EDUCAÇÃO INCLUSIVA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA 28 DE DEZEMBRO DE 2024
FORTALEZA - CEARÁ
APRENDENDO COM AS DIFERENÇAS
FOTO MELLYSSA BEZERRA/DIVULGAÇÃO
MUITO ALÉM DA DEFICIÊNCIA Pessoas com deficiência integram a sociedade, enfrentam e superam barreiras físicas e atitudinais, reivindicam direitos e se unem na construção de um mundo mais acessível, inclusivo e humano
2 EDUCAÇÃO INCLUSIVA
FORTALEZA - CE, 28 DE DEZEMBRO DE 2024
Qual o verdadeiro significado de inclusão? No último caderno da série Educação Inclusiva, apresentamos diversos olhares sobre o que é ser pessoa com deficiência no Brasil. Para além da deficiência em si, existe a falta de acessibilidade e inclusão em um mundo que ainda tem dificuldade de abraçar a diversidade. Reunimos relatos de experiências reais de autonomia, sonhos e vivências cotidianas que traduzem a força, a resiliência e a pluralidade humanas. Destacamos também a luta para garantir os direitos de inclusão. Quais são as leis e medidas que asseguram os direitos das pessoas com deficiência? Que mudanças devem ser feitas em todos os setores da sociedade para garantir condições de igualdade para todos? Ao longo deste caderno, você acompanha narrativas de luta pelos direitos e conquistas das pessoas
com deficiência. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, é um marco legal. Segundo Alexandre Ribeiro, pós-doutorando em Educação com deficiência visual desde os 6 anos, “a lei reforçou o combate à discriminação, assegurou direitos à saúde, transporte e cultura adaptados às necessidades das pessoas com deficiência e reconheceu sua capacidade plena para exercer direitos civis”. Como superar barreiras no acesso à educação e garantir acessibilidade? A professora Geny Lustosa, líder do grupo Pró-Inclusão da UFC, fala sobre os desafios da educação inclusiva para pessoas com deficiência e da necessidade de formação e valorização de professores. “É preciso falar da
ampliação das possibilidades, das oportunidades, do acesso dos estudantes, mas falar também da permanência e aprendizagem dos estudantes dentro da escola e, para isso, a gente precisa superar barreiras físicas e atitudinais”, afirma. Você confere ainda as novas regras do Benefício de Prestação Continuada, BPC, proposta do Governo Federal para evitar fraudes e atender ao pacote de ajustes fiscais previsto para 2025. Segundo o advogado com atuação jurídica na luta pela inclusão de pessoas com deficiência e autistas, Emerson Damasceno, “foi um erro grave do governo federal buscar colocar o desequilíbrio fiscal nas costas de uma população tão vulnerável como são as pessoas com deficiência que recebem o BPC”. Boa leitura!
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FORTALEZA - CE, 28 DE DEZEMBRO DE 2024
índice
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EDUCAÇÃO INCLUSIVA E ACESSIBILIDADE
Acompanhe a série de cadernos! EDUCAÇÃO INCLUSIVA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA 23 DE DEZEMBRO DE 2024
FORTALEZA - CEARÁ
APRENDENDO COM AS DIFERENÇAS
Assista aos programas de TV e lives E também leia os cadernos completos em: fdr.org.br/educacaoinclusiva
DUDA RABELO/ESPECIAL PARA O POVO
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LUTA PELOS DIREITOS DE INCLUSÃO PARA TODOS
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O QUE MUDA COM AS NOVAS REGRAS DO BPC?
IMAGINÁRIOS E RESISTÊNCIA O povos indígenas no Ceará celebram o fortalecimento das escolas indígenas e seguem na luta por direitos e reconhecimento identitário
Kátia Morais é professora da Unilab e coordenadora pedagógica da Escola Indígena Tapeba Amélia Domingos
Educação inclusiva povos indígenas Dia 21 de dezembro EDUCAÇÃO INCLUSIVA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA 26 DE DEZEMBRO DE 2024
FORTALEZA - CEARÁ
APRENDENDO COM AS DIFERENÇAS
DUDA RABELO/ESPECIAL PARA O POVO
A BELEZA DA DIVERSIDADE
A luta por inclusão e combate à discriminação de pessoas LGBTQIAPN+ deve começar na escola e envolver toda a sociedade
Educação inclusiva LGBTQIAPN+ Dia 26 de dezembro
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA 27 DE DEZEMBRO DE 2024 FORTALEZA - CEARÁ
APRENDENDO COM AS DIFERENÇAS
FCO FONTENELE
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PARA ALÉM DA DEFICIÊNCIA
É PRECISO SER ANTIRRACISTA A frase acima é de Angela Davis e começa dizendo que não basta não ser racista. Apontamos aqui caminhos para uma sociedade com igualdade étnico-racial
Coletivo Barramar é ativo no fortalecimento da cultura afrobrasileiro no território em que atua
Educação inclusiva pessoas pretas Dia 27 de dezembro
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FORTALEZA - CE, 28 DE DEZEMBRO DE 2024
Para além da
deficiência RELATOS INSPIRADORES MOSTRAM O VERDADEIRO SIGNIFICADO DE INCLUSÃO
Muitas vezes, os maiores desafios na vida de pessoas com deficiência não são causados pela deficiência em si, mas sim pela falta de acessibilidade e inclusão em um mundo que ainda tem dificuldade de abraçar a diversidade. Nesta matéria, reunimos relatos que vão além dos problemas, destacando experiências reais de autonomia, sonhos e vivências cotidianas que traduzem a força, a resiliência e a pluralidade humanas.
GABRIEL ARAUJO (BIEL BELIEVE), 27, ATLETA - FORTALEZA
Aos 19 anos, em 2017, fui confundido com um criminoso e levei quatro tiros de um desconhecido, enquanto estava perto de casa, com um amigo. O ocorrido me deixou paraplégico. Foi bem desafiador. Precisei adaptar minha residência às pressas para poder me locomover com a cadeira de rodas, e minha rotina começou a ser outra. Mesmo recebendo a notícia de que não voltaria a andar, não me desesperei. Não sou de reclamar muito. O mais importante era saber que estava vivo, e que Deus estaria, e está, no controle. Hoje, moro como a
minha avó. Apesar de, às vezes, precisar da ajuda da minha tia ou da minha mãe para realizar algumas atividades, vou para todo lugar com a minha cadeira. Eu amo a minha cadeira. Tentar pegar transporte por aplicativo, por exemplo, é uma dificuldade. Muitos olham com má vontade quando me veem, ou até passam direto e cancelam. Então, prefiro me locomover sozinho, pela pista mesmo, porque as calçadas são bem complicadas de passar com a cadeira. Alguns carros respeitam, outros não, mas a gente vai fazendo o que pode.
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Para o atleta Biel Believe, a deficiência física não é uma barreira. Ele mantém o sonho de ser campeão mundial
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Com o tempo, depois do incidente, voltei a praticar musculação, assim como eu fazia antes. Precisei de muita paciência, porque, no começo, eu não movia praticamente nada do meu corpo. De 2019 para 2020, conheci a calistenia. Estava indo treinar com alguns amigos em uma praça, quando vi as pessoas do Believe Calistenia praticando a modalidade. Vê-los unidos e se apoiando chamou a minha atenção, então, decidi perguntar se eu poderia participar. O professor disse que não tinha nenhum cadeirante na equipe deles, mas que eu poderia ser o primeiro. Estou com eles até hoje. Depois, veio o crossfit. Voltando do treino de cardio na praia, sempre passava por um box do esporte. Ficava olhando e pensava “nossa, um dia eu vou fazer aula experimental, se puder”. Então, um dia, voltando da praia com meus amigos, decidi, mais uma vez, perguntar se eu poderia treinar. Era uma sexta-feira. Cheguei na recepcionista, perguntei se eu poderia fazer uma aula experimental e ela marcou uma para a segunda. Fiquei tão ansioso! Lá, eu conheci Diego Paizim, que hoje é meu treinador. Fizemos a aula de crossfit e ele foi muito sincero. Disse que nunca tinha treinado um cadeirante, mas, se eu tivesse disposto a aprender junto com ele, ele estaria ali. Eu respondi que a gente poderia aprender juntos, e ele me ensinou, realmente, o que é a essência do crossfit. Estou no esporte há cerca de três anos, e me tornei atleta. Meu sonho é ser campeão mundial, dar uma condição melhor para a minha mãe, um dia me tornar treinador e, quem sabe, participar das Olimpíadas, no lançamento de dardos. Como hobby, eu também surfo, nas escolas de surf Felipe A Maré Vida e Itim Silva Surf School. Para mim, o esporte significa andar sem precisar das pernas. Eu ouvi que nunca iria melhorar, mas, com o trabalho da minha fisioterapeuta Patrícia Taddeo, hoje eu consigo andar, mesmo que só um pouco. Poder ver o mundo de pé e poder me
olhar de pé é a sensação mais incrível que existe. Mesmo com dificuldade e não sentindo os pés, significa o quão Deus é bom. Nesse mundo, ser uma pessoa com deficiência é ser forte. Os desafios diários são inúmeros, mas acredito que nada acontece por acaso. Depois de tudo, acho que me aproximei mais ainda da minha família. Ganhei novos amigos e perdi muitos, mas os que ficaram só fortaleceram mais ainda os laços. Eu não imaginava superar isso tudo, mas sempre acreditei que Deus iria me ajudar a passar por tudo que viesse.
NESSE MUNDO, SER UMA PESSOA COM DEFICIÊNCIA É SER FORTE
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FOTO DIVULGAÇÃO
FORTALEZA - CE, 28 DE DEZEMBRO DE 2024
JÉSSIKA KARIRI,
35, COORDENADORA DE AÇÃO CULTURAL NO CENTRO CULTURAL DO CARIRI, CONSELHEIRA TITULAR NO CONSELHO ESTADUAL DE POLÍTICAS CULTURAIS DO CEARÁ, INTEGRANTE DA COMISSÃO DE ACESSIBILIDADE CULTURAL DO ESTADO DO CEARÁ E PERCUSSIONISTA - CRATO
Após passar pelo luto da perda de audição, a percussionista Jéssika Kariri aprendeu a se comunicar por leitura labial, aparelho auditivo e Libras
Meu processo de surdez iniciou na adolescência. Foi uma perda gradativa, de origem neurosensorial. Aos 14, foi constatado que eu tinha uma pequena perda auditiva. Segundo a compreensão da época, a situação estava dentro da normalidade e eu não precisaria me preocupar. Na pandemia, essa perda tinha aumentado e eu já sentia dificuldades. Era enfermeira e, quando as pessoas começaram a usar máscaras e a cobrir a boca, eu descobri que, na verdade, eu vinha fazendo leitura labial inconscientemente, e já não escutava mais. Foi assustador. Descobri que já tinha perdido mais de 80% da audição, e passei por um processo de luto pela perda desse sentido. Saí da enfermagem. Depois de protelar bastante, porque não aceitava essa possibilidade, decidi adquirir um aparelho auditivo pelo SUS, em 2021. Na época, ele representava a única estratégia capaz de me inserir no mundo ouvinte. O aparelho só chegou em 2023. Eu tinha muita expectativa para usá-lo, mas, quando o coloquei, foi um choque. Imagina passar a vida toda em silêncio e, de repente, ouvir tudo muito alto, sem conseguir regular. Comecei a descobrir o som das folhas secas, ouvi a chuva, a voz da minha mãe, a voz dos meus filhos. Ao mesmo tempo que foi doloroso, foi também um momento de descobrir o novo. É um processo constante de aprendizado. O aparelho é apenas uma estratégia de acessibilidade, ele não me torna ouvinte. Hoje, acredito que eu já tenho menos que 20% da audição. Para me comunicar, faço leitura labial, uso o aparelho auditivo e Libras. Apesar de ter largado a enfermagem, nunca larguei a música. Sou percussionista há 17 anos e faço parte da Banda Sol na Macambira. Meu processo de construção enquanto artista teve o desenvolvimento de estratégias de acessibilidade, como visualidade, regência corporal e movimento. Consigo tocar a partir da leitura visual que eu faço do músico. A música é muito além do que se pode ouvir. São compreensões paralelas a essa perspectiva de “normalidade”.
A SURDEZ NÃO PRECISA SER UM PONTO DE PARALISAÇÃO, MAS SIM UM PONTO DE PARTIDA
Nesse mundo extremamente capacitista, quando você é visto como uma pessoa com deficiência, você é entendido a partir da sua capacidade de se adequar àquela “normalidade”. Isso faz com que nós precisemos mostrar que devemos ser respeitados e acolhidos a partir da diversidade. Estar nesse contexto é uma ressignificação de vida. Compreendi que a surdez não precisa ser um ponto de paralisação, mas sim um ponto de partida. Para além da deficiência, ela é uma forma diferente de comunicação. Nós somos seres humanos complexos, singulares e diversos, e devemos ser respeitados a partir desse lugar. O processo de acessibilidade exige um comprometimento coletivo.
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SAMUEL CHAVES DA SILVA,
41, ACADÊMICO DE ADMINISTRAÇÃO - FORTALEZA
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Sou uma pessoa com deficiência visual há 14 anos, devido a uma sequela de um acidente de moto, em 2010. Perdi mais de 93% da vista de ambos os olhos, e vejo apenas vultos. Passei dois anos da minha vida para me aceitar. Fiquei estagnado em casa, me sentia incapaz. Não queria que me vissem na nova realidade. Então, quando me recomendaram visitar o Instituto de Cegos, na avenida Bezerra de Menezes, foi um divisor de águas. Quando cheguei lá, não me via mais na situação de desistir. Comecei a ter sonhos novamente. Estudava com os livros do Instituto, aprendi braille e a usar o computador e o celular com os leitores de tela. Vi que dava para fazer a mesma coisa, só que diferente. Aprendi teatro, música. Entrei na Universidade Federal do Ceará (UFC), no curso de administração de empresas, e falta apenas um estágio para completar. Fundei um grupo só de cegos, chamado Cegos Sem Fronteiras, no qual visitamos hospitais, levando alegria e humor. Virei presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado do Ceará (Cedef). Escrevi três peças de comédia stand-up, baseadas nos relatos engraçados que acontecem com a pessoa cega: “Só tem graça no escuro”, “Tô de olho na graça” e “Coisas que só acontecem com cego”. Me apresentei em vários teatros e tive a oportunidade de abrir shows de pessoas como Lailtinho Brega e Luana do Crato. Também fui chamado para participar da Academia de Letras e Artes do Ceará (Alace). Hoje, sou voluntário em uma associação de massoterapia de pessoas cegas, na parte comercial e de marketing, e vou começar um estágio na Cagece. Estou em um relacionamento há três anos com uma pessoa com deficiência visual total. Nos conhecemos no Instituto dos Cegos, e gosto de dizer que foi amor à primeira vista.
Hoje em dia, eu ando de bengala para todo canto, graças ao curso de orientação e mobilidade do Instituto. No computador, a gente usa uma ferramenta chamada NVDA. Esse aplicativo lê tudo que você digita, e nos ajuda a escrever de novo. No celular, eu uso o Talkback. Ele descreve as imagens, faz leitura de tela. Existem bengalas com sensores que dizem pra gente se tem algum obstáculo na altura do rosto. São várias coisas acontecendo, e a gente agradece esses meninos e meninas que estão fazendo essa tecnologia. Se a sociedade, desde a escola, conversasse com as crianças sobre o assunto, criaríamos uma sociedade com mais empatia e sem muito preconceito. Estamos evoluindo nisso. Percebemos o povo mais acolhedor,
SE A SOCIEDADE, DESDE A ESCOLA, CONVERSASSE COM AS CRIANÇAS SOBRE O ASSUNTO, CRIARÍAMOS UMA SOCIEDADE COM MAIS EMPATIA E SEM MUITO PRECONCEITO. ESTAMOS EVOLUINDO NISSO Depois do processo de aceitação da deficiência visual, o acadêmico Samuel Chaves retomou os estudos e criou o grupo Cegos Sem Fronteiras
FOTO FÁBIO LIMA
Também tive muitas dificuldades, principalmente na pandemia. Precisamos do toque das pessoas para receber ajuda, então, quando não podíamos tocar uns nos outros, foi muito difícil. Pouquíssimos amigos meus ficaram. Dói a ausência dessas pessoas, mas se não ficaram assim num momento difícil, não é um amigo 100%. Tenho uma filha de 11 anos, e nunca vi o rosto dela. É meu sonho ver como é. As outras coisas a gente se acostuma.
mas a sociedade poderia saber um pouco mais quais os direitos de uma pessoa com deficiência, quais as dificuldades e os anseios que essas pessoas têm no dia a dia. Esse público está se qualificando, buscando formações, e as oportunidades devem aparecer, também, no nível superior. Vejo que a mente do empresário também está mudando nesse ponto, mostrando que as barreiras estão caindo, principalmente essa de achar que a gente não consegue.
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FORTALEZA - CE, 28 DE DEZEMBRO DE 2024
Luta pelos direitos de
PARA DIMINUIR OS IMPACTOS NEGATIVOS DESSE CENÁRIO, ALÉM DA APLICAÇÃO DA LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, O PAPEL DA SOCIEDADE É FUNDAMENTAL
inclusão para todos MUDANÇAS DEVEM SER FEITAS EM TODOS OS SETORES DA SOCIEDADE PARA GARANTIR CONDIÇÕES DE IGUALDADE DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA A Constituição Federal estabelece a dignidade de uma pessoa como um dos fundamentos do Estado. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, é um marco legal. Ela visa assegurar e promover, em condições de igualdade, os direitos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência, buscando sua inclusão na sociedade. Para garantir a inclusão do público, é preciso amparar os direitos das pessoas com deficiência e assegurar que a legislação seja seguida. A luta pelos direitos dessa população é vista em diversas esferas da sociedade, enfrentando obstáculos na educação, saúde, mercado de trabalho e demais áreas de convivência social. No Brasil, cerca de 1,8 milhão de pessoas de dois anos ou mais possuem algum tipo de deficiência. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Buscando assegurar os direitos, a lei que ampara a população estabelece algumas ações obrigatórias para inclusão do público na sociedade. O pós-doutorando em Educação Alexandre Ribeiro, que possui deficiência visual desde os 6 anos de idade, explica que a lei trouxe mudanças significativas. Entre elas, a obrigatoriedade de acessibilidade em espaços públicos e privados, implementação de educação inclusiva, ampliação do acesso ao mercado de trabalho com políticas de inclusão e a garantia de atendimento prioritário em serviços públicos e privados. “Além disso, a Lei reforçou o combate à discriminação, assegurou direitos à saúde, transporte e cultura adaptados às necessidades das pessoas com deficiência e reconheceu sua capacidade plena para exercer direitos civis, como casar, trabalhar e administrar bens, quando possível, com os apoios necessários”, cita Alexandre Ribeiro. Os direitos buscam enfrentar os inúmeros obstáculos enfrentados pelo público.
Na vida cotidiana, o especialista cita alguns desses desafios. “A falta de infraestrutura acessível em instituições de ensino, como rampas, elevadores e banheiros adaptados, que limitam a mobilidade. A escassez de materiais pedagógicos e tecnológicos adequados dificulta o aprendizado, assim como a ausência de professores capacitados para trabalhar com metodologias inclusivas e diversificadas”, disse. Outro ponto é o preconceito e a falta de sensibilização da comunidade escolar. O preconceito gera um cenário ainda mais desafiador para quem convive com uma deficiência, pois se manifesta em diferentes formas. No mercado de trabalho, a discriminação se traduz em preconceitos que excluem para o subemprego e desemprego, mesmo com direitos assegurados pelas políticas de cotas e acessibilidade. Na educação, aparece na exclusão de estudantes com deficiência de ambientes escolares regulares e na falta de adaptações pedagógicas que reconheçam suas capacidades. Para diminuir os impactos negativos desse cenário, além da aplicação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, o papel da sociedade é fundamental. Entre as ações inclusivas estão as campanhas de conscientização na promoção da igualdade, pois ajudam a informar, educar e sensibilizar a sociedade sobre questões de discriminação, preconceito e desigualdade. Por meio delas, é possível realizar ações como palestras, materiais informativos, mídias sociais e eventos públicos, onde podem alcançar diferentes públicos, buscando um diálogo na sociedade e mudando as atitudes e práticas do cotidiano quando o assunto são os direitos das pessoas com deficiência. As iniciativas também podem impactar positivamente nas ações governamentais, pois pressionam o Estado a novas mudanças nesse cenário.
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
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VEJA AS LEIS E MEDIDAS QUE ASSEGURAM OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 > Garante igualdade de direitos e proíbe discriminação por qualquer motivo; > Proíbe a discriminação no trabalho por motivo de deficiência; > Determina que União, Estados, Municípios e o Distrito Federal têm a responsabilidade de cuidar da saúde e assistência pública, incluindo a proteção das pessoas com deficiência; > Assegura direitos fundamentais às crianças e adolescentes com deficiência, especialmente à saúde, educação e lazer. > Estabelece a obrigatoriedade de acessibilidade em edifícios públicos e transporte coletivo.
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (2006) > Ratificada pelo Brasil com status de emenda constitucional (Decreto Legislativo nº 186/2008 e Decreto nº 6.949/2009); > Garante direitos como acessibilidade, igualdade de oportunidades, educação inclusiva e participação na sociedade.
LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (LEI Nº 13.146/2015) > Também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência; > Regulamenta os direitos das pessoas com deficiência em áreas como educação, saúde, trabalho, transporte, acessibilidade e cultura. > Inclusão escolar em todos os níveis de ensino; > Obrigatoriedade de acessibilidade em serviços, produtos e espaços públicos; > Garantia de acesso ao mercado de trabalho e combate à discriminação.
LEI DE COTAS (LEI Nº 8.213/1991) > Estabelece a obrigatoriedade de empresas com 100 ou mais funcionários contratarem uma porcentagem de trabalhadores com deficiência; > De 100 a 200 funcionários: 2% das vagas; > De 201 a 500 funcionários: 3% das vagas; > De 501 a 1.000 funcionários: 4% das vagas; > Acima de 1.000 funcionários: 5% das vagas.
LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL (LEI Nº 9.394/1996) > Determina que a educação deve ser inclusiva e adaptada para atender às necessidades de estudantes com deficiência; > Promove a oferta de educação especial preferencialmente na rede regular de ensino.
LEI Nº 10.048/2000 E LEI Nº 10.098/2000 > Lei nº 10.048/2000: dá prioridade de atendimento às pessoas com deficiência em serviços públicos. > Lei nº 10.098/2000: estabelece normas de acessibilidade em espaços públicos, transporte e comunicação.
POLÍTICA NACIONAL PARA A INTEGRAÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (DECRETO Nº 3.298/1999) > Define o conceito de pessoa com deficiência; >Estabelece diretrizes para a inclusão social e profissional dessas pessoas.
LEI Nº 11.126/2005 > Garante o direito ao uso de cães-guia por pessoas com deficiência visual em todos os espaços públicos e privados de uso coletivo.
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA – LEI Nº 8.069/1990) > Garante proteção integral e atendimento especializado para crianças e adolescentes com deficiência.
DECRETO Nº 5.296/2004 > Regulamenta as Leis nº 10.048/2000 e nº 10.098/2000; > Detalha normas técnicas para acessibilidade arquitetônica, urbanística, nos transportes e na comunicação.
Fontes: Governo Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e Alexandre Ribeiro, Pós-Doutorando em Educação pela Universidade Regional do Cariri (Urca)
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Educação inclusiva e
acessibilidade COMO SUPERAR BARREIRAS NO ACESSO À EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA A PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, DO INVESTIMENTO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E DA AMPLIAÇÃO DAS OPORTUNIDADES
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Em entrevista ao O POVO, a professora Geny Lustosa, líder do grupo Pró-Inclusão da Universidade Federal do Ceará (UFC), fala sobre os desafios da educação inclusiva para pessoas com deficiência e da necessidade de formação e valorização de professores. Confira! OPOVO – A sociedade tem avançado na educação inclusiva da pessoa com deficiência? Geny Lustosa – Temos avanços. A marca da humanidade é a diferença e nossas diferenças compõem o cenário da diversidade humana. A organização dos sistemas de ensino, tanto nas antigas escolas “especiais”, que a gente considera hoje como escolas segregacionistas, ou mesmo o movimento de integração que buscou criar classes específicas, não nos trouxe avanços na escolarização e no desenvolvimento das pessoas. A gente rompe isso com a luta pela inclusão que se inicia no final dos anos 1990, início dos anos 2000.
Professora Geny Lustosa, líder do grupo Pró-Inclusão da Universidade Federal do Ceará (UFC)
EDUCAÇÃO 11 INCLUSIVA
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OP – Como o capacitismo afeta a autoestima e o desempenho escolar desses estudantes? Geny – O capacitismo é estrutural, ele é como o racismo, ele não é apenas uma barreira nas atitudes, ele é uma
DIVULGAÇÃO
O CAPACITISMO É ESTRUTURAL. NÃO É APENAS UMA BARREIRA NAS ATITUDES, ELE É UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA QUE PESA SOBRE OS OMBROS DE TODAS AS PESSOAS
OP – Qual a importância da formação dos professores no processo da educação inclusiva? Geny – Nós temos uma lacuna na formação e na valorização de professores de sala de aula. É preciso falar da ampliação das possibilidades, das oportunidades, do acesso dos estudantes, mas falar também da permanência e aprendizagem dos estudantes dentro da escola e, para isso, a gente precisa superar barreiras físicas e atitudinais. A gente tem que contemplar tecnologia assistida que dê suporte aos estudantes na realização de atividades, a identificação das necessidades dos professores que estão na educação básica e educação especial.
construção histórica e social que pesa sobre os ombros de todas as pessoas, mas prejudica o desenvolvimento dos sujeitos pela sua condição. O capacitismo impede que uma pessoa se desenvolva, que ela aprenda, porque eu retiro as condições que eu posso dar. OP – Quais os desafios que os familiares de pessoas com deficiência enfrentam? Geny – A escola é uma parceria entre família e iniciativa pública. Dentro da realidade desses estudantes, que muitas vezes vêm de famílias menos favorecidas, socioeconomicamente falando, a escola é o primeiro “sim” que essas famílias recebem. Então a gente precisa que a escola também faça sua parte de maior acolhimento dessas famílias. Quanto mais apoio familiar, mais potencialidades de êxito e aprendizagem na escola.
12 EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Dentre propostas levadas a aprovação no Senado, estava a limitação do benefício a pessoas com grau de deficiência moderado ou grave, excluindo a população com grau de deficiência leve. O presidente Lula, porém, deve vetar o trecho sobre grau de deficiência, mantendo a concessão do auxílio a todos os graus de deficiência.
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O que muda com as novas regras do BPC? GOVERNO FEDERAL LANÇA PROPOSTA DE ALTERAÇÕES NO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA, BPC, COMO PARTE DO PACOTE DE AJUSTES FISCAIS PREVISTO PARA 2025. ENTENDA OS IMPACTOS NA VIDA DOS BENEFICIÁRIOS O Benefício de Prestação Continuada (BPC), que presta auxílio a idosos e pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade socioeconômica, passará por mudanças em sua legislação. O Governo Federal apresentou novos critérios para acesso ao benefício com o intuito de atender ao corte de gastos previsto no pacote de ajustes fiscais de 2025. Para evitar fraudes na concessão do benefício, o Governo pretende tornar mais rígida a fiscalização dos beneficiários, através da atualização dos cadastros, da realização do cadastro biométrico e do cruzamento de informações pelo INSS. Quem não atender às novas regras poderá ter o benefício suspenso. O BPC está inscrito na Lei 8.742/93, Lei Orgânica da Assistência Social (Loas). É um programa de transferência de renda, administrado pelo INSS, que concede o valor de um salário mínimo para idosos acima de 65 anos e pessoas com deficiência. Para solicitar o benefício, não é necessário ter contribuído para o INSS, mas é preciso atender a alguns critérios. O benefício é concedido a pessoas de baixa renda familiar, desde que comprovem renda inferior a 1⁄4 do salário mínimo vigente por pessoa da família. Todos os beneficiários devem estar inseridos no Cadastro Único, CadÚnico. No caso de pessoas com deficiência, os critérios seguem a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015), considerando deficiência qualquer impedimento de longo prazo, seja físico, mental, intelectual ou sensorial. A princípio, as mudanças anunciadas devem ser no âmbito administrativo, com foco na coibição de fraudes entre os beneficiários cadastrados. Os novos
critérios têm gerado insegurança para quem depende financeiramente do auxílio. O advogado com atuação jurídica na luta pela inclusão de pessoas com deficiência e autistas, Emerson Damasceno, destaca que “foi um erro grave do Governo Federal buscar colocar o desequilíbrio fiscal nas costas de uma população tão vulnerável como são as pessoas com deficiência que recebem o BPC”. Emerson é pessoa com deficiência e trabalha atualmente no direito antidiscriminatório, direito à educação e saúde das pessoas com deficiência.
“Restringir o benefício é algo inconstitucional, até porque a Constituição Federal não faz essa distinção. Coibir eventuais fraudes, sim, é necessário e interesse de todos, mas buscar excluir o acesso de quem chamaram pessoas com deficiência “leve” foi um erro, por isso mesmo o veto não será favor algum, mas sim correção de uma proposta equivocada”, afirma Emerson. O advogado destaca ainda que “o Governo não pode se utilizar desse subterfúgio a fim de limitar o benefício a quem precisa, pessoas idosas e/ou com deficiência em grau de hipervulnerabilidade, garantindo acessibilidade e rapidez na hora desses atendimentos”. E complementa: “A Convenção Internacional da ONU, que tem status constitucional no Brasil, além da própria Constituição, não fazem essa distinção, e o modelo médico já é ultrapassado e inconstitucional em nosso País. Mais um motivo, aliás, para o Governo acelerar a tão esperada regulamentação da avaliação biopsicosocial”.
ENTENDA ALGUMAS MUDANÇAS NO BPC/LOAS: - Maior fiscalização dos beneficiários - Cadastro biométrico obrigatório - Recadastramento a cada 2 anos - Cruzamento mensal de informações pelo INSS - Revisões periódicas e exigências burocráticas