EDUCAÇÃO INCLUSIVA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA 26 DE DEZEMBRO DE 2024
FORTALEZA - CEARÁ
APRENDENDO COM AS DIFERENÇAS
DUDA RABELO/ESPECIAL PARA O POVO
A BELEZA DA DIVERSIDADE
A luta por inclusão e combate à discriminação de pessoas LGBTQIAPN+ deve começar na escola e envolver toda a sociedade
2 EDUCAÇÃO INCLUSIVA
FORTALEZA - CE, 26 DE DEZEMBRO DE 2024
Imaginários e resistência A educação inclusiva da pauta LGBTQIAPN+ “avança a passos de formiga e sem vontade”, define Ivna Costa, advogada e coordenadora Jurídica da Secretaria da Diversidade do Estado do Ceará. Os desafios são muitos para a escola e para toda a sociedade.
de Lei nº 7292/17, da deputada Luizianne Lins (PT-CE), que considera o LGBTcídio como homicídio qualificado e o classifica como crime hediondo. Batizada de Lei Dandara, a medida homenageia a travesti Dandara dos Santos, brutalmente assassinada em Fortaleza, em fevereiro de 2017.
“O Ceará precisou passar por um episódio muito violento para tomar a decisão política de avançar nas políticas públicas para LGBT+. Se você resgatar as legislações que nós temos, você vai verificar que a maioria delas são de 2017, ano em que Dandara foi assassinada, e dos anos consequentes”, Silvinha Cavalleire, presidenta nacional da União Nacional LGBT e vice-presidenta da Associação de Travestis e Mulheres Transexuais do Ceará (Antra).
Nas páginas a seguir, tratamos das limitações orçamentárias para a execução efetiva de políticas públicas de diversidade, o “vácuo” de legislações afirmativas, além da lentidão para debater e aprovar pautas importantes. Mas também, apontamos iniciativas da comunidade que tem se organizado para criar estratégias de acolhimento à população LGBTQIAPN+ mais vulnerável.
Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto
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índice 6
EDUCAÇÃO PARA ACOLHER A DIVERSIDADE
Assista aos programas de TV e lives E também acesse os cadernos completos em: fdr.org.br/educacaoinclusiva
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DIVERSIDADE É PAUTA CEARENSE
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ACOLHIMENTO QUE ACONTECE EM COLETIVO
Acompanhe a série de cadernos! EDUCAÇÃO INCLUSIVA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA 23 DE DEZEMBRO DE 2024
FORTALEZA - CEARÁ
APRENDENDO COM AS DIFERENÇAS
IMAGINÁRIOS E RESISTÊNCIA O povos indígenas no Ceará celebram o fortalecimento das escolas indígenas e seguem na luta por direitos e reconhecimento identitário
Kátia Morais é professora da Unilab e coordenadora pedagógica da Escola Indígena Tapeba Amélia Domingos
DUDA RABELO/ESPECIAL PARA O POVO
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O PAPEL DA ESCOLA CONTRA A DISCRIMINAÇÃO SEXUAL E DE GÊNERO
Educação inclusiva povos indígenas Dia 21 de dezembro
Educação inclusiva - pessoas pretas Dia 27 de dezembro Educação inclusiva - pessoas com deficiência Dia 28 de dezembro
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FORTALEZA - CE, 26 DE DEZEMBRO DE 2024
O papel da escola contra a discriminação sexual e de gênero
AMBIENTE ESCOLAR PODE SER AGENTE TRANSFORMADOR NA LUTA CONTRA A DISCRIMINAÇÃO LGBTQIAPN+. TODA A SOCIEDADE TEM RESPONSABILIDADE NO DEBATE Escolas. Na teoria, espaços preparados para o desenvolvimento humano e convívio social. Na prática, precisam avançar muito até se tornarem plenamente acolhedoras para crianças e jovens LGBTQIAPN+. Despreparo de professores para abordar questões de gênero e sexualidade e a ausência de uma rede interdisciplinar que promova saúde mental e cidadania são exemplos de deficiências no ambiente escolar apontadas por alunos e especialistas. Jon Oliveira, conselheiro estadual de Direitos Humanos e representante do assento voltado à Diversidade Sexual, é enfático. Ele alerta que a escola ainda enfrenta a falta de responsabilização efetiva por casos de homofobia e transfobia. Além disso, o avanço de pautas fundamentalistas no ambiente educacional restringe a liberdade de cátedra e perpetua preconceitos. “A gente tem marcadores que vão desde a
violência transfóbica por associação, digamos assim, do território, com as questões que envolvem identidade de gênero e diversidade sexual, como a gente tem também aspectos que envolvem a dificuldade de crianças e adolescentes LGBT+ de serem acolhidas nas suas próprias famílias por falta de intervenção dessas estruturas no ambiente familiar”, aponta o conselheiro. Na opinião dele, as alternativas para a situação “passam por um fortalecimento dos conselhos escolares e passam também por uma profissionalização da rede integrada que envolve a escola”. É necessário, portanto, dispor de uma estrutura interdisciplinar que envolva profissionais como psicólogos, assistentes sociais, arte-educadores, entre outros, que pensem no cuidado “como uma agenda fundamental para pessoas LGBT”, não só do ponto de vista do acolhimento, mas também de fortalecimento da rede.
INICIATIVAS Experiências bem-sucedidas são as semanas temáticas estaduais, como a Semana Janaína Dutra de Promoção do Respeito à Diversidade Sexual e de Gênero (Lei nº 16.481/2017) e a Semana Luis Palhano Loiola – Semana da Diversidade Sexual (Lei 14.820/2010). Realizadas pela Secretaria da Educação do Ceará (Seduc), os projetos promovem debates sobre identidade de gênero e diversidade sexual em escolas estaduais. Em nota ao O POVO, a Seduc afirmou que “a inclusão de pessoas LGBTQIAPN+ é essencial para a construção de uma educação equitativa e acolhedora” e listou uma série de projetos e iniciativas “que buscam promover o respeito à diversidade, combater o preconceito e garantir que todos os estudantes, professores e profissionais da educação tenham acesso a um ambiente escolar seguro, inclusivo e livre de discriminação”. Um dos destaques vai para a disponibilização de disciplinas eletivas escolares sobre gênero e sexualidade no Catálogo dos Componentes Curriculares Eletivas 2024 da rede estadual. “As ementas têm o objetivo de subsidiar professores da rede estadual que desejem trabalhar com saberes específicos como diversidade sexual e de gênero, masculinidade hegemônica, masculinidades saudáveis, violência de gênero, misoginia e transfobia”, escreve a pasta.
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SEDUC E INCLUSÃO
COMUNIDADE ENVOLVIDA
> Realização de semanas temáticas estaduais
Para o conselheiro estadual de Direitos Humanos, Jon Oliveira, o debate exige uma atuação com dois focos: o primeiro, com a escola, entendendo-a como um ambiente de promoção de saúde mental, de cidadania e dignidade; e o segundo, com a responsabilidade que a comunidade tem com o sujeito vítima de discriminação e violência.
> Criação de disciplinas eletivas escolares sobre gênero e sexualidade > Disponibilização de livros e cartilhas sobre a pauta > Formações para professores, gestores e demais servidores da rede estadual > Distribuição de placas com aviso proibindo discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero > Organização do “Seminário de Diretores – Aprendizagem com equidade: construindo uma escola plural, inclusiva e acolhedora”
“A gente precisa compreender que essa violência tem aspectos multidimensionais, é um problema do sistema e do governo, mas ela também é um problema da sociedade em estruturar as relações”, aponta.
A GENTE VÊ ALGUNS PROGRAMAS QUE ESTÃO MUDANDO, QUE ESTÃO COLOCANDO A ESCOLA PRA SER ESSE LUGAR PLURAL
Em Fortaleza, o Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza (CDVHS) tem sido um exemplo na promoção de direitos humanos, cultura de paz e diversidade em diálogo com o ambiente escolar. Ingrid Rabelo, assistente social e integrante do CDVHS, explica que o trabalho do Centro com escolas públicas do Grande Bom Jardim (GRJ) tem transformado a relação entre estudantes e suas comunidades.
A INCLUSÃO DE PESSOAS LGBTQIAPN+ É ESSENCIAL PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO EQUITATIVA E ACOLHEDORA
Entre as ações, estão a mediação de conflitos em escolas envolvendo pautas sensíveis, como o uso de banheiros conforme a identidade de gênero dos estudantes, a inclusão do nome social em chamadas escolares e ações contra LGBTfobia, sempre com protagonismo dos próprios jovens. Parcerias com instituições como o Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ) ampliam o impacto dessas ações. Eventos como o Festival das Juventudes e rodas de conversa têm incentivado a discussão aberta e construtiva sobre diversidade
sexual e identidade de gênero. “Quando participam dessas movimentações mais comunitárias, (as escolas) se animam para formar um Grêmio, para movimentar ações”, acrescenta Ingrid Rabelo. Jack Alexandre, 17, está concluindo o ensino médio na Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) Senador Osires Pontes, localizada no bairro Canindezinho, em Fortaleza. No último ano, ele foi presidente do grêmio estudantil da escola. Ele aponta a liderança dos alunos no gradual processo de mudança. “A gente vê alguns programas que estão mudando, que estão colocando a escola pra ser esse lugar plural, e muitas vezes promovidos pelos próprios grêmios estudantis, muitas vezes promovido pelos próprios movimentos em igrejas e escolas”, relata.
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Educação para
acolher a diversidade
COMO A PAUTA LGBTQIAPN+ AVANÇA NO AMBIENTE ESCOLAR, QUAIS OS DESAFIOS E CAMINHOS POSSÍVEIS PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA A PARTIR DE POLÍTICAS PÚBLICAS QUE PROMOVAM A DIVERSIDADE A advogada e coordenadora Jurídica da Secretaria da Diversidade do Estado do Ceará, Ivna Costa, destaca os desafios da população LGBTQIAPN+ no ambiente escolar, a importância da formação de professores e os avanços nas políticas públicas para a diversidade. Especialista em Direito Público e presidenta da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero da OAB/CE, Ivna aponta caminhos para uma educação mais inclusiva. Confira! OPOVO – Como você avalia os avanços na educação inclusiva da população LBGTQIAPN+? Ivna Costa – Eu costumo parafrasear uma música que diz que nós avançamos a passos de formiga e sem vontade. É inegável que, nos últimos anos, temos tido decisões inovadoras, novas legislações sobre a matéria, mas ainda estamos muito longe de alcançar um mundo ideal, em que a população LGBTQIAPN+ não sofra tantas violências pelo fato de serem quem são. Eu sou uma mulher lésbica e nós estamos inseridos dentro de um país que mais mata população
LGBTIQIAPN+ no mundo. Então, a gente precisa ainda refletir muito com relação aos nossos avanços porque ainda são pequenos frente ao grande desafio que a gente enfrenta dentro desse país que é continental. OP – Qual a importância desse tema ser discutido na educação de base? Ivna – Grande parte da discriminação que gera problemas sociais tem como fundo a falta da educação. Então, a adoção de uma perspectiva inclusiva da educação tem uma forma transformadora social que a gente precisa apostar. A gente precisa apostar em formação de professores, porque é quem está na ponta da sala de aula, diminuindo a alta taxa de evasão escolar. É através dessa perspectiva da inclusão que a gente vai trazer um maior conforto para que essas pessoas tenham nesse ambiente escolar um maior espelhamento, para que essas pessoas consigam se enxergar nesses ambientes e saber que elas podem alcançar os objetivos que elas quiserem.
OP – Quais são os maiores desafios da população LGBTQIAPN+ dentro do ambiente escolar? Ivna – A gente recebe muitas demandas do ambiente escolar principalmente com relação aos espaços segregados de gênero. Dormitórios, banheiros, com relação ao nome social, criança que não se identifica mais com o nome dado em seu nascimento. Então, a escola é um universo que precisa ser melhor amadurecido. A gente está tratando com pessoas em desenvolvimento, que precisam de uma atenção especializada. Acredito que o que a gente pratica hoje ainda vai ser amadurecido para que as crianças LGBTQIAPN+ ganhem uma maior autonomia. OP – Como a formação de professores poderia promover um ambiente acolhedor e inclusivo? Ivna – O Governo do Estado do Ceará, de forma inovadora, criou, em 2023, a primeira Secretaria de Estado do Brasil específica para trabalhar políticas públicas para a população LGBTQIAPN+. Essa população precisa de uma
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secretaria que tenha como sua principal característica a interseccionalidade com outras secretarias, porque a pauta LGBT está em todas. O educador precisa de uma formação específica, precisa estar orientado, capacitado para receber a população, essas crianças, esses adolescentes de forma a educá-los dentro dessa perspectiva de inclusão. OP – Qual impacto da utilização de material didático inclusivo nas escolas? Ivna – A perspectiva hegemônica, durante muitos anos, foi de que gênero e identidade eram categorias imutáveis. Quando tenho um material didático que não trate a população, que não ensine a criança que nosso povo é diverso em raça, identidade e múltiplas orientações sexuais, será que a gente tem uma educação verdadeiramente democrática? Acredito que não. A gente precisa trabalhar cada temática considerando a faixa etária das crianças. Mas é preciso trabalhar essas diferenças. Eu costumo dizer que a maior marca do ser-humano é sermos diferentes.
Ivna Costa é advogada e coordenadora Jurídica da Secretaria da Diversidade do Estado do Ceará
DIVULGAÇÃO
OP – O que dizer de projetos de lei que buscam censurar o debate de gênero e sexualidade dentro da escola? Ivna – É totalmente na contramão do próprio estado democrático de direito. Como é que um Estado, que se reconhece como democrático não reconhece uma parte do seu povo? Nós precisamos naturalizar algumas temáticas por que é inerente da pessoa humana ser diferente, em gosto, em raça, em orientação. É assumir essa perspectiva para construir uma sociedade cada vez mais plural, que enxergue a diversidade não como instrumento de subjugação, mas uma sociedade que enxergue isso como algo inerente ao nosso povo, a complexidade da sociedade que nós temos.
PRECISAMOS NATURALIZAR ALGUMAS TEMÁTICAS POR QUE É INERENTE DA PESSOA HUMANA SER DIFERENTE, EM GOSTO, EM RAÇA, EM ORIENTAÇÃO
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Diversidade é
pauta cearense POLÍTICAS PÚBLICAS LGBTQIAPN+ NO CEARÁ. CONFIRA, ABAIXO, ALGUMAS MEDIDAS A FAVOR DA POPULAÇÃO LGBT+ NO ESTADO Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7292/17, da deputada Luizianne Lins (PT-CE), que considera o LGBTcídio como homicídio qualificado e o classifica como crime hediondo. Batizada de Lei Dandara, a medida homenageia a travesti Dandara dos Santos, brutalmente assassinada em Fortaleza, em fevereiro de 2017. O crime ganhou repercussão nacional e internacional após o vídeo do ato viralizar nas redes sociais, impactando profundamente as políticas públicas voltadas para a população LGBTQIAPN+ no Estado. É o que aponta a presidenta nacional da União Nacional LGBT e vice-presidenta da Associação de Travestis e Mulheres Transexuais do Ceará (Antra), Silvinha Cavalleire. “O Ceará precisou passar por um episódio muito violento para tomar a decisão política de avançar nas políticas públicas para LGBT+. Se você resgatar as legislações que nós temos, você vai verificar que a maioria delas são de 2017, ano em que Dandara foi assassinada, e dos anos consequentes”, clama. Ela aponta que um dos direitos mais urgentes a serem assegurados à população LGBT+ é o direito à empregabilidade. Para Silvinha, é necessário uma legislação que garanta a esse grupo oportunidades de emprego, políticas de ascensão no
mercado de trabalho, qualificação profissional e permanência nas vagas. “Quem sofre discriminação dentro da família, se não tem autonomia econômica, não pode sair de casa para interromper esse ciclo de violência. Muitas pessoas LGBTQIAPN+ acessam o mercado de trabalho, mas abandonam porque sofrem com desrespeito”, relata. Outra reivindicação da ativista é a retirada do Ambulatorial Transdisciplinar para pessoas Transgênero (Sertrans) do Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto de Messejana (HSM), com o objetivo de ampliar os atendimentos e combater a ideia de que a transexualidade está vinculada a distúrbios psíquicos. Apesar das dificuldades, Silvinha reconhece avanços no cenário cearense. Um exemplo é a obrigatoriedade nos boletins de ocorrência dos campos para o nome social, a identidade de gênero e a orientação sexual, a partir de 2021. A medida favorece a geração de dados sobre crimes de LGBT+fobia e, consequentemente, o desenvolvimento de estratégias para combater essa realidade. Além disso, o Ceará é o único estado brasileiro a apresentar uma Secretaria da Diversidade (Sediv). O professor e advogado Julio Figueiredo também compartilha a visão otimista
sobre o Estado. Mesmo considerando o contexto cearense longe de algo perfeito, ele acredita que a situação é melhor do que em muitas outras regiões brasileiras. “Apesar de termos ainda muita violência contra a comunidade LGBT+, nós somos um dos estados mais avançados culturalmente, tanto no combate a essa discriminação quanto na propositura de direitos. No estado, nós temos bastante legislação”, comenta. A nível nacional, ele alerta para a falta de legislações que assegurem os
direitos de pessoas LGBT+, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo. “Nós podemos casar, fruto de uma portaria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Lei federal para isso não existe. A questão é a insegurança, porque portaria não é lei. É por isso a urgência de legislações nacionais assegurando esses direitos. Se a gente mudasse todo o nosso STF por um STF conservador, os casais LGBT+ poderiam perder o direito ao casamento”, explica.
APESAR DE TERMOS AINDA MUITA VIOLÊNCIA CONTRA A COMUNIDADE LGBT+, NÓS SOMOS UM DOS ESTADOS MAIS AVANÇADOS CULTURALMENTE
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
POLÍTICAS PÚBLICAS LGBTQIAPN+ NO CEARÁ Criada em 2023, a Secretaria da Diversidade do Ceará (Sediv), busca coordenar, junto às demais secretarias estaduais, políticas transversais em prol da população LGBT+. Segundo a chefe da pasta, Mitchelle Meira, o objetivo é criar programas de inclusão e oportunidades para que essa população não fique vulnerável e nem sofra violência. “Para poder sobreviver nessa sociedade preconceituosa, discriminatória e de exclusão, a gente precisa avançar, superar isso, e a superação disso é junto com uma política pública de estado assertiva”, indica. Confira, abaixo, algumas medidas a favor da população LGBT+ no Estado: Delegacia de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou Orientação Sexual (Decrin): criada em 2022, a partir da Lei estadual nº 18.250, no âmbito da Polícia Civil do Estado do Ceará, visa investigar e punir os crimes previstos em lei relacionados à discrimnação, desrespeito e falta de reconhecimento do valor da pessoa. Centro Estadual de Referência LGBT+ Thina Rodrigues: lançado em 2021, fornece atendimento nas áreas social, jurídica e psicológica, tanto de forma presencial quanto virtual. Além disso, oferece capacitação, recebe denúncias e presta apoio em situações de vulnerabilidade. Unidade móvel do Centro de Referência, “Dandara Ketley”: lançada no último dia 20, a unidade móvel do Centro de Referência, deve leva os serviços da Secretaria para o interior do Estado. Serviço Ambulatorial Transdisciplinar para Pessoas Transgênero (Sertrans): criado em 2017 como um serviço de atenção à saúde de nível secundário para proporcionar acompanhamento relacionado ao processo transexualizador Painel de monitoramento dos crimes LGBT+fóbicos no Ceará: cooperação com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Monitoramento de todos os boletins de ocorrência de crimes LGBT+fóbicos, de todo o Estado. Comitê de empregabilidade e empreendedorismo LGBT+: parceria com a Secretaria do Trabalho (SET). Mapeamento dos empreendedores LGBT+ para inclusão em iniciativas.
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PRINCIPAIS MEDIDAS LGBTQIAPN+ NO BRASIL E CEARÁ 2008
Portaria nº 1.707 do Ministério da Saúde institui as diretrizes nacionais para o processo transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS).
2013
Resolução Nº 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo.
2020
Supremo Tribunal Federal (STF) considera inconstitucional excluir do rol de habilitados para doação de sangue os homens que tiveram relações sexuais com outros homens.
2021
Lei estadual nº 17.480 determina a fixação de avisos nos estabelecimento públicos ou privados contra a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero no Ceará.
2017
2021
Lei estadual nº 16.334 institui o dia 15 de fevereiro como o Dia Estadual de Combate à Transfobia no Estado do Ceará, em homenagem à travesti Dandara dos Santos.
Decreto estadual nº 33.906 cria o Conselho Estadual de Combate à Discrminação LGBT, responsável por sugerir ao governo do estado do Ceará a elaboração de políticas públicas para essa população.
2017
2022
Portaria nº 30 do Gabinete do Delegado Geral da Polícia Civil do Estado do Ceará amplia o atendimento especializado nas Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) às mulheres travestis e transexuais em situação de violência doméstica e familiar.
Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelece que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) também deve ser aplicada aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transgênero no Brasil.
2018
Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece que atos ofensivos praticados contra pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ podem ser enquadrados como injúria racial.
Provimento Nº 73 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dispõe sobre a averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN).
2019
Lei estadual nº 16.946 assegura o direito ao nome social nos serviços públicos e privados no Estado do Ceará.
2023
2023
Lei estadual n° 18.502 institui o dia 17 de maio como o Dia Estadual de Combate à LGBT+fobia. Confira mais informações em diversidade.ce.gov.br/marcos-legaisda-populacao-lgbti-cearense.
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Acolhimento que acontece em
coletivo APESAR DE AVANÇOS, PAUTA LGBTQIAPN+ ENFRENTA DESAFIOS ANTIGOS. ESPAÇOS DE ACOLHIMENTO OPERAM ATIVAMENTE NO COMBATE À VIOLÊNCIA E DISCRIMINAÇÃO O movimento LGBTQIAPN+ enfrenta uma série de desafios, os mesmos de décadas atrás e que ainda reverberam no presente. A análise é de Ari Areia, jornalista, ator e militante de direitos humanos. De acordo com ele, apesar de avanços como “maturidade” e “capacidade reativa” na população e o aumento da representação de pessoas LGBTs ocupando cargos de poder no Congresso Nacional, ainda há desafios históricos a serem superados no Brasil. No Ceará não é diferente. Limitações orçamentárias para a execução efetiva de políticas públicas de diversidade, o “vácuo” de legislações afirmativas, além da lentidão para debater e aprovar pautas importantes são exemplos mencionados pelo ativista. Nesse cenário, sobressaem-se iniciativas da comunidade, que tem se organizado
para criar estratégias de acolhimento à população LGBT mais vulnerável. “Dez anos atrás, quando eu saí do armário, eu fiquei atordoado de como que ia ser. Dez anos atrás, por exemplo, não tinha a ‘Outra Casa Coletiva’ em Fortaleza. Fui expulso de casa e eu não tinha uma porta para bater”, relata Ari Areia. A delicada experiência o motivou a fundar e gerenciar uma república de acolhimento para pessoas LGBT em situação de vulnerabilidade, vítimas de violência ou expulsas de casa. Localizada no bairro Benfica, em Fortaleza, a casa acolhe cinco pessoas no abrigamento físico e média de 70 pessoas no acolhimento externo, recurso que oferece suporte psicológico, assistência social, mediação de vagas de emprego, distribuição de kits de alimento e exames de saúde.
NO BAIRRO BENFICA, EM FORTALEZA, A OUTRA CASA COLETIVA ACOLHE CINCO PESSOAS NO ABRIGAMENTO FÍSICO E MÉDIA DE 70 PESSOAS NO ACOLHIMENTO EXTERNO
EDUCAÇÃO 11 INCLUSIVA
FORTALEZA - CE, 26 DE DEZEMBRO DE 2024 DUDA RABELO/ESPECIAL PARA O POVO
Jean Leão recebeu apoio da Outra Casa Coletiva e hoje, trabalha, participa de uma igreja inclusiva e se dedica à musica gospel LGBT
UMA VIDA TRANSFORMADA Jean Leão, 32, é carioca. Ele relata que cresceu em um ambiente religioso que considera a homossexualidade um pecado, o que o levou a esconder sua orientação sexual e a viver um intenso conflito interno. A rejeição familiar após o jovem ter revelado sua sexualidade, em 2011, gerou tensões e episódios de abuso psicológico. As terapias de "cura gay", que só agravaram seu sofrimento, culminaram em um atentado contra a própria vida, em 2019. Após idas e vindas entre o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul, onde Jean cursou Música na Universidade Federal do Pampa
(Unipampa), em 2021 recebeu um convite para recomeçar a vida em Fortaleza. Jean encontrou na Outra Casa Coletiva um espaço de acolhimento e apoio, contando com suporte psicológico, de alimentação e de saúde. "A casa coletiva foi esse lugar pra mim, um lugar de recomeço, de fortalecimento e de coragem, porque eu tive que buscar uma coragem de onde eu não tinha pra poder conseguir um lugar na vida", agradece. Hoje, Jean está empregado numa mesma empresa há dois anos, participa de uma igreja inclusiva e se dedica à musica gospel LGBT.
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PARA CONHECER
REFERÊNCIA E DESAFIOS INSTITUCIONAIS Outro espaço de acolhimento à população LGBTQIAPN+ em Fortaleza, especialmente aqueles em situação de violência e violação de direitos, é o Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, equipamento da Prefeitura de Fortaleza. Institucionalizado pela Lei Complementar nº 133/2012, o Centro oferece uma gama de serviços voltados à proteção, defesa e acolhimento dessa população vulnerável, garantindo acesso a direitos fundamentais e um suporte contínuo. O centro oferece serviços como assistência jurídica para a retificação de nome e gênero, acolhimento psicológico, e capacitações para sensibilizar organizações sociais. Além disso, realiza a articulação de uma rede de enfrentamento à homo-lesbo-transfobia e a produção de conhecimento sobre a violência LGBTfóbica, buscando visibilizar essas questões na sociedade.
Na opinião da coordenadora do Centro, Thayná Silveira, a falta de dados precisos sobre a população LGBT e as violências sofridas por ela tem sido um grande obstáculo para o planejamento, implementação e fortalecimento de políticas públicas nesse setor. “Hoje a gente tem uma demanda absurda de subnotificações, então com isso eu entendo que é um grande sintoma para que a pauta LGBT ainda não seja tão visibilizada, que ela não seja falada, que ela não seja estruturada, que ela não seja pensada como algo de tamanha importância, como a Secretaria da Mulher, como a Secretaria de Igualdade Racial”, elenca. “Os atravessamentos de pessoas LGBTs não são os mesmos que os de uma pessoa cis-hétero-branca, por exemplo. Temos muitas pessoas em situação de rua, muitas pessoas em situação de drogadição, de alcoolemia, de adoecimento mental, muitas pessoas expulsas de casa”, afirma a gestora.
OUTRA CASA COLETIVA Atuação: república para acolhimento da população LGBTQIAPN+, suporte psicológico, assistência social, mediação de vagas de emprego, distribuição de kits de alimento, exames de saúde Contato: (85) 99722-7640 / Instagram: @outracasacoletiva Endereço: R. Instituto do Ceará, 164 - Benfica, Fortaleza - CE CASA TRANSFORMAR Instagram: @casatransformar Atuação: república para acolhimento da população LGBTQIAPN+ Horário de Funcionamento: segunda à sexta-feira, das 14h30 às 19h Endereço: Rua José Maurício, 527 - Siqueira, Fortaleza - CE CENTRO DE REFERÊNCIA LGBT JANAÍNA DUTRA Contato: (85) 98970-4621 Endereço: Rua Guilherme Rocha, 1469 - Centro, Fortaleza - CE CENTRO ESTADUAL DE REFERÊNCIA LGBT+ THINA RODRIGUES Atuação: espaço para o acolhimento e atendimento humanizado da população LGBTI+ que tenha sofrido qualquer tipo de violação de direitos Contato: (85) 98993-3884 cerlgbt@diversidade.ce.gov.br Funcionamento: de segunda à sexta-feira, das 8h às 17h Endereço: Rua Valdetário Mota, 970 - Papicu, Fortaleza - CE
DIVULGAÇÃO/PREFEITURA DE FORTALEZA
Janaina Dutra foi a primeira travesti a exercer advocacia como membro da OAB e dá nome ao Centro de Referência LGBT
PROJETO AMPARO Atuação: vinculado à Universidade Federal do Ceará, oferece serviços farmacêuticos à população LGBTQIAPN+ em situação de vulnerabilidade social Instagram: @projetoamparoufc Endereço: Rua Pastor Samuel Munguba, 1210 - Rodolfo Teófilo, Fortaleza - CE