O POVO Educação - Juventude

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educação

Inclusão social: entrevista com o reitor da Uece, Hildebrando Soares

Diversidade: a educação como o caminho para o respeito

As competências necessárias para a

JUVENTUDE

Quais são as qualificações exigidas pelo mercado de trabalho diante dos avanços da inteligência artificial nas empresas e outras tecnologias

FABIO LIMA

EMPRESA JORNALÍSTICA O POVO

PRESIDENTE INSTITUCIONAL & PUBLISHER

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PRESIDENTE-EXECUTIVO

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EDITORIALISTA-CHEFE

Plínio Bortolotti

Os desafios que atravessam gerações

Trabalho, violência, inclusão, racismo. Todos os assuntos envolvem a juventude e são capazes de deixar uma sala de aula inteira à flor da pele. Nessa segunda edição do caderno O POVO Educação 2024 reunimos as entrevistas que tocam nas delicadezas. No que move e no que trava a vida da juventude.

O POVO EDUCAÇÃO

CONCEPÇÃO E COORDENAÇÃO GERAL Cliff Villar

GERENTE DE PROJETOS Vanessa Fugi

COORDENAÇÃO DE PROJETOS

Rose Marques, advogada, professora e coordenadora de projetos do Instituto Maria da Penha, fala sobre os diferentes tipos de violências contra a mulher, as novas faces desse contexto nos ambientes virtuais e o papel da educação na prevenção e combate desses casos. “É muito importante falar sobre os tipos de violência contra a mulher. A lei trouxe, de 2006 para cá, uma separação didática entre os cinco tipos de violência, para nos ajudar a perceber que a violência doméstica e familiar pode estar em várias dimensões da vida. Ela pode estar no aspecto financeiro, na divisão dos custos da vida, inclusive através da violência patrimonial. Ela pode ser sobre consentimento e relações sexuais, ainda que dentro de um casamento, por exemplo. Ela pode estar relacionada à forma como essa pessoa fala sobre a mulher, nos círculos, nos grupos de WhatsApp, até mesmo nos grupos da família. E aí tem a violência moral, que muitas vezes aflige as mulheres, a violência física, que é a que a gente conhece mais, porque ela deixa marcas mais visíveis, mas principalmente a violência psicológica, que ela é sofisticada, sorrateira em muitos sentidos, e pode se manifestar de muitas formas, ainda mais com esses tempos novos em que vivemos, em que mesmo as relações íntimas de afeto em algum momento são atravessadas pelas redes sociais”, ensina. O reitor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), professor Hidelbrando Soares, analisa os rumos das ações afirmativas na Uece e destaca a importância de promover inclusão social no ensino superior brasileiro. “Reparação social é reparação, né? Seja em relação ao negro, seja em relação ao indígena, seja em relação a todas as dimensões que a cota, enquanto política pública inclusiva, ela dá costa

para a sociedade brasileira. E os resultados que a gente vem conseguindo acompanhar são muito positivos. É uma desmistificação, que, de certa forma, tomou conta do debate público, que o aluno cotista é um aluno que não acompanha a universidade, por exemplo. Esse dado não é um dado real”, rebate. Do ponto de vista de outro tipo de sala de aula, a gerente de educação do Senai, Sônia Parente, fala sobre como a formação educacional pode responder às exigências crescentes do mercado e preparar profissionais para as tendências futuras. Entre os tópicos abordados, Sônia explora a ascensão da indústria 4.0, o impacto da inteligência artificial nas carreiras e a necessidade de atualização constante de competências, tanto para alunos quanto para o corpo docente. “Eu entendo que tudo se adequa, tudo se ajusta, fazendo no tempo certo, com o rigor necessário da utilização de cada novidade que surge, principalmente as novidades tecnológicas. A utilização da inteligência artificial, assim como de outras tecnologias, veio para ficar. E se elas vieram para ficar, nós, enquanto área de educação, temos dois desafios, digamos assim, o desafio é duplo”, reflete. Quem também fala em desafio no ambiente educacional é Renivaldo Sodré de Sena, professor do Instituto Federal do Ceará (IFCE) de Tabuleiro do Norte e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro e Indígena (Neabi) do Campus. “A diversidade no contexto educacional é você ter diversas culturas e perspectivas. O Brasil é um país que tem a sua formação africana, na sua origem. Então, diversidade é você ter toda a história, ter a cultura africana. É valorizar, também, a herança indígena dentro do currículo, valorizar a questão quilombola. Ou seja, no ponto de vista do currículo, é ter todas essas visões, mas também dentro da educação, diversidade é você ter atores de diversas etnias também. Ou seja, não dá para eu falar de diversidade se, dentro do espaço educacional, eu tenho pessoas de uma única cor de pele”. Boa leitura!

ANALISTA

ANALISTA

Cuca

Violência DOMÉSTICA

|PREVENÇÃO | Instituto Maria da Penha atua na educação como forma de combater os diferentes tipos de violências contra a mulher e construir novas perspectivas sociais

Rose Marques é advogada, professora e coordenadora de projetos do Instituto Maria da Penha. A especialista fala sobre os diferentes tipos de violências contra a mulher, as novas faces desse contexto nos ambientes virtuais e o papel da educação na prevenção e combate desses casos.

O POVO - Quais são os diferentes tipos de violência contra a mulher?

Rose Marques - Apesar da Lei Maria da Penha ser a lei mais conhecida do Brasil, o que está na boca do povo não é exatamente aquilo que é o seu conteúdo. E é muito importante falar sobre o tipo de violência, porque a lei trouxe, de 2006 para cá, uma separação didática entre os cinco tipos de violência, para nos ajudar a perceber que a violência doméstica e familiar pode estar em várias dimensões da vida. Ela pode estar no aspecto financeiro, na divisão dos custos da vida, inclusive através da violência patrimonial. Ela pode ser sobre consentimento e relações sexuais, ainda que dentro de um casamento, por exemplo. Ela pode estar relacionada à forma como essa pessoa fala sobre a mulher, nos círculos, nos grupos de WhatsApp, até mesmo nos grupos da família. E aí tem a violência moral, que muitas vezes aflige as mulheres, a violência física, que é a que a gente conhece mais, porque ela deixa marcas mais visíveis, mas principalmente a violência psicológica, que ela é sofisticada, sorrateira em muitos sentidos, e pode se manifestar de muitas formas, ainda mais com esses tempos novos em que vivemos, em que mesmo as relações íntimas de afeto em algum momento são atravessadas pelas redes sociais. Então o controle sobre essas redes tem sido cada vez mais presente na concretização da violência psicológica dentro das relações íntimas de afeto.

OP - O que mudou de 2006 para cá, no combate e nas formas de violência contra a mulher?

Rose - Hoje, todo mundo, de várias idades e várias regiões e experiências distintas, tem um ambiente virtual que compartilha na vida. Esse ambiente pode ser mais ou menos restrito. Essa violência tem acontecido também nesse ambiente, tanto em casos mais clássicos, onde há uma propagação de imagens ou conteúdos não autorizados daquela mulher, e não precisa viralizar para ser violência moral. Na verdade, basta que aquele conteúdo tenha ido, por exemplo, para o grupo da família, e propagar informações que buscam destruir a honra dessa mulher. Tem a dimensão também do ambiente virtual, do próprio contato e da viabilidade da violência psicológica. Hoje em dia, é muito comum casos em que é instalado um aplicativo para controlar onde essa mulher está o tempo todo, 24 horas por dia. A interface com ambiente virtual tem sido uma ferramenta cada vez mais presente em todos os tipos de violência. Isso tem chegado, inclusive, no sistema de justiça. Não é raro ver, em processos judiciais, prints, capturas de tela, porque, de fato, esse ambiente virtual está cada vez mais concreto também.

OP - Os números da Secretaria da Segurança Pública do Estado mostram que as denúncias de violência doméstica no Ceará tiveram um aumento, elas alcançaram o maior patamar em nove anos no ano passado, em 2023. Esse aumento se deve ao fato de que no passado havia uma subnotificação? O que você avalia?

Rose - A subnotificação acompanha o próprio fenômeno da violência. Eu não sei se a gente tem uma prospecção de que ela deixará de existir, porque a subnotificação, inclusive, tem a ver com a dificuldade de realizar uma política de prevenção. Ainda precisa que o Estado brasileiro, através dos municípios, estados e todas as instituições, se ocupem mais permanentemente de uma política de prevenção à violência. Só com uma boa política de prevenção, que não é só campanha, a gente vai conseguir alcançar um patamar em que haverá menos subnotificação, porque é característico da própria situação de violência, na verdade, há um desestímulo à denúncia. A mulher vai, sai de casa, decide denunciar, mas no meio do caminho ela conversou com alguém que disse “não, deixa isso pra

Os gestores públicos da educação precisam ter como prática permanente incorporar de forma transversal o tema do enfrentamento à violência doméstica

lá”. Ou ela buscou uma referência religiosa, uma amiga, vizinha, um parente, por exemplo. Inclusive, essa solidão da mulher quando ela está enfrentando a situação de violência é algo muito permanente. Em geral, quando a mulher decide romper o ciclo de violência e procura a delegacia e pede a medida protetiva e todo aquele trâmite, muitas vezes ela está sozinha, ela não tem o apoio da família, dos amigos, porque uma das características da violência doméstica é a promoção de um distanciamento. Isso vai gerar subnotificação invariavelmente, de forma que as instituições precisam cada vez mais promover esforços para chegar nessa mulher, e nada mais valioso do que a ferramenta da comunicação.

OP - Como a educação ajuda no combate à violência doméstica?

Rose - No Instituto Maria da Penha, nos últimos anos, cada vez mais fortemente a gente vem concentrando nossas forças na prevenção e na perspectiva da educação, compreendendo que não é só na educação formal, apesar da educação formal ter uma responsabilidade, inclusive, de fazer a contramão de um discurso de ódio, que vem sendo cada vez mais difundido e propagado também com o uso das redes, mas em construir metodologias e ferramentas para incorporar para muito além dos currículos. Não é só no currículo educacional, mas nas práticas da escola. Tem a outra dimensão da educação que não está nesse ambiente formal, da educação que está nas empresas, nas instituições de saúde, nos serviços públicos em geral. Essa educação acontece de uma forma mais permanente para além do calendário festivo.

OP - Como a violência doméstica afeta o desempenho escolar e o bem-estar emocional de crianças e adolescentes?

Rose - Em média, cada feminicídio deixa três crianças e adolescentes sem mãe, sem uma parentalidade construída, porque também está comprometido o vínculo com a família paterna, muitas vezes. Em outra medida, também tem as sequelas da violência. A gente tem já muito desenhado como a política pública age quando a violência acontece, mas, e depois? Os efeitos da violência são variados. Na saúde mental, são uma dificuldade, talvez, em construir relacionamentos. Não é suficiente pensar no auxílio financeiro, a gente precisa de outras formas de auxílio, inclusive de assistência e saúde mental, principalmente. A gente também precisa, para as crianças que tiveram contato com episódios de violência, uma atenção mais especializada. Considerando que também são efeitos danosos. Um aspecto muito importante para a gente trabalhar sobre isso é pensar quais políticas serão responsáveis por fazer esse atendimento. Nesse momento, nós não temos isso desenhado, mas certamente há um custo financeiro, inclusive, da violência. Há um custo para o mercado de trabalho. Em média, uma mulher que, por exemplo, está passando por uma situação de violência, deixou de trabalhar pelo menos 18 dias no decorrer de um ano. A gente pode e precisa, talvez, envolver os diversos setores da sociedade para lidar com cada um desses efeitos. E, para isso, a gente precisa conhecer melhor.

OP - Como, na sua visão, os educadores podem abordar o tema da violência doméstica de forma eficaz e sensível?

Rose - A primeira coisa que eu precisaria dizer sobre isso é que todas as matérias, em todas as séries, em todos os níveis, comportam uma abordagem que vai contemplar o enfrentamento à violência contra as mulheres e uma discussão sobre gênero e diversidade. Em geral,

esse papel fica muito restrito aos professores das áreas humanas, ciências sociais, no caso do ensino médio. No ensino fundamental fica ali para algumas matérias, quando, na verdade, a gente precisava avançar, de fato, para a interdisciplinaridade. Esse trabalho como um valor essencial na escola precisa ser incorporado, ele está em muitos documentos dos currículos, nos documentos principais da educação, mas ele, talvez, precisa ser incorporado como prática na escola e, em muitas medidas, isso não pode ser uma decisão só do educador e da educadora. Acho que é muita responsabilidade pensar que cada educador vai sozinho decidir implementar isso. Essa adesão é muito importante, mas a adesão que mais pode gerar um impacto sobre a escola, sobre as redes de educação em geral, certamente são decisões de gestão. Os gestores públicos da educação precisam se responsabilizar em ter como prática permanente, incorporar de forma transversal o tema do enfrentamento à violência.

OP - Como é possível quebrar o ciclo da violência doméstica?

Rose - A violência dá sinais. São muitos os sinais. Alguns mais evidentes, outros mais subliminares. Essa mulher, quando ela está atravessando essa situação de violência, essa família, esses sinais vão aparecendo na escola, nos espaços de sociabilidade que essa família tem. Vários profissionais, inclusive agentes públicos, têm contato com esses sinais. A gente precisa melhorar a forma de interpretar quando esses sinais acontecem. Eu penso que quando, especialmente, esses sinais surgem no contato com o educador, com a gestão escolar, qual é o encaminhamento que é feito por essa escola? Na saúde, talvez essa mulher não vá lá no posto de saúde dizer que está sofrendo violência, mas ela vai para fazer uma consulta de rotina, um atendimento ginecológico ou porque adoeceu por alguma razão, e esse profissional de saúde que tem esse contato mais próximo dessa mulher e percebe sinais de violência tem a necessidade de notificação, mas tem, principalmente, um papel que pode ser determinante na superação do

caso. O ciclo da violência é uma espécie de labirinto mesmo. Às vezes até os profissionais que trabalham com isso esquecem que fazem parte desse contexto quando a mulher, por exemplo, chega na iminência de denunciar e volta atrás. Esse tempo de escuta, de maturação da decisão da mulher, que deve ser sempre soberana, é diferente para cada mulher também.

OP - Que recursos estão disponíveis para estudantes que precisam de apoio em situações de violência doméstica?

Rose - Eu vejo acontecendo muitas boas experiências em redes educacionais pelo Brasil, de criação de espaços, comitês, grupos de trabalho, comissões, dentro da escola, que cuidam desse tema e estabelecem uma relação com essa política. Tem muitas boas experiências pipocando Brasil afora para construir essas práticas. Não existe uma receita pronta, não é só apontar e dizer que aquela família está passando uma violência doméstica. Que ferramentas tem também a educação para, por exemplo, fazer o encaminhamento mais adequado? Algumas situações de violência implicam risco. É preciso que sejam chamados serviços que podem fazer uma avaliação de risco, por exemplo, e que podem fazer uma intervenção que não vai colocar a mulher em um risco adicionado. E uma série de outras circunstâncias que são, na verdade, ferramentas. O problema é que, como a gente não fala sobre isso, porque a gente acha que todo mundo já sabe tudo sobre Lei Maria da Penha, a gente não avança para a criação dessas ferramentas. A rede de educação, a escola, os gestores da educação precisam incorporar também isso. A escola conhece o serviço especializado mais próximo? Tudo isso vai fazer diferença no encaminhamento da situação de violência. E na forma mais adequada que esse encaminhamento vai ser feito. Porque, às vezes, pode ter um efeito rebote, inclusive. Então, tem muitas delicadezas e o que a gente mais precisa é falar cada vez mais e mais abertamente sobre isso, de uma forma que esse espaço da educação tenha as ferramentas necessárias.

DIVULGAÇÃO
Rose Marques, coordenadora de projetos do Instituto Maria da Penha, acredita na educação como forma de quebrar ciclos de violência

Educação e INCLUSÃO SOCIAL

|PERSPECTIVAS| Hidelbrando Soares, reitor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), fala sobre

avanços em políticas estratégicas na área de inclusão social e a importância da diversidade

Nos últimos anos, especialmente com a implementação das políticas de ações afirmativas, como a Lei de Cotas, grupos historicamente minorizados têm ampliado a diversidade nas universidades brasileiras.

Ao contrário de reduzir a qualidade do ensino, esse movimento tem enriquecido os espaços acadêmicos com novas perspectivas e experiências de pessoas de baixa renda, indivíduos com deficiência, integrantes da comunidade LGBTQIAPN+, indígenas e outros.

Ainda assim, há muitos avanços a serem conquistados. Não basta garantir ingresso; é necessário afirmar a permanência. Para isso, faz-se necessária a implementação e o fortalecimento de políticas que garantam assistência estudantil. O principal desafio nesse sentido é de natureza orçamentária.

Para aprofundar essa discussão, o reitor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), professor Hidelbrando Soares, analisa os rumos das ações afirmativas na Uece e destaca a importância de promover inclusão social no ensino superior brasileiro. Confira a entrevista!

O POVO - Quais os principais desafios de se promover a inclusão social no ambiente educacional?

Hidelbrando Soares - O desafio é a permanência. Avançamos de forma muito consistente na garantia do acesso da população, seja a educação básica, seja a educação superior. Eu falo da educação superior porque tem valor da cidade pública. Mas, tanto para a educação básica como para a educação superior, o grande desafio é a permanência qualificada. E essa permanência exige um conjunto de políticas que garantam que o espaço da escola, o espaço da universidade, seja, de fato, um espaço acolhedor para a nossa comunidade. Acolhedor no sentido amplo. Tanto de oportunizar o processo de aprendizagem, mas também garantir uma permanência que concorra positivamente com os desafios de se formar um cidadão nos tempos de hoje. A universidade, por exemplo, a universidade pública hoje tem uma ação de democratização do seu acesso muito importante. A lei de cotas, por exemplo, permitiu que 50% de todas as vagas que são ofer-

alunos que são egressos da escola pública. Então, essa é uma conquista indiscutível. Isso tem produzido resultados muito impactantes na vida acadêmica das nossas instituições e da sociedade como um todo. Mas qual é o desafio? É que este acesso à universidade, é preciso junto dele ter uma política de permanência. Na escola básica, o Ministério da Educação criou o Pé de meia, uma política de garantir uma permanência mais qualificada para o aluno da escola básica incentivar a ir à escola e permanecer na escola. Na universidade, isso é a bolsa permanência, por exemplo. Uma bolsa permanência que cumpra principalmente os alunos mais vulneráveis que fazem parte da nossa comunidade acadêmica. No caso da universidade, você garantir uma estrutura de restaurantes universitários que ofereçam uma alimentação saudável, de baixo custo, no caso das universidades, sempre se cobra uma taxa, que realmente é simbólica, no caso da Uece, por exemplo, é muito simbólica, mas nós advogamos para os alunos de extrema vulnerabilidade, nem taxa deve existir, deve ser completamente gratuito. Então, o grande desafio de uma educação cada vez mais democratizada, seja na educação básica, seja na educação superior ou pública principalmente, é garantir uma permanência qualificada dos nossos estudantes. Esse é o grande desafio.

OP - Como que o senhor observa o impacto do pós-formação acadêmica?

Hidelbrando - Reparação social é reparação, né? Seja em relação ao negro, seja em relação ao indígena, seja em relação a todas as dimensões que a cota, enquanto política pública inclusiva, ela dá costa para a sociedade brasileira. E os resultados que a gente vem conseguindo acompanhar são muito positivos. É uma desmistificação, que, de certa forma, tomou conta do debate público, que o aluno cotista é um aluno que não acompanha a universidade, por exemplo. Esse dado não é um dado real. Os alunos de cota têm as mesmas facilidades ou dificuldades do seu processo de formação que um aluno regular, vamos chamar assim, da universidade pública, estou falando particularmente da universidade estadual. Então, tem que entender, primeiro,

A permanência exige um conjunto de políticas que garantam que o espaço da escola, o espaço da universidade, seja, de fato, um espaço acolhedor para a nossa comunidade

que a lei de cotas, de forma ampla, é um instrumento de inclusão social, de reparação social, criado e pensado pelo Brasil e por todos os estados que, claro, aderem a esse movimento. No caso da cota ético-racial, você percebe uma presença significativa da população negra na universidade e, logicamente, pós-universidade, ocupando os postos de trabalho que esta universidade lhe qualificou. Então, eu considero que a lei de cotas já vem produzindo resultados importantes. As universidades, aqui no Ceará, particularmente as estaduais, elas seguem uma lei estadual, que inclusive foi atualizada recentemente, e trabalha com esse quadro da população que é entendido pela política pública, que precisa ter uma política específica de reparação social e de inclusão social nas universidades públicas estaduais.

OP - Isso ainda está em estudo? Hidelbrando - Hoje, as universidades estaduais aqui do estado do Ceará, para além das cotas sociais, para além das cotas ético-raciais, da população indígena, PCD, e da população quilombola, nós ainda estamos, não avançamos ainda em direção à população LGBTQIA+. Esse é um debate muito contemporâneo, e com certeza as universidades aqui do estado do Ceará vão se debruçar.

OP - O que é que nós avançamos da lei para cá e, efetivamente, na entrada de uma população PCD na universidade, pelas portas da universidade?

Hidelbrando - Nós praticávamos, a partir da lei, 3% de todas as vagas do vestibular eram destinadas à população PCD. Agora, de 2021 para cá, nós alteramos para 5%. Criamos uma estrutura dentro da universidade, que é um núcleo de apoio à acessibilidade da população PCD dentro da instituição. E esse núcleo tem uma tarefa. Primeiro, o próprio acolhimento. Estamos, inclusive, nesse processo de descentralização dessa estrutura. A universidade também vem adquirindo um conjunto de equipamentos voltados ao processo da aprendizagem.Tem uma população que exige que instrumentos, equipamentos,

DIVERSIDADE IGUAL

estejam disponíveis para esses estudantes no processo de aprendizagem. Além de uma tarefa de sensibilização, de mobilização e de formação de toda a comunidade acadêmica que recebe essa população PCD na universidade. Mas são trabalhos que estamos, de fato, como eu disse, correndo atrás da própria legislação. A universidade vem, também, fazendo grandes intervenções no campus Itaperi, mas também já enxergando todas as nossas unidades do interior de ações de acessibilidade física. Seja na aquisição de elevadores, de plataformas, de estabelecimento e implantação e instalação de rampas. E, de outro lado, uma política permanente de formação, de qualificação e de sensibilização da comunidade interna para acolher, da melhor forma possível, essa população que adentra a universidade por competência, porque passou no vestibular e merece todo o cuidado da universidade para permanecer na universidade e terminar a sua graduação como o primeiro ponto de partida. Isso, para a gente, é uma preocupação permanente, mas é um grande desafio, não é desafio pequeno a universidade se ajustar e se adequar a uma demanda completamente legítima, a conquista completamente legítima, que é a inclusão da população PCD na universidade.

OP - Como é que funcionam as bancas de heteroidentificação, que às vezes geram polêmicas, principalmente com relação a concursos públicos, mas voltando aqui para a universidade, que é o nosso foco, como que funciona isso na Uece?

Hidelbrando - A universidade vem se preparando, vem aperfeiçoando todo o seu trabalho a partir de um núcleo que nós criamos dentro da universidade, que é o núcleo de acompanhamento de toda a política de cotas ético-raciais dentro da universidade. Então, nós temos um núcleo, constituímos essa estrutura, e esse núcleo tem duas grandes responsabilidades. A primeira grande responsabilidade é o processo de formação, de capacitação da nossa comunidade acadêmica, mas também aceitamos e acolhemos comunidade externa, para formá-los, para capacitá-los e se tornarem, portanto, membros das nossas comissões de heteroidentificação. Nós estamos, inclusive, agora com uma ação muito consistente. Na verdade, nós chamamos de um projeto que estamos realizando no ano de 2024, ao longo de todo o ano, em parceria com a Secretaria da Igualdade Racial, aqui do Estado do Ceará, que é um projeto ao S.P.U. Equidade.E qual é a meta desse projeto? Aperfeiçoar, aprimorar toda a política de cotas ético-raciais na universidade, que uma das ações é a constituição das comissões de heteroidentificação. Então, estamos, ao mesmo tempo, interiorizando essa ação, formando mais gente, capacitando uma população de dentro da universidade, para que a gente tenha uma qualidade ainda maior do nosso processo de avaliação nas comissões de heteroidentificação. De outro lado, estamos também trabalhando com o envolvimento da comunidade, de forma geral, no sentido da capacitação e da formação, para este tema importante, que é um tema, de fato, claramente de inclusão social, no espaço educacional, em particular, no espaço universitário.

Estamos também com a estratégia, agora, e provavelmente no final deste ano, provavelmente em dezembro agora, a gente

lance o resultado também desse projeto de formação, de capacitação dentro da universidade, a constituição, portanto, de um grupo bem mais amplo e interiorizado de pessoas, professores, servidores, estudantes, mas também membros da comunidade externa, que queiram estar presentes na universidade em processos como esse. Estamos também lançando uma cartilha, agora, no final do ano, com certeza, juntamente com a Secretaria de Igualdade Racial, vamos estar lançando uma cartilha sobre como funciona todo o processo de heteroidentificação na nossa universidade, para quem é destinado à lei de cotas ético-raciais, porque há uma discussão e uma certa confusão em relação a isso. Qual é o pardo que tem direito à cota ético-racial? Então, essa discussão, ela vem sendo profundamente discutida, debatida dentro da universidade, o resultado é uma cartilha, foi produzida por um grupo muito especial de estudiosos dessa área, e a gente também vai lançar um vídeo, agora, para toda a comunidade, para deixar cada vez mais claro qual é, de fato, o papel, os objetivos da política de cotas ético-raciais na Universidade Estadual do Ceará, qual é a parte da população que tem direito de acessar essas cotas por meio do processo vestibular. Então, estamos no momento de aperfeiçoamento, o Nubel foi constituído para isso, para que a gente pudesse ampliar o processo de formação, capacitar mais gente nesse processo, interiorizar esse processo de capacitação e, ao mesmo tempo, produzir materiais que facilitem ainda mais, que se comuniquem melhor com a comunidade cearense brasileira sobre quem, de fato, são aqueles que são contemplados numa política de reparação social, de inclusão social, que são as cotas ético-raciais nas universidades públicas.

OP - Há uma formação para os professores, para que eles consigam abordar a inclusão social ali nas diferentes disciplinas?

Hidelbrando - A universidade tem um grande programa de formação dos nossos professores, que é o seu processo de formação profissional. São professores que se tornam mestres, doutores, pós-doutores, e são eles que nos formam, que formam a nossa própria comunidade acadêmica. Então, eu diria que, em boa medida, a expertise da universidade, grande parte das áreas de formação da universidade, são aqueles que dominam, têm o conhecimento nessas questões envolvidas, do que a gente está aqui chamando de forma bem ampla de inclusão social. Os nossos cursos, as nossas disciplinas, os nossos projetos, as nossas atividades e programas, eles fazem parte, na verdade, do perfil de formação, de forma ampla, dos nossos professores. Mas, dentro da universidade, nós temos aquilo que nós chamamos de formação universitária. A Pró-Reitoria de Graduação vem desenvolvendo um trabalho, seja na formação, na entrada dos novos professores dentro da universidade, seja no acompanhamento desses professores ao longo de um tempo de experimentação e experiência dentro da universidade, de um programa de formação pedagógica, de formação universitária, que coloca esses temas no centro do processo de discussão, de debate e, também, ao mesmo tempo, de formação dos nossos professores. Então, de um lado, eu tenho a própria formação profissional que caminha nessa direção para grande parte das áreas de conhecimento dentro

da nossa instituição e, de outro, eu tenho uma ação sistêmica e sistematizada, organizada pela Pró-Reitoria de Graduação da nossa universidade que se preocupa com aquilo que nós chamamos de formação pedagógica, formação universitária, que coloca esses temas contemporâneos como centro do processo de formação e, portanto, de inserção desses professores no cotidiano e na rotina da universidade, preocupando-se sempre com esse prepé, o ensino da graduação e pós-graduação, a pesquisa como lugar da produção do conhecimento novo, da tecnologia, da inovação e a extensão universitária, como aquela ação que permite que esse conhecimento gerado possa chegar às comunidades, possa chegar à sociedade.

OP - Quais os planos da Uece para expandir ou aprimorar as iniciativas de inclusão social nos próximos anos?

Hidelbrando - Nós estamos hoje no processo de expansão e interiorização, com as alegrias e as dores da expansão. Expansão não é somente de alegria, também de dores, mas ela é positiva. Eu considero que a política de expansão e interiorização que foi estabelecida no Governo do Estado do Ceará, a partir de 2022, foi uma das maiores conquistas da educação superior pública no nosso Estado, envolvendo as universidades estaduais. O que nós estamos fazendo de 2022 para cá é algo histórico, uma história da educação pública estadual superior no nosso Estado. Só para você ter uma ideia rápida da grandiosidade disso. Nós realizamos o maior concurso público da história das universidades estaduais no Ceará em 2022. Hoje, todas as universidades estão convocando, nomeando e dando posse a todos esses professores. Só a Uece fez um concurso para 375 professores de uma vez só. Se eu considerar o ano de 2022, foi o maior concurso público das universidades no Brasil naquele ano. Estamos agora, criamos 3 novas faculdades, criamos, no caso das universidades estaduais, criamos 4 novos cursos de medicina no interior do Estado do Ceará, 3 de medicina humana, 1 de medicina veterinária, criamos, no caso

da Uece, 3 novas faculdades no interior, 9 novos cursos. Então, estamos diante de um processo muito arrojado de expansão e de interiorização da nossa universidade. Mas, ao mesmo tempo, com o desafio de responder às ausências e às faltas da universidade que a gente já tinha, que a gente tem, não é? Mas eu vejo a ação de expansão e interiorização como uma das grandes conquistas da universidade pública estadual do nosso Estado. Nós vamos estar colhendo frutos dessa ação daqui a alguns anos, porque educação não é aquela coisa que você consegue resultados de um dia para outro, de um mês para outro, não é? A educação, seja básica, seja superior, ela é um cultivo que exige um tempo de maturação. Hoje, o Estado do Ceará já está colhendo frutos importantes daquilo que foi plantado lá atrás na educação básica. E eu tenho clareza absoluta de o que nós estamos fazendo hoje por meio das universidades públicas estaduais. Na sua política de expansão e interiorização, nós estaremos colhendo frutos muito importantes para o Ceará, para o desenvolvimento do interior do Estado do Ceará e para a melhoria de vida das pessoas. Eu estou falando, portanto, de inclusão social, porque toda a política de expansão e interiorização da universidade pública estadual ou da universidade pública de forma geral é, de fato, uma grande política pública de inclusão social, não tenho a menor dúvida disso. Então, o futuro é um futuro de muitas boas perspectivas. Mas, como eu disse, isso é um grande desafio que não é um desafio somente de uma universidade, nem somente de um reitor, de uma reitoria, mas é um desafio de toda a sociedade. A política de expansão e interiorização é para o povo do Ceará. A política de expansão e interiorização é o Estado do Ceará e ela deve ser abraçada por todos nós, porque os resultados que podem ser gerados a partir daí, eles são sempre muito positivos no sentido da cidadania, da inclusão, da democratização, do respeito ao Estado democrático de direito, respeito às populações vulneráveis e da inclusão social como matriz da sociabilidade. A universidade tem essa capacidade de mover a sociedade nessa direção.

Para o reitor Hildebrando Soares, não basta promover a inclusão social, é necessário garantir a permanência do estudante

DIVULGAÇÃO

Ensino e COMUNICAÇÃO

|EXPRESSÃO | Alunos da Rede Cuca reúnem produções sobre as perspectivas da educação a partir de tirinhas, textos e ilustrações. Os jovens falam sobre a conexão entre a universidade e as comunidades e os desafios cotidianos de seus territórios

África na Unilab: Uma ponte entre a Universidade e as Comunidades

Imagine entrar em uma sala de aula com crianças e adolescentes que cresceram ouvindo apenas estereótipos sobre o continente africano. Perguntas como “na África tem praia?” ou “existem universidades lá?” mostram o quanto o continente é visto por uma lente limitada. Com o objetivo de mudar essa visão, é que surge o projeto África na Unilab (ANU), uma iniciativa do Programa de Educação Tutorial de Humanidades e Letras da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (PETHL-UNILAB).

A iniciativa, idealizada por estudantes africanas

que enfrentaram racismo e xenofobia, busca levar oficinas, rodas de conversa e palestras às escolas da região do Maciço de Baturité, conectando-as à universidade e a um olhar mais verdadeiro e plural sobre o continente africano, a partir de sua cultura, história, gastronomia, arte e música.

A cada visita às escolas, os estudantes se envolvem, questionam, se surpreendem. Ao ouvir sobre a diversidade linguística da África, suas tradições e sua ligação com a história do Brasil, muitos passam a enxergar o continente e suas próprias raízes de forma diferente.

Mais do que informar, o ANU inspira e cria pontes. Ele aproxima a UNILAB das comunidades onde a instituição ainda é pouco conhecida, ao mesmo tempo que fortalece o papel da educação como ferramenta de transformação social, ajudando a construir um futuro mais justo e consciente.. Quando um estudante do ensino médio se conecta com a trajetória de alunos internacionais, ele se vê, pela primeira vez, cruzando os portões de uma universidade e enxergando a Áfirca de uma forma diferente. E essa é a verdadeira força da educação.

Davi Perdigão é jovem da Rede Cuca, estudante da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, onde atua como bolsista do PETHL (Programa de Educação Tutorial de Humanidades e Letras).

Lara Giovana é correspondente Cuca

Um pedido de desculpas

Eu costumava detestar grande parte da vegetação daqui.

Ela constantemente me remetia a grandes águas paradas e poluídas. Todo o lixo acumulado, o cheiro forte — as pessoas que eram obrigadas a pescar ali — e todo aquele verde, rasteiro, ocultando quase metade do espelho d’água da lagoa. Imagens desagradáveis que facilmente levaram uma mente infantil e sobretudo desinformada a conclusões terrivelmente injustas sobre outros verdes. Conclusões sobre o carrapicho que se agarrava às minhas pernas no caminho para a escola; sobre o mato que insistentemente crescia no canto apertado entre o asfalto e o concreto das calçadas; até sobre singelas flores que cresciam perto demais do chão e me causavam um certo tipo de desconfiança.

Olhar para trás dessa forma me faz sentir uma espécie de culpa, como se eu constatasse um débito em meu nome. Como se eu fosse mais um dos que só tiram, sem nunca dar nada em troca.

Talvez eu só esteja pensando demais, mas me pergunto se ajudaria ter aprendido mais cedo, na escola, coisas como as propriedades filtrantes dos aguapés e das elódeas, e como seu crescimento desordenado é apenas um sintoma do excesso de poluentes presentes em rios e lagos. Quem sabe meu desgosto teria se voltado contra o desequilíbrio da situação, ao invés de contra o verde da vegetação.

A ignorância motiva as injustiças mais revoltantes.

É, provavelmente eu esteja mesmo pensando demais. Em minha defesa, ultimamente eu tenho me aproveitado tanto das inúmeras plantas que crescem nos arredores de meus percursos — desde a grande sombra oferecida, até o enfeite da pequena flor — que não consigo deixar de imaginar o que elas diriam se soubessem com que desdém já olhei para algumas de suas irmãs. Será que gritariam “INGRATO!” ao me avistarem se aproximando em busca de companhia para não ter que ver sozinho terminar a tarde?; ou cochichariam, rindo entre si, “lá vem nosso menino ignorante”, num tom típico de quem sabe melhor das coisas?

Em todo caso, deixo expresso aqui que, para todos os efeitos, isso é um pedido de desculpas para todos os arbustos, gramíneas e outras plantas de pequeno porte.

Daniel Mariano é correspondente Cuca
Giovani Cassio (gcx) é bolsista da Rede Cuca e escritor. Você encontra outros textos no @gcx.giocax.

MERCADO DE TRABALHO Para entrar no

|FUTURO | Formação educacional precisa estar alinhada às demandas e exigências do mercado de trabalho. Sônia Parente, gerente de educação do Senai, fala sobre os desafios de desenvolver competências e navegar nos avanços da tecnologia

A conexão entre educação e mercado de trabalho dita o tom do desenvolvimento socioeconômico. A afirmação se fortalece em contextos de rápida transformação tecnológica, como a que o mundo vivencia - especialmente depois do surgimento da IA generativa.

Aprofundando esse debate, entrevistamos a gerente de educação do Senai, Sônia Parente. Ela fala sobre como a formação educacional pode responder às exigências crescentes do mercado e preparar profissionais para as tendências futuras.

Entre os tópicos abordados, Sônia explora a ascensão da indústria 4.0, o impacto da inteligência artificial nas carreiras e a necessidade de atualização constante de competências, tanto para alunos quanto para o corpo docente. Ainda, a conversa traz perspectivas sobre o futuro da educação, a expansão do ensino a distância e os desafios de formar profissionais capacitados para atuarem em um cenário cada vez mais tecnológico e competitivo. Confira!

O POVO - Quais as principais demandas do mercado de trabalho hoje em dia, sobretudo num cenário de avanço tecnológico constante e uso da inteligência artificial em cada vez mais empresas.

Sônia Parente - Eu penso assim, enquanto instituição de ensino, porque todo esse trabalho que envolve as demandas por trabalho, do mercado de trabalho, do mundo do trabalho, além para os estudantes, as pessoas poderem estar prontas, é preciso primeiro ter um dever de casa feito pelas empresas, pelas instituições que trabalham e são as responsáveis por desenvolver essa educação. Então, passa por toda uma questão de estarmos antenados a toda essa demanda que nos é trazida pelo mercado de trabalho para que nós possamos, enquanto instituição, enquanto cenário, digamos assim, estarmos prontos para atender aquilo que o mercado de trabalho está demandando do jovem, do adulto que escolheu fazer um curso no cenário. E para poder atender a essas demandas, tanto do mercado de trabalho como do nosso aluno, digamos assim, nós precisamos ter uma metodologia que dê conta desse perfil, nós precisamos ter os melhores dados. Hoje, as informações, os dados, eles têm um valor muito grande para isso. Então, é preciso ter acesso a esses dados e transformar isso em produtos educacionais que atendam a todas essas demandas. Especificamente aqui no Senai, por exemplo, no Sistema Indústria como um todo, nós utilizamos muito como referência estudos do Fórum Mundial Econômico e também do mapa do trabalho da CNI que nos mostram as tendências e os perfis que têm sido mais demandados por esse mercado e que serão demandados. Então, resumindo, é estar atento às tendências, ao que o mercado de trabalho tem demandado e o que vai demandar, para que a gente tenha os melhores produtos para atender o mercado e os clientes.

OP - Já que você falou sobre acompanhar as tendências por meio dessas pesquisas, o que essas pesquisas têm apontado de tendências para o mercado de trabalho e como a educação pode se preparar, tanto a educação básica quanto a educação acadêmica pode se preparar para as novidades. O que você tem visto?

Sonia - Quando a gente vai falar em competências e habilidades que vão ser requeridas dos jovens e dos adultos que querem ou ingressar ou permanecer no mercado de trabalho, olha, os estudos nos dizem que 44% das competências requeridas pelo mundo do

trabalho, elas vão mudar nos próximos cinco anos. Então, significa dizer que eu, que você, que já estamos no mercado de trabalho, digamos assim, quem deseja se inserir precisa, precisa ficar atento, ficar atento a essas mudanças, a que competências estão sendo exigidas, estão ali na crista da onda, digamos assim, e que a gente precisa estar constantemente atualizado. Então, é preciso ter foco, é preciso ter foco para que a gente possa acompanhar, passo a passo, essas demandas que estão surgindo de novas e essas novas competências que vão ocupar. Algumas vão deixar de existir, de serem demandadas, digamos assim, e outras vão ser requeridas e exigidas. E isso tem muito a ver com as questões que envolvem a atualização tecnológica. Então, falando de tendências, o que mais nos chama a atenção nesses estudos, seja do mapa do trabalho, seja do Fórum Econômico Mundial, seja da OCDE, são as mudanças, as novas competências que vão ser requeridas nos próximos cinco anos. Vai mudar muita coisa.

OP - Existe uma comoção das pessoas temendo que a inteligência artificial possa substituir o trabalho do ser humano. O que você teria a dizer a essas pessoas? O que você tem observado?

Sonia - Tudo que é novo, tudo que surge de novo costuma gerar mesmo um receio, um temor de substituição, mas a gente tem vivido isso constantemente no mercado de trabalho. Hoje a gente pode falar de profissões que não existiam há cinco anos atrás e de profissões que foram substituídas por outras. Então, tem essa constante evolução de profissões que deixam de existir, e outras que surgem e as pessoas vão fazendo essa migração. O fato é que as tecnologias que foram surgindo nos últimos anos trazem sempre essa questão de ‘vai automatizar tudo’, ‘vai haver perda de emprego’, ‘vai deixar de existir profissão’, mas surgem novas, e com a inteligência artificial isso não vai ser diferente. Tudo muito novo no que se trata de inteligência artificial, seja na utilização no âmbito educacional, seja na utilização no âmbito da indústria. A gente tem aí a indústria 4.0 que já vem tratando isso há muito tempo, mas respondendo a sua pergunta, sem temor. Eu entendo que tudo se adequa, tudo se ajusta, fazendo no tempo certo, com o rigor necessário da utilização de cada novidade que surge, principalmente as novidades tecnológicas. A utilização da inteligência artificial, assim como de outras tecnologias, veio para ficar. E se elas vieram para ficar, nós, enquanto área de educação, temos dois desafios, digamos assim, o desafio é duplo.

Prepararmos, estarmos prontos para o uso dessas novas tecnologias e formar as pessoas para o uso dessas novas tecnologias a partir da educação, a partir dos serviços educacionais. E vem muita coisa boa por aí, muita novidade, tanto no âmbito do governo, da área de educação, ou de planos do governo, como tem o PBIA (Plano Brasileiro de Inteligência Artificial), que é um plano nacional de uso da inteligência artificial, que tem um guarda-chuva de diversos projetos, como no próprio Senai, que nós vamos lançaragoraapartirde2025,dejaneiro,oplano nacional do Senai para a inteligência artificial, para o uso da inteligência artificial. Então, tem muita novidade também para poder estarmos prontos para atender tudo isso e ajudar essas pessoas, toda a sociedade como um todo, nossos alunos, nessa redução desse temor por coisas novas, digamos assim.

OP - E sobre a indústria 4.0. Você pode explicar de forma didática o que é isso?

Sonia - A indústria 4.0 é a quarta revolução industrial. Nós já vamos entrar para a quinta revolução industrial, mas basicamente ela consiste em novas competências que são requeridas para a atuação na indústria, ou ainda para a indústria em si poder se transformar. Nós já temos a neoindustrialização, então é a automatização de processos, é a utilização da inteligência das coisas, IoT, nos processos industriais, e agora chegando para agregar a inteligência artificial. A indústria 4.0 contribui muito para tirar muito também da mente daquelas pessoas aquela imagem antiga que se tinha da indústria, digamos assim, poluidora, da chaminé, a indústria mudou muito nos últimos anos. E se você, digamos assim, para qualquer pessoa que deseja entender mais de tecnologia, ou quanto a tecnologia está inserida aqui no estado do Ceará, digamos assim, conheça os processos industriais, tenha curiosidade por estar, por ser um trabalhador da indústria, ou estudar para tal, estar lá dentro contribuindo, que a indústria está requerendo cada vez mais competências tecnológicas, porque elas estão com tecnologias cada vez mais avançadas, trazidas pela indústria 4.0, pela necessidade de se manter competitiva no Brasil e no mundo. E para isso precisa de quê?

Profissionais capacitados, porque a indústria está lá na velocidade dela 10.0, digamos assim, e nós precisamos estar todos.

OP - Quais competências e habilidades são consideradas hoje essenciais pelos empregadores e estão sendo incorporadas nos currículos escolares e universitários?

Sonia - As soft skills. O nosso foco, mas de modo geral, as competências que envolvem comportamento, que envolve trabalhar com cooperação, trabalhar em trazer resultados em grupo, de trabalho em grupo, saber se colocar, socializar, e principalmente pensamento crítico, de criticar determinados processos, para que nós humanos não somos uma máquina, aliás, corrigindo, nós somos a máquina mais perfeita que existe, mas quando eu digo assim, nós não somos uma máquina, é que nós temos a capacidade de refletir sobre, de pensar se aquele processo ali, se ele faz sentido para aquela entrega, para o resultado do que a indústria, ou que a empresa que eu trabalho está querendo, seja ele reverberar em um serviço, seja ele reverberar em um produto, o que importa é que eu tenha pensamento crítico, reflexão crítica, e possa propor melhorias no processo daquilo que eu estou fazendo, porque eu não sou um robô, eu comando os robôs, enquanto humano, digamos assim.

Sônia Parente, gerente de educação do Senai, traz perspectivas sobre o futuro da educação, a expansão do ensino a distância e os desafios de formar profissionais capacitados
GEORGE LUCAS GOIS
BARBOSA/DIVULGAÇÃO

O nosso desafio é ir muito além do cumprimento da legislação. Não é só o mero cumprimento da lei, é preciso ter ações de inclusão para lidar com essa diversidade

OP - Recentemente viralizou um vídeo de adolescentes dizendo que eles ganham mais do que um médico, sem fazer faculdade, apenas com conteúdos online, e aí eu queria saber o que você pensa sobre essas afirmações dessa geração, que vem fazendo conteúdo para as redes sociais, e que promove esse discurso de que não é mais necessário fazer uma faculdade, enfim, como que você vê essas afirmações?

Sonia - O que eu acho que é importante a gente saber? É que é um modelo de trabalho novo, essa geração Z, ela não quer estar empregada, ela quer estar empregável, é um modelo mental diferente do que nós tínhamos, talvez eu, você e alguns espectadores, de que a gente queria mais estabilidade no trabalho, ou que como nossos pais, digamos assim, entrar num trabalho e você ir trabalhar o resto da vida naquele trabalho e se aposentar ali naquela profissão. Essa geração trouxe novas perspectivas e novas formas de se relacionar com o mercado de trabalho, não tem certo e não tem errado, eles passaram a exigir novas formas de se relacionar com o mercado e em paralelo também surgiram novas oportunidades de trabalho que casa com o modelo mental desses jovens. Então, isso não perpassa necessariamente pela necessidade de não se preparar, o fato é que ele tem que estar pronto, seja para o modelo tradicional onde nós, muitos de nós, fomos formados e estamos no mercado de trabalho, ou seja, para esse novo modelo que não requer um curso, não requer um curso técnico, não requer uma graduação, basta que eu faço o curso online, eu faria uma métrica de escolha aquilo que vai desenvolver o que você vai precisar entregar enquanto profissional, porque as competências que vão lhe ser exigidas você vai ter que estudar para poder entregar aquilo que você está se propondo como profissional, não está além do trabalho, é como profissional.

OP - Qual o papel das habilidades socioemocionais na formação dos estudantes e como essas habilidades têm sido abordadas nas instituições de ensino para que sejam um diferencial na vida dos estudantes que vão entrar no mercado de trabalho?

Sonia - A soft skills foi algo que ficou muito em voga na exigência das empresas e na questão do mercado de trabalho. Eu vou exemplificar um pouco do trabalho que a gente faz no Senai, por exemplo, na formação dos nossos aprendizes que são jovens de 14 a 24 anos. Isso também tem sido trabalhado muito forte na educação básica, mas enquanto formação técnica a nossa preocupação de contribuir com a educação desse jovem para que ele possa vir a desenvolver essas competências, que ele vai se deparar com a exigência delas lá, enquanto aprendiz e depois, se Deus quiser, enquanto colaborador da indústria. A gente tem um trabalho muito forte da ética, da formação para muito além da questão da postura, de como ele saber se colocar, da importância da reflexão crítica, da importância de contribuir, não só criticar por criticar. E isso perpassa necessariamente, como eu disse anteriormente, por aquilo que a instituição educacional está se propondo na sua matriz escolar, na sua matriz educacional. Isso já é trabalhado nas unidades curriculares do Senai. A gente implementou, há muitos anos atrás, como projeto, como projeto dentro das turmas e, na sequência, fomos fazendo a virada para que isso seja trabalhado diariamente em cada disciplina. É claro que está lá organizadinho quais as competências que a gente deseja desenvolver, quais as habilidades, que ferramentas nós vamos utilizar para contribuir para que o jovem desenvolva isso. São oficinas, é a participação em workshop, é a interação com o mundo do trabalho para ele já ir vendo e vivendo, vendo informações, cases de como se colocar, quais as exigências que está tendo. Projetos como a Saga da Inovação, para ele entender que, num trabalho onde ele propõe uma ideia para resolver um problema real lá da indústria, o quanto ele está se formando um profissional diferenciado enquanto soft skills. Porque ele está se formando um profissional que tem ideia, que se coloca, que viu um problema e consegue se colocar criticamente em relação àquele problema. Tem programas e projetos que são essenciais para constar na matriz educacional para poder contribuir com isso. Seja o jovem, como exemplo que estou dando dos nossos aprendizes, dos nossos alunos do Novo Ensino Médio, seja ele adulto que está fazendo curso técnico, que já está lá dentro da indústria, está vivendo problema na pele e que está sendo demandado por trazer solução para aquele problema.

OP - Falando agora um pouco sobre diversidade. As empresas têm promovido cada vez mais diversidade. Então, eu te pergunto como as instituições educacionais estão abordando inclusão e diversidade para capacitar os alunos para um ambiente de trabalho cada vez mais multicultural?

Sonia- Na questão da inclusão e da diversidade, o nosso desafio é ir muito além do cumprimento da legislação. Porque se já existe a lei, a lei é para ser cumprida, mas não é só o mero cumprimento da lei. É preciso ter ações, como você bem disse, para poder lidar com essa diversidade, seja no mercado de trabalho, seja no dia a dia das nossas escolas. É preciso ter muitas ações e a gente trabalhar em rede, em rede com outras instituições, com associações de pais, quando se trata da inclusão ou quando se trata da diversidade, com associações ou trabalhos que envolvem LGBTQIA+, todas as questões de gênero. Enquanto Senai, eu posso fazer referência, até mesmo porque temos muitos parceiros que nos ajudam muito a trilhar essa questão de trabalhar com a inclusão e a diversidade. Nós temos um programa chamado Programa Senai de Ações Inclusivas e nós temos atuações diversas voltadas para as questões de inclusão ou de gênero, justamente para que, enquanto o primeiro dever de casa é que enquanto instituição educacional eu preciso dar o testemunho, eu preciso trabalhar a inclusão, trabalhar a diversidade no dia a dia, nos nossos cursos, preparar nossos docentes, nossa equipe da escola para isso, para poder atender o melhor possível aquele aluno e ele possa despertar nele, ele também ser consciente disso, para quando ele for para o mercado de trabalho. E em paralelo, um trabalho também junto às indústrias, junto às empresas, para que elas se sintam prontas e estejam prontas também para toda essa questão que requer a inclusão e a diversidade, porque não adianta só a gente prepara as pessoas, conscientiza, lá a indústria, o RH da indústria, que são nossos parceiros essenciais, eles também precisam de ajuda e eu queria dizer que eles podem contar conosco, é o nosso papel, a gente aprende juntos para que a inclusão e a diversidade realmente ocorra no ambiente de trabalho como deveria ser. A preocupação é ajudar nisso.

MARCELO ANDRADE/DIVULGAÇÃO

Renivaldo Sodré, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro e Indígena (Neabi), aborda a diversidade no contexto educacional e suas perspectivas

O valor da DIVERSIDADE

|INCLUSÃO| A partir do conceito de diversidade, Renivaldo Sodré de Sena aponta a educação como o caminho necessário para as pessoas entenderem que é importante respeitar e enxergar outras culturas, outras religiões, outras perspectivas

Uma sociedade mais justa e democrática passa por uma mudança na formação dos professores, que devem estar mais preparados para abordar o tema em sala de aula. É o que defende Renivaldo Sodré de Sena, professor do Instituto Federal do Ceará (IFCE) de Tabuleiro do Norte e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro e Indígena (Neabi) do Campus. O especialista fala sobre o valor da diversidade no ambiente educacional e os principais desafios para aplicá-la efetivamente nesses espaços.

O POVO - Como a educação pode se tornar mais inclusiva e respeitar as múltiplas identidades dos estudantes brasileiros?

Renivaldo Sodré de Sena - Diversidade na educação é um dos temas mais relevantes na educação, porque não dá para a gente pensar em uma sociedade justa, em uma construção de um país, sem a gente pensar em diversidade. E quando a gente vai falar de diversidade, a primeira questão é o que é a diversidade? A diversidade é essa convivência com diversos, é a presença de características múltiplas, de várias etnias, religião, de vários tipos de culturas. E a educação pode contribuir de maneira decisiva nesse processo de as pessoas entenderem que é importante respeitar toda a diversidade. A partir do momento em que esse conhecimento, que essas culturas são inseridas no ensino, no processo educativo, a gente promove a diversidade. A gente tem um desafio muito grande no Brasil, porque a gente ainda tem um ensino pouco diverso. A gente caminhou, mas a gente ainda está bem distante. Embora a gente tenha duas leis aprovadas que obrigam o ensino, tanto da história quanto da cultura afro-brasileira e indígena, mas a gente ainda observa que isso ainda não acontece de maneira efetiva. A gente ainda tem um ensino muito eurocêntrico, e a ideia é a gente tirar esse eixo eurocêntrico e que a gente possa trazer outras culturas, outras religiões, outras perspectivas. A ideia de diversidade é você ver diversas perspectivas.

OP - O que é o Neabi e como funciona?

Renivaldo - Na maioria dos campi do IFCE a gente tem os Neabis, são os núcleos de estudo afro-brasileiro e indígena. E a proposta do núcleo é a gente fazer o estudo da questão afro-brasileira e indígena, fazer projetos de extensão, promover o estudo e o ensino dessa cultura. Embora a gente tenha leis no Brasil que obrigam o ensino da cultura indígena e africana, a história, como um todo, a gente ainda tem esse desafio. E o Neabi vem com essa proposta de contribuir para que o ensino da cultura africana e indígena possa permear as escolas e as instituições. A gente promove esse estudo e reflexões.

OP - Na sua opinião, o que representa a diversidade no contexto educacional?

Renivaldo - Para mim, a diversidade no contexto educacional é você ter diversas culturas e perspectivas. O Brasil é um país que tem a sua formação africana, na sua origem. Então, diversidade é você ter toda a história, ter a cultura africana. É valorizar, também, a herança indígena dentro do currículo, valorizar a questão quilombola. Ou seja, no ponto de vista do currículo, é ter todas essas visões, mas também dentro da educação, diversidade é você ter atores de diversas etnias também. Ou seja, não dá para eu falar de diversidade se, dentro do espaço educacional, eu tenho pessoas de uma única cor de pele. Então, para você pensar em diversidade no contexto educacional, você precisa, também, pensar na diversidade dos atores que fazem o processo educativo. Então, ser diverso é ter

uma instituição educacional que, além do currículo trazer essas diversas temáticas, os atores que fazem todo esse processo educativo também são pessoas diversas, de diversas etnias, cultura, religião. É um conceito extremamente amplo e é assim mesmo que precisa ser.

OP - Quais as dificuldades de abordar o tema de forma aprofundada e inclusiva?

Renivaldo - A gente tem barreiras importantes a enfrentar no nosso País. Uma questão que a gente precisa considerar é que a gente ainda tem uma sociedade extremamente machista, patriarcal, a gente guarda essa herança. É importante trazer essa reflexão sobre essa desigualdade de gênero. Então, precisa ser acompanhado de leis, de políticas, mas também precisa ser acompanhado de debates e de reflexão. Porque tanto a questão que envolve gênero, sexualidade, quanto a que envolve a questão racial, para a gente que trabalha na educação, a gente entende que esse é o caminho mais eficiente para a gente vencer essas barreiras. Então, a partir do momento em que a gente promove debate, que a gente traz essa discussão para o centro, a gente consegue pensar na formação de uma sociedade que possa pensar de maneira diferente.

OP - Como as universidades e os institutos de educação podem criar um ambiente inclusivo para estudantes com deficiência, LGBTQIA+ ou diferentes religiões?

Renivaldo- Quandoagentefaladediversidade,

a gente está pensando nas diversas perspectivas. Eu estou pensando em religiões de matriz africana, religião católica, espiritismo. Eu estou falando do negro, do branco, do indígena, do LGBTQIA+, das pessoas com deficiência. Agora, quando a gente fala de inclusão, a gente já está pensando em ações concretas para tornar esses atores integrados ao ambiente. E eu penso que para tornar essas pessoas mais integradas em universidades, institutos e sistemas educacionais, é necessário, para além da questão do debate, discussão pedagógica, é importante que o Projeto Político-Pedagógico (PPP) contemple essas temáticas. Não basta trazer o debate ou entender que é importante. É importante também promover acessibilidade aos espaços, garantir, por exemplo, intérprete de libras para as pessoas que não escutam, ter recurso para as pessoas que não podem ver. Tudo isso é um processo de inclusão. Quando a gente fala desse processo de inclusão, a gente entende que a gente ainda tem barreiras bem difíceis.

OP - Qual a maior dificuldade para a aceitação desses projetos?

Renivaldo - Eu penso que um desafio está na formação dos professores. Isso é um grande ponto. Quando a gente fala dessa temática da universidade, a gente ainda tem um abismo muito grande no processo formativo. Para você ter uma ideia, eu fiz toda a minha graduação, todo o mestrado, doutorado de universidade, eu fui da área de exatas, e em nenhum momento, por exemplo, eu tive contato com a temática étnico racial, mesmo fazendo a maior parte da minha formação numa cidade onde a maior parte da população é negra, que é o caso de Salvador. Ou seja, o professor não é treinado, não é trabalhado como é que ele deve trazer essa temática para a sala de aula, para dentro da universidade. Na minha formação, em nenhum momento a gente teve, dentro do curso, alguma cadeira que tratasse sobre, por exemplo, a língua brasileira de sinais. Então, eu cheguei à docência e até hoje é uma deficiência que eu tenho e que eu preciso corrigir. Eu não sei ainda a língua brasileira de sinais. Então, como é que eu posso incluir se eu não sei? Eu, enquanto professor, não sei comunicar com meu estudante surdo, por exemplo. É a lacuna na formação do professor. E dentro da própria universidade, você já começa com essa lacuna. Quando a gente fala de diversidade, a gente não está restrito à diversidade para uma área do conhecimento. A diversidade é responsabilidade de todos. E o que a gente observa é que a temática, quando é abordada, muitas vezes é abordada na área das humanas. Nas áreas exatas, por exemplo, essas temáticas passam muito distantes. Então, esse é um desafio.

Para você pensar em diversidade no contexto educacional, você precisa, também, pensar na diversidade dos atores que fazem o processo educativo. É um conceito extremamente amplo e é assim mesmo que precisa ser

OP - Quais os impasses para se incluir na grade dos cursos disciplinas que abordem a diversidade?

Renivaldo - É complexo, são vários fatores. A gente precisa avançar, ainda, a nível de legislação, embora a gente tenha caminhado, por exemplo, na questão étnico e racial. Hoje, temos duas leis que regulamentam e que dizem que, dentro do ensino básico, a gente precisa falar do ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena. A Lei 10.639 e a Lei 11.645 são duas leis que alteraram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para obrigar o ensino dessas matérias, dentro do ensino básico como um todo. Mas quando a gente vai para as salas de aula, para as escolas, nos projetos de extensão, a gente ainda observa que essa lei não é cumprida. Então, falta, para além de leis, fiscalização, um debate mais maduro, estratégia para que possa, efetivamente, cobrar o cumprimento, porque não é só ter a legislação, mas é importante garantir as condições e fazer a cobrança para que, de fato, a lei seja cumprida. E a gente ainda precisa, muitas vezes, estar dizendo que é importante discutir sobre isso, sobre gênero, sobre raça, sobre sexualidade. Não é à toa que a gente está aqui falando sobre esse tema.

OP - A desigualdade social é um fator de distanciamento também?

Renivaldo - Se a gente for pensar aqui no Brasil, se você for olhar os números, os dados são bem categóricos quando eles expressam quem são as pessoas que estão excluídas. Então, quando a gente vai olhar para a questão racial, por exemplo, a gente observa que a maior parte das pessoas que estão nas favelas, nas comunidades da periferia, são as pessoas negras. Se a gente for olhar para o sistema prisional, mais de 70% das pessoas que estão aprisionadas são pessoas negras. Se a gente for olhar para os números da violência, a gente vai observar que, essencialmente, no Brasil, quem é assassinado é o jovem negro. Se a gente for olhar para a questão de renda, distribuição de renda, a gente vai observar que, no Brasil, é, essencialmente, a população negra que está abaixo da linha de pobreza, ou que está na pobreza. Se a gente for olhar dados de emprego, a gente também vai perceber que os dados nos dizem que os negros são a maioria dos desempregados, e quando eles estão trabalhando, são empregos informais. E, se você vai para as profissões, cargos como, por exemplo, advogado, médico, juízes, são cargos que você não vê a presença da população negra. Então, esse aspecto me faz concluir que, aqui no Brasil, a questão da desigualdade é uma questão que tem cor, é uma questão de raça. O racismo explica o porquê a gente ainda não consegue ter pessoas diversas em nossos espaços. O nosso desafio é mostrar para as pessoas que nessa sociedade racista, a gente precisa se identificar, precisa entender que somos sim racistas e, a partir daí, realizar o processo de desconstrução. E mais, não basta somente eu dizer que eu não sou racista, porém eu tolerar atitudes, ações, palavras racistas. Não ser racista passa também por combater. E se eu não combato, não tem jeito. Eu também estou sendo racista, estou contribuindo para essa estrutura.

OP - Quando eu estou falando do movimento LGBTQIA+, a dificuldade de acesso é também por conta da dificuldade do preconceito, a barreira principal é essa?

Renivaldo - Sem sombra de dúvida. Quando a gente vai olhar para todas essas questões que envolvem a diversidade, o preconceito é uma palavra-chave. Por isso que a gente precisa de muito diálogo, debate, conscientização, educação para esclarecer e para que a população possa, verdadeiramente, entender que a diversidade faz parte da criação. E é bom que tenha diversidade, porque, a partir do momento em que os preconceitos vão sendo concebidos, vão se enraizando, você vai excluindo pessoas. Então, o nosso desafio é a gente tratar esses preconceitos, entender quem somos, como fomos formados por toda uma questão histórica, e tratar isso. Não vamos conseguir vencer tudo isso se a gente seguir admitindo que vivemos em um País que não é racista.. A maior parte da população é negra e a gente é violento com a população negra, a gente é violento com a população LGBT+, com a população que tem deficiência. O Brasil é um país violento e as notícias estão aí comprovando isso o tempo todo.

OP - Como as famílias podem contribuir para a diversidade no ambiente escolar?

Renivaldo - Quando a gente vai olhar os casos de racismo que tem aqui no Instituto, a gente observa que a fórmula está dentro de casa, ou até mesmo os próprios pais têm essa atitude. Pensando aqui em crianças, adolescentes, a gente entende bem, as pessoas não nascem racistas, as pessoas não nascem homofóbicas, as pessoas não nascem com preconceitos, isso é formado ao longo da vida. A família dentro de casa tem um papel fundamental nisso, nesse processo de esclarecer. Mas, como a gente está pensando em uma sociedade que é concebida dentro de um processo de preconceito tão grande, de uma exclusão tão grande, isso é naturalizado. Então, muitas vezes os pais reproduzem isso. Acho que a partir do momento que a família tem esse contato com a reeducação e transmite isso para seus filhos, isso é crucial. OP - Como o IFCE tem colaborado para promover a inclusão e o respeito às diferenças?

Renivaldo - A gente, dentro do IFCE, tem diversos núcleos, para além dos Núcleos de Estudo Afro-brasileiro e Indígena, que são os Neabis, a gente tem os Nugeds, Núcleos de Gênero e Diversidade Sexual, os Núcleos de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (Napnes), que estudam a questão da acessibilidade e das pessoas com deficiência. Os núcleos fazem esse estudo e essa extensão com a comunidade, porque a gente não fica só dentro do Instituto, mas a gente também promove a discussão em escolas, para além dos muros da própria instituição. Inclusive, na próxima semana, vamos nos reunir todos do IFCE lá em Paracuru, para discutir questões de etnia. E, a partir daí, a gente pensa em soluções, em perspectivas, como é que a gente pode implementar isso na educação, pensar em estratégias, metodologias, contribuir com a própria formação de professores. Não só professores, mas todo mundo que acompanha a comunidade escolar, é importante que tenham esse acesso ao conhecimento, que tenham esse letramento racial, de diversidade, seja sexual, de gênero. Então, a gente, a partir das discussões, de encontros e de cursos que a gente promove, os núcleos, a própria extensão, da educação, promovemos essa contribuição social.

OP - Que experiências positivas vocês perceberam que, de fato, transformaram aquele ambiente que vocês queriam atingir?

Renivaldo - A gente tem diversas experiências e diversas ações com resultado positivo ao longo do próprio IFCE. Se você for pensar em uma pirâmide social onde há exploração, a mulher negra está na base dessa pirâmide. E aí, quando você vai pensar todas essas questões, você observa que elas vão crescendo com diversas questões importantes, psicológicas, dificuldade de aceitação e de identidade. E aí eu lembro que a gente estava com um projeto que envolvia um trabalho com meninas negras e, após esse projeto, a gente teve relato de estudantes que falaram para a gente, emocionadas, que não aceitavam a textura dos seus cabelos, não conseguiam se aceitar enquanto pessoa importante, não tinham perspectiva, porque o racismo também influencia nisso, e elas relataram que, a partir das ações, ela puderam se empoderar em relação à própria fisionomia, gostar do cabelo, e isso é apenas um relato de muitos outros de transformação. Uma dessas estudantes, inclusive, hoje é estudante universitária, e certamente o fato de ela ter participado desse projeto, dessas ações, foi crucial para ela entender que ela tinha a capacidade de ir além, que ela, enquanto mulher negra, não tinha que ser simplesmente subalterna, porque tem essa ideia muito forte, principalmente com as mulheres, e ela entendeu que ela poderia ser autora da própria história. OP - Qual conselho você daria para os novos educadores?

Renivaldo - Estudar sobre diversidade é a obrigação de todo mundo. A própria Constituição de 1988 fala da inclusão, de todo mundo ser tratado igual. Não é possível a gente pensar em democracia se há exclusão. Então, para eu pensar numa democracia forte, eu preciso incluir as pessoas, porque a democracia é a participação de todos. Então, a partir do momento que você tem um sistema em que grupos estão excluídos, em que grupos não têm acesso a serviços ou a diversas instituições que deveriam ter acesso, a democracia está falha, não está plena. Penso que todo mundo que vai tratar de educação com mais razão deve estudar sobre essas questões, se apropriar desse tema, conversar e tratar de fazer o processo de transformação. E essa transformação, eu me refiro a buscar trabalhar os seus preconceitos, porque todos nós temos. Não tem como eu ensinar, construir uma sociedade se esses aspectos ainda são muito fortes, se as minhas atitudes vão demonstrar esses preconceitos. Então, é fundamental que alguém que trabalha com a educação tenha contato com isso e, para isso, a gente precisa de uma reforma dentro da universidade, para que, a partir dali, nenhum profissional saia sem ter contato com essa temática.

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