica ESTRATÉGIA, RELACIONAMENTO E CAPTAÇÃO Adryana Joca, Dayvison Álvares ASSISTENTE DE PROJETOS Renata Paiva ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO Daniela Nogueira GERENTE EXECUTIVA DE PROJETOS Lela Pinheiro ANALISTA DE PROJETOS Bell Dantas COORDENAÇÃO DE CRIAÇÃO Jansen Lucas DESIGNER Jean Rocha e Débora Colim REDATORA PUBLICITÁRIA Amanda Raviny
Gênero e Diversidade no ambiente escolar
Ensino e Transformação
P. 3
ANALISTA DE MARKETING Álvaro Guimarães e Hérica Paula
P. 4
GERENTE DE TRÁFEGO DIGITAL Natércia Melo ANALISTA DE PERFORMANCE Mariana Marques e Andreia Nogueira MOTION DESIGNER Dimas Gabriel ESTAGIÁRIA Jennifer Gomes
Este é um caderno customizado pela área de Produtos comerciais EDIÇÃO Paula Lima e Liana Dodt TEXTOS Letícia do Vale e Lucas Casemiro DESIGN Natasha Lima COLABORAÇÃO Rede Cuca
Educação Integral além da sala de aula
P. 6
Educação: a potência contra o racismo
P. 8 Bullying: a repetição da intenção de machucar
P. 10
LENA OXA
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QUINTA-FEIRA FORTALEZA - CEARÁ - 19 DE DEZEMBRO DE 2024
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Gênero e
DIVERSIDADE | INCLUSÃO | Uma das organizadoras da primeira Parada pela Diversidade de Fortaleza, a artista e apresentadora Lena Oxa fala sobre os desafios de discutir gênero e diversidade na educação SAMUEL SETUBAL
O POVO - Você percebe que o tema de gênero e diversidade tem sido mais discutido hoje do que há 20 anos? Lena Oxa - Há 20 anos, eu tenho 40 anos de história, de palco, de tudo, e isso já é uma entrada para a gente conversar sobre tudo isso. E a gente brigava muito mais antigamente. Hoje em dia tem muito mais recurso para a gente se promover, crescer diante de todas essas pautas que hoje em dia nos favorecem também. Não que esteja tudo prontinho para resolver. Existe uma comercialização do que você pode ser para poder viver dentro daquele sistema, que é muito complicado ainda trabalhar com gênero e diversidade. Até porque, quando você fala de gênero e diversidade, a gente tem que saber no dia a dia o que acontece, nos ambientes em que você é recebido. Será que a gente está cumprindo mesmo como é para ser a recepção da pessoa? Tudo isso é coisa que já foi muito mais complicada, já teve muito mais briga para a gente estar inserido dentro dos movimentos todos. Mas hoje ainda tem. O fogo não apagou. Ainda tem muito fogo para a gente apagar. OP - Como você percebe essa discussão sobre gênero e diversidade dentro do ambiente educacional? Lena - Eu vou falar pelas meninas trans. Há não muito tempo, as meninas deixavam de estudar porque eram chamadas pelo nome de batismo. Eu fui fazer um cursinho há 15 anos, tive a oportunidade de conhecer uma professora maravilhosa, e, quando ela me viu logo ela já sabia do problema. Ela chegou e disse assim “como é que eu tenho que lhe chamar?”. Eu disse “Lena Oxa”. Ela disse “Lena, tem na chamada aqui o seu nome de batismo, mas eu quero chamar como você representa a história”. Até porque ela veio me conhecer pelo meu trabalho. Não tinha esse negócio do nome social tão fácil, de você fazer a transição toda do nome. Ela colocou entre aspas, botou Lena Oxa. É como eu te digo, as pessoas que estão ali estão para poder ensinar os professores, elas tem que ter a sensibilidade de tratamento. Porque, se o professor não tiver, se for um professor áspero, eles ainda fazem porque é lei, tem que respeitar, e ali vai gerar um conflito muito grande. Mas, se fosse por eles, eles chamavam pelo nome de batismo. Então, era muito complicado, ainda é, mas, hoje em dia, as meninas estão já se educando. A educação hoje está muito mais ampla, muito mais perto das pessoas. Porque, hoje em dia, para você conseguir qualquer emprego, você tem que ter uma graduação, pequena ou grande que seja. Então, hoje em dia, elas têm a preocupação, até na base hormonal, é mais preocupante para elas entenderem, para as pessoas entenderem sobre esse assunto. A educação é um todo, tanto na hormonização, como na fala, na escola, na faculdade, no cursinho. É primordial que, mais uma vez, as pessoas tenham sensibilidade. Se você tem religião, deixe em casa, se você tiver algum problema, deixe em casa, mas, na hora do tratamento, tem que ser tratado como a pessoa é. Como é que a pessoa vai olhar para a minha cara e me chamar de ele? Você diz que tem um treinamento, vê aquela placa e você ainda chama o pronome errado. É porque quer, não é? Quando você precisa de um posto de saúde, como eu precisei, não tem um mês, aí tem aquela história, “é a vez dele, atende aqui ele”. Você já chega com problema e tem um problema de ansiedade. Ainda vai rebater, debater com a pessoa que está ali para poder me ajudar, e é complicado, mas a gente precisa muito mais de treinamento das pessoas para poder ver essa parte, principalmente, da educação. No colégio, se você não for bem tratado, você vai desistir. Tem muitas travestis, amigas minhas, muitos gays, hoje em dia, nas escolas. Ainda existe o bullying, o bullying tem que ser tratado dentro das escolas, o bullying mata dentro da escola. E tem alunos que, se não for muito forte, se não sair daquela escola e ir para uma outra, não vai resistir, vai morrer. É um quadro que a gente está ainda procurando, a aquarela, para poder pintar aquele quadro direitinho para um dia a gente ter uma paisagem bonita. OP - A gente observa, às vezes, em formulários, a opção de nome social, então você acha que isso é algo que tem ajudado? Lena - Não interessa se você quiser saber meu nome ou não, ou você me aceita como eu sou, pelo nome que você nem imagina que eu tenho, mas
Artista e apresentadora Lena Oxa acredita na transformação da sociedade a partir da educação e do respeito à diversidade
O ensino tem que ser desde a infância mesmo, já tem que ensinar a respeitar. Você tem só que educar as pessoas para elas entenderem que aquilo é normal
pela minha aparência. Você tem que respeitar as pessoas pelo que elas são. Agora, é muito bonito quando a pessoa chega e diz assim “como é que eu tenho que lhe tratar?”. Eu trabalho apresentando o show, eu trabalho com plateia, então, eu digo logo “gente, se eu errar, pelo amor de Deus, eu já estou velha”. Então, essa é uma forma de eu brincar, mas respeitando a pessoa. As pessoas têm que ter essa preocupação do nome social, porque, na verdade, para mim, só vai valer para mim mesmo, o meu querer ter e ser. OP - Como as escolas podem promover um ambiente inclusivo para estudantes de todas as identidades de gênero? Lena - Elas têm que deixar todas as pessoas livres, incentivando sempre o treinamento com os professores, com diretores de escola, com quem seja. Inserir essas pessoas, e torná-las visíveis e comuns. Então acho que tem que ter essa relação de professores, amigos, que não deixe ninguém… Pode ser cadeirante, pode ser transexual, pode ser lésbica, pode ser o que for, tem que tratar todas as pessoas com dinâmicas que façam com que as pessoas entendam que são gente igual às outras pessoas, até porque ninguém pede para ser diferente, mas vai da educação das outras pessoas. Tem muita gente que não precisa ser chamada a atenção, que não precisa dessa história de que vamos estudar, vamos fazer um workshop de tratamento. Quando a pessoa é gente, a pessoa tem que respeitar todo mundo. OP - Lena, quais os principais estereótipos de gênero que ainda persistem na sociedade que você observa? Lena - Nas transições que as pessoas querem se aproveitar das pessoas, querem fazer até
mesmo tipo de brincadeira, querem rotular as pessoas com indignidade. Tudo isso vai do respeito. Você não precisa rotular ninguém, a gente só tem que respeitar o próximo. Todo mundo é igual. Ah, porque não vou falar porque fulano é travesti, é um homem trans, entendeu? O mundo é para todo mundo. OP - Você esteve na primeira Parada pela Diversidade. Em que medida eventos como esse podem ajudar a promover um debate e ajudar a combater os preconceitos que ainda persistem na nossa sociedade? Lena - Camila, eu organizei a primeira parada, foi na raça. Tinha um dono de uma boate que gostava muito do meu trabalho. Trazendo toda aquela bagagem da Europa, da Bahia, eu conheci muita gente legal, inteligente, muito show diferente. E eu fui botando isso dentro da boate e foi crescendo muita gente. Eu já estava na boate, eu estava na televisão. Eu falei com o dono da boate, vamos fazer uma parada, deu muita gente. Eram três meses de propaganda para poder fazer essa parada. Então, do que eles pensavam que eram 50 pessoas atrás de um trilho, deu muito mais. Contabilizou 500 pessoas. Mas tinha mais de mil. Foi um marco. E a parada conscientizava todo mundo a ir para as ruas. Seja homem, seja mulher, gay, travesti, lésbica, o que fosse. E a gente falando palavras de ordem, mostrando os artistas da noite, mostrando os shows e tudo. Então, foi uma coisa que foi um livro que foi abrindo de educação. E eu creio que a gente tem respeito até hoje, que movimenta o Ceará todo. E eu fui a única travesti também que fiz todas as paradas do Ceará. São lutas da parada que tem que ter, Camila, para as pessoas poderem abrir os olhos e estar ali junto. Quando eu vi uma mãe com o pai, com o filhinho
no braço, pensei que era bom, que a parada já ia ajudar essas crianças que estão nascendo agora a ver que todo mundo é igual. A parada é um momento político, mas a gente está todo mundo se divertindo. Quantas pessoas, se reconciliaram com suas famílias, voltaram para o lado da família? Quantas mães aceitaram suas filhas travestis? Tudo isso foi uma construção muito grande dentro das paradas. E foi crescendo também a minha conduta como ativista dentro de todo esse sistema. OP - Quais os impactos da educação de gênero na vida das pessoas para entenderem sobre essas questões, para serem mais conscientes desde a infância? Lena - Eu acho que a educação tem que ter, não tem perigo algum. As pessoas acham perigoso colocar um ser humano, seja de que gênero, de que sexo for, junto com alguém, junto com uma travesti, isso não vai implicar nada. A pessoa já vem decidida com o que ela quer na vida. Então, o ensino tem que ser desde a infância mesmo, já tem que ensinar a respeitar. Você tem só que educar as pessoas para elas entenderem, a saber respeitar que aquilo é normal, tudo é normal, não tem nada de errado. Então, essa educação tem que vir do berço, desde o primeiro ano, quando a pessoa já está no ensino médio. Temos que ter mais diretoras, chefes de educação que façam que as pessoas vejam isso, inserindo todo mundo, todos os gêneros, todas as cores da diversidade, tudo o que existe com respeito naquela sala de aula. As pessoas têm que ser educadas, isso é uma parte primordial. Tudo vem da educação. E a educação não é na escola, não, viu? Não começa na escola, começa dentro de casa. Acho que a base de tudo é a família também. Depois vem para a escola para aprender a se socializar, se envolver com às pessoas.
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QUINTA-FEIRA FORTALEZA - CEARÁ - 19 DE DEZEMBRO DE 2024
Ensino e
TRANSFORMAÇÃO | OPINIÃO | A percepção da juventude sobre temas como os desafios da educação básica brasileira, a expansão das universidades e as novas possibilidades na era digital. Alunos da Rede Cuca refletem o futuro da educação a partir de ilustração, tirinha e textos autorais
Gabriele Rodrigues
Educar e criar novos centros A educação básica brasileira foi implementada a partir de moldes europeus, tendo no sistema educacional francês a maior inspiração para a cultura e legislação educacional brasileira. Com isso, o ensino de História no Brasil também foi diretamente influenciado pelas bases europeias. Raízes tão profundas que afetam, até os dias atuais, o modo de ensinar.
de maneira interligada a esse processo, pois foi pautada no referencial europeu. E assim temos um ensino básico pautado na óptica de legitimação de uma superioridade européia, uma legitimação das noções de vencedor e vencido, de conquistador e conquistado, de valorização de uma cultura que não é a nossa, e ainda de valorização desta cultura sobre a nossa.
O tema do Enem deste ano, “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, evidencia bem esta problemática. Nosso sistema de ensino ficou marcado por influências e perspectivas eurocêntricas. Até mesmo a produção dos livros didáticos de História se deu
Os docentes, mesmo com diversas defasagens e desvalorizações, tomam para si o combate ao ensino eurocêntrico, fazendo uma mediação entre a linguagem e o conteúdo acadêmico para o ensino básico, trabalhando questões como reconhecimento, identidade e
representatividade, proporcionando aos alunos a possibilidade de uma valorização da própria cultura. Assim, é necessário que se entenda que a partir desses profissionais não se muda apenas a realidade enraizada na disciplina de história ou a realidade do ensino no Brasil, mas muda a realidade da forma como nos vemos na História, como vemos a nossa própria cultura. É preciso entender a importância do ensino e as possibilidades que este traz para a mudança de toda uma sociedade, pois ensinar é mudar a forma como toda uma sociedade se vê, é mudar a forma como uma região se entende.
Luana Almeida
REDE CUCA
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QUINTA-FEIRA FORTALEZA - CEARÁ - 19 DE DEZEMBRO DE 2024
Expansão das Universidades Públicas já! O Estado é essencial para a pesquisa e o desenvolvimento, uma vez que a iniciativa privada não realiza investimentos de longo prazo, muito menos em pesquisa. O Brasil foi um dos países que mais cresceu no Ocidente entre 1930 e 1980. Muitas transformações ocorreram, desde a industrialização até o êxodo rural. Houve acertos e erros, crescemos consideravelmente, mas, ao mesmo tempo, concentramos a renda em um número cada vez menor de pessoas. Tudo isso teve o papel central do Estado. Neste momento crucial de crise climática, é necessário um Estado Popular forte e uma concepção de Universidade Popular. As soluções vêm do nosso
povo, que é extremamente inteligente. As Universidades Públicas desempenham um papel fundamental na pesquisa e no desenvolvimento regional. Um exemplo disso é o uso da pele de tilápia e o elmo desenvolvido pela UFC durante a pandemia. Precisamos de mais investimentos e expansão para as regiões mais afastadas das grandes cidades. E, mesmo nas grandes cidades, é necessário que as Universidades Públicas cheguem às favelas. A política de cotas tem sido essencial para ampliar o acesso às Instituições Federais de Ensino, contribuindo para a formação de novos intelectuais orgânicos. Para Gramsci, filósofo marxista italiano, cada classe social tem seus intelectuais
orgânicos, que são responsáveis por desempenhar um papel político e de organização na luta por direitos e pela hegemonia do pensamento. Com o corte de isenções fiscais e o aumento de impostos para bilionários, grandes fortunas e sobre lucros e dividendos, é possível remanejar recursos para o orçamento público e promover mais investimentos, mais bolsas para ensino e pesquisa, mais campi, e, inclusive, chegar a um ponto em que nem precisaremos de seleções que dificultam o acesso às universidades. Se na Argentina, que está em crise há décadas, não há vestibular para ingresso nas universidades federais, por que um país rico como o Brasil não pode oferecer esse direito constitucional ao seu povo?
Saulo Corleone
ULLYZ
Era digital: novas possibilidades e novas obrigações A educação em ciência e tecnologia é imprescindível porque estamos na era da informação. Quem não se atualiza fica para trás! No século XXI, quem não sabe fazer uma coisa simples, como PIX, vai ficar muito atrasado, pois a tendência é a tecnologia avançar mais rápido. Por isso, idosos são alvos mais fáceis de várias modalidades de golpes online, enquanto os jovens perdem seu dinheiro com cassinos online, pensando que estão investindo em uma renda extra, influenciados pelas celebridades da nova era, os “influencers”. Hoje, na era digital todos têm a chance de tentar se destacar mesmo tendo pouco recurso para
investimento. Com as lojas online, você pode vender, seja um conteúdo bem popular como aulas de inglês ou violão, seja um conteúdo mais nichado como aulas de xadrez. São exemplos de cursos, mas na internet, atualmente, vende-se tudo o que existe em lojas físicas. A internet encurtou significativamente a distância entre os prestadores de serviços e os consumidores.
Na área da cultura, como música ou artes plásticas, é bem mais fácil a difusão do conteúdo. Sabe-se que existem plataformas que monetizam conteúdos como o Youtube, que pode remunerar um artista que publica vídeos de suas obras na plataforma. Na música, o Spotify é uma plataforma de áudio que pode remunerar de músicos a podcasters.
Não é só na esfera virtual que a tecnologia pode ajudar a gerar renda para o público mais antenado. Até quem tem lojas físicas pode usar o tráfego pago para impulsionar as vendas, enviando anúncios de sua loja na internet de forma mais precisa e direta ao público alvo, maximizando vendas, seja de serviços ou mercadorias.
O uso da tecnologia bem focada no desenvolvimento pessoal pode ser muito benéfico para o indivíduo, gerando renda e oportunidades. O uso das novas tecnologias também pode ser muito saudável para o coletivo com a propagação de boas práticas e notícias relevantes e verdadeiras.
Amilton Moura
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6 MANUELA BANDEIRA educação educação
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FCO FONTENELE
Saberes da
EDUCAÇÃO INTEGRAL | CONTRATURNO ESCOLAR | Projeto oferecido pela Rede Cuca amplia os saberes e as oportunidades para além da sala de aula. Após o período escolar, jovens do oitavo e nono ano têm a possibilidade de fazer atividades de formação complementar
Um dos maiores desafios dos jovens é se desconectar do celular durante as atividades de contraturno e focar no aprendizado em sala de aula
MANUELA BANDEIRA
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QUINTA-FEIRA FORTALEZA - CEARÁ - 19 DE DEZEMBRO DE 2024
A diretora de Esporte, Educação e Trabalho da Rede Cuca, Manuela Bandeira, explica o que é educação integral e como a metodologia é aplicada nos Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte de Fortaleza. No Projeto Integração, alunos do nono ano das escolas municipais da Capital recebem aulas de reforço de português e matemática, além de praticarem esportes e participarem de oficinas de artes, danças, teatro, audiovisual e mais. OP - O que é a educação integral? Manuela Bandeira - A educação integral na Rede Cuca funciona como contraturno. Então, os jovens que têm aula das disciplinas normais pela manhã nas escolas vão à tarde para a Rede Cuca e têm a possibilidade de fazer esporte, arte, oficinas de audiovisual e, além disso, de ter um reforço nas aulas de português e matemática. É assim que está funcionando a educação integral na Rede Cuca com o projeto integração. Na Rede Cuca, a gente tem a possibilidade de fazer uma diversidade de aulas esportivas, por exemplo, como muay thai, judô, vôlei. Eles têm a possibilidade de fazer dança, teatro, oficina de fotografia, de rádio, de libras. É uma infinidade de possibilidades que, se não fosse a educação de tempo integral, o contraturno, eles não iam ter. Na Rede Cuca, a gente recebe mais de mil jovens do nono ano da Prefeitura, da Escola Municipal de Fortaleza. É importante ressaltar que eles têm a possibilidade também de ter contato com temas como sustentabilidade e meio ambiente, trabalho e empregabilidade, equilíbrio emocional. Tudo isso a gente trabalha na Rede Cuca, no contraturno, na educação integral. OP - Você está lá há três anos. Como você tem observado o pós? Você oferece isso para os alunos e o que acontece depois? Manuela - A gente recebe alunos do nono ano, alguns do oitavo, mas o foco do projeto integração são os alunos do nono ano. A gente consegue cadastrá-los como jovens aprendizes, a gente consegue auxiliá-los com o que eles querem ser, o que eles vão fazer de vestibular. A Rede Cuca consegue, no projeto integração, dar esse direcionamento. É muito bacana ver a gama de jovens que a gente atende através desse projeto se descobrirem. Alguns viram monitores da gente no futuro. Eles falam: “Tia, quero trabalhar com audiovisual, com cinema, quero ter meu podcast”. É legal você ver eles se descobrindo na Rede Cuca. Eles têm aula de podcast, de vídeo, de cinema, de K-pop, eles conseguem ser atendidos na biblioteca, eles lêem, a gente tem jovens que desenham. Então, é uma infinidade. OP - Como a educação integral impacta o desenvolvimento social e emocional desses alunos? Manuela - Eu acho que a educação integral, hoje, é um diferencial. Eu acho que todo mundo deveria ter a oportunidade de participar da educação integral, porque é o momento em que eles estão além da sala de aula e estão tendo a possibilidade de conhecer possibilidades. A educação integral é a oportunidade. A gente está oportunizando para aquele jovem do nono ano uma infinidade de possibilidades. Às vezes, eles chegam e não sabem nem que podem trabalhar com o meio ambiente, sustentabilidade. Hoje em dia, o meio ambiente e a sustentabilidade estão super em alta. Então, eles têm a possibilidade de conhecer o nosso viveiro, de plantar, de trabalhar com essas temáticas. Eles têm a possibilidade, por exemplo, de entender que, no futuro, se eles quiserem trabalhar, eles não precisam, necessariamente, ser CLT. Eles podem empreender, podem aprender a fotografar, por exemplo. Então, eles têm aula de fotografia em estúdio. Além disso, esse reforço que eles têm de português e matemática é fundamental. OP - Manuela, quais as competências essenciais que a educação integral busca desenvolver? Manuela - Eu acho que, principalmente, as competências ligadas ao equilíbrio emocional. A gente atende muitos jovens que precisam desse amparo do equilíbrio emocional, porque o emocional vai estar muito ligado ao que eles vão ser quando eles forem mais velhos. Então, a Rede Cuca é isso. A gente tem também o atendimento psicossocial lá. É muito legal você ver que a maioria volta. Todo final de ano a gente faz apresentação, Feira das Profissões, aulas de dança, de teatro. Então, eles vão lá, fazem um projeto final. Então, é muito legal ver eles se transformando.
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OP - A gente está falando dos casos da Rede Cuca, mas de que maneira essa educação integral pode ser implementada em escolas mais tradicionais? Manuela - Em escolas mais tradicionais, eu acho que é isso. O contraturno apresentando para o jovem a oportunidade de tudo. Enquanto jovem, o que é que eu tenho no futuro próximo? Enquanto criança, fazer uma atividade física. A gente hoje sabe da importância que é fazer uma atividade física, a importância do nosso equilíbrio emocional estar em dia. A importância das crianças fazerem um futebol, até para a socialização. Então, hoje a gente vive muito no mundo da internet, do videogame, do computador, do celular. Então, o contraturno que a criança está lá no colégio é a possibilidade de socialização. Dela entender que tem todo um universo a mais e que o colégio não é só sala de aula. Que o colégio é uma oportunidade de ir além da sala de aula. E, no tempo integral, as crianças lancham, almoçam no colégio. Então, elas estão em contato com as professoras, com os terapeutas, com os psicólogos. É fundamental. OP - Como a família pode ser envolvida nesse processo de educação integral? Manuela - Lá na Rede Cuca, a gente recebe as famílias. Antes dos projetos começarem, a gente tem uma reunião com as famílias dos jovens que vão participar, e apresentamos o que é o projeto de integração, o que é esse contraturno, o que é esse tempo integral que eles vão ter dentro da Rede Cuca. O papel da família é fundamental, porque, se a família compra aquela ideia, ela entende que é importante, ela vai fazer com que o jovem vá. A gente vai ter uma taxa de evasão menor. A gente começa, às vezes, com muitos, e eles se evadem. Se a família não está ali falando “ó, isso é importante, vai lá, filho, tu tem que ir, isso é importante para você no futuro”, é muito difícil a gente ter o jovem até o final do ano. Ele vai se evadir. Mas, se a família está com a gente, se a família conhece o projeto, vai participar da Feira das Profissões, vai para a apresentação de teatro, vai ver o jovem crescendo. E eu acho que o tempo integral é isso, a família precisa estar, precisa acreditar que esse modelo de ensino é para sempre, no sentido de que vai transformar aquele jovem. OP - Então, há, de fato, essa diferença quando a família acompanha e quando não acompanha? Manuela - Com certeza. Quando a família acompanha, a gente vê que o jovem se sente até mais confortável e busca outras oportunidades. A gente recebe muitos pais nas coordenações. Pais que adoram o projeto. Às vezes, a gente está sem vaga. Então, a gente recebe o pai pedindo “por favor, bota ele na fila de espera. Meu filho adora”. Ou então, a gente, por exemplo, tem jovens que se descobrem no esporte, dentro da integração, futuros atletas. E é lindo. É muito legal você ver o tempo integral funcionando e transformando. Porque eu acho que colégio, educação, não é só dentro da sala de aula. A educação é um todo. E os jovens, as crianças, precisam entender que a educação vai muito além do muro. É isso que eu acho que o tempo integral possibilita.
Hoje o principal desafio é a implantação da educação integral na rede pública toda. Isso mudaria a educação das crianças e dos jovens
OP - Como a educação integral se relaciona com a inclusão e a diversidade nas escolas? Manuela - Eu acho que é o maior desafio, porque muito se diz que tal escola é inclusiva e você chega e ela não é. Ser inclusiva não é só receber um jovem PCD e deixá-lo de lado. É ser o melhor possível. Eu tive, enquanto coordenadora de curso de design, alguns jovens que tinham TEA, que é transtorno do espectro autista. E eu tinha um jovem que só conseguia fazer prova se a prova fosse em formato de quadrinhos. A gente teve uma reunião de professores, e todos os meus professores fizeram as provas em formato de quadrinhos. Hoje, o jovem é um super designer. A gente só precisava entender o que é que ele precisava. Isso é inclusão. Inclusão não é eu querer que o jovem entre no meu mundo, mas eu entro no mundo dele. A gente tem que aceitar, viver a diversidade, possibilitar que a nossa juventude viva a diversidade e viva a inclusão. Precisa ter diálogo. Eu acho que o grande desafio é esse diálogo da diversidade e da inclusão. OP - Que metodologias de ensino são eficazes para promover a educação integral? Manuela - Eu acho que a gente precisa apostar em metodologias que deixem os jovens mais ativos, no sentido do que eles propõem. Nas quartas-feiras, por exemplo, a gente tem as oficinas normais, as atividades físicas, mas no outro horário a gente faz atividades que são rodas de conversa. Aí a gente entra na questão da sustentabilidade, do trabalho, da empregabilidade. E os jovens têm que se sentir participantes. A gente precisa que o jovem entenda o papel dele, que ele seja ativo, que ele proponha. Acho que a metodologia é essa, do jovem propor para a gente o que é que ele quer, o que é que ele pensa, o que é que ele pensa que é um mundo de oportunidades para ele. Eu acho que essa é a que mais daria certo, esse equilíbrio de transformar ele num participante ativo, não só num participante ouvinte. OP - Como a tecnologia se inclui para melhorar essa busca pela educação integral?
Manuela - A tecnologia é um desafio, porque é muito difícil. Eu acho que hoje o desafio dos professores e da educação é como possibilitar que as ferramentas tecnológicas ampliem os horizontes da educação. Como é que eu posso utilizar dessas ferramentas para ter uma aula mais dinâmica, mais atrativa, sem esquecer que ele precisa de conteúdo. Então, eu não posso ter uma aula que eu esteja brigando toda hora com o smartphone. Vai ter horas que o smartphone vai ter que ficar de lado, porque o conteúdo não vai caber ali, o conteúdo vai ter que estar na sala. E a educação de tempo integral, eu acho que é também esse equilíbrio, porque eles deixam o celular de lado e eles participam das atividades. Mas eu também não posso esquecer que o celular está ali. Então, eu posso, por exemplo, propor uma oficina de fotografia com o celular. Então, assim, a tecnologia não pode ser inimiga, ela tem que ser aliada. A gente precisa aliar educação e tecnologia. A gente precisa buscar esse equilíbrio, porque a tendência do jovem é entrar no celular e voar. OP - Quais os principais desafios que você elencaria na busca pela educação integral? Manuela - Eu acho que hoje o principal desafio é a implantação da educação integral na rede pública toda. E eu acho que isso mudaria a educação das crianças e dos jovens. Desafio 1: implementar a educação de tempo integral em todas as escolas e todos os jovens e crianças terem a possibilidade de viver o melhor da educação, da educação física, das artes, da cultura, pensando sempre no seu contraturno. Desafio 2: equilíbrio emocional. Na Rede Pública, a gente tem a possibilidade de ter o atendimento psicossocial, mas eu precisava ampliar esse atendimento, esse acolhimento com equipes aptas a atender esse jovem. Desafio 3: como incorporar a tecnologia na educação, sem que a gente tenha uma evasão e sem que a gente use o celular toda horaMas o equilíbrio emocional está bem acima, porque hoje, para a gente entender bem, estudar, estar bem, a gente precisa estar equilibrada emocionalmente. Eu acho que essa competência do equilíbrio emocional o nosso jovem vai levar para a vida toda.
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OP - A educação integral, que é isso de formar o indivíduo como um todo para além das matérias obrigatórias, tem que, necessariamente, caminhar junto com a questão da educação em tempo integral? Que são duas coisas diferentes. Manuela - As duas estão caminhando juntas. A educação em tempo integral é diferente da educação integral. Mas a gente precisa diferenciar o papel dos pais e o papel da escola. Não é que a escola vá moldar 100% aquela criança ou aquele jovem. A escola e os pais têm que caminhar juntos. Por isso a importância dos pais entenderem o que é um tempo integral, o que é esse tipo de ensino e como ele pode ser melhor aproveitado. Na educação integral, a gente vai ter complementos para a formação daquele jovem, mas caráter, questões ligadas à vida, ele vai ter que ver em casa também. É importante os pais entenderem isso, porque, às vezes, se joga muita responsabilidade para o colégio. Não é 100% do colégio. Também não é 100% dos pais. Mas eles trabalham em conjunto.
A diretora de Esporte, Educação e Trabalho da Rede Cuca, Manuela Bandeira, acredita na educação integral como meio de transformação
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EDUCAÇÃO: a potência contra o racismo | COMBATE | O racismo deve ser considerado uma grande força política. E a luta contra ele deve ter como estratégia uma educação contínua e transversal Marcus Giovani é sociólogo, advogado, professor universitário, pesquisador e coordenador do Escritório de Direitos Humanos Dom Aluísio Lorscheider (EDHAL), da Câmara de Fortaleza. Ele explica o conceito de racismo estrutural e como ele afeta a vida de pessoas negras e indígenas, desde o acesso a direitos básicos e ingresso no mercado de trabalho até a saúde mental. O POVO - Já começo pedindo para que você explique o conceito de racismo estrutural e exemplifique as diferentes faces dele no nosso dia a dia.
OP - Quais os efeitos do racismo estrutural na vida de pessoas negras e de pessoas indígenas? Marcos - Essa estrutura racista é o que o Achille Mbembe chama de máquina de moedas. Achille Mbembe é um filósofo camaronês, radicado na África do Sul. Ele criou um conceito que está muito em voga chamado necropolítica. O racismo estrutural também gera o que o Achille Mbembe configura com necropolítica. Para que você compreenda o que é necropolítica você tem que compreender o que é biopolítica, que é um conceito que o Michel Foucault usava, e é usado até hoje. A biopolítica é quando o Estado ou o poder soberano, aquele que detém o poder, decide quem morre e quem vive. Por exemplo, a vacinação é um mecanismo de controle biopolítico, porque quando você se vacina, você imuniza uma parcela da população contra doenças, e outra parcela que não se imunizou morre. Isso é a biopolítica, o controle da vida. A necropolítica parte de um ideário de morte. A necropolítica é quando o Estado faz morrer ou deixa morrer. Isso tem muita relação com a questão das mortes de jovens negros nas periferias. O Estado, durante muito tempo, se omitiu em relação à implementação de direitos sociais básicos, como, por exemplo, direito à educação, à saúde, à moradia, principalmente políticas voltadas para a juventude. Hoje, a gente vê essas pessoas que foram historicamente negligenciadas pelo Estado aderindo a organizações criminosas, matando e morrendo. Isso é a necropolítica. É quando uma determinada população é deixada morrer ou é morta pelo Estado, por ação ou omissão. Então, o racismo estrutural tem relação exatamente com a necropolítica. A gente vê, nas populações indígenas, principalmente nos Yanomamis. Por exemplo, os Yanomamis, quando não morrem de doenças de nós, dito civilizados, como cólera, morrem pela ação direta dos garimpeiros e, às vezes, pela ação direta do Estado. E a base da necropolítica, o que a justifica é, exatamente, o racismo. É a divisão social de pessoas por fenótipos, por origem.
DUDA RABELO/ESPECIAL PARA O POVO
Marcos Giovani - Bom, o racismo, inicialmente, tem que ser compreendido como uma grande força política. O racismo é, antes de tudo, um locus político. É a ideia de que existem pessoas que são superiores a outras por conta de um fenótipo, por conta de uma origem, por conta de uma cor da pele. Isso já tem uma dimensão política porque, a partir do momento que você diferencia uma pessoa da outra, você tem uma repercussão política. Então, o senso comum acha que o racismo tem relação com a injúria racial, por exemplo, eu xingar alguém pela origem, em virtude da sua característica fenotípica ou em virtude da sua cor da pele. Mas não é só isso. O racismo permeia a formação brasileira. A sociedade brasileira foi formada e formatada a partir do racismo, porque é impossível você acreditar que um país que teve quatro séculos de escravidão de pessoas que foram sequestradas do continente africano e trazidas da força para cá tenha eliminado, de uma hora para outra, essas diferenças, essa crença de superioridade. Muitas vezes, essa crença é internalizada. E a nossa estrutura social é toda baseada nessa diferença, baseada na raça. Eu estava vendo uma fotografia um dia, dentro da internet, de um grupo de formandos de medicina e um grupo de garis. O grupo de garis era, na sua totalidade, formado por homens negros. E os formandos da medicina eram, na sua totalidade, homens e mulheres brancas. Então, a nossa estrutura social é uma estrutura racista, e ela está sempre atualizando padrões coloniais de comportamento e de cultura. Tem um naturalista francês chamado Jean-Baptiste Debret, que criou várias iconografias. Um quadro que ele pintou retrata muito a sociedade brasileira do século XVIII, que é um casal, um homem e uma mulher branca, com duas pessoas escravizadas, na mesa, em pé, e duas crianças no chão, negras. Qual a diferença dessa iconografia para o que a gente vê nos shoppings, hoje em dia? A gente vê empregadas negras cuidando dos filhos de pessoas brancas. Então, essa estrutura racista dita comportamentos. Ela dita, inclusive, quem deve ter ou não acesso a direitos fundamentais básicos. O sociólogo e professor universitário, Marcus Giovani, aponta as recorrentes formas de discriminação racial da sociedade brasileira
E é o que está acontecendo também hoje na Palestina, na faixa de Gaza. A gente vê ali uma espécie de laboratório racista, porque pessoas estão sendo mortas porque são palestinas, porque moram em uma área de conflito. O racismo tem uma relação grande com quem morre e quem vive. Se você pegar o mapa da violência, principalmente feito por um instituto sério, que é o instituto Sangari, vinculado à Universidade de São Paulo, você vai ver que as pessoas que são vítimas de mortes violentas são pessoas não-brancas. Isso inclui os negros e os pardos. Então, a necropolítica é uma das faces do racismo. OP - Como o racismo estrutural afeta a oportunidade de emprego de um jovem negro que vai tentar entrar no mercado de trabalho? Marcos - Tem um filme que eu assisti quando eu era criança, dos anos 80, que é Cegos, Surdos e Loucos. É uma comédia, conta a história de dois amigos, um negro e o outro branco, um era cego e o outro era surdo. E eles são acusados injustamente de um homicídio. Então, nesse filme eles têm que provar a
inocência deles. O cego, que é negro, não sabia da condição dele de homem negro. Chega uma pessoa pra ele e diz “olha, você é negro”. Ele se desespera, e o amigo dele que é surdo questiona por que ele está desesperado. Aí ele diz que ele vai ter que redimensionar toda a vida dele. O que eu quero dizer é que ser negro é estar o tempo inteiro dimensionando e redimensionando a própria vida. É o que eu chamo, na minha tese de doutorado, de equação mimética. Por exemplo: para eu vir aqui pro jornal, eu tive que fazer um cálculo mimético de que roupa eu ia colocar, que tipo de relógio, o relógio é uma coisa importante. Eu sempre tenho que andar com documentos. Então, o redimensionar da vida de um homem negro é isso, você tem que estar o tempo inteiro pensando no que o outro branco pensa ao seu respeito, para, assim, agir e constituir a própria vida. Então, o racismo estrutural tem relação exatamente com essas questões. Durante muito tempo, eu fui a única pessoa do curso de Direito que era negra, em uma instituição de ensino que eu dava aula. Se você pegar os do CNPQ, os numeros de pesquisadores negros é ínfimo em relação a pesquisadores brancos. A produção de conhecimento, no Brasil e no
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mundo, é uma produção branca, porque a maioria das pessoas que produz conhecimento é branca. O racismo opera de várias maneiras, ele tem vários tentáculos. Se você pegar os indicadores de saúde, as mulheres que mais sofrem violência obstétrica são mulheres negras, as pessoas que mais morrem por erro médico são pessoas negras, as pessoas que menos têm acesso à saúde são pessoas negras, e os indicadores da educação são a mesma coisa. A maioria das pessoas que têm acesso a uma educação de qualidade é de pessoas brancas. Os negros não têm tanto acesso ao enisno superior. Então, o racismo estrutural tem relação com essa dinâmica da produção e reprodução de uma desigualdade sócioespacial e socioeconômica. OP - E a saúde mental, como fica nisso tudo? Marcos - O Frantz Fanon, um psiquiatra martinicano, escreveu um livro que, para mim, toda pessoa que trabalha com saúde mental deve ler, que é o Pele negra, máscaras brancas. Ele foi o pioneiro da abordagem psíquica do racismo. Ele diz que o corpo negro é um corpo que nunca vai encontrar um santuário, que é a paz, porque é impossivel você ter uma saúde mental plena quando você tem que fingir inocência, mesmo sendo inocente. A pessoa negra passa por essa dinâmica. Isso independe de classe social. Eu sou um negro de classe média, mas sempre que eu vejo um carro da polícia, mesmo eu não tendo nenhum tipo de envolvimento em atividade criminosa, eu tenho que me comportar como um cidadão de bem, tenho que emular uma inocência, mostrar o tempo inteiro que eu sou inocente. Então nós, negros, estamos o tempo inteiro calculando e recalculando a nossa vida. Existem ambientes em que a gente se sente constrangido de entrar, independentemente de classe social. E existem alguns outros que nem tanto. Na minha tese de doutorado, eu pesquisei branquitude e segurança pública, porque, geralmente, a gente pesquisa o racismo a partir dos negros, então resolvi inverter um pouco o polo dessa equação de pesquisa, e pesquisar qual a percepção dos brancos sobre a segurança pública. Eu coletei alguns dados extremamente interessantes. Primeiro, muita gente acha que a segurança pública, que os lugares mais violentos, têm relação só com a classe e o território. Por exemplo, o Lagamar é mais violento porque lá moram pessoas pobres, o Meirelles não é tão violento porque lá moram pessoas de classe média alta e classe média. Mas, dentro dos territórios conflagrados pela violência existe uma dinâmica de racismo estrutural. Os negros são tratados de formas diferentes em relação a homens brancos, tanto pela própria população do território quanto pela polícia. Eu pesquisei homens brancos e homens negros que sofreram abordagem policial, e a visão deles é completamente diferente. Eu vi relatos de um homem branco que morava no Lagamar que dizia que a polícia não era tão violenta com eles, muito pelo contrário, quando ele estava com um grupo de amigos deles no Lagamar, a polícia dava o baculejo, entre aspas bem grandes, somente nos negros. E quando ele ia questionar a polícia, sempre achavam que ele não morava numa área pobre conflagrada pela violência. Eu entrevistei, também, homens negros de classe média, e o interessante é que eles eram, invariavelmente, confundidos com trabalhadores subalternos, entre aspas bem grandes. Um deles até me narrou que morava num prédio de classe média alta no Meirelles, ele era um homem negro de 40 e poucos anos, funcionário público, concursado, e ele me disse que quando ele ia pegar o Uber, achavam
que ele era porteiro, entregador, nunca atribuíam a ele um status de alguém que pudesse morar ali. Teve uma entrevista de um homem de classe média, negro também, que foi barrado no prédio da própria mãe, porque mudou o porteiro e o porteiro não acreditou que a mãe dele morava ali. Aí ele pediu para interfonar e o porteiro respondeu “não, não tem ninguém como você que mora aqui”. Então, essas dimensões microsociológicas da vida real são um retrato daquilo que está na estrutura, daquilo que é macrosociológico. OP - Que estratégias podem ser implementadas para apoiar alunos que enfrentam discriminação racial e como os educadores podem atuar para combater isso? Marcos - Eu acho que a educação é um instrumento poderoso. Primeiro, para quebrar estigmas e estereótipos. Eu acho que, sobre a população negra, ainda repousam muitos estigmas e estereótipos. Principalmente no que tange à questão da capacidade cognitiva, intelectual. Acham que o corpo negro foi feito somente para atividades físicas, não para atividades intelectuais. Eu acho que a educação pode, e deve, abordar, de forma transversal e direta as relações raciais. Existem alguns livros que são perfeitamente cabíveis como estratégias educacionais. Um livro de Jeferson Tenório, chamado o Avesso da pele, que, inclusive, foi proibido no sul do país, é um livro muito educativo no sentido das relações raciais, no sentido de elucidar o racismo no Brasil. Porque, durante muito tempo, o racismo no Brasil foi algo muito encoberto. As pessoas não admitem que são racistas, no entanto, elas são, porque elas estão nessa estrutura. Então, eu acho que a educação é uma estratégia que tem uma potência enorme para diminuir o racismo, mas tem que ser contínua e transversal.
Sobre a população negra, ainda repousam muitos estigmas e estereótipos. Principalmente no que tange à questão da capacidade cognitiva, intelectual
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BULLYING: a repetição da intenção de machucar | PREVENÇÃO | Saber lidar com o bullying no ambiente escolar é desafio para educadores que devem traçar estratégias para combater e unir escola, família e criança Lorena Soares é psicóloga e CPO da Amar.elo Saúde Mental, plataforma de saúde mental que promove a saúde e o bem-estar emocional. Em entrevista ao O POVO, a especialista falou como prevenir o bullying nas escolas e que sinais podem ser observados em crianças e adolescentes envolvidos nesse cenário O POVO - Qual tem sido a principal ferramenta para combater o bullying, visto que esse não é um problema de hoje? Lorena Soares - É complicado tratarmos de bullying e falar de uma ferramenta só para se combater o bullying. A gente hoje tem, principalmente nas escolas, que é o local onde o bullying mais acontece, várias possibilidades de atuação. Inclusive, dentro da sala de aula, na hora em que você está trabalhando um conteúdo, é um tema transversal. Qualquer conteúdo que você esteja trabalhando em sala de aula você consegue acessar esse tema e trabalhar com o aluno. Mas também existem programas, ações de tempos em tempos que as escolas fazem para trabalhar a temática do bullying. Elas trazem feiras culturais, feiras de ciência… são várias ações que a gente consegue, durante todo o ano letivo, trabalhar a temática dentro da escola. Isso quando estamos falando no bullying escolar, porque o bullying é bem complexo, ele está inclusive nos ambientes de trabalho. OP - Mas Lorena, seria o ambiente escolar o berço do bullying? Podemos dizer isso? Lorena - Podemos, porque, se pensamos que a criança e o adolescente está, em grande parte do dia, dentro da escola, esse desenvolvimento deles acontece lá dentro. Se as relações deles com outras crianças e adolescentes acontecem no ambiente escolar, naturalmente esse é um ambiente que vai ser propício para que o bullying aconteça. Temos que entender que faz parte do desenvolvimento da criança ela querer ter poder, desafiar o outro. Às vezes, a forma disso acontecer é uma forma que, para nós, não é legal. Às vezes, a criança nem entende que isso já é um bullying. Outras crianças que já são mais velhas já conseguem compreender isso, têm essa consciência e fazem mesmo assim, mas as crianças menores, às vezes, nem têm noção de que aquilo que ela está fazendo é um bullying e, ainda assim, ela faz, porque faz parte do jogo de crescimento da criança. Cabe a nós, adultos, fazer toda essa orientação e mediar esse conflito que pode existir dentro da escola. OP - E qual o papel da escola na prevenção e no combate a esse problema? Lorena - Primeiro, prevenir, antes de qualquer coisa. Se a gente trabalhar valores humanos e prevenção ao bullying desde muito cedo na escola, vamos reduzir a possibilidade desse acontecimento. E, na hora em que acontece, temos que fazer um trabalho conjunto, escola, família e criança. A gente tem que introduzir a família como responsável por aquela criança. E, com todos esses entes juntos, a gente faz um trabalho. Inclusive, se a gente não consegue fazer esse controle, de ser algo não só mais educativo, mas já punitivo, se realmente a gente não conseguir um processo de crescimento desse adolescente ou dessa criança, infelizmente devemos tomar medidas mais sérias, como até uma expulsão, que a gente não gosta nem de falar sobre isso, mas é uma possibilidade caso seja algo que, realmente, a escola não consiga dar conta.
OP - E no caso de uma expulsão de um aluno que pratica bullying, qual a sua visão sobre isso? Lorena - Não é o que a gente espera, porque a gente gostaria que a escola conseguisse trabalhar esse adolescente ou essa criança para que isso não aconteça mais. Quando a gente fala de um bullying que chega ao ponto da escola pensar em uma expulsão, a gente, às vezes, está pensando em um comportamento muito afetado, muito agressivo. Provavelmente uma criança, eu estou conjecturando, mas é, provavelmente, uma criança ou uma adolescente que tem TOD, Transtorno Opositor Desafiador, que não consegue ser controlado e que, justamente por isso, o ideal é que a escola consiga trabalhar isso. Então, realmente, essa é uma última possibilidade, quando já está tão desgastada a relação dessa criança dentro dessa turma que, provavelmente, vai ser muito complicado para ele ficar lá, porque ele também vai ser rejeitado pelo excesso de tentativas de se mediar essa situação. Também pode acontecer a saída desse aluno que é o agredido, quando, muitas vezes, a coisa já está tão difícil, ele está emocionalmente já tão abalado dentro daquela instituição, que não vai fazer mais bem para ele em termos psicológicos continuar naquele ambiente, e talvez iniciar um novo processo dentro de um outro local seja mais saudável. Tudo isso é algo a ser analisado, não é uma primeira ação que vai causar esse tipo de tomada de atitude, até porque o bullying não pode ser definido com uma só atitude. OP - Quais os principais efeitos emocionais e psicológicos nas crianças que sofrem bullying? Lorena - Medo, sentimento de humilhação, de tristeza, baixa autoestima. Isso, inclusive, pode repercutir em todo o desenvolvimento dele, inclusive na vida adulta, de ele se sentir menos que os outros, uma menos valia. Mas o vitimador também precisa ser cuidado, a gente tem que entender que ele é alguém que precisa de cuidados, assim como a vítima é alguém que precisa de cuidados. É algo que mexe com o psiquismo dos dois.
Se a gente trabalhar valores humanos e prevenção ao bullying desde muito cedo na escola, vamos reduzir a possibilidade desse acontecimento
OP - Quais os sinais de que uma criança ou adolescente está sendo vítima de bullying? Lorena - Tem algumas crianças que são mais abertas e conseguem claramente falar sobre o assunto. O bullying tem várias formas de aparecer. Às vezes, é um bullying fisico, a criança é maltratada fisicamente por outra. Às vezes, é psicológico, e aí, nesse caso, existe a humilhação, tentar convencer aquela criança que ela não é boa o suficiente, que não vale a pena ser amigo dela, que ela não presta, vai causando uma baixa autoestima e uma visão deturpada dela mesma. Na agressão física, muitas vezes, acontecem sintomas na pele da criança, de aparecer roxa, vermelha, marcas de dedo. A criança fica mais chorosa, começa a dizer que não quer mais ir para a escola, e, quando o pai pergunta, às vezes, ela não quer dizer o que está acontecendo, e nem sabe dizer o que está acontecendo. Ela fica muito mais chorosa, se recusa a ir para escola muitas vezes. Em outras vezes, vai para a escola, mas fica mais na dela, tímida, calada, não consegue manifestar. Em
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casa é muito choro, pedindo para ficar em casa. Muitas vezes, ela não vai referir o que está acontecendo, porque ela tem medo do outro, que ele faça alguma coisa com ela porque ela revelou o que está acontecendo. Aquele que é o agressor muitas vezes também aparece com o comportamento mais agressivo em casa, começa falando mal dessa outra criança, que é a vítima, se coloca acima na fala como alguém melhor do que a outra criança ou aquele professor, porque o professor também às vezes é vítima de bullying dentro da escola. É pouco falado, mas também pode acontecer. OP - Você pode falar um pouco mais sobre os casos em que o professor é vítima de bullying? Lorena - Às vezes, uma criança que tem personalidade mais líder e o intuito de prejudicar o professor, acaba colocando a turma contra o professor, chegando, às vezes, a retirar o professor, ou o professor pedir demissão, porque não aguenta mais aquela atitude da turma. Vira um efeito rebanho. Às vezes, é um aluno só que implica com aquele professor, questiona, bate de frente e acaba maltratando aquele professor, emocionalmente ou fisicamente, e, às vezes, ele consegue manipular tanto que ele leva a turma contra aquele professor. Isso também gera situações muito complicadas dentro da escola, e a escola tem que fazer toda uma mediação para conseguir controlar essa situação e reverter o quadro.
Lorena - O cyberbullying tem crescido bastante na última década, não é algo tão novo assim. E ele é o bullying que sai da escola. Ele está na rede social, em outros meios, mas também acaba reverberando no ambiente escolar. A grande diferença dele para o outro bullying é que a gente não tem controle nenhum sobre ele. Quando uma coisa vai para a rede social, quando um comentário vai para a rede social, quando uma foto vai para a rede social descontextualizada, ela vai prejudicar a vida daquela pessoa em um tamanho muito maior do que o tamanho do ambiente escola, porque a gente não sabe onde vai parar, a gente não sabe o que vai acontecer com isso, que tipo de haters a gente vai encontrar no meio do caminho, o que vai acontecer. Então, na verdade, ele é muito doloroso e muito mais prejudicial do que o da escola, porque quando a gente consegue enxergar, a gente consegue combater diretamente. O cyberbullying é muito mais difícil de ver até onde vai, porque a gente perde o controle. Não adianta mais a pessoa dizer “ah, eu deletei a foto, eu deletei a imagem, eu deletei o comentário”, porque aquilo ali já se manifestou em vários outros, copiado, podem ter difundido, podem ter levado adiante aquela informação. O cyberbullying tem algumas diferenças do bullying, mas o bullying não é só um ato agressivo, seja físico, emocional ou de uma criança contra outra. Às vezes, a criança e adolescente amanhece em um dia que não está bem, e aí ele acaba sendo grosseiro naquele dia, seja com o professor ou com outro aluno. Isso não é bullying. O bullying é uma repetição daquele ato. Há uma repetição daquilo com intenção de machucar, às vezes, essa intenção de machucar não é consciente, quando é uma criança muito pequena, mas é intencional, tem a intenção de machucar, seja emocionalmente, seja fisicamente, e há uma repetição daquele quadro. Então, a gente sabe que tem ali uma outra pessoa que tem uma conduta consciente de fazer aquilo contra o outro. A gente tem que deixar isso claro. Quando a gente vai pro cyberbullying, a coisa não acontece assim, nem sempre. Às vezes, o menino ou a menina faz aquela atitude de colocar algo, uma postagem, seja lá qual ela for, dentro de uma rede social, e aí ela se difunde por um caminho que a gente não sabe qual é e toma proporções que a gente também não sabe quais são. E, às vezes, ela faz isso por uma brincadeira. Ela não tem a intenção de chegar tão longe e, ainda assim, chega muito mais longe do que a gente imagina, e pode ser muito mais prejudicial àquela pessoa psiquicamente, que é afetada por esse cyberbullying. Ela pode ter
resquícios de transtornos mentais, de dores emocionais muito mais fortes, porque pode acabar com toda a identidade dela. Ela pode ser afetada em algo que é muito íntimo dela, e aí, para ela poder fugir disso depois é muito mais difícil. Além das fakes news que às vezes acontecem, que você consegue manipular imagens, fotos e colocar lá, já é uma agressão consciente. E, para você provar que você não fez aquilo, que isso não fez parte do seu cotidiano, também é um outro problema. Então é algo muito maior, às vezes acontece de acordo com a ação que eu fiz, mas que não devia ter se espalhado, e, às vezes, é algo que não tem nem nada a ver comigo, que foi uma fake news criada e que desmontou toda a minha vida naquele momento. Imagina eu, adolescente, com uma notícia sobre mim completamente descontextualizada ou fabricada e que vai deixar marcas em mim, com todos os meus colegas de escola, às vezes com meus colegas de comunidade, de igreja, a minha família, vai me marcar para todas as pessoas. Então isso é algo que é muito mais amplo e muito mais difícil de controlar.
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OP - Como tem sido observar que também há o cyberbullying, para além do bullying tradicional, e como você diferencia esses dois?
OP - Qual o melhor caminho para combater isso? Lorena - O caminho preventivo sempre será a educação. E a educação desde muito pequenininho. A gente aprender a respeitar o outro e ser, inclusive, rede de apoio. Lá no Amar.elo a gente fala muito da gente ser elo de cuidado, elo de amor. Então, a gente vai aprender a ser elo de cuidado, elo de amor, desde criança. Porque, quando a gente aprende a respeitar o outro, a ter empatia pelo outro, a cuidar do outro que tá do nosso lado, vai ser muito mais difícil o bullying acontecer. Então, a melhor forma sempre será a prevenção, a educação desde muito pequeno. Se aconteceu, aí a gente precisa tratar. E aí os nossos psicólogos estão aí no mundo para poder dar esse apoio. No caso de chegar a acontecer, a gente procura a terapia, o psicólogo, e, às vezes, acontece da necessidade, inclusive, do psiquiatra para estar em ação e ajudar também nesse processo. E aí os dois vão trabalhar juntos, psicólogos e psiquiatras, com as famílias, as escolas, todo mundo junto para poder ajudar essas crianças.
Lorena Soares, psicóloga e CPO da Amar.elo Saúde Mental, aponta os desafios, estratégias de prevenção e combate ao bullying nas escolas