RUMO AOS 100
PATROCÍNIO:
APOIO:
CARTA DA PRESIDENTE O POVO é a casa dos jornalistas profissionais. É também a casa de gerações de pessoas com compromisso histórico e com propósito de vida! Celebrar 95 anos, mirando o centenário com o vigor que nos anima dia a dia e impulsionado pelas lutas que já travou, não é para muitos. São decisões tomadas e caminhos repensados sob uma conjuntura complexa que nos desafia. É com força e clareza que agimos. As histórias que contamos dizem também de nós. Não à toa, ouvimos com frequência que tal caso “tem o DNA do O POVO”, porque somos reconhecidos não só pelo que fazemos, mas pela maneira como fazemos. Isso é essência. É o cuidado com a informação e a humanização no contar que nos movem. O bom Jornalismo, o único que a nós interessa, é buscado e executado a cada página escrita, a cada tela exibida, a cada áudio transmitido e a cada publicação veiculada nesta Casa. As reformas gráficas que desenham nossas páginas impressas e virtuais são arte! É um conjunto de técnicas feitas por um time qualificado, competente e unido, mas é também deleite. Trabalhamos para informar, sobretudo, mas também para encantar. Seja no jornal em suas várias plataformas, seja nos demais produtos que esta Casa tece, visamos às “vozes que lhe falem ao sentimento”, como imprimia aquele editorial na capa do vespertino de 7 de janeiro de 1928. Independentes, fiscalizadores e plurais que somos, olhamos para o mundo sem nos esquecermos do nosso território. Somos um grupo de comunicação sem fronteiras, mas com o pé fincado no regionalismo que nos orgulha. Nun-
ca deixamos de refletir para quem produzimos e priorizamos valores intrínsecos à dignidade, como a educação, viga mestra da sociedade, especialmente num Estado que é referência no conhecimento, como o nosso Ceará. O POVO é concreto, pois humano. É construído por um time, que dividido em várias áreas, se une numa construção coletiva. Somos uma equipe! O POVO é mediador, pois sabe da missão que carrega de ser o porta-voz dos vulneráveis. E, acima de tudo, O POVO é compromisso com a verdade, uma bússola que nos orienta a cada momento e que baliza a nossa credibilidade a partir do público. Por isso, agradeço por estar conosco até aqui, compartilhando o seu tempo, a sua história e a sua confiança. Ter “o selo O POVO de qualidade” é uma chancela renovada todos os dias nesta Casa em todas as áreas. Tenha certeza de que continuaremos perseguindo esse carimbo – eu e a equipe em quem muito confio e respeito. Ainda temos muita história para contar! Rumo aos 100, sigamos!
LUCIANA DUMMAR
Carta da presidente institucional & publisher do O POVO
MÚLTIPLOS ENCONTROS COM O VIVÍVEL Há sempre de se encontrar muitos modos de relembrar, visibilizar, organizar e transcrever o vivível. Comumente, puxa-se um ponto – ou alguns deles - a transcorrer em uma linha do tempo medida ano a ano, efeméride a efeméride. Mas a intenção deste livro não era preencher tempos e espaços de forma linear e rígida deste quase centenário vivido pelo O POVO. O propósito era vivenciar – ou, melhor, reviver – momentos e encontros com esta história – e histórias - através de múltiplos olhares, diversas vozes, resgatando lembranças daqueles que construíram o passado ou vivenciam o presente dos 95 anos desta Casa. A historicidade não precisa prender-se apenas a uma linha rígida carcada pelo calendário, da mediadora tesa do marcador de horas, dias e meses. Mas pode abrir espaço para um resgate mais humano e mais atemporal, para a conversa puxada depois de um gole de café, pelo lembrar de uma palavra ou um gesto, por rememorar um espaço ainda existente na cidade, pela lembrança de outro personagem que cruzou a mesma história contada. O fio condutor para recontar – ou contar em comunhão com outrem - a história destes 95 anos do O POVO, celebrados em 7 de janeiro de 2023, é construído por meio das narrativas de 95 personagens. Tempo, espaço e memória tão pessoais como eixos norteadores de uma construção coletiva. Representam os muitos que já tiveram seus nomes nas páginas deste periódico – e, atualmente, nas mais diversas plataformas em que atuamos. Representantes que perpassam a cultura, o desenvolvimento econômico, as mudanças políticas, a educação, os esportes, o meio ambiente, a inovação, a defesa da democracia.
Lembranças-imagem. Ler a história de cada um desses personagens implica enxergar uma narrativa que, de alguma maneira, já fora descrita em artigos, matérias e grandes reportagens, retratada em imagens, em números. Corroboram também com as narrativas que fazem parte do legado deste grupo de comunicação, que sempre teve o compromisso com a informação, com a credibilidade, com o seu povo, com o processo democrático, com a história do Ceará, do Brasil. Esse resgate narrativo inspira pertencimento, pois inclui ainda aquele que está lendo este livro. Você, caro leitor, que passa a encontrar aqui o personagem que mais lhe identifica nesta jornada, na ordem que mais lhe parece proveitosa, a cozer estes anos, a construir memórias conhecidas ou, até então, desconhecidas. Mas preservando a imagem de uma história de origem, do jornal que lemos todos os dias. Recontar, portanto, torna-se sinônimo de conexões vividas e vivíveis do O POVO e no O POVO. E que também se conecta à nossa cidade, ao nosso Estado, ao mundo que nos rodeia, às nossas próprias histórias enquanto leitores.
ANA NADDAF
ERICK GUIMARÃES
Diretores de Jornalismo
O LIVRO É VÍVIDO
8
Contar a história de 95 anos do O POVO poderia ser algo feito por meio de uma linha do tempo comum. Mas a profundidade de tantos anos passa por momentos vívidos, que permeiam histórias outras, de personagens. São marcas e laços no destino do Brasil e do Ceará que precisam ser contados de uma outra maneira. A escolha, portanto, foi por retratar neste livro todos esses nasceres de anos por meio de personalidades marcantes. O encontro com os 95 nomes que contam a vida (como ela foi, é e tem a pretensão ou razão de ser) começou especificamente, no O POVO, no dia 7 de janeiro de 1928, pelas mãos e ações do jornalista Demócrito Rocha. Foi necessário coragem e, mais que isso, a ousadia de criar, para formar o nascedouro do jornal mais influente do Ceará e que impacta um País inteiro de segunda a segunda, mantendo na sua essência valores que enfrentaram à época oligarquias que bradavam como dominantes na sociedade cearense. O levante a isso veio da pluralidade de vozes, que até hoje se mantém nas páginas do impresso e que navega no on-line. O ecoar de falas, ideias, opiniões é uma poderosa força que move o mundo para impulsionar desenvolvimentos, contestar o torto e o errado e abrir caminhos para o novo vir. Das 95 histórias que engrandecem este livro após quase um século de vida do jornal, o leitor vai poder viajar no passado, presente e futuro.
Mas não foram somente estes escolhidos para estarem impressos nesta publicação que marcaram a linha do tempo do Ceará. Dentre tantas reportagens escritas a tinta no papel, por profissionais jornalistas que por esta Casa passaram, são inúmeros os heróis do cotidiano retratados. Mas, decerto, os perfis e as entrevistas das páginas a seguir são de seres que de alguma forma abrilhantaram seu campo de atuação. E quem diria que de um sobrado na Praça General Tibúrcio, da famosa Praça dos Leões, em Fortaleza, Ceará, que as primeiras edições do O POVO iriam ganhar as ruas de um povo atrevido e opinativo. E que hoje tem, neste livro, 95 representantes de uma infinidade de expressões da arte, cultura, economia, política, educação e sociedade que chegam ao Ceará, ao Brasil e ao mundo. Diante disso, resta dizer: seja bem-vindo aos preparativos para os 100 anos do O POVO. Este é somente o começo e jamais será o fim. Boa leitura!
BEATRIZ CAVALCANTE EDITORAS DO LIVRO 95 ANOS
IRNA CAVALCANTE
6
CARTA
da presidente institucional e publisher do O POVO, Luciana Dummar
7
8
EDITORIAL
Múltiplos encontros com o vivível
A EDIÇÃO
O livro é vívido
14 e 15 HISTÓRIA
“Nunca será demais um novo jornal”: Os 95 anos do O POVO
16 a 25 PRESIDENTES
Os nomes à frente do O POVO
26 a 28 INTRODUÇÃO DOS PERFIS
Retratos, vidas e histórias que formam O POVO
32 a 177 PERFIS E ENTREVISTAS
As personagens que marcaram o Ceará, o Brasil e o mundo
“Nunca será demais UM NOVO JORNAL”
14
“O jornal era o instrumento de uma família de artesãos da palavra e do pensamento”.
A frase-título se destaca naquele editorial de 95 anos atrás. Nela, cumpriam-se dois objetivos de Demócrito Rocha: anunciar a chegada do O POVO, que nascera de seu espírito irrequieto, e fazer circular pela praça que o novo jornal se incumbia de um papel fiscalizador do qual não arredaria pé em mais de nove décadas de história. Das 12 páginas iniciais que estamparam essa primeira edição, de 7 de janeiro de 1928, o jornal se multiplicou, enraizando-se na cultura cearense, com a qual se confunde. Seu nome fora escolhido em enquete e seu símbolo, um chicote, era recado aos poderosos de que os desmandos e excessos dos tiranetes de plantão estariam agora sob escrutínio permanente. Outro Demócrito, mas de sobrenome Dummar, lembraria décadas depois daquele início de jornada impressa: “O jornal era o instrumento de uma família de artesãos da palavra e do pensamento”. Por família, claro, não se entenda os Rocha ou mesmo os Dummar. Era de família intelectual que ele falava. Gerações que se sucederam em torno desse ofício e cuja filiação se consolidou na escrita do O POVO, já então uma grande arena onde se discutiam os temas da cearensidade. De Rachel de Queiroz a Jáder de Carvalho, de Adísia Sá a Lira Neto, mulheres e homens souberam apanhar no ar aquele mantra lançado no começo de tudo: “Nunca será demais um novo jornal”. Trata-se de uma máxima que foi sendo remodelada a cada novo ciclo. De novo jornal a jornal novo, O POVO assumiu como tarefa o desafio de refletir em suas páginas, todos os dias, a vocação para a qual havia sido criado – tor-
nar-se um veículo em que “o povo encontra o seu pão espiritual de cada dia”. Presente no mesmo editorial de 7/1/1928, a referência ao movimento cultural que antecipou o modernismo no estado, ainda no final do século XIX, não era casual, mas um traço evidente da estreita conexão entre o periódico e as ideias do seu tempo. Visionário e de verve inflamada, Demócrito Rocha, como muitos nessa época, não distinguia a feitura do noticioso e da expressão artística, que se amalgamavam no mesmo solo fértil daquele cenário de floração política e de fervor criativo que era o Ceará. Daí que nas suas folhas se achasse essa combinação que seria a marca d’água do O POVO: a vida, entre surpresas e asperezas, mas também a arte e seu potencial de mudança. Ao longo dessa história, o Jornalismo se profissionalizou, adotando parâmetros de trabalho e instituindo valores que orientaram a sua prática de investigação, fazendo-a sempre mais ciosa da atividade de informar bem e com precisão. O POVO é parte disso. Em compasso com o desenvolvimento, a região Nordeste se modernizou, e o OP, que havia sido concebido para falar aos leitores mais chegados, amplificou a sua voz, hoje ecoada por muitos canais, sob diversos formatos, dirigida a uma audiência espalhada pelo Brasil. Nesse percurso, acumulam-se rupturas de maior ou menor escala. O POVO narrou cada uma delas. Das investidas de Lampião pelos sertões à influência do Padre Cícero, da 2ª Guerra Mundial à chegada do homem à Lua, da queda do muro de Berlim à das Torres Gêmeas. No Ceará, há histórias que apenas O POVO contou. Quase centenário, é inevitável que o jornal se volte para a sua trajetória, a partir da qual se reinventa permanentemente, renovando a força das palavras que não se gastam com o tempo: “Nunca será demais um novo jornal”.
HENRIQUE ARAÚJO Repórter Especial O POVO
15
DEMÓCRITO ROCHA O princípio de tudo
ARQUIVO O POVO
SENDO A PRÓPRIA HISTÓRIA DO O POVO, O FUNDADOR DEMÓCRITO ROCHA FOI SÍMBOLO DE LIBERDADE E DE EXCELÊNCIA JORNALÍSTICA
16
CURIOSIDADE Demócrito Rocha era grande incentivador do Esperanto e traduziu vários poemas para esse idioma, entre eles o Soneto Eva, de Padre Antônio Thomaz
Há um longo corredor no O POVO que começa em uma das saídas da redação e na desembocadura das escadas da Presidência e termina na redação de audiovisual. De piso escuro e paredes decoradas, a primeira frase estampada do lado esquerdo dessa extensa passagem é um trecho da poesia O Jaguaribe, de Demócrito Rocha: “O mar não se tinge de vermelho / porque o sangue do Ceará / é azul”. Muito antes de fundar o jornal, Demócrito foi cativado por um Ceará efervescente. Natural da Bahia, nascido no município litorâneo de Caravelas, pisou pela primeira vez em terras alencarinas no dia 1º de fevereiro de 1912. Para qualquer estrangeiro, o Ceará é uma joia: do sol mandante ao céu azul infinito, do verde vibrante em meses de chuva à brisa marinha de um mar libertário, era inevitável para o Demócrito de 24 anos sentir-se adotado. Veio como telegrafista concursado, mas estudava mesmo para ser odontólogo em Sergipe. Chegou a formar-se na Faculdade de Farmácia e Odontologia do Ceará em 1921, mesma instituição onde foi professor. Apesar de ser lembrado como o grande jornalista e poeta do O POVO, Demócrito atuou na medicina por toda a vida, em um gabinete dentário voltado para atendimento da população carente. Talvez o contato com diferentes profissões tenha transformado Demócrito no que ele simboliza atualmente. Aliás, trabalhou desde os 12 anos, pois os pais faleceram quando tinha menos de cinco anos e foi criado pela avó e pela tia, precisando auxiliar na casa. A primeira função foi de operário em oficinas de estrada de ferro, onde ganhava 500 réis (cerca de R$ 12,50) diários, seis dias na semana, nove horas por dia. Foi em 1924 que começou a atividade jornalística, já fundando o jornal Ceará Ilustrado e atuando como redator e diretor literário do O Ceará. Em 1928, quando fundou O POVO, totalmente apoiado pelos colegas de redação, Demócrito escreveu no editorial: “Quando o povo geme escravo, entorpecido pelas algemas do cativeiro, indiferente à violência paralisante do grilhão, o jornal é o sangue novo, forte e generoso a nutrir-lhe as células dormentes, a despertar-lhe os neurônios amortecidos, a ondear-lhe, nas veias, a torrente vigorosa e enérgica da revolta. O povo precisa de mais gritos que o estimulem, de mais vozes que lhe falem ao sentimento. Eis por que surgimos…” Se hoje O POVO guarnece a Avenida Aguanambi, em 1928 ele era um sobrado na rua General Bezerril, na praça Gene-
PERFIL
Nome: Demócrito Rocha Nascimento e morte: 3 de novembro de 1908 - 23 de junho de 1968 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Caravelas (BA) Formação: Odontologia pela Universidade Federal do Ceará
ral Tibúrcio, ao lado da igreja do Rosário. É quase possível imaginar o êxtase de Demócrito, quem sabe vislumbrando o valor daquele jornal de nome escolhido pelo público. Afinal, emprestando as palavras de Rachel de Queiroz, o fundador era um homem de “riso fácil”, com “cabelo revolto, olhos salientes, inteligentíssimo”. Diariamente publicava sua NOTA, estampada na capa das edições, exprimindo aos leitores assíduos a visão moderna de um Ceará, um Brasil e um Mundo em constante transformação. Se estivesse vivo hoje, Demócrito Rocha com certeza seria um ambientalista: em plena Segunda Guerra Mundial, dedicou espaço na NOTA de 8 de fevereiro de 1943 para falar sobre o avanço do mar e a invasão urbana da orla. Problemáticas de uma Fortaleza tão atual, tão inserida em um planeta de mudanças climáticas, mas já percebidas pelo homem rodeado de batalhas bélicas. Demócrito foi querido pela população. Tanto que foi eleito como deputado federal em 1934 no Partido Social Democrático do Ceará, do qual era dirigente. Na posição, lutou contra o Integralismo, movimento fascista brasileiro, e pediu o fechamento da Ação Integralista Brasileira (AIB). A AIB foi encerrada em 1937 apenas pela dissolução da Câmara pelo Estado Novo, de Getúlio Vargas, a quem Demócrito apoiou na época da Aliança Liberal, ainda em 1930. Mas um homem não é feito apenas do que produz, é também de quem ama. E se Demócrito amava o Ceará, pode-se dizer que amava em maior dimensão Creuza do Carmo Rocha. Cruzaram olhares pela primeira vez em um daqueles dias de clima perfeito, no Passeio Público, em 1915. Creuza saltou à vista de Demócrito com um chapéu decorado por uma longa pena branca, e essa imagem nunca mais pode ser apagada. Casaram-se seis meses depois, na Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Creuza era generosa e revolucionária. Não acenava nem por cortesia aos adversários, porque era acima de tudo convicta. Foi a primeira mulher cearense a obter o título eleitoral e a primeira diretora-presidente mulher do O POVO, entre 1968 e 1974. É fácil entender por que Demócrito a admirava e confiava nela, e também porque era ela a quem o fundador mirava enquanto discursava nos palanques. Tiveram duas meninas: Maria Albanisa Rocha Sarasate, que mais tarde também viria a ser presidente do OP, e Maria Lúcia Rocha Dummar. Demócrito acompanhou as três mulheres mais importantes de sua vida até o dia 29 de novembro de 1943, quando faleceu por tuberculose. Se é que homens como Demócrito, de sangue azul, morrem… 17
ARQUIVO O POVO
A força de
ALBANISA SARASATE SEGUNDA MULHER A DIRIGIR E PRESIDIR O POVO, ALBANISA FOI A PERSONIFICAÇÃO DE UM CARÁTER FIRME E GENTIL 18
Todos tinham medo de Albanisa Sarasate. Se o “sim” ou o “não” viessem a mando de Albanisa, a questão, qualquer que fosse, era indiscutível. Não havia deputado, senador, governador do Ceará que desfizesse a decisão porque Albanisa tinha a palavra final. E quase sempre estava certa. Filha mais velha de Demócrito Rocha e Creuza do Carmo Rocha, Maria Albanisa Rocha Sarasate foi ensinada a agir como uma mulher com “M” maiúsculo. “Fui educada por meus pais tendo absoluta liberdade de opinião. Aprendi a discordar, sempre me agarrando a argumentos”, definiu ao O POVO em 1979. Desde sempre esteve envolta no mundo da política, do jornalismo e da opinião, ela era inteligente e irremediavelmente corajosa, ciente do mundo a sua volta como se o visse com a clareza de uma onça. Com certeza treinava o olhar aguçado com os gatos domésticos e os livros sem fim, na casa na Aldeota, munida de um quarto principal, o quarto dos hóspedes e amplos espaços sociáveis. O jardim foi um dos mais adorados, bem cuidado e cheio de samambaias, as prediletas de Albanisa. O lar foi pensado especialmente para estar repleto de gente, porque a anfitriã era das mais sociáveis, de riso quente e frouxo — assim como o pai. Como aos poucos virou tradição na família Dummar Rocha, Albanisa foi preparada desde cedo para ocupar a posição do pai como diretora-presidente do O POVO. Formou-se na Escola Normal Justiniano de Serpa, onde conheceu Paulo Sarasate, ainda como professor. Apaixonou-se e, aos 20 anos, casou-se com ele e adotou o sobrenome. À época do casamento, ele já era deputado estadual. Por isso, Albanisa dividiu-se entre as residências no Rio de Janeiro (era a Capital da República na época) e em Fortaleza. Foi quando a vida política mais aflorou para Albanisa, sendo não apenas uma primeira-dama, mas a dama. Se era Paulo quem governava, era Albanisa que analisava, intervinha, entendia. Ao ponto que, quando Sarasate virou governador do Ceará em 1955, chegava-se ao Palácio em busca da primeira-dama, nem tanto por ele. “A última palavra era dela”, relata a jornalista Adísia de Sá, em especial do O POVO homenageando o centenário de Albanisa. Como primeira-dama, Albanisa presidiu a Legião Brasileira de Assistência (LBA). De temperamento forte, ela entendia-se acima de tudo como uma mulher lógica, determinada e sempre dizia o que pensava. Brigava quando entendia que era necessário. A presidente Luciana Dummar relembra quando presenciou, aos cinco anos de idade, a avó Albanisa discutir ao telefone com Virgílio Távora. A ferocidade de Albanisa contra o governador fez Luciana arrepiar-se e, agarrada à saia da avó, perguntar: “Vó, a gente vai presa?”. “Porque eu não entendia como uma mulher era capaz de brigar com o governador do Estado daquela forma”, ri Luciana, também no vídeo do centenário. Depois da mãe, Albanisa foi a segunda mulher a comandar O POVO. De 1974 a 1985, dirigia entre a doçura e a firmeza. Para Luciana Dummar, a sobrevivência do jornal até hoje deve-se às decisões difíceis que Albanisa precisava tomar diariamente — e o fazia com segurança e flexibilidade, garantindo espaço para ser contrariada com argumentos e razão. Em 1979, integrou a diretoria da Associação Nacional de Jornais (ANJ). Nunca teve filhos, mas era uma segunda mãe para o sobrinho De-
PERFIL
Nome: Maria Albanisa Rocha Sarasate (Albanisa Sarasate) Nascimento e morte: 5 de janeiro de 1916 - 20 de maio de 1985 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Professora pela Escola Normal
CURIOSIDADE Albanisa Sarasate gostava de jogar, especialmente se dividisse a mesa com Acrísio Moreira da Rocha
mócrito Dummar. Filho da irmã mais nova, Maria Lúcia Rocha Dummar, educou-o para substituí-la no cargo quando chegasse o momento. "Depositou confiança em mim. Assim traduzindo sua forma de amor, na explicitação daquele acreditamento… Devotei o melhor da minha energia para fazer renascer, em cada desafio, este ideal. Convites tentadores não faltaram, inclusive para a política partidária, a partir da suplência de senador de César Cals, ou para posições estratégicas na administração pública. Mas não há nada que me afaste do ideal do fazer jornalístico. Assim eu respondo a todos os meus antepassados, e a ela em particular", declarou Demócrito. Albanisa estava lá quando O POVO completou 50 anos, em 1978. Já estava combatendo o câncer, mas quem desconhecesse a doença jamais suspeitaria que, há uma semana, a diretora-presidente tinha passado por uma cirurgia delicada na tentativa de tratar a doença. De salto alto atrás do púlpito, em discurso firme a funcionários e autoridades que comemoravam a metade do centenário, Albanisa comprovava a cada minuto que nem a pior das doenças abalaria o espírito de uma mulher singular. “Eu ficava observando como é que ela não titubeava. Aquilo me chamou muito a atenção: como é que uma mulher que estava quase morrendo ficava em pé”, relembra Luciana Dummar. Albanisa morreu no dia 25 de maio de 1985 por causa do câncer, não sem antes deixar um grande legado para O POVO. Dois meses antes do falecimento, assinou o ato de criação da Fundação Demócrito Rocha, entidade sem fins lucrativos que promove estudos, pesquisas e ações voltadas para educação e cultura. É da fundação, em parceria com O POVO, que se formam gerações de jornalistas pelo programa Novos Talentos.
19
PAULO SARASATE Construindo pontes
QUASE NO FIM DE 1908, NO DIA 3 DE NOVEMBRO, NASCEU NA CAPITAL CEARENSE PAULO SARASATE FERREIRA LOPES. FILHO DO MAESTRO HENRIQUE JORGE FERREIRA LOPES E DE JÚLIA MAGALHÃES JORGE FERREIRA LOPES O futuro reservava para seu destino uma vida em contato com a população em prol do bem-estar social. Aos 16 anos cursou magistério primário para auxiliar o pai que vivia da arte, foi professor, fundador de colégio e um grande apaixonado pela Educação, tanto no Ceará como em outros Estados. Tinha o dom de educar e usou sua facilidade como mestre advogado, pela Faculdade de Direito do Ceará e jornalista. Como comunicador fundou, em 1928, ao lado de Demócrito Rocha, o jornal O POVO, do qual foi diretor. A quem anos depois dedicaria um artigo de fundo sobre a partida do grande amigo. Casou-se com Maria Albanisa Rocha Sarasate, filha mais velha de Demócrito Rocha e Creuza do Carmo Rocha. Inspirou o irmão mais novo a ser jornalista, João Jacques Ferreira Lopes. Chegou a trabalhar como inspetor Federal do Ensino da Faculdade de Direito do Ceará; inspetor de Ensino Secundário; procurador da Junta de Sanções do Ceará e procurador do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará. Paulo Sarasate também teve participação efetiva em atividades sindicais e representativas de Classes Associativas e Conselhos, como membro da Ordem dos Advogados do Brasil secção Ceará (OAB-CE); da Associação Cearense de Imprensa (ACI); e da Ordem dos Velhos Jornalistas. Mesmo com o dia a dia atribulado, a política despertava fascínio e iniciou na vida pública em 1934 e exerceu mandato de deputado estadual pelo seu Estado natal entre os anos de 1935 e 1937. Estava no Partido Social Democrático (PSD), que tinha orientação moderada e getulista. Posteriormente, assumiu como deputado federal, pela União Democrática Nacional (UDN), por quatro legislaturas. Tomou posse em 5 de fevereiro de 1946; 11 de março de 1951; 2 de fevereiro de 1959; e 2 de fevereiro de 1963. Sempre cumpriu todos os mandatos completos. Lutava pelas adversidades sociais que o Ceará enfrentava à época e pelas necessidades do seu povo. Apesar de ter como característica um forte gestual, era disponível e acolhedor aos que precisam de conselho, apoio ou ajuda. A população reconhecia todos os seus méritos. Utilizava o cargo para levar as reivindicações da população, assim como já fazia no jornal. 20
Fora a favor de agendas que beneficiaram pessoas além das terras cearenses, como a criação do Banco do Nordeste e da Petrobras. E fez a emenda constitucional que defendeu a participação do empregado na administração e nos lucros das empresas. Também coube a Sarasate a prorrogação da lei do inquilinato para conter os abusos de proprietários de imóveis; também se dedicou às causas do funcionalismo público. Era incansável em relação às duras batalhas a favor das obras contra as secas, com destaque na açudagem e na irrigação, entre outros temas. Gostava e sabia trabalhar, aproveitar as oportunidades e as relações que fez ao logo dos anos e nos diferentes momentos de sua trajetória pessoal e profissional. Sempre alcançava êxito em tudo que se propunha fazer. No texto de apresentação do livro “A Constituição ao alcance de todos”, o seu companheiro do Palácio Tiradentes, Afonso Arinos de Melo Franco, registrou em palavras o perfil do amigo. “Era inquieto, impulsivo, honrado, invariavelmente cortês e generoso, contando com amadurecida experiência tanto no Legislativo quanto no Executivo”. Entre 1955 e 1958, Paulo Sarasate governou o estado do Ceará pela UDN e entre os principais desafios estava a seca que afligia a população cearense. Depois, quando se filiou ao Aliança Renovadora Nacional (Arena), exerceu também o cargo de senador pelo Ceará entre 1967 e 1968. Neste cargo, realizou dois pronunciamentos em defesa de suas propostas e
ARQUIVO O POVO
CURIOSIDADE A publicação do O POVO, datada de 1955, notícia que o então governador Paulo Sarasate concedeu entrevista coletiva aos veículos de Fortaleza, na noite anterior, em sua residência, por mais de duas horas e meia para falar do novo governo e o secretariado escolhido
PERFIL
Nome: Paulo Sarasate Ferreira Lopes (Paulo Sarasate) Nascimento e morte: 3 de novembro de 1908 - 23 de junho de 1968 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza Formação: Advogado e jornalista
ideias. O primeiro versava sobre a obrigatoriedade de manutenção, pelas instituições de Ensino Superior, de cursos de extensão destinados a elevar os padrões técnicos dos profissionais de ensino médio. Já o segundo projeto de sua autoria acerca do aproveitamento voluntário de candidatos classificados em concurso público em cargos vagos de atribuições afins. Entre suas obras publicadas estão “Por que devemos combater o nazismo (conferência), 1942”; “O problema econômico do Nordeste e a Constituição” (1946); “A batalha da borracha” (1946); “A Constituição do Brasil ao alcance de todos”; “O rio Jaguaribe é uma artéria aberta”; “A participação nos lucros e na gestão das empresas”. Sarasate faleceu em Fortaleza no dia 23 de junho de 1968, sendo substituído no Senado pelo suplente Waldemar de Alcântara. Muitas homenagens por todo o Estado levam o nome de Paulo Sarasate, entre eles, em Fortaleza, o ginásio de esportes, uma escola, e a Banda Juvenil Dr. Paulo Sarasate da Escola Profissionalizante Pe. João Piamarta; em Caucaia, um hospital e uma rua; a Barragem do Açude Araras, em Varjota; e Hospital e Maternidade no município de Redenção. Além disso, uma escola em São Paulo e outra no Maranguape, no Ceará. E ruas em Criciúma (SC) e Iguatu (CE). 21
FCO FONTENELE/ O POVO
DEMÓCRITO DUMMAR O homem que mudou a rota
PRESIDENTE DO O POVO DE 1985 A 2008, DEMÓCRITO ROCHA DUMMAR TRANSFORMOU O JORNAL EM UM ESPAÇO DE JORNALISMO CIDADÃO 22
CURIOSIDADE Demócrito Rocha Dummar é sócio-fundador da Associação Nacional de Jornais (ANJ) Demócrito Rocha Dummar é uma coleção dos melhores adjetivos. Gentil, afável, corajoso, humilde, carinhoso, alegre, atento; e quantas mais palavras tentam compor a imagem de um grande homem com coração menino. Talvez uma das melhores definições venha da antropóloga Peregrina Capelo, amiga de Dummar, nas páginas em homenagem e luto ao ex-presidente do O POVO: Ele era “a exata medida entre a porcelana e o vulcão”. “Um homem fino, amante das palavras e das artes, capaz de se emocionar com coisas imperceptíveis do cotidiano e ao mesmo tempo tinha uma vontade de poder e uma força de potência que parecia um vulcão em erupção constante”, escreveu Peregrina. E assim cabe enxergar Demócrito Rocha Dummar, como uma explosão de flores, de ideias, de desejos, de sonhos — praticamente sufixos indissociáveis ao nome do presidente. Desde os sete anos foi preparado para herdar a empresa da família pela tia Albanisa Sarasate, uma segunda mãe ao lado de dona Lúcia Rocha Dummar. O pai João Dummar era o fundador da primeira emissora de rádio do Ceará, a Ceará Rádio Clube (ou PRE-9). Para todos os lados, Demócrito inspirava e expirava Jornalismo; não é de se estranhar que tenha crescido para ser um dos profissionais mais apaixonados pelo papel que alguns tiveram a sorte de conhecer. Diferentemente do avô Demócrito Rocha e do tio Paulo Sarasate, Demócrito Dummar afastou-se da política-partidária e transformou O POVO em espaço de Jornalismo cidadão, no qual as notícias não eram apenas informação repassada, mas também analisada, interpretada, um Jornalismo que movimenta e representa a sociedade. É claro, na sua trajetória vieram propostas para o mundo político. Entre elas, o convite para a suplência de senador de César Cals e outras posições estratégicas na administração pública. “Mas não há nada que me afaste do ideal do fazer jornalístico. Assim eu respondo a todos os meus antepassados”, contou Demócrito à jornalista Ana Mary C. Cavalcante, para a publicação comemorativa O POVO 80 Anos. Chamando os funcionários de “meu filho” e “minha filha”, Dummar preenchia a redação ao chegar. Escondendo a dita timidez dentro do paletó, dava passos largos e pausados, sempre puxando conversa com o jornalista mais próximo. Resgatava da memória as
PERFIL
Nome: Demócrito Rocha Dummar Nascimento e morte: 12 de março de 1945 — 25 de abril de 2008 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Bacharel em Direito pela UFC
últimas palavras com toda viva alma, abraçava quem podia como quem recebia amigos de longa data. Era um amante das palavras. Lia e relia os textos que escrevia com os olhos diligentes de um perfeccionista, degustava os termos e selecionava-os milimetricamente para o encaixe contextual preciso. Fazia o mesmo com as produções de outros repórteres, nunca poupando elogios para aqueles que o garantiam minutos de prazer como leitor. Por isso, no escritório de casa, mantinha uma biblioteca de ponta a ponta. Gostava da palavra “Eureka!” e, quem sabe, a repetia diariamente na mente incansável de um dirigente criativo, munido de incontáveis projetos. Começou a trabalhar no jornal com 17 anos, virando presidente aos 40, em 1985. Foi responsável pela implantação do cargo de ombudsman no O POVO, um dos dois veículos que mantêm a função no Brasil. Também formou o Conselho Editorial, unindo diversas personalidades de múltiplas expertises para traçar a linha editorial do jornal, lançada em 1989 na Carta de Princípios do O POVO. Demócrito Dummar guiou O POVO na transformação digital, viu o portal nascer e a possibilidade de os leitores comentarem intrinsecamente as reportagens, algo que valorizava muito. Para ele, junto com os repórteres, os leitores também faziam Jornalismo. Aproveitou também para disponibilizar as páginas do O POVO para pautas de direitos humanos, seja o incentivo ao projeto Coração Artificial, do Hospital de Messejana, a luta pelo tratamento da aids e a luta dos indígenas do povo Tremembé. A defesa ferrenha pela transposição do Rio São Francisco e pela construção do Açude Castanhão — hoje o maior do Estado e do Brasil — também vieram da mente, dos discursos e dos dedos de Dummar. Se O POVO era a paixão de 80 anos de Demócrito, Wânia Cysne Dummar era a paixão eterna. Casados por 30 anos, pareciam recém-namorados. “Encontrar uma mulher como Wânia é algo raro. Inteligente, arguta, texto lindo, sentido poético à flor da pele… Wânia enche uma casa”, declarava-se. E a casa, já cheia de livros, aproveitava também para preencher-se de amor, de plantas, especialmente as mangueiras, e de animais domésticos… Entre eles, um papagaio verde com quem dividia o café da manhã. Nas fotos familiares, o abraço terno do presidente com a esposa e com os filhos é puro acalento. Assim como quando era mais novo, envolveu a primogênita Luciana Dummar desde pequena no mundo das decisões empresariais do jornalismo. Acompanhou também o neto André Filipe Dummar, atualmente diretor de Estratégia Digital do O POVO, entre os corredores cheirando a papel de jornal. Quando Demócrito Rocha Dummar faleceu subitamente, o dia ensolarado de sexta-feira esmoreceu sem aviso. Das incontáveis homenagens, sobrou a certeza de que o sonho de Dummar foi semente em cada repórter, editor, leitor e personalidade pública e privada do Ceará. O jornal continuou vivo — portanto, Demócrito também. 23
LUCIANA DUMMAR
Jornalismo como propósito PRESIDENTE DO O POVO DESDE 2008, A BISNETA DO FUNDADOR DEMÓCRITO ROCHA CRESCEU MERGULHADA NO MUNDO PROFISSIONAL E EMPRESARIAL DO JORNALISMO
É pouco dizer que Luciana Dummar nasceu envolvida no mundo do Jornalismo. Primogênita de Demócrito Dummar, bisneta do fundador do O POVO, Demócrito Rocha, ela não poderia prever os desafios e o mundo mutante que enfrentaria, mas com certeza poderia se preparar para a aventura. Estava escrito em algumas das possibilidades de futuro que Luciana encabeçaria a empresa de Jornalismo. Mergulhada em mais de 500 mil páginas do jornal, microfilmando uma a uma para um trabalho em parceria com o Museu Nacional do Rio de Janeiro, Luciana viu o mundo. Enfurnada na então Biblioteca Pública Governador Menezes (atual Bece), ela viajou no tempo acompanhando uma sociedade cearense, brasileira e mundial em ebulição e transformação, com as metamorfoses habilmente registradas em tinta e eternizadas no papel inconfundível do O POVO. Dessa experiência, Luciana assumiu, em 1991, a coordenação do Departamento de Pesquisa do jornal — atualmente nomeado O POVO Doc —, iniciando a carreira de jornalista dentro da Casa. Seguiu os passos do pai, passando pela Diretoria de Marketing, em 2003, pela Diretoria Institucional e, então, para a Presidência Executiva em 2004. Quatro anos depois, em 2008, alcançou o cargo da Presidência. Não foi necessariamente uma surpresa. Desde então, tem se dedicado a desenvolver uma série de ações em prol do Jornalismo e dos profissionais. É considerada uma das mais jovens dirigentes de jornais no Brasil, além de ter sido a primeira mulher a ocupar um cargo na diretoria da Associação Nacional de Jornais (ANJ), da qual é vice-presidente. É criadora do Festival Vida&Arte, Comendadora Alencarina do Mérito Judiciário do Trabalho e faz questão de citar que começou a carreira com o tratamento de arquivos históricos com passagens pela Biblioteca Nacional e Arquivo Nacional. Administradora de empresas e jornalista, mas, sobretudo, buscadora, Luciana coleciona uma série de títulos e especializações – de técnicos a espiritualistas. Alguns deles são: master de Administração e Negócios pelo Conselho Regional de Administração (CRA), acadêmica e fundadora da Cadeira 8 da Academia Cearense de Cultura, membro fundador da Associação de Jovens Empresários (AJE), terapeuta do OPH Energy Path reconhecida pela AIPO (associação de terapeutas holísticos na Itália), master in Healing with sounds and colours, Energetic Harmonization, Zen Counseling, Suchness, Meditações 24
CURIOSIDADE As Páginas Azuis foram uma ideia de Luciana Dummar em 2003, quando era diretora de Marketing do O POVO Ativas, Mindfulness, Dinâmicas de Relacionamento e Poder, Dinâmicas de Grupo e Desenvolvimento da Pessoa, Desenvolvimento Interpessoal no Trabalho, Reiki Master, Leitura Metafísica e Mediação de Conflitos. Além disso, durante 20 anos, estudou Psicologia e Antropologia aplicada pelo SID-APA. Sempre equilibrando sua firmeza técnica com um viés espiritualizado, Luciana enfrentou crises econômicas e outros desafios no mundo do Jornalismo com rigor. Fincada nas raízes nordestinas do jornal, transformou a regionalidade em inovação e modernidade. E não se desfaz de uma característica que a fortalece em todos os momentos – ama rezar. Dirige-se a todos os credos sem distinção e evoca a espiritualidade como um combustível de apoio ao conhecimento. É assim que O POVO chega aos 95 anos, dos quais 15 e tantos outros pela frente estiveram e estarão sob as mãos sólidas e os olhos cuidadosos de uma mulher.
PERFIL
Nome: Luciana Dummar Nascimento: 26 de dezembro de 1968 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza (Unifor)
CLÁUDIO LIMA / O POVO
Mais um caso em que família, educação, perseverança e Jornalismo andam juntos e dão frutos. Aos 18 anos, José Raymundo Costa começou sua história no O POVO, ainda em 1938, como contínuo. Seu Costa, como ficou conhecido, foi responsável por mudanças importantes na empresa da qual se tornou sócio, diretor e vice-presidente. Torcedor do Fortaleza Esporte Clube, ele nasceu em 1920, no Acre, e morreu em 2004, no Ceará, terra que escolheu. Aos 56 anos, Seu Costa, que só havia feito o ensino fundamental, resolveu voltar a estudar. A vida dentro do O POVO o fez querer cursar Jornalismo e, em 1977, ele passou no vestibular junto da filha, a também jornalista Jacqueline Costa Soares. A experiência, o ensino e o aprendizado eram tão fortes que se transformaram no livro “Memória de um Jornal”, em que em oito capítulos ele conta a história no O POVO. Na Casa, esteve nos cargos de diretor financeiro, diretor industrial, diretor comercial e vice-presidente, em 1982. As lembranças dos que cruzavam corredores ou dividiram a rotina familiar são de um homem que sempre ensinou, fosse sobre português, fosse sobre futebol. Depois de fazer o supletivo, terminar o ensino médio, fazer vestibular para Economia e depois passar para o curso de Jornalismo na Universidade Federal do Ceará (UFC), Seu Costa ainda conquistou o primeiro lugar no concurso para professor da Universidade. Como já tinha mais de 60 anos, não chegou a assumir, mas deixou forte e clara a certeza de que a missão de informar sempre tem os “guardiões” mais perseverantes.
ARQUIVO / O POVO
ETHI ARCANJO / O POVO
JOSÉ RAYMUNDO COSTA
CREUZA DO CARMO Creuza do Carmo sempre mostrou ser quem era: generosa, personalidade forte e segura. Posição política assumida, foi a primeira mulher cearense a tirar título eleitoral. E foi ao lado de Demócrito Rocha que Creuza dividiu a vida, as tertúlias literárias, os eventos com visitas ilustres, o fazer jornalístico do O POVO. A mulher que conheceu o marido no Passeio Público, no Centro de Fortaleza, em 1912, compartilhou uma história de trabalho, pensamentos e conquistas junto dele. Casaram em 9 de fevereiro de 1915, na Igreja Nossa Senhora do Carmo, em Fortaleza. Creuza chegou a acompanhar o marido para morar em Iguatu, mas era o ano da grande seca do Ceará, em 1915, então voltaram para a Capital para que a primeira filha do casal nascesse.
Em 1970, assumiu a Presidência do O POVO e mesmo depois da morte do marido, continuou promovendo encontros em sua casa, recebendo amigos, jornalistas e políticos. Creuza soube aliar a vida familiar, social e política, valorizando o que sua família tinha de sobra: pensamentos sobre o mundo e suas demandas. O Edifício Demócrito Rocha, foi inaugurado em 7 de janeiro de 1974, um mês antes do falecimento de Dona Creuza. A menina que quando criança era alegre e espirituosa, se tornou a mulher que trouxe o mundo para dentro de casa, sabendo a importância de que as filhas acompanhassem e vivessem o que significava a luta pelos mais pobres e pela liberdade. 25
Retratos, vidas e histórias que formam O POVO
26
Muito além do papel, muito além da comunicação. Há quase um século O POVO leva para os lares mais que informação e notícias, retrata a vida de milhares e milhares de cearenses e os seus desafios cotidianos, suas conquistas e boas histórias. Foi assim, desde 7 de janeiro de 1928, que O POVO permeou por diferentes pautas sociais, artísticas, ambientais, esportivas, políticas e econômicas retratando momentos históricos mundiais, nacionais e locais. Cada uma dessas pautas tem e não têm algo em comum: pessoas. Como forma de agradecer cada entrevistado, jornalista que atuou ou atua na redação, articulistas, fontes de diversas matérias publicadas ao longo desses 95 anos ininterruptos e, especialmente, leitores, foram escolhidas 95 personalidades que nasceram, ou não, no Ceará, mas que deixaram um legado nas suas áreas. Para a seleção foi realizado um levantamento com os editores-chefes do jornal O POVO das editorias de Economia, Política, Vida & Arte, Esportes e Cidades. A ideia inicial era fazer entrevistas com as personalidades vivas e perfil com as in memoriam, mas foram necessárias algumas adaptações ao longo da produção.
27
Entre os grandes nomes do humor, segmento em que o Ceará domina o cenário nacional, estão retratados no livro Chico Anysio, Falcão e Renato Aragão. Na música, outra área de destaque, temos a trajetória de Amelinha, Belchior, Ednardo e Raimundo Fagner, por exemplo. Já na literatura consta o perfil da romancista e primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, Rachel de Queiroz. E nas artes o pintor e desenhista Antônio Bandeira que possui obras espalhadas pelas galerias do Brasil e do mundo, além de Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, ícone da região do Cariri e multiartista. Entre os destaques da Economia, o percurso feito pelo empresário Francisco Ivens de Sá Dias Branco, o Ivens Dias Branco, que construiu uma das principais fortunas do Estado com o Grupo M. Dias Branco. E o economista Cláudio Ferreira Lima, que participou de importantes planos econômicos do Ceará. O campo da política também tem nomes de peso e com relevância nacional. Como o do empresário Tasso Jereissati, que já foi senador e governador do Ceará; o ex-governador e atual ministro da educação, Camilo Santana; e os irmãos Cid e Ciro Gomes, esse último nascido no interior de São Paulo, mas radicado no Estado. O livro aborda ainda o pioneirismo de mulheres como Izolda Cela, a primeira mulher a governar o Estado, e o de Maria Luiza Fontenele, a primeira prefeita eleita para uma capital no País. No esporte, as conquistas de duas mulheres do surfe, Maria das Graças Tavares Brito Filha, Tita Tavares, que é multicampeã da categoria e já marcou presença no ranking entre as melhores do mundo; e Silvana Lima, que atingiu a marca de melhor surfista brasileira por oito vezes e o vice-campeonato mundial por duas vezes. Entre as 95 personalidades que compõem o livro temos ainda o fundador do O POVO, Demócrito Rocha, um visionário da comunicação que soube manter a essência do jornalismo de
28
comunicar ao longo dos anos e deixou seu legado familiar. Bisneta dele, Luciana Dummar, nasceu envolvida no mundo do Jornalismo e é presidente do jornal desde 2008. São tantas histórias para transcrever a felicidade em comemorar 95 anos que mais nomes estão ilustrados nesta edição, como o de Padre Cícero, líder religioso e político do Cariri que aguarda a finalização do processo de beatificação. E o da cearense Maria da Penha, uma vítima da violência doméstica, que transformou sua dor em luta. Hoje a lei com seu nome é considerada uma referência no combate à violência contra mulher em todo o mundo.
CAROL KOSSLING Repórter Especial O POVO
29
ENTREVISTA
AURÉLIO ALVES / O POVO
ADALBERTO BARRETO Fé, proteção e ciência
CURIOSIDADE
Desde 2016 a TCI faz parte da política oficial do Ministério da Saúde do Brasil. Mais de 60 mil pessoas já foram qualificadas pela UFC
A fé da população de Canindé em São Francisco de Assis permeou toda a infância de Adalberto Barreto, que via no santo a materialização do protetor, do médico, do amigo da família que a todos acolhia. Envolto a ouvir os milagres do santo, viveu a infância num mundo mágico-religioso com todos os tipos de manifestações, dos curandeiros às rezadeiras, dos médiuns espíritas aos umbandistas e os santos. Apesar das diferenças, todos estavam unidos pela mesma fé e pelo mesmo desejo: o de servir aos que sofriam e ajudá-los. Ao decidir cursar medicina, Adalberto se aproximou da ciência e de um novo mundo, na contramão do que conheceu até ali, mas o fascínio por ambos fez com que pudesse criar a Terapia Comunitária Integrativa e o Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária (Projeto 4 Varas). As vivências no Brasil, e fora dele, o ajudam nessa construção. Confira entrevista exclusiva com o psiquiatra. O POVO - Como surgiu a ideia de trabalhar com a comunidade do Pirambu? Adalberto Barreto – Recém-chegado da Europa, após cinco anos ausente do Brasil, com uma bagagem teórica centrada no hospital, me deparei com o contexto caótico da favela do Pirambu. Esse novo contexto exigia a criação de novos paradigmas para estimular uma ação terapêutica criativa e efetiva capaz de perceber o homem e seu sofrimento em rede relacional. Ver além do sintoma; identificar, não só a extensão da patologia, mas, também, o potencial daquele que sofre. Fazer da prevenção uma preocupação constante e uma tarefa de todos.
PERFIL
Nome: Adalberto de Paula Barreto (Adalberto Barreto) Nascimento: 3 de junho de 1949 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Canindé (CE) Formação: Médico psiquiatra
32
O POVO – Qual seria o seu papel nesse contexto e como criou a Terapia Comunitária Integrativa (TCI)? Adalberto - De reforçar esta dinâmica que permita a busca de soluções entre si, usando seus próprios recursos, dizendo: “sim eu posso, sim, podemos construir o nosso próprio presente com os nossos próprios recursos.” Foi a partir de um espaço de escuta que nasceu a Terapia Comunitária Integrativa (TCI), que identifica as necessidades e procura suscitar respostas usando recursos da cultura local. Criamos também o projeto 4 varas, movimento integrado de saúde mental comunitária onde todos são convidados a serem corresponsáveis na busca de soluções e superação dos desafios do cotidiano saindo da posição de vítimas, objetos para corresponsáveis, parceiros, sujeitos. O POVO - Qual o seu sonho? Adalberto - O dia em que todo o conhecimento científico, toda a prática política e toda a profissão de fé caminhar no sentido de ajudar as pessoas a acreditarem nelas, em seus recursos culturais. O POVO - Qual sua relação com o Grupo de Comunicação O POVO? Adalberto - Minha relação com o Grupo de Comunicação O POVO foi de uma colaboração muito próxima. Encontrei no João Dummar, Vânia Dummar e Albanisa Dummar pessoas abertas às inovações e parceiros com os mesmos valores e comprometimento com o desenvolvimento do nosso Estado e nosso País. Diante da diversidade que compõe a cultura cearense, O POVO acolhe esta diversidade sem o viés ideológico de que existe uma única verdade, mas leituras possíveis sobre o mesmo fato. Isso me parece ser uma característica de uma imprensa responsável e livre. O POVO sempre esteve em sintonia com o que estava acontecendo de inovador no Ceará.
QUEM VALORIZA SUA ORIGEM LEVA O MELHOR SABOR PARA SUA MESA. Nossa história se mistura com a de tantas famílias do Nordeste. O dia começa bem cedo, porque sabemos que há muito o que fazer. Na fazenda, a origem: o leite fresco ordenhado, armazenado e preparado por mãos experientes de quem tem fé no trabalho. Famílias inteiras que fazem dessa produção seu sustento, sua morada, sua vida. Do outro lado, o destino: o produto pronto, de qualidade, para quem valoriza sua origem.
EHTI ARCANJO / O POVO
PERFIL
ADAUTO BEZERRA O homem político
CURIOSIDADE
Adauto Bezerra contou ao O POVO que conhecia Mainha e tinha contato direto com o pistoleiro, que apresentava-se como professor Diógenes
Adauto Bezerra foi um homem totalmente político. Não apenas por ter sido governador, deputado federal e duas vezes deputado estadual, mas principalmente porque acompanhou a política cearense de camarote por toda vida, tecendo análises até quando esteve afastado dos palanques. Para entendê-lo, há de se voltar muitos anos no passado. No século XIX, o bisavô de Adauto, o brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro, era um dos principais líderes políticos e militares do Cariri. Dele, as famílias Bezerra de Menezes e Bezerra Monteiro viraram uma das mais influentes da região onde viriam a nascer os gêmeos Humberto e Adauto Bezerra, em Juazeiro do Norte, 1926. Eram filhos de José Bezerra de Menezes, vereador de Juazeiro nos anos 1930, e de Maria Amélia Bezerra. Adauto veio por último, 20 minutos após o irmão gêmeo. Desde então, foram iguais em quase tudo. Colocavam sempre a mesma comida no prato, partilhavam de gostos muito similares. Estiveram unidos na política — por vezes, também desunidos — e nos negócios. Ambos foram para o Rio de Janeiro seguir carreira militar na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). Apesar da trajetória secular da família na política, Adauto afirma que começou a vida pública por acaso. Era campanha de 1954, quando o pai, vereador e presidente da Câmara de Juazeiro, morreu de um infarto fulminante. À época, o padrinho dos gêmeos José Geraldo da Cruz foi lamentar o ocorrido e, consequentemente, por ter perdido a campanha. “Vamos honrar o compromisso do pai”, propôs Adauto a Humberto. Foi quando tiveram uma “vitória maravilhosa” e ficaram conhecidos como “Os Bezerras” e “Os tenentes”.
PERFIL
Nome: José Adauto Bezerra de Menezes (Adauto Bezerra) Nascimento e morte: 3 de julho de 1926 — 3 de abril de 2021 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Juazeiro do Norte (CE) Formação: Militar pela Aman
34
Não demoraram muitos anos para Adauto decolar na carreira política. De tenente, ficou conhecido como o último coronel cearense, compondo a tríade coronelista de governadores ao lado de Virgílio Távora e César Cals. De fato, alcançou o Governo do Estado durante a ditadura militar, por indicação do presidente general Ernesto Geisel, em 1974. Era filiado ao partido de apoio ao governo Arena, durante o bipartidarismo. Só deixou a política após perder a corrida para governador contra Tasso Jereissati em 1986. Daí, virou presidente da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) em 1990 e 1991 — na posição, recebeu muitas críticas de Tasso e do então governador Ciro Gomes, que o chamou de “força do atraso”. A alcunha magoou Adauto, ainda que, já mais velho, o ex-governador tenha declarado ao O POVO que deixou a dor no passado. Dedicou o resto da longa vida ao ofício de bancário e de mordomo (gestor das contas) da Santa Casa de Fortaleza. Mesmo assim, as visitas ao seu escritório nunca cessaram: de pessoas pedindo ajuda com remédios a políticos pedindo apoio nas campanhas, Adauto atendeu todos que podia e queria. Morreu aos 94 anos, vítima da pandemia de covid-19. Em 2018, tinha enfrentado um susto quando precisou fazer cirurgia no coração e ficar internado na UTI. Ao lado do cardiologista Dr. Cabeto, então secretário de Saúde do Ceará, chegou a escrever e oficializar em cartório um testamento, tamanho o medo. Anos depois, o susto passou e ficaram a tranquilidade e a humildade: “Sei que tenho que ir mesmo.”
PERFIL
ADÍSIA SÁ
Jornalista à frente do seu tempo Jornalista e escritora, Adísia foi uma das pioneiras na implantação do primeiro curso de Jornalismo no Ceará. Além da primeira ombudsman mulher do País
CURIOSIDADE
Em 10 de janeiro de 2005, O POVO publicou uma entrevista com Adísia Sá nas Páginas Azuis. Na ocasião, ela celebrava 50 anos de atuação formal no Jornalismo. A entrevista durou mais de duas horas e a entrevista foi assinada pelos jornalistas Demitri Túlio, Erick Guimarães, Felipe Araújo e Regina Ribeiro
PERFIL
Nome: Maria Adísia Barros de Sá (Adísia Sá) Nascimento: 7 de novembro de 1929 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Cariré (CE) Formação: Filosofia
38
Maria Adísia Barros de Sá, cearense de Cariré, pequeno município cearense a 272 km da Capital, mudou-se para Sobral e depois Fortaleza, aos sete, oito anos, e passou a conviver, na rua Senador Pompeu, conhecida como Rua dos Jornais, entre as oficinas de jornais da Capital, já que os pais eram donos da modesta Pensão Sobral que ficava na mesma via. Assim, cresceu em meio aos burburinhos dos jornalistas, todos homens à época, e ao cheiro do chumbo das impressoras locais que guarda na memória e nas lembranças e que deram início ao seu sonho de escrever notícias. Assim despertou a paixão pelo Jornalismo e foi a primeira jornalista mulher em redação, começando, oficialmente em 8 de janeiro de 1955 no extinto Gazeta de Notícias. Tinha entre 24 e 25 anos e assinou como pseudônimo de Moema. Mas antes da formalização, que veio por meio de um concurso, já trabalhava há muito tempo em jornal no Estado. Na própria Gazeta, mantinha uma página universitária quando tinha amizade com o pessoal das oficinas. Com personalidade forte, ativa e sem nenhum tipo de medo, Adísia sempre teve o desejo de ser lembrada. Também foi a primeira repórter policial e a primeira ombudsman mulher do País, entre tantas atribuições em que foi pioneira, abrindo caminhos para muitas mulheres que vieram nas décadas seguintes. Apesar da representatividade, em entrevista para as Páginas Azuis do O POVO, em 2005, disse ser natural a convivência com os colegas homens. “A melhor possível. Pelo contrário, tenho a impressão que não teria me dado bem se fosse só mulher. Porque a grande rival da mulher é a mulher. O homem não. O homem quando é companheiro é companheiro. Encontrei na redação do jornal os melhores companheiros da minha vida. Além do mais, não me tratavam com queridice. Queridinha, minha bichinha, não! Me tratavam, me orientavam, me ensinavam, e me senti muito bem. Mas por ser uma redação só de homem, a minha mãe não queria que eu fosse”, relembra. Mas não foi fácil seguir a vocação, pois sua mãe não queria, porém, contou com a ajuda do pai para assumir o concurso que ganhara. “...Se pudesse recomeçar, faria tudo de novo. Seria jornalista. Nós jornalistas somos um pouco pedagogos. Somos aqueles que mostram o caminho sem a petulância de dizer que está ensinando”, disse em entrevista ao O POVO. Adísia também começou a frequentar, por curiosidade, ainda estudante, a ala feminina da Casa de Juvenal Galeno, fundada por Henriqueta Galeno. Frequentava as reuniões semanais, aos domingos, na roda de Jandira Carvalho, Maria de Lurdes Pinto e outras intelectuais. Foi nesse espaço que ganhou o nome profissional. Em meio aos textos literários que liam ela, ousou e
levou um texto autoral. Maria de Lurdes Pinto disse ao final ‘Com esse nome você nunca será escritora’. Foi aí que colocou apenas Adísia Sá. Ainda na Gazeta de Notícias, além da coluna que assinava como Moema, passou a selecionar as notícias que os repórteres traziam até um dia que a pessoa que cobriria as notícias policiais faltou e houve uma greve na Polícia Civil. O então diretor, Olavo Araújo, disse para ir entrevistar e ouvir os policiais. Foi, mas a recepção não foi das melhores. Foi agredida e voltou chorando para a redação. No outro dia a manchete: ‘Jornalista da Gazeta agredida pelo inspetor Laranjeiras’. Assim, nascera a jornalista. Depois foi cobrir Política. Nos intervalos era chamada para fazer sueltos, pequenos editoriais, pequenos comentários da redação. Momento que começou a atuar com a parte mais crítica e opinativa do Jornalismo. Tentou entrar no O POVO, sem sucesso, mas a tão esperada oportunidade chegou em 1984 por meio da sua ex-aluna Wânia Dummar que a indicou ao Demócrito Rocha. Naquele tempo já estava se aposentando como professora da UFC. Trabalhava fazendo uma espécie de análise do que era publicado. Até hoje (2023), faz parte do Grupo de Comunicação O POVO. Entre as muitas atividades no Grupo ao longo das décadas estão comentários na Rádio O POVO CBN, assinatura de artigos nas páginas de Opinião do O POVO, foi membro do Conselho Editorial do jornal e a primeira ombudsman do jornal O POVO. Além de participar de muitas entrevistas nas diferentes mídias do Grupo. Porém, além do Jornalismo, Adísia Sá, se formara em 1954, em Filosofia pela Faculdade Católica de Filosofia do Ceará, e licenciada pela Faculdade de Filosofia do Ceará em 1962. Foi professora da Universidade de Fortaleza e professora titular da Universidade Federal do Ceará (UFC). Em 1969, tornou-se professora de metafísica, permanecendo como docente até 1984, quando se aposentou como professora titular da UFC e da Universidade Estadual do Ceará (Uece).
DARIO GABRIEL/O POVO
“Ser jornalista é ser coerente. É não temer os que podem me enfrentar. É ter compromisso com a liberdade”
Em paralelo, foi professora assistente no curso de Jornalismo e professora titular no curso de comunicação social, do Departamento de Comunicação Social e Biblioteconomia. Também foi pioneira, ao lado de outros colegas, a implantar o primeiro curso de Jornalismo no Ceará. Assim é membro fundador do curso de jornalismo da UFC e da Associação Brasileira de Ouvidores (ABO), seção Ceará. Dinâmica, atuante e criativa ocupou, ainda, ao longo da carreira, diversos cargos de direção em entidades de classe como na Associação Cearense de Imprensa (ACI), Sindicato dos Jornalistas do Ceará e Comissão Nacional de Ética da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Entre os livros de literatura, jornalismo e filosofia que publicou estão “Biografia de um Sindicato”; “Capitu conta Capitu”; “Clube dos Ingênuos”; Em busca de Iracema”; “Ensino de Filosofia no Ceará”; “Ensino de Jornalismo no Ceará”; “Fenômeno Metafísico”; “Fundamentos Científicos da Comunicação”; “Introdução à Filosofia”; “Metafísica para quê?”; “O Jornalista Brasileiro”; “Ombudsmen/Ouvidores: Transparência, Mediação e Cidadania “; “Traços de União”. Ao longo da carreira de jornalista, recebeu muitos reconhecimentos e homenagens, entre eles, em 2013, a Medalha da Abolição, maior comenda do Governo do Ceará, por suas contribuições à sociedade cearense. Assim, como pela Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), por intermédio da diretora Wânia Dummar, em 2005, e pela Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará (OAB-CE), no mesmo ano. Passou, além do O POVO, pelo O Estado, Gazeta de Notícia, O Dia, TV Jangadeiro e Manchete. Para Adísia Sá a profissão de jornalista é essencial para a sociedade: ‘‘Ser jornalista é ser coerente. É não temer os que podem me enfrentar. É ter compromisso com a liberdade’’.
CLÁUDIO PINHEIRO / O POVO
“Não quero ser mais do que sou, mas exijo reconhecimento nessa minha trajetória de 50 anos” 40
PERFIL
ALDEMIR MARTINS O mestre das cores e formas
Seja em livros e novelas, ou nos famosos gatos coloridos, Aldemir Martins foi um dos cearenses que marcaram o cenário artístico do Brasil Aldemir Martins percorre diversos espaços de Fortaleza e do Brasil. É ele que acompanha residentes e turistas no grande mural do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, no Centro da Capital, ao descerem pela rampa. Esteve também na ala internacional do Aeroporto de Congonhas, no Rio de Janeiro — para depois ser pintado pelo Departamento de Aviação Civil. Mas ninguém precisa viajar para ter contato com os traços do cearense. Quem já leu “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, na capa original estão os traços dele que eternizou Fabiano e a cadelinha Baleia. É a versão preto e branco, com um sol de linhas espirais e personagens rabiscados. A assinatura está bem ali: Aldemir Martins, 1963. Para os que preferem as novelas, ele também existe nas ilustrações das aberturas de Gabriela (1975) e Terras do Sem Fim (1981). Apesar dos tantos outros exemplos no cotidiano brasileiro, ele tinha a sensação de que, no Ceará, era menosprezado. Mas, para entender o impacto dessa mágoa, há de se conhecer a trajetória de um dos expoentes da arte cearense e brasileira. Nascido em 1922, no distrito de Ingazeiras, cidade de Aurora, Aldemir já estava numericamente pré-destinado à arte. Foi no ano da Semana de Arte Moderna, quando o modernismo chutou as portas brasileiras e definiu que era o momento de ficar. O artista, portanto, cresceu em um Brasil agitado, com formas mais imaginativas. Ele começou a desenhar com oito anos, usando tijolo e carvão. Tudo para ele era desenho, não sabia viver diferente. Também não sabia viver sem viajar: o pai, Miguel de Souza Martins, era construtor de estradas de ferro pela Rede Viação Cearense, fazendo com que eles e a mãe, Raimunda Costa Martins, mudassem constantemente de cidade. Entre elas, Guaiúba, a 40 quilômetros de Fortaleza. Em entrevista ao O POVO em 2002, quando completava 80 anos, a repórter Ana Mary C. Cavalcante perguntou quais imagens ele guardava da infância na cidade. “A imagem de um grande amigo que tive, chamado Sérvulo Barroso. Ele morreu meu amigo e eu era amigo dele”, relembra. Sérvulo Mendes Barroso foi um médico odontologista famoso em Fortaleza, sendo homenageado no nome de uma escola municipal no bairro Granja Lisboa. De família pobre, Aldemir via na carreira militar uma maneira de ganhar a vida. Por isso, foi enviado ao Colégio Militar de Fortaleza em 1934, onde virou orientador artístico de classe. Depois, serviu ao exército de 1941 a 1945 — período da Segunda Guerra Mundial. É claro que não logrou ficar longe da arte.
Lá, desenhou o mapa aerofotogramétrico de Fortaleza e ganhou o primeiro prêmio no concurso da Oficina de Material Bélico da 10ª Região Militar, pela pintura de viaturas do exército. Ele virou então “Cabo Pintor”. Nesse meio tempo, ele também juntou-se com a efervescência artística de Fortaleza, ao lado de Mário Barata e Antônio Bandeira, por exemplo, e fundou o Grupo Artys e a Sociedade Cearense de Artistas Plásticas (Scap). Foi lá que expôs pela primeira vez, em 1942, no II Salão de Pintura do Ceará. Também começou a trabalhar como ilustrador para jornais e outras publicações impressas. Em 1945, ele migra para o Rio de Janeiro junto a outros artistas para explorar a vida com a pintura. Passa menos de um ano lá e vai então para São Paulo. “Meu pai era muito disciplinado. Logo percebeu que, no Rio, cairia numa vida de boemia — e queria mesmo trabalhar”, comenta Pedro Martins, filho do primeiro casamento com Amélia Bauerfeld, ao Anuário do Ceará 2022-2023, publicação do O POVO que homenageou Aldemir. Aldemir desejava todos os dias voltar para o Ceará, mas faltavam perspectivas de emprego. “O Estado é que não me quer de volta. Eu tenho uma casa aqui, tenho tudo para voltar, mas não tenho condições de trabalho. Aqui não tenho condições de sobreviver”, lamentava. Na comemoração de 80 anos de vida, o Ceará praticamente esqueceu de Aldemir, criticou a então repórter do O POVO Ana Mary, em reportagem e entrevista sobre o assunto. O Estado não fez exposições comemorativas, aparentemente por causa das eleições para governador. Apenas a Galeria Ignez Piúza promoveu uma exposição de entrada franca na Capital. Em São Paulo, por outro lado, Aldemir ganhou diversas homenagens. Em 1992, Aldemir também contou ao O POVO que sequer era reconhecido pela população cearense. “Minha mágoa é essa, não de pessoas. Não quero ser mais do que sou, mas exijo reconhecimento nessa minha trajetória de 50 anos. Afinal, tenho 70 anos de vida, em função do Ceará, do Nordeste e do Brasil.”
CURIOSIDADE Aldemir Martins foi considerado o melhor desenhista do mundo na XXVIII Bienal Internacional de Veneza em 1956
PERFIL
Nome: Aldemir Martins dos Santos Nascimento e morte: 8 de novembro de 1922 - 5 de fevereiro de 2006 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: No distrito de Aurora, em Ingazeiras (CE) Formação: Artista plástico, ilustrador, pintor e escultor autodidata
PERFIL
LUCAS FIGUEIREDO / DIVULGAÇÃO CBF
AMANDINHA Oito vezes a melhor do mundo
CURIOSIDADE Além de melhor do mundo no Futsal, Amandinha traz dentre outras vitórias no currículo a Copa do Mundo de Futsal Feminino, Grand Prix de Futsal e Copa Libertadores
“Onde podia chutar, eu chutava.”. A frase é da cearense Amanda Lyssa de Oliveira Crisóstomo, oito vezes consecutivas a melhor jogadora de futsal do mundo, durante entrevista ao O POVO, em 2019. Determinada a conquistar o que a vida lhe propôs, a jogadora profissional tem uma carreira de muita dedicação e responsabilidade. E tudo começou no bairro Conjunto Ceará, em Fortaleza. Hoje, continua na Espanha. Sempre interessada por esportes, praticava do ping-pong ao futsal, e acompanhava o pai e o tio nos rachas com os amigos. “Chutando as coisas pelos cantos”, com 10 anos, se meteu na escolinha de futebol do bairro, que só tinha meninos, e por lá começou a atrair admiração e novos caminhos. E também resistências, enfrentadas junto ao técnico do time, que insistiu para que Amandinha jogasse. Logo foi chamada para o time feminino de uma escola na região, a Cora Coralina, e depois para outra escola, o Evolutivo. De lá, chegou à seleção cearense. Aos 15 anos, foi convidada para jogar em Santa Catarina, na equipe Barateiro Futsal, de Brusque-SC, e por lá a ala chegou à seleção brasileira. Precisou virar adulta mais cedo do que muitos jovens, mas fez tudo com muita perseverança e força de vontade. Nova cidade, outros hábitos, mais frio, família longe. As mudanças na vida de Amandinha eram grandes, então precisavam ser bem justificadas: ela seria a melhor jogadora de futsal do mundo. Quatro anos depois, o primeiro título adulto, que se multiplicaram em diversas premiações. Em Portugal, na final do Mundial contra a seleção do país, a reviravolta do placar traduzia um pouco da vida da jogadora de futsal. Depois de quase não conse-
PERFIL
Nome: Amanda Lyssa de Oliveira Crisóstomo (Amandinha) Nascimento: 5 de setembro de 1994 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Jogadora profissional de futsal e fisioterapeuta 42
guir ir à competição, a seleção brasileira de Amandinha estava perdendo por 3 a 1. Em cinco minutos, o time conseguiu igualar o placar. E no último minuto: “Adoro botar pra correr na ala”. Amandinha tentou dar o passe, a bola bateu na defensiva adversária, no bate-rebate, a bola sobrou e ficou 4 a 3. A reviravolta de gols em cinco minutos não é por acaso. A vontade de fazer diferença, de deixar marcas, de fazer o esporte evoluir, está em todas as palavras ditas por Amandinha quando o assunto é futsal feminino brasileiro. Permanecer no Brasil durante anos, muitos deles no Leoas da Serra-SC, com diversos e tentadores convites, não foi uma escolha difícil, porque era na verdade objetivo de vida. E de cidadã. E de esportista. E de mulher. Valorizar cada vez mais a modalidade, fazer a diferença, ser exemplo. Esses sempre foram os principais objetivos da jogadora. Depois de 11 anos jogando profissionalmente no País, conquistando todos os títulos possíveis, decidiu experimentar o novo e fechou com o Torreblanca, da Espanha. A decisão foi de alguém maduro, que sempre batalhou pelas conquistas de forma disciplinada e focada. A também fisioterapeuta Amanda Lyssa deu orgulho a si, aos pais, irmãos, moradores do Conjunto Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil, o mundo. Ou mais. Amandinha segue na seleção brasileira, uma das maiores conquistas e o melhor palco para mostrar a potência da equipe brasileira.
PERFIL
MARIANA PARENTE / O POVO
AMELINHA A voz que canta o Ceará
CURIOSIDADE
Amelinha é devota de Santa Rita e gravou o hino da santa para trilha sonora de cinema
Quando Amelinha despontou no cenário musical, alguns chegaram a chamá-la de “Gal Costa do Ceará”. É uma comparação desnecessária: Amélia Cláudia Garcia Collares Bucaretchi é única, incomparável, marcando gerações com um repertório eclético, perpassando o baião, o forró e até o pop. Amelinha nasceu em Fortaleza em 1950 e sempre teve jeito para cantar. Aos 12 anos, ela criou um trio com a irmã e uma amiga para apresentar-se nas festas escolares. Adorava as quermesses da Igreja de Fátima e as músicas do CEU, que ficava praticamente ao lado da casa da avó, na Praça da Bandeira. De lá, ela também assistia às festas universitárias e conseguia ouvir a orquestra Paulo de Tarso. Tudo isso ela contou ao O POVO, em 2006, após comentar a insatisfação de ter a trajetória reduzida à parceria com Fagner. “Parece que não tenho história. Colocam sempre ‘Amelinha começou com o Fagner’, como se eu estivesse em casa e o Fagner me perguntasse ‘quer cantar?’, não foi assim”, rebateu à época. Como as lembranças da infância bem apontam, a música começou nela cedo, com as “músicas da terra, do folclore, do domínio público”. Em 1970, decidiu mudar-se para São Paulo com o objetivo de cursar Comunicação, focando no preparatório na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). Mas a artista migrou para o Sudeste acompanhada do Pessoal do Ceará, grupo de artistas cearenses que despontaram no cenário cultural brasileiro. Com tanta gente talentosa reunida, é claro que Amelinha tomaria seu local de direito no centro dos palcos. Apresentou-se em festivais universitários com a banda Maresia e também ao lado de Fagner no Teatro Municipal de São Paulo e na televisão.
PERFIL
Nome: Amélia Cláudia Garcia Collares Bucaretchi (Amelinha) Nascimento: 21 de julho de 1950 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Cantora
A estreia em disco foi em 1974, ao participar do LP “Romance do Pavão Mysterioso”, do músico conterrâneo Ednardo. Já aproximada de Toquinho e Vinicius de Moraes, ela partiu um ano depois para Punta Del Este, no Uruguai, para uma temporada de shows. Em 1977, lança o primeiro LP solo, “Flor Da Paisagem”, pelo qual foi apontada como cantora revelação da Música Popular Brasileira (MPB). Mas foram os anos 1979 e 1980 que Amelinha realmente conquistou a consagração. No primeiro ano, pelo lançamento da música Frevo Mulher, em álbum homônimo. A canção composta por Zé Ramalho tendo Amélia como musa — os dois já namoravam à época — misturava frevo e forró e é, até hoje, um exemplo da potencialidade lírica e rítmica do Nordeste. Relacionou-se com Zé Ramalho até 1983, tendo dois filhos, João Ramalho e Maria Maria Ramalho. No ano seguinte, 1980, a música “Foi Deus que fez você”, composta por Luiz Ramalho, dominou o Maracanãzinho e garantiu à Amelinha um disco de ouro e o segundo lugar no Festival da Música Popular Brasileira 80 (MPB 80). Ela virou uma das vozes definitivas da MPB, lançando no mesmo ano o LP “Porta Secreta”. Daí pra frente, lançou mais 12 produções, entre álbuns de estúdio, ao vivo, compilações, singles e EPs. Marcada pelas raízes, pela voz potente capaz de conquistar o público apenas acompanhada por um violão, Amelinha atualmente foca no resgate dos seus sucessos e na homenagem a parceiros, especialmente do Pessoal do Ceará. 43
TATIANA FORTES / O POVO
ENTREVISTA
ANA MIRANDA O domínio das palavras Quando Ana Miranda voltou para o Ceará, em 2006, ela relatou ao O POVO que estava sendo uma adaptação difícil. Após anos vivendo no Rio de Janeiro, em Brasília e São Paulo, a ideia de retornar para casa foi recebida com apreensão pelos pais: tinham medo de Ana ficar isolada, sozinha. Após 17 anos, Ana olha para trás e relata como foi acolhida no Ceará não só pelas pessoas e escolas, mas também pelo O POVO, que publicou um caderno sobre a vida e a obra da romancista e atriz.
CURIOSIDADE
Quando morava em São Paulo, Ana Miranda era vizinha de Lygia Fagundes Telles, dama da literatura brasileira
O POVO - Em 2006, a senhora contou que ligou chorando para sua irmã e ela disse que você tinha algo muito importante a fazer no Ceará, só não sabia o que era ainda. No final das contas, a senhora descobriu que missão era essa? Ana Miranda - Eu me senti em meu próprio lugar, apesar das dificuldades para recomeçar uma nova casa em uma praia distante, sozinha, uma nova vida. Hoje, acredito que foi uma das melhores decisões que tomei na vida. Um caso de amor entre uma mulher e um Estado. Percebi que fiz bem para a estima dos cearenses por si mesmos, algumas professoras me apresentavam aos alunos como “a escritora que voltou para o Ceará”, que passou a ser um epíteto. E fiz um bem enorme para mim mesma, vivendo mais perto das origens e da natureza, desse meu povo meigo e inteligente. Ainda não descobri a missão de que falou minha irmã, talvez porque ainda não esteja no final das contas, não é? O POVO - O seu livro infantil “Como nasceu o Ceará” foi escrito como uma peça teatral. O que te fez pensar no livro como uma peça?
PERFIL
Nome: Ana Maria Nóbrega Miranda (Ana Miranda) Nascimento: 19 de agosto de 1951 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Artes plásticas pelo Instituto Central de Artes da Universidade de Brasília 44
Ana Miranda - A ideia apareceu naturalmente, enquanto eu escrevia os versos. Vi que seria muito bom contar uma história de nossas origens por meio de diversas expressões, como poesia, teatro, arte, cenografia, interpretação em que todos os papéis têm a mesma importância... Mais rico para as crianças, elas afinal têm aptidões diferentes, e o material serviria para as professoras ensinarem história com mais interação, mais fantasia e alegria. E, ah, meu Deus, que emoção saber que escolas, uma aqui, outra ali, estão encenando o livro. Fico imaginando as crianças criando e interpretando, aprendendo a amar mais a natureza e as origens. O POVO - É diferente escrever pensando o Ceará e escrever pensando outros estados em que você viveu? Ana Miranda - Sim, é muito diferente, tudo é diferente, quando você escreve as palavras captam o momento, a luz, o ritmo, a cadência da fala local, o seu estado de espírito, o ar que você respira, e até os fantasmas do passado que te cercam. Veja, por exemplo, o romance “Iracema”, como cintila de beleza, paixão e forças da natureza, foi escrito quando José de Alencar estava intensamente apaixonado por sua esposa e viviam na floresta da Tijuca. O sentimento, o ambiente, a paisagem, a atmosfera, exalam de cada palavra. Assim, acredito, acontece com meus livros escritos aqui, especialmente Dias & Dias, quando piso pela primeira vez o Ceará em minha ficção, e Semíramis, que segue a vida de José de Alencar.
REPRODUÇÃO
PERFIL
ANTÔNIO CONSELHEIRO O profeta do sertão
CURIOSIDADE
A casa em que Antônio Conselheiro nasceu e viveu até os seus 27 anos de idade, em Quixeramobim, foi tombada pelo Ministério da Cultura em 2006. Lá foi criada a Casa de Cultura e Memorial do Sertão Cearense
Levaria um tempo até que Antônio Vicente Mendes Maciel se tornasse Antônio Conselheiro, o líder religioso e político da comunidade de Canudos, no interior da Bahia, morto em 22 de setembro de 1897 após sucessivas investidas das forças militares da República recém-instalada. Antes, Antônio era apenas Maciel, filho do comerciante Vicente Mendes Maciel e de Maria Joaquina de Jesus, a quem perderia quando tinha apenas seis anos – o pai morreria um tempo depois, deixando-o sozinho. O cenário é Quixeramobim, no Ceará, de onde o jovem partiria mais tarde, errando pelos sertões. Para os padrões da época, Antônio Maciel era culto. Aprendera matemática, português, geografia e mesmo francês e latim. Lia, sobretudo, história. Não era um fanático embrutecido, imagem que a imprensa da época havia feito pespegar em Conselheiro, declarado inimigo dos novos valores da nação. Fundou uma escola, deu aulas, casou-se. Brasilina Laurentina de Lima, a esposa, era também sua prima. Corria o ano de 1857, e Conselheiro arranjava-se como podia. Trabalhava de caixeiro e rábula entre Sobral e Ipu. De retorno à casa, segundo se conta, flagrou a mulher com um amante. Deixou-a, ferido de vergonha. Daí em diante, peregrinou por toda parte, do Ceará ao Sergipe, passando por outras localidades. Empregou-se em todo tipo de serviço. Numa dessas andanças, conheceu o padre Antônio Maria Ibiapina, cuja pregação o fascinou. Não retornaria ao Ceará.
PERFIL
Nome: Antônio Vicente Mendes Maciel (Antônio Conselheiro) Nascimento e morte: 13 de março de1830 22 de setembro de 1897 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Quixeramobim (CE) Formação: Aritmética, latim, francês, português e geografia, atuou como professor e posteriormente como escrivão de cartório
Antônio Maciel fez-se Conselheiro evangelizando em terras sergipanas. Foi alvo de pressão da polícia e da igreja, instituições unidas na defesa de interesses do capital desse tempo: a terra e a fé. Tangido, foi parar na Bahia, onde criou o arraial de Belo Monte. Primeiro foram 600 pessoas, que logo se converteram em milhares. O rumor se alastrava. Ex-escravos, agricultores e toda sorte de gente miserável seguia em romaria para Canudos, que se constituiu em torno de uma capela dedicada a Santo Antônio. O Governo Federal precisou de três anos para fulminar o aglomerado de casas mal assentadas e, com elas, Antônio Conselheiro. Entre 1894 e 1897, a comunidade crescera, assustando poderosos. Foram então despachadas quatro expedições militares. A primeira, com apenas uma centena de soldados, foi desbaratada. A segunda também. A terceira fragilizou Canudos. A quarta a subjugou. Em 22 de setembro, Conselheiro foi encontrado sem vida, não se sabe se por força dos combates ou se por causa de alguma doença, já que a comunidade estava sob cerco. Menos de um mês depois, em 5 de outubro, os remanescentes do arraial caíam. De acordo com relato de Euclides da Cunha no jornal “O Estado de S. Paulo”, “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo”. Ainda conforme o autor de “Os sertões”, obra na qual narra o enfrentamento sangrento naquele pedaço de chão do Brasil na virada do século XIX para o XX, Canudos, “expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores”. Em 14 de maio de 2019, mais de 120 anos depois de sua morte, Antônio Conselheiro foi incluído no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria” por determinação da lei 13.829. 45
PERFIL
ANTÔNIO BANDEIRA
O abstrato literal Misturando abstração e literalidade, Antônio Bandeira desenvolveu uma linguagem artística sublime
CURIOSIDADE
Na França, escreveu que queria ser recebido pelo Ceará ao som do hino do Estado e da música Cajueiro Pequenino
PERFIL
Nome: Antônio Bandeira Nascimento e morte: 26 de maio de 1922 — 6 de outubro de 1967 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Pintor e desenhista brasileiro, que estudou na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts e na Académie de la Grande Chaumière
46
De “jeitão calado” por definição própria, Antônio Bandeira conquistou o mundo com quietude e comunicação. O artista tinha essa habilidade de juntar os opostos e criar algo único, contínuo, completo e incompleto em si mesmo. Quando morou em Paris (França) — onde morreu aos 45 anos por complicações em uma cirurgia nas amígdalas —, os europeus o descreviam como uma pessoa tranquila, de fácil convívio, de trejeitos marcantes. Outros amigos artistas o descreviam como um “casmurro monacal”. Já para a família, em correspondência enviada em 1961, Antônio descreveu-se como calado; e até que ponto isso queria dizer uma quietude da alma ou da vida, fica para cada um interpretar. Fato é que a mesma ambiguidade está presente nas suas obras. O artista plástico era um modernista destacado no Ceará e no Brasil, mas dizer só isso não é suficiente. A única maneira de defini-lo é dizendo que Antônio é Bandeira e vice-versa, começo e fim por si só. Afinal, ainda que as pinturas fossem abstratas, com o uso de cores e formas intensas, ele nomeava as obras e, assim, guiava o olhar do apreciador pelo vai e vem do pincel. Uma das telas mais conhecidas de Antônio é a Cidade queimada de sol (1959). Com predominância de um vermelho intenso, de fundo escuro, traços pretos e brancos desenham uma rede abstrata, preenchida em azul aqui e ali. Vista de primeira, é abstrata, pura sensação. Mas ao ser contextualizada pelo título, ela vira uma figura quase palpável do que é viver em uma cidade abençoada pela luz. Foi nela que Antônio nasceu: Fortaleza, em 26 de maio de 1922. Bem no finzinho da quadra chuvosa, quando os céus já nublam menos e os ventos vêm alertando para a primavera. Bandeira sempre declarou amor pelo sol fortalezense e a influência dele em suas pinturas. Adorava ir ao Mucuripe com cajus e cachaça na bolsa, para apreciar o mar e aproveitar a areia. No entanto, outro fogo transformou o artista. É o da Fundição Santa Isabel, onde o pai Sabino Bandeira e irmãos trabalhavam e, esperava-se, o pequeno Antônio trabalharia no futuro. Acontece que o carvão que alimentava a caldeira acabou virando combustível do talento para as artes. Rabiscava a calçada inteira, desagradando seu Sabino. Mais tarde, o carvão foi trocado por guache, depois aquarela, enfim tinta à óleo e o que mais viesse. “(A fundição) também é um pouco de mim. É minha infância. De forma que mesmo nunca tendo trabalhado na fundição sou um pouco operário dela.
Cresci vendo aquele fogo e a vontade de ferro que vocês tinham e têm para mantê-lo aceso”, escreveu à família em fragmentos de correspondências publicadas pelo O POVO em outubro de 1997. Seu Sabino logo percebeu que os rumos de Antônio seriam outros. Entregou-o às mãos confiáveis de Dona Mundica, uma conhecida professora de artes da década de 1930 em Fortaleza. Na Capital, Bandeira fez sucesso. Com apenas 19 anos, já fundava com outros artistas o Centro Cultural de Belas Artes (CCBA), no objetivo de mobilizar a cultura visual cearense. Dois anos mais tarde ela daria origem à Sociedade Cearense de Artes Plásticas (Scap). No CCBA, montou-se um espaço para exposições permanentes, onde Bandeira expôs pela primeira vez, no I Salão Cearense de Pintura. Na terceira edição, ele ganhou seu primeiro prêmio com a tela Cena de Botequim (1943). Depois, aos 23 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, como a maioria dos artistas faziam para impulsionar a carreira, apoiado por Jean-Pierre Chabloz, um amigo artista suíço. Demorou pouco para apresentar a sua primeira exposição individual, realizada no Instituto de Arquitetos do Brasil em 1945. As obras impressionaram a classe artística e o governo francês ofereceu a Antônio uma bolsa de estudos. Em abril de 1946, foi para Paris estudar na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts e a Académie de la Grande Chaumière. O contato com a vanguarda da época direcionou suas obras para o cubismo e o fauvismo, como é possível perceber em Mulher Sentada Lendo (1948). Mesmo assim, Bandeira não encaixava em nenhum dos padrões academicistas de arte, o espírito ambíguo pedia por mais. Ele era amigo dos artistas Alfred Otto Wolfgang Schulze (Wols) e Camille Bryen, com quem teria formado um grupo chamado Banbryols, entre 1949 e 1951, aí sim impulsionando a fase abstrata mais conhecida de Bandeira. Não existem registros dos trabalhos dessa época, por outro lado.
DIVULGAÇÃO
“Talvez gostasse de fazer quadros em circuitos, e que eles nunca terminassem e acredito que nunca terminarão mesmo”
Apesar de Bandeira dar declarações agradecendo a parceria e o apoio do alemão Wols, também chegou a reforçar que sua arte já era muito parecida à do colega quando tinha chegado a Paris, contrariando interpretações de que Wols era uma referência “superior”. Fato é que ele voltou ao Brasil em 1951. Primeiro ao Rio de Janeiro, onde montou ateliê com José Pedrosa e Milton Dacosta, e no ano seguinte, para Fortaleza, quando os gotejamentos e respingos de tinta foram incorporados às produções. O vai e vem migrante entre as cidades adicionou mais mensagem e cor às abstrações. Segundo Bandeira, sua obra deveria ser apreciada como um todo: “Nunca pinto quadros. Tento fazer pintura. Meu quadro é sempre uma sequência do quadro que já foi elaborado para o que está sendo feito no momento, indo esse juntar-se ao que vai nascer depois. Talvez gostasse de fazer quadros em circuitos, e que eles nunca terminassem e acredito que nunca terminarão mesmo.” Aliás, muitas estão expostas no Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc-UFC), sendo o primeiro artista a expor nas paredes do museu. Foi em 1961, com uma sequência de 33 quadros. O equipamento abriga 40 obras de Antônio nos acervos, sendo o melhor conjunto público do artista no País. Afinal, das milhares de produções do pintor, a maioria está espalhada no mundo em acervos particulares. Quando Antônio morreu, em 1967, a família leiloou duas mil telas do cearense, agora expostas privativamente em países como a Argentina e a África do Sul. Mas o Ceará continua o berço maior: à época do leilão, o Governo do Ceará comprou mais de mil obras, guardadas no Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.
PERFIL
BÁRBARA DE ALENCAR
A mãe do Ceará
REPRODUÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL
Bárbara de Alencar liderou manifestações, movimentos, mudanças, em um Cariri que lutou pela independência
CURIOSIDADE
Pela Lei 13.056 de 22 de Dezembro de 2014, Bárbara de Alencar teve o seu nome inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília
PERFIL
Nome: Bárbara Pereira de Alencar (Bárbara de Alencar) Nascimento e morte: 11 de fevereiro de 1760 — 18 de agosto de 1832 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Bom Jesus dos Aflitos de Exu (PE)
“Dona Bárbara sempre foi considerada a cabeça pensante. Ela tinha a política nas veias e, na articulação, era a referência do grupo” 48
Não há limites para uma mulher, mãe, revolucionária. Bárbara Pereira de Alencar foi a primeira presa política do Brasil e uma das pioneiras da revolução republicana. Nasceu em 11 de fevereiro de 1760, ficou viúva em 1809 e participou do front de uma luta armada em 1817. A independência de seus ideais e do Brasil nortearam o exercício de sua cidadania nordestina. Pernambucana, ela foi a heroína do Crato, no Cariri do Ceará. Viúva muito jovem, aos 49 anos, mãe de cinco filhos (quatro homens e uma mulher), protagonista da rotina da casa e do comércio da família, Bárbara foi uma matriarca da sociedade cearense, reconhecida também por ser beata e ter boa inserção na elite. Ela tocou por muitos anos os negócios da família e cuidou da fazendo Pau Seco, no Crato, onde mantinha um engenho de cachaça e rapadura. Sempre independente e protagonista, Bárbara fazia parte de uma família que tinha uma relação próxima com os membros do clero do Exu (PE), cidade natal de Bárbara. Clérigos formados no Seminário de Olinda, um caldeirão de ideias iluministas e libertárias. Foi lá que um dos filhos da matriarca da elite sertaneja do Cariri estudou. José Martiniano de Alencar foi quem trouxe para o Ceará a efervescência das críticas à coroa portuguesa. A proclamação da República no Recife, em 1816, a seca braba no Ceará e a disparada dos preços dos escravizados, acendeu a ideia de independência nos estados vizinhos. Um ano depois, o filho caçula de Bárbara, Martiniano, volta ao Crato para que a família Alencar lidere o movimento. Bárbara promovia em sua casa reuniões com revolucionários, investia dinheiro e logística, semeava adesões e providenciava a distribuição de panfletos informativos. Foi num domingo, durante a Festa de Santa Cruz, que o Cariri aderiu à revolução. Bárbara, aos 57 anos, liderou o povo em uma marcha até a Câmara Municipal do Crato. Ela ousou, em pleno século XIX, ter voz política de forma pública. “Dona Bárbara sempre foi considerada a cabeça pensante. Ela tinha a política nas veias e, na articulação, era a referência do grupo”, afirma o escritor Roberto Gaspar, autor de Bárbara de Alencar, a Guerreira do Brasil. E por causa disso, no dia 13 de junho de 1817, no Sítio Lambedor, que pertenceu ao seu avô, Bárbara é capturada, presa e acorrentada à cela de um cavalo. A presa política então foi levada do Crato para Fortaleza acorrentada, na tentativa de desmoralização da mulher, mãe, líder da revolução. Era a primeira vez na história brasileira que ocorreu a prisão de uma mulher pela sua atuação política. “Aqui gemeu longos dias D. Bárbara de Alencar, vítima em 1817, da tirania do Governador Sampaio” é a escrita tantas vezes fotografada e contada pelo O POVO durante esses 95 anos de compromisso com a história do Ceará.
Foi nessa masmorra, no antigo Forte de Nossa Senhora da Assunção, no Centro de Fortaleza, que Bárbara deu início à sua prisão, que duraria anos. As condições do cárcere eram das mais absurdas, ação especial dedicada aos presos políticos e ainda mais a uma presa política. Dieta à base de tripa de porco, intestino de boi e farinha seca, celas sem banheiro e feridas causadas pelas correntes era o cenário enfrentado pela matriarca de quase 60 anos. Na prisão, sofreu ainda mais após ser descoberta tentando subornar um guarda com um cordão de ouro. Ela tentava arranjar roupas para todos os prisioneiros. Bárbara é acorrentada à cela de um cavalo e, desta vez, levada para Pernambuco. Mais uma vez, há a tentativa de desmoralizá-la enquanto em sua condição de gênero, em sua maternidade, seu papel social e político. Ela é vestida apenas com uma saia e blusa brancas, típicas das escravas, e sofre denúncias de amasia (traição no casamento) e difamações. Antes de embarcar, porém, uma mulher negra lhe joga um xale para que se cubra, em uma forte demonstração do que seria hoje chamado de sororidade. O grupo de presos políticos do qual Bárbara fazia parte é condenado no Recife e levado a Salvador. Foi lá onde ela cumpriu quatro anos em cárcere. Em 1820, Dom João XI declara anistia para os presos políticos e o Cariri, mais uma vez, é o destino daquela heroína, que chega sem as posses de antes e envelhecida pelo tempo em sofrimento. Dois anos depois, o grito do Ipiranga traz a Independência. Bárbara e os Alencar iriam, mais uma vez, se envolver em causas revolucionárias e de liberdade. Em 1824, chega ao Ceará a Confederação do Equador, também iniciada em Pernambuco, sob forte reação do poder real. Bárbara, que oferece apoio e depois se refugia no Sítio Touro, no Piauí. A menina filha de um português proprietário de terras e escravos que chegou ao Ceará para estudar, desde sempre se mostrou diferente dos padrões impostos na época para as mulheres. Opiniosa, questionadora e letrada, Bárbara de Alencar morreu aos 72 anos na Fazenda Alecrim, no Piauí. Ela não conseguiu ver o filho Martiniano se tornar senador vitalício da República.
LIA DE PAULA / O POVO
PERFIL
BELCHIOR Coração Selvagem
Em outubro e novembro de 2016, o projeto Belchior Sete Zero promoveu a maior homenagem em vida à Belchior para celebrar a carreira musical comovente e transformadora, ao mesmo tempo interiorana e universal, do artista cearense. O POVO participou com o especial Belchior 70 anos de vida, um caderno recheado de memórias, entrevistas e análises da música e poética de Antônio Carlos Belchior. Infelizmente, seis meses depois, no dia 30 de abril de 2017, o sobralense morreu dormindo após o rompimento de um aneurisma. No portal do O POVO, a lembrança de que chovia em meio às muitas notas de pesar de políticos, jornalistas e associações. Fato é que a influência de Belchior é tanta que mal parece que ele não está mais por aqui. O Ceará ainda é pintado por suas descrições poéticas e a identidade cearense-latinoamericana segue musicalizada pela percussão do álbum “Alucinação” (1976). Mas fazendo jus à obra prima de Belchior, devemos contar como ele viveu. O artista era, antes de tudo, um intelectual. Quando criança, ele foi poeta repentista e estudante de piano; depois, estudou música, idiomas (ele sabia falar inglês, espanhol, italiano, francês e latim), filosofia e canto gregoriano no Colégio Sobralense. Em 1962, mudou-se para Fortaleza para estudar Filosofia no colégio Liceu do Ceará, que logo abandonou para ir ao mosteiro de Guaramiranga. Lá, ficou conhecido como frei Francisco Antônio de Sobral e era considerado hábil na escrita, no humor, além de ser muito cortês. Mas Belchior percebeu, após alguns anos, que lhe faltava vocação para a vida religiosa. Voltou para Fortaleza e tentou virar médico, cursando Medicina na Universidade Federal do Ceará (UFC). Persistiu por quatro anos até encontrar-
PERFIL
Nome: Antônio Carlos Belchior (Belchior) Nascimento e morte: 26 de outubro de 1946 —30 de abril de 2017 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Sobral (CE) Formação: Filósofo, cantor, compositor, músico, produtor, artista plástico e professor 50
-se na música em 1971, para a sorte do Brasil. Acabou integrando o grupo mais tarde conhecido como Pessoal do Ceará — artistas cearenses que estavam conquistando o País inteiro. Tudo desencadeou-se após Belchior ganhar primeiro lugar no IV Festival Universitário de Música Brasileira, em 1971, com a música Hora do Almoço. Na época, ele já morava no Rio de Janeiro e desenhava em suas composições a experiência de um nordestino migrando para o Sudeste. Ele também morou em São Paulo, onde realizou vários trabalhos solos e em parceria com o Pessoal do Ceará, conquistando as praças e as televisões. No entanto, a inserção na mídia passou a ficar mais difícil na medida que a ditadura militar se fortalecia — afinal, as letras de Belchior eram recheadas de criticidade à cena política e cultural brasileira. Isso não foi impeditivo para ele, nem para a classe artística brasileira, extremamente engajada contra a ditadura. Com um sucesso tremendo, o final da vida do cearense acabou marcado pelo mistério de um autoexílio. Em 2009, ele simplesmente desapareceu. Aos jornais, a família contou não ter notícias dele havia dois anos. Mais tarde, descobriu-se que ele vivia entre o Brasil e o Uruguai, tendo abandonado bens e a carreira num processo de reclusão total; especulou-se que por causa de dívidas, mas ele negou as notícias.
CURIOSIDADE
Belchior juntou os sobrenomes dos pais para criar o “maior nome da MPB”. Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes Belchior vivia fugindo de casa, principalmente para estudar ou ir ao mosteiro, ou ir a Fortaleza
PERFIL
CACIQUE PEQUENA Revolucionando tradições
Ela se viu líder de um dia para o outro e desde então só lutou e conquistou para o povo indígena Jenipapo-Kanindé
CURIOSIDADE
Cacique Pequena tem 16 filhos, 38 netos e 54 bisnetos. Duas filhas dela também são caciques do povo Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz
PERFIL
Nome: Maria de Lourdes da Conceição Alves (Cacique Pequena) Nascimento: 25 de março de 1945 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Riacho Saco do Marinho Aquiraz (CE) Formação: Cacique dos povos indígenas Jenipapo-Kanindé, Mestre da Cultura do Ceará
52
Em 1995, Maria de Lourdes da Conceição Alves foi escolhida para ser cacique da tribo jenipapo-kanindé. A missão: juntar e cuidar da aldeia, enfrentar posseiros, lutar pela terra e ser mãe e avó. Cacique Pequena (apelido dado pelo pai) é a primeira líder indígena mulher do Ceará e da América Latina. O gênero foi sim um diferencial, para as dificuldades, para a discriminação, para provar que a cacicagem é também protagonismo feminino. A cacique é ainda mestre da Cultura do Ceará. Nas Páginas Azuis do O POVO, em março de 2017, a ”lídera” falou sobre a infância, a época em que a aldeia não se misturava com quem não fosse indígena, e quando o alimento era peixe e beiju. Aos 16 anos, casou-se e com o passar dos anos se tornou mãe de 16 filhos. Quando criança, não estudou como queria e para o objetivo que sempre quis: entender documentos, saber ler as leis e explicá-las para quem quisesse ouvir. A luta de Pequena já havia começado muito antes de se tornar cacique. No dia 15 de junho de 2006, ela disse ao O POVO que a peleja teve início “ainda na década de 1980, quando soube que íamos ter de sair de nossas terras porque não nos consideravam índios”. Na mesma entrevista, reconheceu a importância da ajuda de dom Aloísio Lorscheide nas conquistas que o povo Jenipapo-Kariré encabeçadas por sua cacique. Esse é o grande legado de Pequena: adquirir direitos aos povos originários do Brasil, mas especificamente os do Ceará. Fosse para conseguir reconhecimento étnico-racial, de demarcação de terras, implementação de equipamentos públicos e prestação de serviços básicos. Gênero também sempre foi parte das batalhas que a indígena resolvia travar, principalmente do lado de fora da aldeia. “Mesmo tendo a mesma formação, com ensino médio e outros cursos, a indígena sofre preconceito no mercado de trabalho. É mais difícil pra ela conseguir emprego”, disse ao O POVO durante encontro de mulheres indígenas, em 2006. Da infância, as lembranças da mulher que foi apelidada de “Pequena” carinhosamente pelo pai são de trabalho e liderança. Era junto da mãe que, mesmo bem criança, pescava, pegava caranguejo, fazia lastro de feijão, tirava murici, castanha e espinho, e com isso conseguia sobreviver por si, sem a ajuda de ninguém. Pequena lembra que esse tempo também era de ficar “deitado no terreiro, fazia uma fogueira fora de casa e passando horas e horas vendo a lua clareando”. Mas a missão indígena dos tempos atuais é outra e Pequena sempre soube. Andar pelo Brasil em busca de contatos e ações que levassem mais direitos ao povo indígena do Ceará também sempre fez parte
da atuação da cacique. Ela recebeu o cargo no dia 6 de março de 1995 e menos de uma semana depois já estava indo à Brasília, para aprovar o Estatuto do Ìndio. Quando Pequena recebeu a tarefa de ser cacique e de juntar o povo Jenipapo-Kanindé, meio que por “livre e espontânea pressão” dos integrantes da comunidade, a indígena adiantou que, caso não tivesse sucesso como “lídera”, a culpa teria de ser atribuída a todos que a escolheram. Mas ao contrário do que ela mesma imaginava, durante sua cacicagem a aldeia recebeu água potável, escola, posto de saúde… Pequena lançou o CD “Beleza de Vida”, no anfiteatro do Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza, em 3 de julho de 2016, com canções autorais que enfatizam a ligação do povo indígena com a natureza e os ancestrais. Tantas manchetes, entrevistas, fotos que mostram a força e a luta dos povos indígenas foram destaque na vida da cacique Pequena. Muitos momentos registrados nas páginas do jornal, fossem na editoria de Cotidiano, Política, Cultura… Em março de 2021, ela foi a única brasileira a fazer parte do “First of Many: Women’s History Month 2021”, como uma das mulheres inovadoras que lutaram para conquistar seu espaço no cenário mundial. A cacique que foi reconhecida internacionalmente por sua atuação como mulher, indígena, lutadora, líder, mãe, avó, hoje divide a cacicagem com duas de suas filhas, cacique Irê e cacique Jurema. Sua ancestralidade a levou a fazer tanto pelos povos originários do Brasil.
FCO FONTENELE / O POVO
“Mesmo tendo a mesma formação, com ensino médio e outros cursos, a índigena sofre preconceito no mercado de trabalho”
PERFIL
FCO FONTENELE / O POVO
CAMILO SANTANA Pontes para o diálogo
CURIOSIDADE
Em 2018, Camilo foi reeleito com 79,96% dos votos, tornando-se o governador do Ceará mais votado da história
Apenas uma década antes de se tornar governador do Estado, o engenheiro agrônomo Camilo Sobreira de Santana, 55, concorria à Prefeitura de Barbalha pela segunda vez. Não se elegeu, mas terminou a disputa com quase dez mil votos, atrás apenas do primeiro colocado. Na peleja anterior, no ano de 2000, também de olho no Executivo da cidade caririense, havia se saído bem abaixo desse patamar: pouco mais de dois mil votos e um modesto 4º lugar. Essa maré, no entanto, estava por virar rapidamente. Em dez anos, Camilo foi de aspirante a prefeito de um município interiorano, hoje com 75 mil habitantes, a chefe de um estado com 8,7 milhões de pessoas, segundo dados mais recentes do Censo. Nesse intervalo, ajudou a coordenar a campanha do então candidato ao Governo Cid Gomes, de quem se tornaria secretário no ano seguinte. Primeiro do Desenvolvimento Agrário, depois de Cidades, pasta da qual sairia apenas para postular uma cadeira na Assembleia Legislativa (Alece). Era 2010, e Camilo seria o deputado estadual mais votado do Ceará, com 131.171 votos. Daí em diante, não perdeu mais um pleito: eleito ao Abolição quatro anos depois, com 2.417.668 votos, e reeleito em 2018, com 3.457.556 votos. A última passagem do petista pelas urnas foi em 2022, quando arrebatou 3.389.513 de sufrágios dos cearenses para o Senado, número mais de mil vezes maior do que o obtido quando tentou ocupar a cadeira de gestor de Barbalha. Um dos quatro filhos do casal Ermengarda Maria de Amorim Sobreira e Eudoro Santana, Camilo nasceu no Crato em 1968. De lá, fe-
PERFIL
Nome: Camilo Sobreira de Santana Nascimento: 3 de junho de 1968 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Crato (CE) Formação: Engenheiro agrônomo, professor e político brasileiro 54
z-se engenheiro agrônomo na UFC, onde também cursou mestrado. A vocação política, contudo, falou mais alto, já que o pai fora deputado estadual e a mãe, vice-prefeita. Dos irmãos, era o único que tinha pendor para a vida pública, como ele mesmo contou em entrevista ao O POVO. Escolhido candidato a sucessor por Cid, aconselhou-se com Eudoro antes de aceitar. Assumiu o mandato, já em 2015, pregando continuidade. Sobre o Acquário Ceará, por exemplo, disse em conversa com O POVO, ainda na condição de candidato: “O Acquário tem de ser entendido como um complexo educacional, científico, cultural e tecnológico. A sociedade se beneficiará e se enriquecerá em termos de aquisição de capitais: cultural, intelectual e social”. Uma vez responsável pelo Governo, porém, tratou de garantir que o contribuinte não veria mais ter seu dinheiro afundando no equipamento. O episódio ilustra uma das marcas do primeiro governo “camilista”: a continuidade moderada em relação a Cid. De pupilo do hoje senador, Camilo se empenharia em construir uma imagem própria a partir da reeleição, em 2018. No curso do segundo mandato, passou por testes de fogo. O primeiro foi a onda de ataques de facções, em janeiro de 2019. Na sequência, em 2020, deu-se início ao motim dos policiais militares, que foi de fevereiro até março. O último teste do gestor cearense foi a pandemia de covid-19, cujos desdobramentos sanitários se agravaram diante do negacionismo e da imperícia gerencial do governo de Jair Bolsonaro (PL) para lidar com a saúde do povo brasileiro. Do ponto de vista estritamente político, no entanto, Camilo, já fora do governo, precisou lidar com um impasse: o apoio à eleição de Lula à Presidência, posição que acabaria por contrariar o agora ex-aliado Ciro Gomes, causando um racha decisivo para as eleições de 2022 e para o futuro do próprio Camilo, hoje ministro da Educação.
ENTREVISTA
EDIMAR SOARES / O POVO
CARLILE LAVOR O maior sanitarista vivo do Brasil
Com papel importante na saúde nacional, o cearense Antônio Carlile Holanda Lavor, mais conhecido como Carlile Lavor, foi um dos idealizadores do programa de agentes comunitários de saúde no Ceará, que anos depois foi encampado pelo Ministério da Saúde, dando origem ao Programa Saúde da Família (PSF). Nascido em Jucás, interior cearense, atuou por duas vezes como secretário da Saúde estadual, foi prefeito em sua terra natal, implantou o programa de agentes da saúde em Angola e apoiou a criação da Fiocruz no Ceará, instituição onde atua até hoje. Sua relação com O POVO é bem antiga e ele fala com orgulho que ler o jornal é a sua primeira atividade do dia. Confira entrevista.
CURIOSIDADE
Em entrevista exclusiva para as Páginas Azuis do O POVO, em 2015, defendia que a premissa do Sistema Único de Saúde (SUS) é o cuidado básico da população e que o atendimento deveria ser o de melhor qualidade
O POVO - Por que decidiu cursar Medicina? Carlile Lavor- Meu pai era a pessoa que cuidava da saúde, era farmacêutico prático, já tinha aprendido com meu tio, de quem herdou a farmácia. Ele fazia partos complicados, quando as parteiras não conseguiam resolver. Eu, naturalmente, vivi nesta área da saúde e foi então que decidi fazer o curso de Medicina aqui no Ceará. Vi que em Fortaleza as coisas eram bem diferentes de Jucás em relação aos hospitais, equipamentos, laboratórios, raio-x e centro cirúrgico. Minha ideia era ajudar em Jucás, onde não tinha nada disso. Fui bolsista no Instituto de Medicina Preventiva e tive a possibilidade de conhecer muitos países que reduziram muito as suas doenças graças ao trabalho de prevenção e isso foi realmente me atraindo para essa linha de atividade médica. O POVO - Conte como surgiu a oportunidade de estar à frente da Fiocruz no Ceará. E nesse tempo quais os maiores desafios e as maiores conquistas? Carlile - Eu tinha acabado de chegar de um trabalho na África, de um ano, onde eu fui exatamente fazer um trabalho semelhante ao que a gente tinha feito aqui no Ceará que era a criação dos agentes comuni-
PERFIL
Nome: Antonio Carlile Holanda Lavor (Carlile Lavor) Nascimento: 23 de agosto de 1940 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Jucás (CE) Formação: Medicina na Universidade Federal do Ceará (UFC) com dedicação maior ao Instituto de Medicina Preventiva (IMEP) e ao Laboratório de Microbiologia e Imunologia 56
tários de saúde. Quando voltei ao Ceará, recebi o convite para coordenar a implantação da Fiocruz no Ceará. Hoje é uma bela construção, de alto nível, com muitos pesquisadores, muitos estudantes formados, mais de 250 mestres em todo o Nordeste e alguns doutores. Criamos um modelo de uma rede nacional para formação de mestres em saúde da família. O POVO - Qual legado acredita que construiu para o setor da saúde do Ceará? Carlile - Minha contribuição foi nesse sentido do que se chama hoje, internacionalmente, de atenção primária. Temos hoje a Medicina cada vez mais tecnológica, realmente com maior capacidade de resolução e muito cara, e tem toda uma linha médica e de saúde dirigida para chamar de atenção primária que é como aproveitar os conhecimentos para a prevenção e para o tratamento inicial das doenças. Muita coisa se pode resolver fácil, como a diabete, a hipertensão, embora seja necessário o cuidado para o resto da vida. Mas, se você não cuida, vem rapidamente algumas gravidades como as reações renais, tendo que fazer transplante ou a cegueira ou no caso de uma hipertensão os problemas cardíacos e os tratamentos são muito caros. Se não caminharmos nessa linha da saúde primária teremos hospitais muito lotados. O POVO - Qual sua relação com o Grupo de Comunicação O POVO? Carlile - O POVO é o jornal que eu leio todo dia. É minha primeira atividade da manhã. Minha relação é de muito carinho e interesse porque vejo a importância que tem O POVO dentro da comunicação e dentro do desenvolvimento da sociedade cearense.
CONTEÚDO CUSTOMIZADO
PARCERIA PELA SAÚDE E PELA COMUNICAÇÃO Um jornal à frente do seu tempo. É assim que O POVO completa 95 anos, sendo reconhecido por todo seu trabalho em prol do direito à informação. Conhecido por ser cada vez mais moderno, atual e antenado, o Jornal O POVO revolucionou a comunicação cearense e esteve presente nos maiores momentos da história do Ceará, do Brasil e do mundo. O Sindicato dos Médicos do Ceará mantém uma relação de profundo respeito e admiração por este grande veículo de comunicação. Afinal, em 81 anos de nossa entidade, estivemos muito ligados ao O POVO que sempre foi aberto a ouvir e receber as demandas dos profissionais de saúde do nosso Estado. Essas duas grandes instituições cearenses andam juntas, dialogam diariamente
58
e têm muito em comum: ambas são pautadas pelo respeito, pelo profissionalismo, inovação e protagonismo de estar à frente dos interesses da sociedade. Sempre tivemos um espaço aberto no Jornal que não mede esforços para lutar pelos médicos e médicas do Ceará, que diariamente enfrentam os desafios da profissão. O POVO sempre deu voz à veracidade, com um jornalismo pautado no compromisso com o povo. E este é um princípio que também está no DNA do Sindicato. Nossa atuação carrega um trabalho sério, árduo, que transforma nossa sociedade e luta por uma categoria tão essencial ao nosso povo. Parabenizamos a toda a equipe pelo trabalho de referência e desejamos que este importante veículo de comunicação seja cada dia mais porta-voz de notícias boas aos cearenses. Rumo ao centenário!
“O Sindicato dos Médicos do Ceará mantém uma relação de profundo respeito e admiração por este grande veículo de comunicação”
Jornal O Povo, há 95 anos fazendo parte da história da saúde cearense. Uma homenagem do Sindicato dos Médicos do Ceará.
REPRODUÇÃO ACERVO PESSOAL
PERFIL
CASIMIRO MONTENEGRO FILHO
Uma vida em prol da aviação Nascido na capital cearense, em 1904, Casimiro Montenegro Filho, ao longo de sua carreira militar, conseguiu muitos feitos, dentre estes, a criação do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (CTA), instituições que foram o embrião da Embraer. Foi pioneiro do Correio Aéreo Militar (CAM), patrono da Área de Engenharia da FAB, da Academia Nacional de Engenharia e do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica (Incaer). Filho de Casimiro Ribeiro Brasil Montenegro e de Maria Emília Pio Brasil, Casimiro começou os primeiros estudos em Fortaleza, mas quando tinha 19 anos, contrariando o pai, mudou-se para o Rio de Janeiro para se tornar militar. Em 1928, é declarado aspirante a oficial do Exército. Para essa passagem contou com a ajuda do seu irmão mais velho, Alfredo. Casimiro realizou o primeiro voo do Correio Aéreo Militar (CAM), transformado, mais tarde, no Correio Aéreo Nacional em 12 de junho de 1931. A viagem ocorreu entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Ao longo da vida, abriu novas rotas aéreas tanto para o Sul, como para o Nordeste brasileiro. Quando alcançou a patente de major do Exército, frequentou a primeira turma do curso de Engenharia Aeronáutica na antiga Escola Técnica do Exército, atual Instituto Militar de Engenharia (IME). A graduação aconteceu em dezembro de 1941. Neste mesmo ano, migrou para a Força Aérea Brasileira (FAB), no intuito de participar da criação do Ministério da Aeronáutica. Dois anos depois, já como tenente-coronel, o cearense realizou visitas ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, sendo que das suas análises e pesquisas, iniciou a intenção da criação de uma instituição similar no Brasil. O objetivo era desenvolver profissionais de alto nível e tecnologia aeronáutica.
PERFIL
Nome: Casimiro Montenegro Filho Nascimento e morte: 29 de outubro de 1904 26 de fevereiro de 2000 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Instituto Militar de Engenharia 60
Com o auxílio do professor e chefe do Departamento de Engenharia Aeronáutica do MIT da época, Richard Harbert Smith, foram criadas as diretrizes desta nova instituição. Mas ainda era pouco, e seu maior sonho ainda estava por se realizar. Ainda na década de 1940, envolveu-se, direta e indiretamente, na construção do Centro Técnico de Aeronáutica (CTA), onde implantou as bases para o ensino e pesquisa de engenharia voltada à aviação; e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), referência para profissionais da aviação até hoje. Ambos se tornaram realidade no início da década de 1950, no município de São José dos Campos, interior de São Paulo. Ao longo da vida, recebeu muitos prêmios e homenagens, a exemplo do título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Campinas, em 1975. Também recebeu, seis anos depois, o Prêmio Anísio Teixeira em sua primeira edição. Esse prêmio foi criado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para agraciar personalidades que contribuíram para o desenvolvimento da educação no Brasil. Até os 95 anos, Casimiro contribuiu ativamente para melhorias da aviação brasileira. Ele faleceu em 26 de fevereiro de 2000, em Petrópolis, no Rio de Janeiro.
CURIOSIDADE
A matéria do O POVO de 1931 destaca uma palestra dada pelo tenente Casimiro Montenegro Filho, que na ocasião contou fatos, ainda desconhecidos da imprensa, sobre a participação da mocidade revolucionária da Escola de Aviação em Minas Gerais
MARCOS STUDART / O POVO
PERFIL
CHICO ALBUQUERQUE O start da fotopublicidade
CURIOSIDADE
Chico Albuquerque aprendeu composição de imagem com o diretor Orson Welles, em 1942
Com tantas publicidades consumidas, consciente ou inconscientemente, chega a ser difícil perceber que há fundo de Ceará em todas elas. Acontece que foi Chico Albuquerque, nascido em Fortaleza, o primeiro do Brasil a fazer fotopublicidades — até então, todas eram ilustradas. Ele tinha 31 anos quando produziu uma campanha publicitária para a marca Johnson & Johnson, assinada pela agência J.W. Thompson, na qual fotografou modelo e produto juntos. O pioneirismo veio por talento, sim, mas também por uma visão atenta aos potenciais do mercado. Muitos outros colegas de Chico já tinham negado a oferta, por não quererem ser dirigidos por um diretor de arte. Albuquerque olhou por outro ângulo: “Eu não entendo nada de publicidade, vocês não entendem nada de fotografia. Então, vamos nos auxiliar. Eu faço o que vocês querem e vice-versa”, propôs. A lembrança foi compartilhada ao O POVO em julho de 1996. Pronto. Foi o necessário para fazer história. Desde então, fotografou para todo tipo de produto, mas principalmente na indústria automobilística (com carros posicionados como astros de cinema, cercados de muitos holofotes) e na de alimentos, onde desenvolveu vários macetes científicos para deixar a comida com aquela cara apetitosa que só campanha publicitária tem. A habilidade com a câmera fotográfica é de família. O pai, Ademar Bezerra de Albuquerque, era cinegrafista e recebeu uma proposta do governo de filmar as obras da Inspetoria Federal Contra as Secas. Ele sugeriu que o filho fizesse o trabalho no lugar dele, mas o Chico de 16 anos precisaria
PERFIL
Nome: Francisco Afonso de Albuquerque (Chico Albuquerque) Nascimento e morte: 25 de abril de 1917 — 26 de dezembro de 2000 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Fotógrafo
treinar antes com a máquina de cinema, à manivela. O trabalho foi bom e daí o menino não parou mais. Começou atuando profissionalmente com retratos no estúdio da família, em Fortaleza. Em 1945, após participar como fotógrafo still do filme “It’s All True”, de Orson Welles, muda-se para São Paulo e associa-se ao Foto Cine Clube Bandeirantes. Continuou como retratista requisitado, tirando fotos de personalidades como Jânio Quadros, Juscelino Kubitschek, Lina Bo Bardi, Luiz Gonzaga e Lygia Fagundes Telles. Mas a sua obra mais querida não é um retrato, muito menos a foto de algum carro a vender. É a série fotográfica Mucuripe, na qual Chico captura a imersão homem-natureza dos jangadeiros. O carinho pela produção foi declarado à então repórter do O POVO, Ethel de Paula: “Acho que é um documento de muito valor. Não pelo mérito da fotografia, mas porque registra uma coisa que ninguém vai mais poder fotografar: é a jangada de piúba, com aqueles homens vestidos com aquelas fazendas tingidas por casca de cajueiro, aquelas fazendas marrons, aqueles chapéus brancos... O trabalho deles construindo a jangada, a vida deles, os barzinhos, eles jogando, eles vendendo peixe…” O apanhado das obras de Chico, às vezes díspares em tema e intenção, consegue capturar a visão do cearense: a de um homem moderno e fascinado pela alma das coisas. 61
PERFIL
CHICO ANYSIO O mestre do riso
Marcando gerações com a Escolinha do Professor Raimundo, o ator e comediante viveu entre criticar e ser criticado
“A consciência crítica do espectador é que vai decidir o que é ou não preconceito” 62
FCO FONTENELE / O POVO
Os sete anos na serra de Maranguape é que foram infância de verdade para o ator e comediante Chico Anysio. Lá, a vida era simples, sem preocupações. Maranguape, onde nasceu em 1931 — apesar de a identidade dizer 1929 —, era definitivamente lar. Já o Rio de Janeiro, para onde se mudou com a família aos oito anos de idade após a falência do pai em decorrência de um incêndio na frota de ônibus do qual era dono, foi uma circunstância. Para o Chico criança, o Rio foi a infância de mentira, difícil, pelo dinheiro contado. Para o Chico jovem, foi a terra da oportunidade de emprego e vida na arte. Para o Chico adulto, foi o local onde moravam cinco dos sete filhos. Não fossem eles ou o contrato com a Rede Globo, Anysio ocuparia-se em uma rede branca admirando a serra cearense. Ao O POVO, em 1969, disse que pensava em “trocar a arte pelo artifício”: virar industrial, voltar para o Ceará e focar na indústria cearense, que já recebia investimentos do ator. À época, ele estava há 25 anos na ativa, nem metade dos 64 anos como ator e humorista. Tudo começou por acaso, com a ajuda providencial de um tênis. Desde os 14 anos, Chico participava de muitos programas de calouros e ganhava todos, entre eles Papel Carbono, comandado por Renato Murce na TV Rio. Foi quando conquistou o primeiro dinheiro fruto do humor, 300 cruzeiros. Mas chegou ao ponto de que ninguém aceitava mais a participação do garoto de cerca de 17 anos. Então, o sempre apaixonado por futebol decidiu jogar no campo do Fluminense: “Um dia eu ia jogar futebol no campo do Fluminense e quando eu cheguei na esquina disseram que o jogo seria em outro campo. Então, eu fui buscar o tênis em casa, porque esse outro campo era de terra”, recorda em última entrevista ao O POVO, no ano de 2008. Ao chegar em casa, viu o irmão saindo para fazer um teste na Rádio Guanabara, atual Bandeirantes do Rio de Janeiro. Decidiu ir junto e passou nos dois testes, um deles para locutor, no qual ficou em segundo lugar. O primeiro ficou com Silvio Santos, futuro apresentador de televisão. Na rádio, Chico atuou como locutor, rádio-ator e comentarista de futebol. Apesar do humor por vezes intelectual — como era bem perceptível no programa Estado Anysio, que precisou até ser reformulado para começar a abordar assuntos complexos demais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) —, Anysio nunca gostou muito do modelo padrão da escola. Em 1967, a mãe de Chico, Haydeé Vianna de Oliveira Paula, contou ao O POVO que o rapaz aprendeu a ler sozinho, meio que do nada. Sempre preferiu ler o que queria, sem a obrigação dos paradidáticos escolares. Quando matriculado no Liceu Francês, no Rio, disse à mãe: “Esses professores são uns bobalhões.” Também por isso desistiu de cursar Direito, curso para o qual estudou e passou no vestibular. A relação de nariz torcido com a escola chega a ser cômica ao considerar que um dos seus personagens mais famosos seja um professor, da Escolinha do Professor Raimundo. Contando com ele, foram mais de 270 personagens criados por Chico Anysio, a maioria dentro da Globo. Mesmo muito grato à Globo, para onde pediu para enviar parte das cinzas de seu corpo cremado após a morte em 2012, o ator desejava e muito desfazer o contrato com a empresa. Após o afastamento do executivo da Globo, Boni, em 1997, Chico sentiu a perda de espaço na emissora. Também achava difícil desenvolver na íntegra as ideias para novos quadros e programas, via-se subaproveitado. Seja por estar envelhecendo, seja por não satisfazer a visão de humor que os novos diretores tinham para o público.
Sempre foi muito transparente sobre o descontentamento: “Eu não rompo o contrato com a Globo, porque a multa do contrato é de R$ 5 milhões. Se eu tivesse cinco milhões, eu não estaria mais na Globo. Quando eles me deram a renovação, eu até achei que esse desvio ia acabar, eu ia voltar a correr na linha férrea normal, mas não, era só pra eu não ir pra outro.” Aliás, muito se falava que o gradual afastamento de Chico da telinha era pelo excesso de estereótipos nas personagens da Escolinha, correndo o risco de serem preconceituosos com minorias sociais. Confrontado em entrevista de Lira Neto e Rocha M. Filho, em 1992, Chico defendeu o quadro afirmando que “o riso nasce do excesso”. “A consciência crítica do espectador é quem vai decidir o que é ou não preconceito.” E mais: Chico nunca se interessou por ser da política. Gostava de discutir a política que afetava as classes C, D e E, mas nunca participava dela. Em meados dos anos 1960 houve boatos de um convite do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) para candidatura do humorista como deputado federal. Quando foi perguntado pela primeira vez sobre isso, riu e sugeriu esperar primeiro o convite para saber a reação dele. Mas nos anos 1990 ele confessou que até cogitou mesmo a possibilidade de concorrer. “Uma pesquisa me garantiu a eleição e eu ainda faria mais seis deputados. Seria eleito pela colônia nordestina de São Paulo. O nordestino é um discriminado, tanto quanto o negro”, comentou. No entanto, mudou de ideia ao ponderar que, ou seria um bobo da Câmara, por não ter “jeito de ladrão”, ou seria o chato que levaria tudo a sério e com firmeza. “A minha (área) é fazer crítica a eles.” A propósito, críticas que viveu na pele pessoalmente durante o casamento com Zélia Cardoso de Mello, ex-ministra da Economia do governo Collor. Ela esteve envolvida em denúncias de corrupção, às quais Chico afirmava serem acusações fortalecidas pelos jornais, que não gostavam dela. Fora a carreira marcante e a vida pessoal muito privada, o humorista conviveu com vários problemas de saúde. Entre eles, a depressão — da qual falou abertamente, no intuito de combater o tabu em torno da psiquiatria. Também foi mordaz ao abordar o fumo como o verdadeiro demônio da sua vida. Para a depressão, dizia, bastava tomar remédio e ir ao psiquiatra. Mas o vício no cigarro o tinha prejudicado para sempre. A partir de 2010, foi internado diversas vezes. A última foi em fevereiro de 2012, por uma infecção pulmonar. Chico Anysio morreu em 23 de março de 2012, com 80 anos, por falência múltipla de órgãos.
CURIOSIDADE
Chico Anysio almejava ser um ator e humorista como o britânico Peter Sellers
PERFIL
Nome: Francisco Anísio de Oliveira Paula Filho (Chico Anysio) Nascimento e morte: 12 de abril de 1931 – 23 de março de 2012 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Maranguape (CE) Formação: Ator e humorista
FÁBIO LIMA / O POVO
PERFIL
CID GOMES A engenharia política do Ceará
CURIOSIDADE
Casado com Maria Célia Habib Moura Ferreira Gomes, é pai de três meninos: Rodrigo Dias Ferreira Gomes, Matheus Habib Ferreira Gomes e Pedro Gomes
Engenheiro civil por formação, Cid Ferreira Gomes, 60, elegeu-se governador pela primeira vez em 2006, derrotando o então candidato à reeleição Lúcio Alcântara, filiado ao PSDB, partido do qual Cid havia sido aliado. Quatro anos depois, renovou mandato no Abolição sem dificuldades, numa aliança com o PT local, sob influência da prefeita de Fortaleza à época, Luizianne Lins, a quem ele apoiara na disputa pelo Paço. Em 2012, assim como já tinha feito com o PSDB e Tasso, Cid romperia com Luizianne, apresentando um nome à sucessão da petista: Roberto Cláudio, eleito prefeito naquele pleito. Dois anos mais tarde, lançou uma cartada inusitada no tabuleiro político do Ceará. Em vez de sacar o nome do Pros ao comando do Executivo estadual, escolheu Camilo Santana (PT) como postulante. Cid foi bem-sucedido em praticamente todos os seus movimentos políticos e eleitorais. No Ceará, poucos fazem articulação e uma leitura acurada do cenário tão bem quanto ele, hoje senador da República, mas ainda às voltas com o quadro local. Nascido em Sobral, Cid é filho de um político e uma professora: José Euclides Ferreira Gomes Júnior, ex-prefeito da cidade, e Maria José Santos Ferreira Gomes. Divide o sobrenome e o mesmo sangue com Ciro, Ivo, Lúcio e Lia – dos quatro, apenas Lúcio nunca deteve mandato, mas exerce função pública. Ivo é ex-deputado estadual e prefeito do mesmo município cuja gestão já coube ao pai e também a Cid. Ciro é
PERFIL
Nome: Cid Ferreira Gomes (Cid Gomes) Nascimento: 27 de abril de 1963 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Sobral (CE) Formação: Engenheiro civil e político brasileiro 64
ex-prefeito de Fortaleza, ex-governador do Estado, ex-ministro e ex-candidato à Presidência por quatro vezes. Lia é deputada estadual. Dos irmãos, fontes relatam que Cid é o mais sereno e pragmático. Faz política como quem joga xadrez: atento aos interesses dos adversários e antecipando movimentos. Em sequência, foi deputado estadual, presidente da Assembleia Legislativa, prefeito e governador, num período que vai de 1990 até 2004, quando concluiu o segundo mandato em Sobral, e recomeça em 2006, primeiro ano de gestão do Governo do Estado. Segue-se então o exercício no Executivo estadual, que se encerra em 2014. Na eleição de 2016, ajuda a reeleger Roberto Cláudio e, quatro anos à frente, José Sarto (PDT). Durante toda essa trajetória, Cid conseguiu manter a unidade do bloco cuja direção se dava nacionalmente pela liderança de Ciro e no âmbito local pela do próprio Cid. Isso tudo muda em 2022, ano da divisão no grupo e, por extensão, na família Ferreira Gomes. De um lado, Cid e Ivo se alinharam a Camilo e Izolda Cela em torno de Elmano de Freitas (PT) para o Governo. Do outro, Ciro manteve apoio a Roberto Cláudio. Novamente, Cid saiu-se melhor nessa queda de braço, ainda que não tenha feito campanha abertamente por Elmano, limitando-se a pedir votos para Camilo ao Senado e Ciro ao Planalto.
FCO FONTENELE / O POVO
PERFIL
As muitas vidas de CIRO GOMES
CURIOSIDADE
Como ministro da Fazenda, uma das principais medidas de Ciro foi a redução da tarifa de importação de 445 produtos, além de ser responsável pelo primeiro grande ajuste no Plano Real
Ciro Ferreira Gomes, 66, é certamente uma das personagens mais impetuosas da política cearense. Foi deputado estadual aos 26 anos, prefeito aos 32, governador aos 33 e ministro da Fazenda aos 37. Como parlamentar, foi líder do governo Tasso Jereissati na Assembleia Legislativa do Ceará, papel no qual ganhou projeção para além da esfera mais restrita. De lá, por exemplo, saiu para concorrer à Prefeitura de Fortaleza e, pouco mais de um ano depois, à sucessão do “padrinho” – Tasso havia aberto portas para o pupilo. Aos 41 anos, em 1998, Ciro disputava sua primeira eleição presidencial, logrando um terceiro lugar, com 7.426.190 de votos ou 10,97% do total. Naquele ano, Fernando Henrique Cardoso foi eleito para o Planalto com 53,06% dos votos, numa coligação que agrupava PSDB, PFL, PPB, PTB e PSD. Ciro voltaria à carga quatro anos depois, ampliando sua votação para 10.170.882 de sufrágios ou 11,97%, mas perdendo uma posição no quadro geral em relação à corrida anterior e ficando em 4º lugar. Em 2003, com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência, Ciro foi alçado novamente ao posto de ministro, agora da Integração Nacional, função na qual permaneceu por três anos, até 2006. Depois disso, concorreu a uma vaga na Câmara Federal, tornando-se deputado de um mandato. Só tornaria a postular a cadeira de chefe do Executivo nacional em 2018, quando obte-
PERFIL
Nome: Ciro Ferreira Gomes (Ciro Gomes) Nascimento: 6 de novembro de 1957 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Pindamonhangaba (SP) Formação: Advogado, professor universitário e político brasileiro
66
ve seu melhor desempenho. Nesse intervalo, Ciro, nascido em São Paulo, mas cearense de criação, esteve à frente da Secretaria da Saúde do Ceará entre 2013 e 2015, ou seja, no final do governo do irmão Cid Gomes e início da gestão de Camilo Santana (PT) no Abolição. Após deixar a pasta, passou ao comando da Transnordestina e, em seguida, à direção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Essa fase se conclui em 2016. A partir daí, Ciro começa a pavimentar o caminho para a disputa de 2018, uma das mais importantes desde a redemocratização no Brasil – a primeira desde o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e da ascensão de Michel Temer (MDB). Sem Lula no páreo – o petista havia sido preso no âmbito da Operação Lava Jato –, Ciro, então no PDT, correu para consolidar o seu mais notável desempenho em pleitos: 13.344.366 de votos ou 12,47%. Fernando Haddad (PT), que foi ao segundo turno contra Jair Bolsonaro, que teve maioria, havia conseguido 29,28% dos votos. Ciro ainda investiria em mais uma tentativa de chegar ao Planalto. Em 2022, porém, ficou abaixo do patamar que tinha mantido nas últimas décadas. O pedetista terminaria com 3.599.287 de votos ou 3,04%, em 4º lugar, atrás da novata em disputa, Simone Tebet (MDB). Os reveses políticos, contudo, constituem apenas um dos pontos da biografia de Ciro, cuja família fixou morada no Ceará quando ele tinha apenas quatro anos. Filho de José Euclides Ferreira Gomes Júnior, ex-prefeito de Sobral, e da professora Maria José Santos Ferreira Gomes, o mais velho dos irmãos Ferreira Gomes estudou Direito na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi casado com Patrícia Saboya, ex-senadora e hoje conselheira do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e com a atriz Patrícia Pillar. Hoje, está casado com a jornalista Giselle Bezerra.
PERFIL
CLÁUDIO FERREIRA LIMA O pilar do desenvolvimento regional O economista apaixonado por História fez dos números material para desenhar o desenvolvimento regional
CURIOSIDADE
Para O POVO, o economista Cláudio Ferreira Lima concedeu, em 2008, entrevista exclusiva para o jornalista Jocélio Leal para as Páginas Azuis. Entre os temas tratados o lançamento do livro A Construção do Ceará que conta as escolhas políticas e econômica de um período histórico do Estado
PERFIL
Nome: Antônio Cláudio Ferreira Lima (Cláudio Ferreira Lima) Nascimento: 1 de março de 1947 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Pacoti (CE) Formação: Economista pela Universidade Federal do Ceará e Gestor 68
Antônio Cláudio Ferreira Lima, mais conhecido como Cláudio Ferreira Lima, ou CFL, para os amigos, destacou-se na Economia do Ceará e do Brasil e era, segundo os mais próximos, um apaixonado por história o que gerou trabalhos embasados em pesquisas e dados ao longo de toda a vida. Cursou a Universidade Federal do Ceará (UFC) e fez especialização em Planejamento e Projetos pelo Centro de Desenvolvimento Econômico (Cendec), do Ministério do Planejamento, e em Promoção Comercial pelo Ministério das Relações Exteriores. Entre os postos de destaque que ocupou durante sua carreira, está o de secretário-adjunto da Secretaria do Desenvolvimento Econômico do Estado do Ceará (SDE) na gestão do governo Camilo Santana e assessor especial do mesmo governador, como colaborador do Projeto Ceará 2050. Foi secretário do Planejamento do Estado no segundo governo de Tasso Jereissati (1995-1997), presidente do Instituto de Planejamento do Ceará (Iplance) durante o governo de Ciro Gomes (1991-1994). Também foi coordenador da assessoria técnica da Bancada do Nordeste na Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988). Na comunicação foi articulista e membro do conselho editorial do jornal O POVO e consultor de assuntos econômicos. Escreveu diversos artigos por mais de oito anos. Em entrevista ao O POVO para as Páginas Azuis, disse: “Sempre trabalhei com consciência histórica daquilo que eu estava fazendo. Por menor que fosse, teria algum significado no final”, falando sobre a relação das ciências Economia e História em sua vida. Foi autor do livro “A Construção do Ceará - temas de história econômica”, que reuniu na obra três capítulos que escreveu para o Anuário do Ceará em 2004, “400 anos de História e 40 anos de planejamento”. Em 2005, o Anuário contou com o capítulo “O Ceará na História”. Em 2006, Lima participou da série com “Cidades do Ceará: origens, transformações e perspectivas”. Economista e apaixonado por História, o livro aborda a forma de desenvolver e planejar o Estado para organizar melhor o presente e superar os desafios das disparidades regionais. Para Lima, a obra representou o coroamento de toda sua vida e ali está a reunião do economista, do servidor público e da pessoa que gosta de história. Explica que acompanhou e viveu a história do Ceará coletando dados e intervindo na realidade atual, com projetos desenvolvidos em sua carreira. Para ele, o Anuário é um projeto que visa levar in-
formação e conhecimento ao grande público. “Em primeiro lugar, esses capítulos que depois se transformaram no livro, ganharam unidade, atualizei os dados e as informações, as análises. Eles têm um caráter, sobretudo, didático. É um livro feito para ser entendido por qualquer leitor, assim como o Anuário o é. É lógico que, como dizia Machado de Assis, ser simples é muito difícil. Realmente a gente sua muito para poder ser simples. Por isso que admiro o jornalista. Eu procurei me guiar por isso”. Nascido em 1947, no interior cearense, Pacoti, ele revelou na mesma entrevista que um importante fator da história do Brasil marcou sua vida, a morte do presidente Getúlio Vargas. “Eu era menino, um dia ouvi no rádio que Getúlio Vargas tinha morrido pela pátria. Eu tive uma imensa vontade de ser Getúlio. Estava desvendado o meu destino. Então, tudo começa aí”, revelou para o jornalista Jocélio Leal. A partir daí, aos sete anos, foi fazendo ligações históricas como tudo o que via e aprendia. Chegou a escrever no muro, no fundo do quintal com um pedaço de carvão “24 de agosto de 1954”. Já em Fortaleza ele conta que olhou para o que escreveu e jurou ali que a partir de então se interessaria por todos aqueles fatos ao redor da morte de Getúlio. “Já tinha uma certa consciência, porque tive uma professora, a minha primeira professora primária, em Fortaleza, a professora Marfisa. Ela me alfabetizou e me alfabetizou no sentido mais amplo, porque ela, inclusive, costumava usar leitura de jornal. Daí também minha ligação muito grande depois com os jornais”, lembrou-se. Daí por diante não parou mais. Ao longo da carreira bem-sucedida que começou como técnico do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), onde mesmo se aposentando, passou em 2005, atuando como assessor especial da Presidência da instituição. Em 2015, quando tinha 68 anos, o economista passou a ocupar uma das
ETHI ARCANJO / O POVO
“Sempre trabalhei com consciência histórica daquilo que eu estava fazendo. Por menor que fosse, teria algum significado no final”
40 vagas de sócio efetivo do Instituto do Ceará. A posse significou para ele um reconhecimento pelo trabalho desenvolvido no Estado. “É uma honra. Vou entrar com muita vontade de trabalhar, vou arregaçar as mangas”, disse. Na mesma época ele somava ainda a atuação como integrante do Conselho Editorial do O POVO e era secretário-adjunto do Desenvolvimento Econômico do Estado. Trabalhou até o último instante convergindo o passado e o futuro. Quando se despediu, vítima de câncer, aos 71 anos, em 2018, fazia parte da equipe do Ceará 2050 como assessor especial do governador Camilo Santana. Passou a vida usando os números e os cálculos da Economia para minimizar as desigualdades sociais do Nordeste, especialmente as do Ceará. Entre os feitos, o projeto São José que levou água para muitos. Cláudio foi casado com Noemi e deixou três filhos e três lições em tudo o que fez. A primeira: qualquer que fosse o projeto público, todas as secretarias de governo deveriam estar envolvidas. A segunda: toda ação de governo precisa alcançar o maior número de pessoas nos municípios, independentemente da coloração partidária do prefeito de turno. E finalmente: não há Estado sem ouvir a sociedade – um governo existe para a sociedade, e não o contrário.
GUSTAVO SIMÃO ESPECIAL PARA O POVO
PERFIL
“Uh terror, CLODOALDO é matador”
CURIOSIDADE
Clodoaldo sempre marcou gols em clássicos durante os Cearenses de 2001, 2002, 2003 e 2005. Era vaiado pela torcida do Ceará em jogos do Clássico Rei
A lógica do futebol é muitas vezes incógnita. É muita mistura em forma de jogo. Assim como nas partidas e no mundo da bola, Francisco Clodoaldo Chagas Ferreira tem uma história diversificada. Natural de Ipu, medindo 1,61 metro, canhoto, o atacante fez história no clube que leva o nome da Capital. É amado e odiado por torcedores e sabe lidar com essas diferenças também. Tem carreira sólida, construída nas categorias de base desde os 16 anos, com diferentes destaques ao longo dos anos. No futebol local, Clodoaldo teve as melhores sensações: jogar com o Castelão lotado, ter a própria música cantada pela torcida, levar um clube nordestino à Série A do Campeonato Brasileiro. Foi o terceiro maior artilheiro da história do Fortaleza, marcando mais de 100 gols, era especialista em fazer gols encobrindo o goleiro e ouvir da torcida o Rap do Clodô: “Uh, terror, Clodoaldo é matador”. Em Ipu, a família do “matador” era torcedora do Flamengo, não tinha time no Estado. E também era apaixonada por futebol e Clodoaldo não fugiu à regra, sendo estudante e jogador de futsal na escola e conseguindo, por meio do esporte, ter uma bolsa em escola particular e estudar na Capital aos 16 anos.
PERFIL
Nome: Francisco Clodoaldo Chagas Ferreira (Clodoaldo) Nascimento: 28 de dezembro de 1978 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Ipu (CE) Formação: Jogador profissional de futebol
70
Clodoaldo contou, nas Páginas Azuis do O POVO, em setembro de 2018, que dois amigos, jogadores de Ipu, o trouxeram para o Fortaleza. Os ipuenses, então, tomaram o ídolo do clube como também o da Cidade e grande parte dos torcedores é de tricolores que reconhecem a história do conterrâneo. O menino que pulava o muro para ir pro “racha”, fez seu primeiro gol pelo clube do coração de bicicleta no Castelão. Foi no gramado do maior estádio do Estado que Clodoaldo deixou sua marca, nos clássicos inesquecíveis contra o Ceará. O craque nascia ali, no momento de maior rivalidade e troca técnica do futebol, e crescia junto ao elenco, que compartilhava o desejo de entrar para a história do clube. O coletivo era mais de objetivo único do que de egos individualistas. Com a camisa do Leão, o atacante foi campeão cearense cinco vezes: 2000, 2001, 2004 e 2005. Nos anos seguintes, tiveram início as fases de maior desafio e aprendizado para o jogador. Em uma decisão difícil e que marcou sua carreira, Clodoaldo foi para o Ceará em 2006. A torcida reagiu à atitude do ídolo, o que lhe rendeu agressões, decepções, desconforto e arrependimento. Anos e muitas dificuldades depois, em 2017 Clodoaldo recebe o convite do Fortaleza para fazer as pazes e se tornar embaixador do clube. Voltou a ser jogador tricolor e hoje atua nas categorias de base do clube.
PERFIL
REPRODUÇÃO ACERVO PESSOAL
CLÓVIS ROLIM O gerador de negócios
CURIOSIDADE
Em julho de 1978, quando Clóvis Rolim assumiu a Presidência da Federação dos Lojistas, informou a todos que sua intenção era ampliar o números de clubes de lojistas pelo interior do Estado
Clóvis Rolim, paraibano que possuía título honorífico de cidadão cearense, concedido pela Assembleia Legislativa do Ceará, viveu intensamente para a família, para os negócios e principalmente, para transformar projetos em realidade. O sétimo filho, de 14, do seu Luiz Cartaxo e da Francisca, conhecida como Dona Chiquinha, é um exemplo de empresário bem-sucedido no Ceará. Na ocasião em que recebeu o título de cidadão cearense, em 18 de agosto de 1973, deixou claro seu amor pelo Estado, terra que escolheu morar e construir família com a amada Edyr, filha do empresário Pio Rodrigues. “Sempre acreditei, obstinadamente, nas verdadeiras possibilidades do Ceará. Como empresário, ou no desempenho de mandatos nas entidades de classe a que tenho pertencido, procurei enfrentar os obstáculos do dia a dia movido pelo propósito de ser útil a esta terra, à comunidade e à classe a que pertenço”, disse Clóvis na cerimônia, segundo consta no livro “Clóvis Rolim – Uma Vida Intensa”. Foi de ônibus que o jovem Clóvis, com 25 anos incompletos, chegou ao Ceará na década de 1940. Já mostrando sua determinação e tino para o comércio, um mês depois, abriu uma loja, o Armazém Aurora, com o conterrâneo Manuel Agenor da Costa Filho. Apesar da pouca idade, já tinha experiência no comércio, principalmente, com a venda de tecidos. Entre os concorrentes da época no ramo dos tecidos, renomadas famílias que também se consolidaram ao longo dos anos, ainda assim, ele conseguiu se destacar e ascender nos negócios. Já no campo sentimental, ele e a amada Edyr tiveram que lutar contra o ciúmes de Pio Rodrigues com sua única filha. Casaram-se em 12 de janeiro de 1952. O primeiro filho do casal, Pio Rodrigues Neto, chegou no fim de 1952, junto com a primeira casa própria.
PERFIL
Nome: Clóvis Braga Rolim (Clovis Rolim) Nascimento e morte: 5 de julho de 1924 19 de novembro de 1984 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Cajazeiras (PB) Formação: Comerciante e agropecuarista
No mesmo período, o sucesso que tivera como empresário deu entusiasmo e ânimo para uma nova sociedade, desta vez com o conterrâneo Severino Carlos do Nascimento, o Biró, no Armazém Panamérica. A impaciência, outra característica de sua personalidade, ganhou força ao querer comprar a parte da primeira sociedade com Manuel Agenor e empreender sozinho. Deu certo. Em maio de 1954 inaugurou a loja de tecidos Armazém Nordeste, a primeira do Grupo C. Rolim & Cia, na rua Floriano Peixoto. Em pouco mais de um ano abriu mais uma e não parou mais. Também montou a concessionária Crasa e a imobiliária C.Rolim em Fortaleza. Ao lado de Edyr teve quatro filhos – Pio, Ricardo, Clóvis Júnior e Eduardo e 12 netos. Clovis também foi presidente de entidades do comércio local e virou referência no setor, emprestando seu nome ao Troféu Clóvis Rolim, comenda é dada a quem presta relevantes serviços ao desenvolvimento da causa lojista e social. O livro “Clóvis Rolim – Uma Vida Intensa” também destaca vários registros feitos pelo O POVO. Entre eles, uma lista de atividades que Clovis adorava e detestava. Entre as primeiras estavam “viver, ter amigos, lealdade, otimismo, realizar, contribuir para o progresso de Fortaleza, paz, minha família, bagaceira, minha fazenda na paraíba, andar descalço”. E entre os aspectos negativos, “falta de amor, a indolência, a vingança, as pessoas mesquinhas, que falam da vida alheia, a violência, a solidão, o pessimismo, a deselegância e a falta de conforto”. 71
ALEX GOMES / O POVO
ENTREVISTA
O artedependente DESCARTES GADELHA cos, sociais e culturais de outrora e também contemporâneos que retratam a inquietação social pela busca de equilíbrio entre as camadas populacionais.
Artista fixo no Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc), Descartes Gadelha conquistou e incomodou o Ceará com as imagens de uma Canudos heroica e um Jangurussu abandonado. Entre os muitos trabalhos marcantes, o artista plástico transitou entre a dor e a solidariedade, com um olhar visceral sobre a existência humana, fruto de longas pesquisas de campo e historiográficas. A entrevista ao O POVO foi intermediada pela neta, Andrezza Gadelha, já que Descartes estava em repouso por problemas de saúde. Mesmo assim, o ar poético (e profético) do cearense permanece, apoiando-se em sons, imagens e lembranças.
CURIOSIDADE
Descartes Gadelha é espírita, portanto não acredita que a morte é o fim
O POVO - Quais e quando são os momentos que o senhor mais sente necessidade de falar sobre arte? Descartes Gadelha - Falar sobre arte não é tarefa fácil; é melhor se conformar em apenas sentir de alguma forma. O próprio artista não tem competência para se expressar no que sente, porém o grito de dor ou de alegria, jamais de indiferença, é a espoleta que explode; se sobrar alguma coisa, isso é arte, penso. O POVO - O que motiva o senhor no processo de escolher um tema para suas obras? Existe algum propósito nelas? Descartes - No início, minhas obras foram inspiradas nas minhas memórias de vida e na plasticidade de imagens do meu cotidiano. A partir de uma visão mais madura, busquei retratar fatos históri-
PERFIL
Nome: Descartes Marques Gadelha (Descartes Gadelha) Nascimento: 18 de junho de 1943 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Artista plástico, músico e Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Ceará desde 2015
72
O POVO - Existe muita dor nas suas exposições mais famosas... Ao mesmo tempo, seu lado músico é festivo Carnaval. Como é conviver com essas intensidades, esses choques de dor e alegria? Descartes - É necessária a espetacularização da dor como massa de conquista. Sempre foi assim. Veja que a própria Igreja católica dilacerou o corpo de Jesus como massa de conquista. Na Semana Santa toda a dor das feridas de Jesus é regada a vinho em intermináveis almoços com “peixada a delícia” e lagosta, pois “é pecado comer carne”. Dor e alegria são a dinâmica da mecânica da vida. O POVO - Pensando em cidade, o que o senhor tem tido vontade de pintar recentemente? Descartes - Confesso-lhe que sou arte dependente, realizo arte levado por um impulso estético incontrolável; ou faço arte ou morro, porém pretendo viver um pouco mais. No dia que você souber que parei de fazer arte é porque eu estou em outra galáxia fazendo arte. No momento estou envolvido com um tema que iniciei ainda em minha infância e que até os dias de hoje me encanta e acabo produzindo algo sobre: a Praia da Formosa, que deu origem ao Forte Schoonenborch, a primeira obra em alvenaria do Ceará, no escoadouro do Riacho Pajeú. Num trecho do hino da capital canta-se “Entre as sombras dos muros do forte, a cidade sorrindo cresceu”. O primeiro povoamento foi o Arraial Moura Brasil, que ainda criança me apaixonei através do som da amplificadora Brasil que escutava do alpendre de casa que ficava na área ferroviária. E esse amor perdura até hoje.
FCO FONTENELE / O POVO
PERFIL
DOM ALOÍSIO LORSCHEIDER O militante da batina
CURIOSIDADE
Em visita ao Ceará um ano antes do seu falecimento, dom Aloísio Lorscheider ainda mostrava força aos 82 anos e vontade de fazer mais pelos necessitados e pobres, população que ele entendia que deveria ser a prioridade da igreja
Frei Aloísio Lorscheider ou cardeal Lorscheider, como ficou conhecido, nasceu a 8 de outubro de 1924, em Picada Geraldo, no município de Estrela, no Rio Grande do Sul. A vocação religiosa manifestou-se logo, em quando entrou, em 1934, no Seminário dos padres franciscanos, em Taquari, onde estudou. Em 1942, fez o noviciado e o primeiro ano de Filosofia no Convento São Boaventura, em Daltro Filho e Garibaldi. Em 1944, foi transferido para o Convento Santo Antônio, em Divinópolis, Minas Gerais, onde terminou o curso de Filosofia e fez o curso de Teologia. Passou a adotar o nome religioso de Frei Aloísio, nome que conservou até o final de sua vida. Por lá foi ordenado sacerdote em 22 de agosto de 1948. Teve passagens pela Itália, França e Portugal. Em fevereiro de 1962, foi nomeado pelo Papa João XXIII, bispo da recém-criada Diocese de Santo Ângelo e em maio do mesmo ano recebeu a ordenação episcopal na Catedral Metropolitana de Porto Alegre. Adotou como lema de seu episcopado In cruce salus et vita (Na Cruz, a Salvação e a Vida). Em junho, tomou posse na Diocese e, por 11 anos, foi seu bispo diocesano. Em 1973, Paulo VI o promoveu à sede arquidiocesana de Fortaleza, onde seguiu até 1995. “Nesta Arquidiocese, dom Aloísio Lorscheider continuou a sua missão pastoral já com notáveis frutos em Santo Ângelo. Dedicou particular atenção ao clero, no qual procurou desenvolver um profundo sentido de comunhão eclesial e um singular impulso apostólico”, disse a entidade em comunicado. Dom Aloísio inaugurou a Catedral Metropolitana de Fortaleza, importante equipamento religioso e histórico da Capital, em dezembro de 1978. E esteve presente na inauguração do 1º Centro de Evangelização da Comunidade Católica Shalom, em julho de 1982. Pelos fiéis cearenses é lembrado como um bispo
PERFIL
Nome: Leo Arlindo Lorscheider (Dom Aloísio Lorscheider) Nascimento e morte: 8 de outubro de 1924 23 de dezembro de 2007 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Estrela (RS) Formação: Teólogo e Filósofo. Especialista em Teologia Dogmática
74
preocupado com pessoas em situação de vulnerabilidade e de minorias sociais. Diziam que era corajoso e ousado. Além do seu trabalho religioso, dom Aloísio Lorscheider, então arcebispo de Fortaleza, estampou as notícias da grande mídia em 2004, quando na manhã de 15 de março, junto com mais 12 pessoas, foi feito refém por detentos do Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS), durante rebelião. A visita havia sido marcada pelo próprio cardeal, para vistoriar as condições da unidade. Os presos estavam insatisfeitos com as instalações e a superlotação da unidade. Na vistoria, a peregrinação pelas celas já havia terminado quando, no fundo do auditório, o detento Antônio Carlos de Souza Barbosa, conhecido como Carioca, imobilizava dom Aloísio com uma faca no pescoço. Um policial reagiu e houve troca de tiros. Dois detentos morreram e um soldado ficou ferido. Os sequestradores conseguiram algumas exigências e levaram os reféns juntos na fuga. Dom Aloísio fez questão de ser o último e passou 20 horas em poder dos criminosos. “Vivemos uma pequena epopeia. Sofremos um pouco, mas eles nos trataram bem. Eu rezarei por eles”, disse o cardeal no dia seguinte à rádio AM do POVO. Depois, ele declararia o perdão aos 14 algozes e visitou o Carioca. Conforme O POVO noticiou, no ano seguinte ao sequestro, o cardeal, com problemas cardíacos, solicitou ao papa João Paulo II sua transferência para uma diocese menor. Foi atendido e transferido de Fortaleza para a Arquidiocese de Aparecida, tomando posse no dia 18 de agosto do mesmo ano. Em 2000, com 76 anos, anunciou sua renúncia. Morreu aos 83 anos, em 2007, em Porto Alegre.
REPRODUÇÃO ACERVO PESSOAL
PERFIL
DONA FIDERALINA A “coronela” de Lavras da Mangabeira
CURIOSIDADE
Dentre os muitos livros que contam a história da dona Fideralina, destacam-se “Dona Fideralina Augusto – Mito e Realidade” (Fortaleza: Armazém da Cultura, 2017), de Dimas Macedo; “Uma Matriarca do Sertão – Fideralina Augusto Lima” (Fortaleza: 2008), de Melquíades Pinto Paiva; e “A Vocação Política de Fideralina Augusto Lima” (Fortaleza: 1991), de Rejane Augusto
Em uma época marcada pela violência, pelo atraso e pelo preconceito, Dona Fideralina Augusto Lima foi uma mulher cearense com relevante protagonismo na política de uma região densa do interior: o Cariri. Era Lavras da Mangabeira, século XIX, tempo do cangaço, quando a filha mais velha de Isabel Rita de São José e do major João Carlos Augusto, que cresceu ouvindo falar sobre política, se destacou pelo exercício de poder que detinha. Sua história é contada com destaque à força que ela exercia, sendo referida até como “coronela”, e a firmeza com a qual educava os 12 filhos que teve com o major Idelfonso Correia Lima. Dona Fideralina, que nasceu em 24 de agosto de 1832, ficou viúva cedo, aos 44 anos, e como matriarca do Sertão, proprietária de terras e gados, estava longe das influências europeias no Nordeste. Foi exatamente o papel que ocupava na família que ascendeu seu poder no feudo regional caririense. Personagem de contos, livros e biografias, essa mulher cearense exercia um poder familiar que transbordava os limites do Sítio Tatu, seu refúgio, e impactava na política. O poder conquistado era mantido principalmente através dos casamentos arranjados dos filhos e filhas, com a estratégia de casá-los com descendentes de chefes políticos da região. Foi também na família que a matriarca cearense viveu seu maior desafio. Um dos filhos que demonstraram aptidão política, Honório Correia Lima, foi deposto do cargo de chefia de Intendência local pela própria mãe, em 1907. Dona Fideralina havia decidido apoiar politicamente outro filho, também político, Gustavo Augusto Lima.
PERFIL
Nome: Fideralina Augusto Lima (Dona Fideralina) Nascimento e morte: 24 de agosto de 1832 16 de janeiro de 1919 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Lavras da Mangabeira (CE)
Um dos eventos históricos do Ceará, a Sedição de Juazeiro (1913-1914), um confronto entre as oligarquias cearenses e o Governo Federal, contou com o apoio e influência de Dona Fideralina. Rodeada de serviçais e “cabras” armados, a matriarca financiou a aquisição de armas e munições, incentivando a população a fazer parte da revolta liderada pelos coronéis e apoiada por padre Cícero. A imagem lendária da mulher lavrense que comandava homens para agirem com a força, que percorria as distâncias a cavalo e carregando um bacamarte, inclui referências artísticas do dom da costura, as orações e a dedicação materna. Entre a força da mulher sertaneja e sua coragem avassaladora há também uma gana por justiça. O assassinato do seu primeiro neto em Princesa, Pernambuco, teria motivado mais um movimento armado liderado pela avó que buscava culpados. Quando mais idosa, Fideralina refugiou-se no sítio Tatu, mas sem perder a força de cavalgar e comandar. Ela morreu em 16 de janeiro de 1919, aos 86 anos. A história e a influência construída pela família Augusto permaneceu durante décadas no domínio do poder político de Lavras da Mangabeira. A personagem foi inspiração para o livro “Memorial de Maria Moura”, de Rachel de Queiroz, e há diferentes versões sobre sua valentia feminina em uma época de império e poder masculino no Ceará. As memórias lavrenses sobre Dona Fideralina são objetos de estudos acadêmicos, da cultura popular cearenses e da história. Uma mulher que viveu durante o Primeiro Reinado do Brasil, em um Ceará de escravos, coronéis e poder medido pela força, fosse de posse de terra ou de arma de fogo. Figura curiosa, transgressora das questões de gênero, de relevância social, protegida por jagunços e escravas, além da família. Família que fez da Lavras reduto política durante décadas. 75
PERFIL
DOM HÉLDER CÂMARA Dom da paz do novo mundo
Dom Hélder Câmara se formou no Seminário da Prainha, em Fortaleza, e foi honrado por diversas entidades internacionais. Sempre com o enfoque da paz e da denúncia às violações dos direitos humanos Um religioso cearense que, no meio da ditadura militar, disse que os jovens deveriam seguir o que pregavam os Beatles em suas inesquecíveis músicas. Dom Hélder Pessoa Câmara, hoje quase beato e candidato a santo no Vaticano, foi indicado diversas vezes para receber o Prêmio Nobel da Paz e seu nome acumula dezenas de títulos de doutor honoris causa e prêmios por sua atuação social, em busca da liberdade e em defesa dos direitos humanos e dos mais vulneráveis. Fortaleza foi berço de seu nascimento, em 7 de fevereiro de 1909. Décimo filho de João Eduardo Torres Câmara Filho, jornalista e bibliotecário, e da professora primária, Adelaide Pessoa Câmara, uma das frases ditas por dom Hélder que resumia um pouco de sua atuação era: “O verdadeiro cristianismo rejeita a ideia de que uns nascem pobres e outros ricos, e que os pobres devem atribuir a sua pobreza à vontade de Deus”. Foi ainda na adolescência, aos 14 anos, que entrou no Seminário da Prainha de São José, onde também cursou Filosofia e Teologia. A caminhada religiosa reuniria, ainda na juventude, outros títulos e cargos. Dom Hélder Câmara celebrou sua primeira missa aos 22 anos, quando foi ordenado sacerdote, em 15 de agosto de 1931, dois anos antes do período normal, sob indicação da Santa Sé. Em 1936, o padre Hélder, como gostava de ser chamado, foi transferido para o Rio de Janeiro, onde permaneceu por 28 anos. O conhecimento adquirido no Ceará, como quando foi diretor do Departamento de Educação do Estado, o fez se dedicar ao ensino religioso a nível nacional. Educar, mostrar as realidades e encontrar caminhos para sanar os desafios, fosse o desenvolvimento que chegava à Amazônia, fosse o êxodo rural que levava milhares de pessoas para as grandes capitais brasileiras. Mas foi no Rio de Janeiro que o “padrezinho”, como era chamado lá, acompanhou um processo importante de renovação pastoral, na tentativa de instaurar uma modificação de valores no conjunto da sociedade e uma reforma mais humanizante de suas estruturas. Em 1952, dois anos após apresentar ao monsenhor Montini (que seria o papa Paulo VI, em 1963) seu plano para criar a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a entidade tornou-se realidade. Para dom Helder, também chamado de “dom da paz”, o sonho da CNBB em um país de dimensões continentais como o Brasil exigia um secretariado que ajudasse os bispos a solucionar problemas locais, regionais e nacionais, aos quais a Igreja não poderia ser indiferente. 76
Sobre o trabalho que desenvolvia e as realidades que via, publicou 23 livros, sendo 19 deles traduzidos para 16 idiomas. Foram 716 títulos de homenagens e condecorações, no Brasil e pelo mundo. Era viajando por outros países que ele denunciava as torturas praticadas durante a ditadura militar no Brasil, e assim ganhava fama e mais admiração. Politicamente, destacou sua posição em apenas uma das frases que perpassa séculos e apontam para as mesmas necessidades sociais: “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista”. Foi nomeado secretário geral da CNBB, onde foi responsável por promover iniciativas que pudessem facilitar a adaptação da Igreja ao mundo moderno e na defesa dos direitos humanos. Antes do golpe militar, dom Hélder participou ainda de reformas de base do governo de João Goulart e foi nomeado, em março de 1964, arcebispo de Olinda e Recife. Após escrever um manifesto a favor da ação católica operária, o arcebispo foi acusado de comunista e proibido de emitir opiniões publicamente. Em 1969, recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Saint Louis, nos Estados Unidos. Dom Hélder foi arcebispo até 1985, mas continuou atuando em favor dos pobres, iniciando, em 1991, ações e movimentos contra a fome no Brasil. No fim dos anos 1990, lançou oficialmente a campanha “Ano 2000 Sem Miséria”. Seus valores, causas e lutas viraram, em 1998, o nome de uma escola de Direito, em Belo Horizonte: Escola Superior Dom Hélder Câmara. O padre de olhos claros, parcialmente calvo e de porte físico baixo, poderá virar santo. O processo de canonização do religioso teve início em 1999, a partir de manuscritos e transcrições de programas radiofônicos apresentados por ele. O primeiro estágio da possível canonização já foi aprovado pelas autoridades
P|
10
RELIGIÃO] Aos 82 anos, mesmo debilitado, dom Aloísio Lorscheider mostra força nas palavras. Ele critica o afastamento dos religiosos das questões sociais de nossos dias. Para o cardeal, o consumismo gerou uma crise da fé Cláudio Ribeiro, Demitri Túlio, Felipe Araújo e Luis Henrique Campos da Redação
Aos 82 anos, a alma inquieta não deixa dom Aloísio Lorscheider se conformar com os ciclos da vida. Mesmo na aposentadoria, desde que renunciou ao arcebispado de Aparecida (SP) em 2004, continua escrevendo, lançando livros e fazendo suas reflexões sobre a Igreja Católica, instituição que defende incondicionalmente mas que considera “meio parada” em termos de engajamento nos movimentos sociais. O discurso supostamente resignado com o afastamento da vida pastoral e política da Igreja deixa entrever o incômodo com a condição de arcebispo emérito de Aparecida (SP), onde se refugiou num mosteiro franciscano. “Quando a gente é emérito, acabou. É como você estar aposentado e ter pouco a dizer”, conta. Mas ao conversar com dom Aloísio, percebe-se facilmente como o presente continua a provocar o religioso, que acena para questões como a influência crescente do mercado e do consumismo na vida contemporânea, o distanciamento da Igreja dos movimentos sociais, a opção da Santa Sé por bispos cada vez mais velhos, e a leitura de teólogos que influenciam sua produção teórica. “Há uma grande crise (da fé). E o grande mal é o mercado consumista”, defende. Ao longo de três dias, quatro repórteres de O POVO conversaram com dom Aloísio em sua mais recente visita a Fortaleza, no início de outubro. Além de suas inquietações com os nossos dias, relembrou os momentos mais marcantes de sua trajetória - pontuada por momentos dramáticos, como seu seqüestro no Instituto Penal Paulo Sarasate; e por capítulos heróicos, como sua luta contra a repressão militar. Ao todo, foram mais de três horas de conversa, gravada e filmada para depois compor o acervo de seu memorial que será montado em Fortaleza. Homenagem da cidade para a qual o religioso foi transferido em 1973, sem entender direito o linguajar local, mas que marcou profundamente sua trajetória. “Agradeço a Deus Nosso Senhor, foi uma época muito rica”.
FORTALEZA-CE, SEGUNDA-FEIRA, 23 de outubro de 2006
PÁGINAS AZUIS DOM ALOÍSIO LORSCHEIDER, 82, foi arcebispo metropolitano de Fortaleza entre 1973 e 1995, quando deixou o Estado para assumir a Arquidiocese de Aparecida. Ao lado de nomes como dom Helder Câmara, foi um dos religiosos brasileiros mais engajados na luta contra a ditadura militar e a favor dos movimentos sociais. É doutor em teologia dogmática, no Pontificium Athaeneum Antonianum, em Roma; e Doutor Honoris Causa, pela Universidade Estadual do Ceará. FOTOS EDIMAR SOARES
O DOM DA FORÇA O POVO - Dom Aloísio, agora há pouco (N.R. - antes da entrevista) o senhor estava falando de suas recordações da época em que o senhor ia para os presídios visitar os presos políticos. O senhor tem saudade de gente que lutou com o senhor na época da ditadura? Dom Helder? Dom Paulo? Dom Fragoso? Dom Edmilson? O senhor tem saudade dessa turma que foi pra cima da ditadura? Dom Aloísio Lorscheider - Essa turma, sim. Essa turma sempre foi muito unida. Nós nos queremos muito bem. Alguns faleceram, outros estão aí. Naquela época havia mais resistência, nós éramos mais ligados e mais unidos. Porque também na Conferência Nacional dos Bispos, a gente tinha dificuldades. A ditadura atingia também o episcopado e atingia o episcopado porque atingia as pessoas. Então, nossas reclamações foram muito contra as torturas e contra as prisões arbitrárias, que foram feitas muitas. Sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas também outras grandes cidades, Porto Alegre, aqui em Fortaleza, Belo Horizonte. OP - O senhor tem saudade dessa igreja resistente? Dom Aloísio - A Igreja é peregrina na história. Ela caminha conforme a história está aí. Acho que ter saudade não precisa. Mas foi um tempo em que a gente se empenhou. Agora a gente se empenha, mas de uma outra maneira.
O que pode reaproximar é a nossa profética, preferencial e solidária opção pelos pobres. Essa opção é a indicação pela qual a Igreja se aproxima dessas pessoas
OP - Que perspectivas o senhor vê para a Igreja no sentido dessa aproximação com os movimentos sociais, dessa aproximação com a luta dos trabalhadores? Dom Aloísio - A Igreja hoje deve se inserir mais nos movimentos sociais. Às vezes, a Igreja parece ser um pouquinho parada. A Igreja eu digo aqui a CNBB, os seus organismos, mas o apoio aos movimentos sociais é muito importante. OP - O que pode reaproximar a Igreja desse trabalho? Dom Aloísio - O que pode reaproximar é a nossa profética, preferencial e solidária opção pelos pobres. Essa opção é a indicação pela qual a Igreja se aproxima dessas pessoas. OP - Nomes como o senhor, dom Helder, dom Fragoso, dom Edmilson são religiosos que atuaram como aglutinadores de fiéis. A atuação individual de cada um desses religiosos serviu para a Igreja Católica aglutinar fiéis em torno da sua mensagem. Que perspectivas o senhor vê para a Igreja Católica nesse sentido da formação de novos nomes fortes como o senhor, dom Helder. Há renovação nesse sentido? Dom Aloísio - Para dizer a verdade, não vejo renovação nenhuma. A tendência hoje da Santa Sé, através da Nunciatura, é escolher já pessoas de certa idade. Porque quando você já tem certa idade, 50 anos, 52, 60, você não tem mais aquele elã de se empenhar. Nós éramos gente jovem. Eu fui escolhido com 37 anos de idade. Outros foram escolhidos com 35 anos. Mesmo dom Serafim, aqui de Belo Horizonte, foi escolhido com 33 anos. Então, era tudo gente jovem, gente que se empenhava, e que a própria juventude ajudava. Depois a Santa Sé passou a ter medo desses jovens.
TRÊS LIVROS NO PRELO Dom Aloísio é elétrico. Não pára de produzir nem quando o repouso é obrigatório. Mesmo já acometido da enfermidade grave que o obrigou a vir para Fortaleza em agosto último, o cardeal permitiu-se escrever demasiadamente. Só no primeiro semestre deste ano, redigiu três livros, sobre temas ligados a seu trabalho na Igreja. Usou a calma do convento dos franciscanos, em Porto Alegre, onde está morando desde que renunciou à arquidiocese de Aparecida, em janeiro de 2004. Mas nem como bispo emérito aquietou-se. As obras de dom Aloísio já estão no prelo e ele acredita que devam ser publicadas a partir de 2007. Um livro biográfico também está sendo preparado por padres casados do Ceará. Algumas entrevistas aconteceram nessa sua “visita” ao Ceará. “Ele tem uma capacidade de trabalho fora do comum”, afirma o padre Evaristo Marcos, do seminário Diocesano São José, no bairro Antônio Bezerra, que cuidou de dom Aloísio durante os dias dessa recente estada dele no Ceará. “Ele disse que queria ficar no seminário para conviver com os seminaristas e ajudar na formação dos futuros padres. Ele não pensa em se aquietar nunca”, conta o padre. A reação dos seminaristas foi de alegria total, segundo Evaristo Marcos, diante do hóspede e mestre ilustre.
OP - O senhor acha que teria se projetado como o senhor se projetou, até mundialmente, se a gente tivesse vivendo um momento como o da Igreja Católica hoje? Dom Aloísio - Acho que não. Hoje a gente tem um episcopado nosso muito unido, graças a Deus, mas dá a impressão de um pouco parado. Não temos mais aquele elã, aquele impulso. Então, faz o seu dever de bispo, claro, mas nessa questão social aí é que está o pivô de toda a questão, se a gente se empenha por aí ou não.
CURIOSIDADE A Lei nº 13.581, de 26 de dezembro de 2017, declarou Dom Hélder Câmara como Patrono Brasileiro dos Direitos Humanos
PERFIL
Nome: Hélder Pessoa Câmara (Dom Hélder Câmara) Nascimento e morte: 7 de fevereiro de 1909 - 27 de agosto de 1999 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Concluiu os estudos em filosofia e teologia no Seminário da Prainha, em Fortaleza
DIVULGAÇÃO INSTITUTO DOM HELDER CÂMARA
“O verdadeiro cristianismo rejeita a ideia de que uns nascem pobres e outros ricos, e que os pobres devem atribuir a sua pobreza à vontade de Deus” católicas e deverá passar por uma espécie de tribunal, que recebe testemunhos de pessoas que o conheceram, para ser considerado venerável. Em 2022, foi emitido decreto de validade jurídica do processo, reconhecendo que todos os atos e toda a documentação feita à arquidiocese foram aprovados pelo Dicastério para a Causa dos Santos. De acordo com matéria publicada na edição do dia 16 de novembro do jornal O POVO, o próximo passo do processo de beatificação deverá reconhecer as virtudes heroicas consideradas pela igreja católica: Fé Heroica; Esperança Heroica; Caridade Heroica; Prudência Heroica; Justiça Heroica; Fortaleza Heroica; Temperança Heroica. Entre os documentos enviados ao Vaticano, há relatos de pessoas que conheceram dom Helder e podem fazer descrições que confirmem um possível milagre, mantido em total sigilo. O dom da paz passou a vida mostrando que é necessário proteger os mais vulneráveis e garantir o cumprimento irrestrito dos direitos humanos a todas as pessoas. Dom Hélder, “servo de Deus”, mostrou à sociedade, à Igreja e ao cristianismo que justiça deve ser obrigação, prioridade e responsabilidade no mundo contemporâneo. Nas páginas do O POVO, esse cearense tem sua história contada e seu legado detalhado, contribuindo para o ideal em que as ações governistas são a favor da população. Dom Hélder morreu em 27 de agosto de 1999, aos 90 anos, no Recife. Viveu seus últimos anos trabalhando, lutando e acreditando, com as portas de casa abertas e sem se importar com a pichação no muro que dizia “morte ao bispo vermelho”. O padre que acreditava na juventude dos Beatles nunca se cansou de viver a simplicidade e a verdade em sua essência.
ENTREVISTA
DORA ANDRADE
Dora Andrade é um constante colocar-se no lugar do outro. Conversar com ela é ouvir uma pedagoga em corpo de bailarina, convicta da força transformadora da educação e do impulso oriundo das artes para catalisar a cidadania. Para os olhos integrados e experientes de Dora, a dança é educação e a educação precisa da dança, da arte. Fundadora da Escola de Desenvolvimento e Integração Social para Criança e Adolescente (Edisca), Dora aproveita para agradecer ao O POVO por acompanhar a trajetória dela e da escola durante os 32 anos – e contando – do projeto. Mas é O POVO que agradece à Dora pela dedicação e pelo trabalho transformador. O POVO - Desde a criação do Edisca, como foi que o lado artístico, de montagem de espetáculos e tudo, evoluiu? Dora Andrade - Eu considero que o trabalho de formação e dança que a Edisca disponibiliza para os educandos é um trabalho bastante consequente. Hoje é notório que nas academias tradicionais de dança existem alunos da Edisca atuando como educadores ou como bailarinos. Mesmo não sendo missão da escola de formar bailarinas. A missão é construir cidadãos, contribuir na construção do cidadãos positivos, críticos, atuantes, pessoas capazes de transformar suas próprias vidas, a vida da sua família e da comunidade que habitam. Mas isso acontece dentro de uma pedagogia que tem a arte na sua centralidade. O POVO - Quais características da dança a senhora acha que estão relacionadas com essa questão da cidadania? Dora - Não sei se a dança… Na minha geração, a dança era uma linguagem branca demais. Sabe? Burguesa demais,
PERFIL
Nome: Dora Isabel de Araújo Andrade (Dora Andrade) Nascimento: 13 de março de 1959 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Bailarina e coreógrafa cearense, idealizadora e fundadora da Escola de Desenvolvimento e Integração Social para Criança e Adolescente (Edisca) 78
MARIANA PARENTE / O POVO
A dança da solidariedade
essa dança acadêmica, a dança clássica, por exemplo, era uma linguagem acessada por pessoas de classe média, classe média alta ou das pessoas ricas mesmo. Não era uma linguagem acessível às comunidades. Eu acho que a Edisca foi precursora nessa dimensão de dar acesso às comunidades periféricas e pobres, de vivenciar uma experiência de uma dança acadêmica com técnica clássica, contemporânea etc. Eu não acho que seja exatamente a dança. A dança é a minha linguagem, mas eu acho que uma vivência consequente em arte faz parte do elenco de coisas que desenvolvem uma educação de qualidade. No nosso olhar uma educação de qualidade e promotora de percepções importantes como a cidadania não pode ficar nesse nível, apenas da educação focada para passar na universidade, numa dessas dificílimas. É muito estranho. Não é à toa que a gente vê algumas posições completamente caretas, cafonas, machistas. Eu acho que os indicadores perversos que nós temos no País e no mundo estão intrinsecamente ligados à qualidade de educação que nós estamos dando às nossas crianças e jovens. Então a pergunta deveria ser outra: que tipo de sociedade nós precisamos construir? O projeto de educação certamente não seria o que nós vivemos hoje do meu ponto de vista. Ele é no mínimo obsoleto.
CURIOSIDADE
Em 1995, Dora comentou ao O POVO: “Adorava assistir ao Jô Soares na televisão, mas nada de programas religiosos!”
de fazer consultoria e mudar realidades
AURÉLIO ALVES / O POVO
ENTREVISTA
DR. CABETO O homem que enfrentou a pandemia
O médico Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho, conhecido como Cabeto, tornou-se peça-chave no combate à pandemia da covid-19, no Ceará, entre os anos de 2020 e 2021. Secretário da Saúde do Estado à época, foi ele quem traçou as diretrizes para política de isolamento e, posteriormente, para reabertura das atividades econômicas no Estado. Também coordenou a descentralização dos serviços médico-hospitalares de alta complexidade para o Interior e idealizou a integração dos distritos de inovação de saúde no Estado. Em conversa com O POVO, Cabeto fala ainda sobre os desafios na melhoria do serviço de saúde do Ceará, a importância da regionalização do atendimento e a sua relação com O POVO.
CURIOSIDADE
Quando esteve à frente da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), Cabeto notabilizou-se pela gestão das ações de combate à pandemia no Estado. Também passou a adotar critérios técnicos para preenchimento dos cargos nos consórcios de saúde no Ceará e implementou registro eletrônico de saúde em todas as unidades de atendimento do Estado
O POVO – Qual a relação do senhor com o jornal O POVO, que completou 95 anos? Dr. Cabeto – O jornal O POVO representa para mim uma relação de amizade com o querido Demócrito Dummar e sua família. É impossível não fazer menção a esse aspecto pessoal quando a história da minha família tem estreita relação com os que fizeram e fazem este jornal. No campo do Jornalismo, O POVO tem como identidade a vanguarda na forma de levar informação, facilmente identificada pela participação de representantes intelectuais como Rachel de Queiroz, Paulo Bonavides, dentre outros.
PERFIL
Nome: Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho (Dr. Cabeto) Nascimento: 10 de maio de 1965 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Médico cardiologista, professor e ex-secretário de saúde pública 80
O POVO – Quais os principais desafios hoje para o desenvolvimento do Ceará? Cabeto – O sistema de saúde precisa se estabelecer como uma política de Estado, permitindo a continuidade de práticas exitosas, e, quando necessário, mudanças para corrigir os erros. Não há como pensar em qualidade de sistema de saúde sem se voltar para todos os trabalhadores de saúde. Outro aspecto a ser tratado é a questão dos principais fatores relacionados à qualidade da saúde individual e populacional. Há de se regionalizar a saúde garantindo a independência das diversas regiões na questão de atendimento e cuidado. O POVO – Que obstáculos existem para a melhoria do serviço de saúde? E que soluções podem ser apresentadas? Cabeto – A educação está entre os cinco principais domínios para garantir uma boa saúde. É, ainda, capaz de produzir inclusão social, além de especificamente habilitar as pessoas para o autocuidado. Ou seja, estabelecer uma mudança no comportamento e no processo de adoecimento. Noutra vertente, a educação e a ciência desencadeiam movimentos disruptivos essenciais para a evolução civilizatória, quando disponibilizam diagnósticos e soluções para problemas complexos, quer seja pela análise mais precisa e crítica de dados, quer pela incorporação de soluções tecnológicas e inovação, dentre elas a inteligência artificial. O POVO – Qual o papel da educação no processo? Cabeto – O Ceará precisa avançar, tratar bem aos mais necessitados, e, também, investir nas pessoas, fixar e atrair talentos, promovendo um ciclo virtuoso entre conhecimento-desenvolvimento econômico e social.
PERFIL
EDNARDO
O pavão cearense Apto promotor cultural, Ednardo colocou as dunas de Fortaleza no imaginário popular brasileiro SARA MAIA / O POVO
CURIOSIDADE
Em entrevista ao O POVO, em 2005, Ednardo contou que ele e outros cearenses moraram em São Paulo na rua Oscar Freire, 1500 - Pinheiros. A casa estava emprestada para Belchior pelo cineasta Mário Kuperman
PERFIL
Nome: José Ednardo Soares Costa Sousa (Ednardo) Nascimento: 17 de abril de 1945 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Química pela Universidade Federal do Ceará
“Uma cidade sem cultura própria é totalmente dominada, vira terra de ninguém” 82
Existem muitos pontos de começo para a história de Ednardo. Vasculhando as várias entrevistas, recolhendo nomes igualmente famosos dos cearenses que decidiram migrar para o Sudeste na tentativa de viver da música, a imagem mais marcante foi a de Ednardo em um fusquinha. Ele saiu definitivamente de Fortaleza em 1972, mas desde 1969 já sondava espaços que ecoassem as músicas do rapaz de vinte e tantos anos. Então, pegou um fusquinha, o melhor amigo de qualquer viajante obstinado, e dirigiu por cinco dias a estrada comprida para São Paulo. “Eu estava com meus sonhos, e a vontade inabalável de fazer alguma coisa”, relembra em entrevista ao O POVO em 2005, para a então repórter Eleuda de Carvalho. E ele podia fazer muito: dos 10 aos 15, aprendeu a tocar piano — o que conferiu a ele a habilidade de compor melodias de qualidade —, aos 23 anos ensinou a si mesmo a tocar violão. Amigo de Belchior, ele já sabia que a vida no Sudeste era dura. Sabia que ficar longe da família era estranho, que todo filho do Ceará não escapa do desejo de voltar para casa toda a vida. Mas também por isso, Belchior o chamava: por companhia, para juntos serem um mais forte. “Não tem glamour nas dificuldades iniciais, todas são definitivas na decisão de ficar ou voltar, quando não temos por perto amigos, amigas, família. Quando estamos sós, quando se olha pro oco do mundo e nada do mundo olha pra você... O baque que sentimos é considerável, só os fortes resistem.” Em plena ditadura militar, era impossível formar grupos mais organizados sem parecer uma ameaça ao poder. Por isso, o Pessoal do Ceará e tantos outros grupos migratórios encontravam-se perambulando pelas ruas à noite, meio ao acaso. Baque atrás de baque, morando de favor, vivendo naquela vontade de ser visto e também garantir que a carne do corpo sobreviva, um dia Ednardo venceu. “Pavão Mysteriozo” (1974) com certeza foi uma das músicas divisoras de águas para o cantor, mesmo tendo debutado em 1973 com o icônico disco “Pessoal do Ceará - Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem”. Para o Sudeste mercadológico, só então exposto à melodia e percurssão nordestina mais modernizadas, “Pavão Mysteriozo” soava esquisito. “Achavam estranhas nossas letras, músicas, ritmos”, conta Ednardo, ainda em 2005. “O produtor Walter Silva disse: ‘O pessoal da gravadora não está gostando das músicas e principalmente deste Pavão Mysteriozo, com ritmo não conhecido e com
palavras não usuais para o grande público mas, justamente por isso, acho que vai ser um grande sucesso’.” Dois anos depois, a fala profética de Walter se concretizou. A música virou tema da abertura da novela “Saramandaia”, da Rede Globo, e pronto! Virou hit. Aproveitando a onda, lançou o álbum “Berro” (1976), com a música “Passeio Público”, homenageando Bárbara de Alencar e Padaria Espiritual introduzindo o movimento cearense ao Brasil. De um jeito ou de outro, Ednardo é um político cultural. Um artista político. Quase uma sina para aqueles que viveram e sobreviveram à ditadura militar brasileira. Foi mais pro fim da ditadura, em 1979, que Ednardo promoveu a grande “Massafeira Livre”, unindo diferentes expressões artísticas cearenses no Theatro José de Alencar. Para ele, o festival foi o maior acontecimento cultural do Ceará nas últimas décadas. Às Páginas Azuis de 12 de abril de 2004, em entrevista com o então repórter Felipe Araújo, Ednardo relembrou momentos de repressão durante a ditadura militar. Os policiais “grilaram” com a gravação do disco “Massafeira” e invadiram o hotel onde os 200 artistas participantes, incluindo Ednardo, estavam hospedados. Agrediram e prenderam alguns. Mas não foi só isso: o cantor foi censurado, agredido, detido em uma daquelas prisões relâmpago, teve a casa em Fortaleza invadida. Foi o “escuro da noite”, sofrido; episódios que ele prefere tentar esquecer, deixar no passado. Bom, com uma carreira tão marcada pelo amor à Fortaleza e ao Ceará, fruto de uma geração artística forte e internacionalmente reconhecida, é difícil para Ednardo ver o movimento artístico promovido pela Capital atualmente. Em entrevista à então repórter do O POVO Natália Paiva, em 2007, o cantor falou sobre como Fortaleza se transformou em uma cidade turística, com a Beira-Mar avançada em prédios e com artistas locais menosprezados. “A gente vê umas coisas malucas. É aniversário de Fortaleza aí chama uma pessoa que não tem... Eu adoro a Rita (Lee), mas aí eu fico imaginando o link que ela tem com essa cidade”, explica, destacando que a fala não é uma crítica à Rita e outros artistas brasileiros. “Não é xenofobia, bairrismo. Estou falando sob a perspectiva de um projeto artístico, cultural para a Cidade. Uma cidade sem cultura própria é totalmente dominada, vira terra de ninguém”, diz. “Os músicos daqui devem sofrer pra caramba com esse tipo de coisa”, reflete. Não serem tocados nas rádios locais, receberem espaços pequenos para fazerem shows… Não é de surpreender que muitos continuem imigrando como Ednardo fez nos anos 1970. “Por incrível que pareça, a pessoa só é respeitada aqui quando sai e faz sucesso fora. É uma espécie de comportamento que cada vez mais ganha uma ambiência maior. E isso diminui a autoestima do povo.”
ARQUIVO O POVO
PERFIL
EDSON QUEIROZ Empreendedor visionário
CURIOSIDADE
A história do trágico acidente aéreo que vitimou Edson Queiroz e outras 134 pessoas foi contada no documentário “Voo 168: a tragédia de Aratanha”, lançado no OP+, plataforma multi streaming do O POVO, em 2022
Foi na cidade litorânea de Cascavel que nasceu um dos empresários de maior destaque do Ceará, Edson Queiroz. Nascido em abril de 1925, foi o primeiro filho homem do casal Genésio e Cordélia Antunes Queiroz, o segundo de seis irmãos. Seu nome foi uma escolha da mãe, que amava música e adorava cantar. À época, a família da Cordélia era uma das únicas a ter gramofone a manivela. Aos sete anos, ele e a família passaram a residir em Fortaleza. Do pai, herdou o tino para os negócios. Genésio era dono de um armazém, onde importava diversos tipos de produtos de outros estados nordestinos e do Sul do País, como feijão, arroz e açúcar. À época da guerra, passou a ser conhecido como o “rei do açúcar”. Aos 10 anos, Edson já o ajudava no armazém, realizando pequenos serviços de limpeza ou de entrega. Aos 15 anos foi nomeado gerente, sendo o responsável por abrir o armazém cedinho, depois ia para escola e voltava para trabalhar até as 21 horas, para o fechamento do caixa. Aos 20 anos, suas estratégias de negócios renderam-lhe a sociedade com o pai, onde passou de 5% para 30%. Foi um dos 80 primeiros cearenses a ter carro naquela época. Em 8 de setembro de 1945, casou-se com Yolanda Pontes Vidal, com quem teve seis filhos: Airton José, Myra Eliane, Edson Filho, Renata, Lenise e Paula. Em 1945, passou a revender automóveis no Rio de Janeiro. Ele comprava veículos excedentes no Ceará e os revendia no mercado carioca, onde a procura era bem maior.
PERFIL
Nome: Edson Queiroz Nascimento e morte: 12 de abril de 1925 - 8 de junho de 1982 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Cascavel (CE) Formação: Contabilista, comerciante e empresário fundador do Grupo Edson Queiroz 84
Com os lucros obtidos nos negócios, em 1947, montou a Loteria Estadual do Ceará, em sociedade com o pai e os empresários Pedro Wilson Maciel Mendes e Jonas Carvalho da Silva. No ano seguinte, graduou-se contabilista. Ainda não havia cursos de Administração de Empresas. No curso técnico de Contabilidade do Colégio Padre Champagnat, ele encontraria as ferramentas que estava precisando para fundamentar sua ação de empresário em começo de carreira. Em 1951, ingressou no mercado do gás, com a Norte Gás Butano. Dois anos mais tarde, para baratear o transporte dos botijões de gás entre a refinaria de Mataripe, na Bahia, e o porto de Mucuripe, em Fortaleza, organizou a Edson Queiroz Navegações, com cinco barcaças. Notabilizou–se no ramo ao ponto de, em 1973, ser o terceiro maior distribuidor do produto no País. Na diversificação de negócios, também passou a fabricar fogões com a Esmaltec; entrou no ramo de envasamento de água mineral, com a Indaiá; no beneficiamento de castanha-de-caju; e no setor educacional com a criação da Fundação Edson Queiroz e a Universidade de Fortaleza (Unifor). Também enveredou no mercado de mídias, adquirindo, em 1962, a Rádio Verdes Mares AM, com foco no Jornalismo, e montando mais tarde também a TV Verde Mares, afiliada da Rede Globo, além de um jornal impresso e rádio FM. Seu último feito em vida foi em 2 de junho de 1982, a criação da Escola de Aplicação Yolanda Queiroz, instituição gratuita de educação infantil e ensino fundamental para filhos de funcionários da Unifor e da vizinha Comunidade do Dendê. Seis dias depois, faleceu em um trágico acidente aéreo, na Serra da Pacatuba. Além dele, outras 134 pessoas morreram. Em setembro de 2022 foi lançado o livro “Edson Queiroz – Uma biografia”, escrito pelo jornalista Lira Neto. A biografia traz uma frase de Edson escrita à mão: “Se algum dia vocês forem surpreendidos pela injustiça ou pela ingratidão, não deixem de crer na vida, de engrandecê-la pela decência, de construí-la pelo trabalho”.
AURÉLIO ALVES / O POVO
PERFIL
ELMANO DE FREITAS O desafio da continuidade PÁGINA 22
Política
FORTALEZA - CE, DOMINGO - 28 DE OUTUBRO DE 2012
Campanha] Elmano diz que maior acerto foi apostar em Luizianne
FÁBIO LIMA/DIVULGAÇÃO
Ao fazer um balanço da campanha, Elmano de Freitas diz que o maior acerto foi apostar na exposição da prefeita Luizianne Lins e da sua gestão, enquanto o maior erro foi demorar a romper a aliança com Cid Marcos Robério
marcosroberio@opovo.com.br
A
pós mais de três meses intensos de uma das campanhas mais acirradas da história de Fortaleza, Elmano de Freitas (PT) chega ao dia decisivo. Na bagagem, uma experiência que, independente do resultado das urnas, dificilmente será esquecida. O estilo reservado e pacato foi o que ele primeiro precisou mudar. “Saio diferente e acho que a principal coisa é a exposição da sua vida pessoal e política, que passa a ser apresentada por inteiro à população”, diz Elmano, na entrevista abaixo, feita logo após seu último ato de campanha em palanque, na quinta-feira. Para Elmano, o grande acerto foi apostar na exposição do modelo da atual gestão e na imagem da prefeita Luizianne Lins (PT). Por outro lado, acha que o maior erro foi deixar a negociação da aliança com o governador Cid Gomes (PSB) se arrastar por muito tempo. “Um erro foi termos insistido tanto em uma aliança que ficou claro que o outro lado não queria.” O POVO - Após campanha cansativa e muito disputada, o senhor sai diferente deste processo? Em que aspectos? Elmano de Freitas– Saio diferente e acho que a principal coisa é a exposição da sua vida pessoal e política, que passa a ser apresentada por inteiro à população. Sempre tive uma vida bastante reservada e, na campanha, você se apresenta por inteiro. Isso teve uma grande alteração em mim, porque muda meu jeito de ser. Saio da campanha uma pessoa muito mais expansiva. Sempre tive muita facilidade de me relacionar com as pessoas, mas de partida eu sempre era muito recatado. OP - Isso atrapalhou no começo? Elmano – Era uma relação de aproximação lenta para um processo de disputa eleitoral, que exige que você seja muito mais rápido. Então fui aprendendo isso com o próprio povo. Eu ouvia coisas como “fica mais à vontade”, e alguns diziam “sorria”. Evidente que isso é num crescente, porque no início eu era desconhecido do grande público e agora já sou bastante conhecido, então essa relação vai sendo crescente. Na medida em que eu fui sendo mais conhecido, fui me soltando mais. Acho que ficou na medida adequada. OP - Qual a grande lição que a campanha deixou? Elmano – A coisa que mais me marcou foi ver que na
O quê ENTENDA A NOTÍCIA Elmano foi a aposta política da prefeita Luizianne Lins para esta eleição. A insistência da prefeita em banca-lo foi um dos fatores que culminaram com o rompimento da aliança entre PT e PSB em Fortaleza.
periferia da Cidade e mesmo em alguns setores médios as pessoas fazem um trabalho muito voluntário em prol das outras. Muito mais do que eu conhecia. Vi gente com trabalho com drogados, com moradores de rua... Também me surpreendeu de maneira muito positiva a religiosidade do nosso povo. Sou de igreja, assisto missa, mas o que eu senti em eventos da campanha foi que o povo de Fortaleza tem uma religiosidade muito profunda. Culturalmente é uma coisa muito bonita de ver. OP - Há algum erro que o senhor admite ter cometido durante a campanha? Elmano – Erro pequeno tem, mas não me lembro de nenhum erro grave. Talvez um erro foi termos insistido tanto em uma aliança que ficou claro que o outro lado não queria. Isso foi um erro. Fomos responsáveis também, mas eles deram muitos sinais de que não queriam manter essa aliança. Fizemos uma aposta muito profunda de que o Cid (Gomes, governador) iria dirigir o processo politico, com uma aliança que tínhamos, e ele abriu mão disso para fazer o Ciro (Gomes) dirigir o processo. Quando ele fez isso construiu um processo antipetista na cidade. Achamos que ele seria capaz de se afirmar como uma liderança. Infelizmente ele propôs não ser a maior liderança. Acho que demoramos a entender que isso estava claro. OP - Por outro lado, qual o grande acerto? Elmano – A coisa mais acertada que fizemos foi ter uma posição clara, desde o começo, de que somos de um projeto que está dando certo na Cidade, e de que iríamos para a campanha apresentar o que tínhamos feito. Muita gente achava que a gente ia esconder a Luizianne e a Prefeitura. Não fizemos
isso e foi o maior acerto, porque afirmamos o projeto e tivemos sinceridade de dizer ao povo o que fizemos e o que ainda não fomos capazes de resolver. Alguns problemas são históricos e tem coisas que queremos corrigir. Tínhamos muita segurança que tínhamos que fazer isso, mas, além disso, acertamos no tom de fazer. Não foi só uma campanha de dizer o que a gente fez. Não podíamos cair nessa armadilha. OP - Qual a imagem mais marcante que fica dessa Fortaleza que você conheceu na campanha? Elmano – A cena mais marcante foi quando eu ainda era secretário de Educação. Uma escola ia ser fechada. Fui lá como secretário. Essa escola ficava dentro da favela. Quando eu entrei nas ruelas – na comunidade Garibaldi – que vi que aquelas crianças iam perder a escola, foi mais forte que qualquer cena que eu vi na eleição. Meninos com esgoto a céu aberto, sem saneamento básico e, ao mesmo tempo, as crianças indo para a escola banhadas, arrumadas. Era uma comunidade muito pobre e, ao mesmo tempo, os pais viam naquela escola o sonho para uma vida melhor. OP - No que a campanha mudou a sua compreensão da cidade? Elmano – A campanha me deu muita consciência do quanto a cidade é diversa. Uma cidade com muitos grupos culturais, pessoas de comportamentos muito variados, na cultura, no trabalho, na relação com a família, na religiosidade. Fortaleza é muito mais diversa do que a gente é capaz de imaginar. OP - E isso também é um desafio... Elmano – Sim, mas é muito gratificante também vermos na diversidade como o povo ama a cidade. Naquela região das Regionais V e VI, fico olhando às vezes os jovens e crianças. Acho que uma pessoa de classe média morando naquelas condições talvez tivesse uma relação com a vida muito amargurada. E aquelas pessoas têm uma relação com a vida que me impressiona. OP - A campanha foi muito tensa, sobretudo no segundo turno. Você tem alguma mágoa ao final desse processo? Elmano – Mágoa não fica, mas fica uma avaliação política. Acho que temos que deixar a eleição passar, baixar a poeira, e sentarmos na direção do partido para avaliarmos claramente qual vai ser a nossa relação
Elmano: “um erro foi termos insistido tanto em uma aliança que ficou claro que o outro lado não queria”
FIZEMOS UMA APOSTA MUITO PROFUNDA DE QUE O CID IRIA DIRIGIR O PROCESSO POLITICO COM UMA ALIANÇA QUE TÍNHAMOS E ELE ABRIU MÃO DISSO PARA FAZER O CIRO DIRIGIR O PROCESSO MUITA GENTE ACHAVA QUE A GENTE IA ESCONDER A LUIZIANNE E A PREFEITURA. NÃO FIZEMOS ISSO E FOI O MAIOR ACERTO
com o projeto político representado pela família Ferreira Gomes no Ceará. Fizemos uma aposta. Acho que temos motivos suficientes para pensar que essa aposta apresentou muitos problemas. Diria que o principal problema é que há uma cultura lá de que, para estar com eles, eles têm que ter o mando. E isso é um elemento muito grave para a história que temos no partido, porque temos alianças sempre muito respeitosas. E exigimos que sejam assim conosco. Essa é uma lição que temos que aprofundar, mas prefiro fazê-lo de maneira mais serena, passada a eleição, depois de alguns dias. OP - A falta de apoios no segundo turno não revela uma falta de habilidade política? Elmano – Não, o caminho foi muito mais por uma questão de estrutura do que de programa. Os candidatos mais independentes, como o Renato (Roseno) e o Heitor (Férrer), optaram por ficar neutros. Quando conversei com o Moroni (Torgan), eu disse: “Moroni, é uma questão de coerência sua (ficar independente)”. Fui lá para parabenizá-lo e perguntar o que ele estava pensando da vida. “Não tem lógica, pela campanha que você fez, porque você falava das duas máquinas – nós e eles. Como é que você não me apoia e apoia ele?” Mas é claro que ele tem independência. Com o PCdoB tenho uma avaliação diferente, porque temos
CURIOSIDADE
uma história de aliança e tenho tranquilidade que caminharemos juntos no futuro. O PCdoB está apoiando o outro candidato, mas não é o suficiente, da minha parte, para a gente ter um processo de afastamento. Agora, vai depender do PCdoB, porque se nós vamos fazer uma avaliação depois do grupo Ferreira Gomes e entender que temos que construir outro caminho, o PCdoB vai ter que tomar um rumo na vida. OP - Quanto da sua ida ao segundo turno você atribuiria ao ex-presidente Lula? Elmano – Não sei medir, mas é muito forte. Porque o Elmano é um candidato desconhecido. À medida que ele é apresentado com o Lula, foi muito bem apresentado. É como se eu chegasse numa família e quem me apresentou a essa família foi a pessoa mais querida da família, dizendo que eu sou uma pessoa legal, em quem as pessoas podem confiar. Mas se, mesmo o Lula apoiando, tivéssemos um governo fracassado, não teríamos nem ido ao segundo turno. Isso não quer dizer que a presença do Lula não é muito forte. Eu poderia dizer que é mais de 50%. Em uma eleição são muitas forças propulsoras. O PT unido é uma força propulsora muito forte e isso foi muito importante para o Lula vir para a campanha. E a Luizianne também teve um papel muito importante.
Elmano venceu a eleição de 2022 com 2.808.300 votos, alcançando 54,02% dos votos válidos. Ele obteve maioria no pleito em 178 das cidades cearenses
Antes de vencer as eleições para governador do Estado em 2022 ainda no primeiro turno, Elmano de Freitas (PT) havia passado toda a década anterior participando de disputas pelo voto dos cearenses, seja de Fortaleza, seja do Interior. Entre 2010 e 2020, o advogado concorreu a prefeito da capital (2012 e 2016) e de Caucaia (2020). Esteve perto de se eleger sucessor de Luizianne Lins (PT), mas foi derrotado por Roberto Cláudio, à época recém-saído da Presidência da Assembleia Legislativa para postular o cargo. Em 2014, com o recall da briga pelo Paço, Elmano conseguiu uma cadeira na mesma Alece de onde RC havia saído para administrar Fortaleza. Reelegeu-se em 2018, sem dificuldades. Não havia logrado êxito em nenhuma das vezes que tentou ocupar o Executivo. Até 2022, quando se impôs aos adversários da corrida, um deles velho conhecido – o agora ex-prefeito Roberto Cláudio. Elmano nasceu no município de Baturité. A mãe, professora. O pai, agricultor. Deles herdou o gosto pelos estudos e pelo trabalho popular. Formou-se em Direito pela UFC, atuou no movimento estudantil e defendeu a causa dos trabalhadores sem terra em todo o Estado. Sua primeira eleição foi ainda em 1996, quando tentou a vereança na própria cidade natal, mas passou longe de vencer. Depois disso, empenhou-se em ajudar Luizianne a chegar à Prefeitura, tarefa cumprida em 2005. Esteve na gestão petista a partir do segundo mandato. Nela, foi coordenador do Orçamento Participativo e secretário da Educação na reta final do governo municipal, posto no qual ganhou protagonismo, tornando-se candidato do PT em 2012. Naquele ano, porém, a via-crúcis do partido no âmbito nacional estava apenas começando. Os tempos que se desenhavam no horizonte eram pessimistas. Já na campanha, Elmano precisou responder a questionamentos sobre
PERFIL
Nome: Elmano de Freitas da Costa (Elmano de Freitas) Nascimento: 12 de abril de 1970 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Baturité (CE) Formação: Advogado e político 86
as primeiras denúncias no plano federal que atingiam o governo Dilma ou de legendas aliadas. Some-se a isso certo desgaste dos oito anos de gestão Luizianne, e o candidato petista ficou pelo caminho. Ao O POVO, em outubro de 2012, instado pelos entrevistadores a fazer um balanço da campanha à Prefeitura, Elmano respondeu: “Talvez um erro foi termos insistido tanto em uma aliança que ficou claro que o outro lado não queria”. O outro lado, Elmano explicaria, era Cid Gomes, então governador e aliado de RC – hoje os dois estão praticamente rompidos, mas isso é outra história. “Fizemos uma aposta muito profunda de que o Cid iria dirigir o processo político, com uma aliança que tínhamos, e ele abriu mão disso para fazer o Ciro dirigir o processo”, avaliou o nome do PT. Nessa década, porém, muita água correu sob a ponte. Elmano foi eleito ao Abolição com apoio indireto de Cid e contrariando orientações de Ciro, que repetiu a aposta em RC, desta vez sem sucesso. Com mais apoios a seu lado do que em 2012, a exemplo do ex-governador e hoje ministro Camilo Santana (Educação), o advogado petista fez o que parecia improvável no início da campanha: ganhou no primeiro turno, com Jade Romero (MDB) de vice, reeditando a parceria entre Camilo e Izolda Cela (ex-PDT). No dia em que se lançou candidato, com a presença de Lula e Camilo em Fortaleza, Elmano perdeu o pai, o seu Odilon, aos 93 anos, que não pôde ver o filho de agricultor chegar ao posto mais alto da administração pública do Ceará.
TATIANA FORTES / O POVO
ENTREVISTA
ESPEDITO SELEIRO O Cariri em couro e cor
Espedito Seleiro coloriu o Cariri e o Brasil quando passou a usar cúrcuma e outros tingimentos naturais no couro de boi. Com um coração marcando todas as produções, o mestre da cultura é um dos nomes caririenses mais conhecidos no mundo, principalmente após estampar passarelas e decorar museus. Humilde, gentil e tranquilo, ele sempre agradece o sucesso a quatro entes: o pai, o avô, a Deus e o boi. O POVO - O senhor fala que o boi é um animal abençoado. O que isso significa? Espedito Seleiro- O boi é abençoado porque do boi a gente faz a vida, sabe? A gente vive do couro do boi, a gente vive do osso do boi. Até o estrume do boi serve pras plantas, pras plantas ficar bonita, crescer. O boi é abençoado por isso… Por exemplo, pra mim tem que agradecer muito a Deus e também o boi. Porque eu trabalho mais com o couro do boi, e todas as peças que a gente faz o povo gosta e compra, aí não tem o que falar mal desse animal, né? O POVO - E o senhor foi homenageado duas vezes pelo Governo do Ceará pela sua contribuição com a cultura cearense… Espedito - Eu tenho que agradecer a Deus e ao pessoal da cultura, que estão dando valor e têm que fazer isso mesmo. Tem que incentivar as pessoas mais novas que não entendem da cultura, não sabem o que é cultura, né? Se a gente não fizer isso, vai findar se acabando. O POVO - O que seria do Ceará se não fossem os vaqueiros e os seleiros? Espedito - Eu gosto de falar o seguinte: se não fosse a nossa cultura, o nosso Brasil era muito ruim, sabe? Principalmente pras pessoas que têm uma renda bem baixinha. A renda seria pior se não fosse a cultura. Porque a nossa cultura chama a atenção do
PERFIL
Nome: Espedito Velozo de Carvalho (Espedito Seleiro) Nascimento: 29 de outubro de 1939 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Arneiroz (CE) Formação: Aprendeu o ofício de seleiro com o pai, profissão da qual faz arte e produz calçados, bolsas, chapéus, carteiras, bancos, poltronas, além das selas, gibões e outros elementos da cultura vaqueira 88
pessoal de fora do Brasil e vem pra aqui pra nossa região, principalmente aqui no Cariri. E o artesanato principalmente, porque se você for inteligente e souber o que é o artesanato, é uma coisa que você faz sem precisar gastar muito dinheiro. Não precisa empregar dinheiro com máquinas caras, essas coisas que existem nas fábricas. O artesanato é uma coisa manual, se precisar a gente faz uma ferramenta para fazer a peça e, principalmente eu, que eu já me achei numa época que o couro estava se acabando. Eu mantive isso com muito sacrifício, porque era uma dificuldade danada pra arrumar material e eu não queria trabalhar com sintético, eu queria manter a nossa cultura do jeito que eu comecei. O POVO - Ao longo da sua trajetória, em alguns momentos, o senhor já disse que pensou em desistir. Mas, se tivesse levado isso adiante, faz ideia do que estaria fazendo hoje? Espedito - Eu acho que eu já teria morrido (risos). Porque a melhor coisa do mundo é fazer a coisa que a gente gosta. Eu nunca gostei de fazer outra coisa a não ser trabalhar com couro, né? Mas eu tentei outras coisas pra fazer, quando arruinou pra vender, que não tinha mais material pra fazer… Pensei em desistir. Disse: “Eu vou criar um estilo próprio”, porque o artista quando é bom é igual fogo no lixão. Quando você taca fogo no lixão queima, queima, queima, você diz que apagou o fogo e sai tudo debaixo se queimando, se levantando lá na frente. Aí foi o que eu fiz. Aí quando eu criei o estilo próprio, passei a fazer os desenhos diferentes, aí que Deus ajudou e que a gente não dá conta das encomendas que a gente tem. Graças a Deus.
CURIOSIDADE
Espedito é devoto de Santo Expedido, mas também gosta de visitar São Francisco em Canindé e faz romaria anualmente para o Padre Cícero
PATRÍCIA ARAÚJO ESPECIAL PARA O POVO
PERFIL
EXPEDITO PARENTE O inventor do biodiesel
CURIOSIDADE
As Páginas Azuis do O POVO, de 2007, conta que apesar de Expedito Parente ter perdido a patente do biodiesel, ele é reconhecido em todo o mundo como pai do biodiesel
O engenheiro químico cearense Expedito José de Sá Parente, o Expedito Parente, registrou seu nome na patente do biodiesel, o que o tornou conhecido em todo o mundo. Nascido na capital cearense, Parente morreu aos 71 anos também em Fortaleza, no Ceará. Chegou a contar em entrevistas que foi apelidado de “poeta da tecnologia”, nos anos 1980, quando tornou-se público o projeto do biodiesel que começou a trabalhar ainda na década de 1970. Anos depois a patente venceu e o combustível tornou-se de domínio público. Na composição do novo combustível, Parente, que também foi professor emérito da Universidade Federal do Ceará (UFC), utilizou óleos vegetais. À época o consideraram louco pela invenção inovadora. A descoberta não se deu no ambiente de um laboratório tecnológico, mas sim da sua observação de uma vagem do ingazeiro, árvore de copa ampla, de madeira macia e que pode chegar a 20 metros de altura, que para Parente era semelhante à molécula do biodiesel. De acordo com materiais cedidos pelo filho, Expedito Parente Júnior, seu pai, em 1977, trabalhava na UFC com tecnologia, com processos de produção de álcool a partir de matérias-primas não convencionais, basicamente de celulose e de materiais como mandioca, batata. “Isso me causava certa estranheza, porque eu via que, com o Proálcool, nós estávamos resolvendo o problema errado. Por quê? Porque a matriz energética dos combustíveis brasileiros deve contemplar o transporte, que é feito com óleo diesel. O álcool é para veículo de passeio”, dizia. Um certo dia, ele estava em seu sítio, em Pacoti, sozinho tomando uma cachaça na beira de uma cachoeira e debaixo de um ingazeiro. De repente, olhando para uma vagem de ingá, ele viu a molécula do biodiesel. “Era assim, comprida, lá dentro tinha uns grãos ligados... Aquilo tem óleo... Tudo aquilo, aquele arquétipo da natureza fomentou a molécula do biodiesel, com os ésteres de ácidos graxos”, contou.
PERFIL
Nome: Expedito José de Sá Parente (Expedito Parente) Nascimento e morte: 20 de outubro de 1940 13 de setembro de 2011 Nacionalidade Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Engenheiro químico pela Universidade do Brasil (hoje UFRJ)
90
Dois dias depois, no laboratório, ele fez a síntese a partir do óleo de algodão, que era o óleo que ele tinha, porque se usava naquela época para cozinhar. E examinando a substância, verificou que a viscosidade e as características aparentes se assemelhavam às do óleo diesel. “Então eu fiz um ensaio de combustão num algodão. Aí eu vi que queimava muito bem, e a chama era muito bonita, muito viva. Então, durante a semana, eu produzi dois litros desse combustível”, relembrou. Para ter um apoio oficial para desenvolver o biodiesel, chegou a criar querosene de aviação à base de óleo vegetal, em parceria com a Aeronáutica, no início dos anos 80. Era o chamado Prosene, que teve a patente concedida à Aeronáutica. Com graduação e mestrado pela Universidade do Rio de Janeiro, o criador do biodiesel morou parte do tempo na Europa e no retorno dedicou-se às pesquisas na UFC. Ela era um apaixonado por bionergia. Seus trabalhos culminaram no Programa Nacional de Biodiesel. Também criou um sistema de produção de alimentos de baixo custo e alto valor nutricional com foco em crianças carentes, inspirado na sua filha adotiva Livia. Ele apelidou o projeto de vaca mecânica, uma máquina para fazer leite de soja. Participou com suas ideias e inovações como assistente de vários governos estaduais, como São Paulo e Piauí. Em 1994, aposentou-se como professor, mas continuou como empresário. Em 2005, ganhou prêmio após apresentar o projeto do bioquerosene, criado junto com o biodiesel, numa conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) na China.
DIEGO CAMELO / O POVO
ENTREVISTA
FALCÃO “I’m not dog no”
uma moçada nova que está estudando e pesquisando muito. Tenho certeza que vai aparecer coisa boa por aí.
Se Falcão hoje é também conhecido como humorista, a culpa é do O POVO. No começo dos anos 1990, o jornal fez matéria de capa sobre o boom do humor cearense estampada com vários rostos, entre eles o de Falcão. Tudo porque ele aproveitava para soltar umas piadas durante os shows, além de ter um repertório musical baseado na gaiatice. No final das contas, não se incomoda, desde que faça-se juz ao vasto currículo artístico-profissional. Falcão é cantor, compositor, humorista e agora ator. Em entrevista ao O POVO, ele rememora a influência do pai na leitura assídua, a primeira vez que comprou um jornal O POVO e conversa sobre internet, cultura e o Pessoal do Ceará. Tudo com uma condição: não chamá-lo de senhor.
CURIOSIDADE
Falcão começou a misturar português e inglês nas músicas como uma crítica à rádio FM por apenas tocar músicas em inglês
O POVO - Sua música sempre foi super irreverente e gaiata. Ainda tem gente que faça música assim ou está em falta? Falcão - Infelizmente não tem mais. O que tá acontecendo na música brasileira, e acho que mundial, é essa história de que é muito fácil fazer sucesso por causa da internet. O cara inventa umas dancinhas, inventa num sei quê, umas letras muito ruins e é um estouro danado e todo mundo acha que é compositor. Então nesse sentido tá difícil. E eu que sou um cara que até que pesquiso muito isso, recebo muita música, mas peneirando tudo, é muito difícil escapar alguma coisa que se aproveite. Eu acho até que vai acontecer, porque são ciclos, cada década tem uma coisa que tá voltando e eu tenho notado que tem
PERFIL
Nome: Marcondes Falcão Maia (Falcão) Nascimento: 16 de setembro de 1957 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Pereiro (CE) Formação: Arquitetura na UFC, humorista, cantor, compositor e ator
O POVO - Qual é a sua lembrança mais querida da época com o Pessoal do Ceará? Falcão - Costumo até brincar com o Fagner que não sou da turma dele, mas tive o grande prazer e a sorte de conviver com eles, de ser produzido pelo Fagner. É aquela história que falei, dos ciclos. Teve aquele ciclo dos anos 1970, 1980, com o Pessoal do Ceará. E aí estou esperando de volta outro ciclo também na música cearense. Mas a grande lembrança deles todos é esse aprendizado que eu tive com eles. Eu peguei um trecho de cada um dos três grandes cearenses: A genialidade do Belchior nas letras, não que eu seja gênio como ele, ele é demais, é maior. A do Fagner é essa história da “latinidade”, da coisa “sanguínea”, e do Ednardo é a parte melódica. São as grandes lembranças que tenho, grandes aprendizados de cada um dos três. O POVO - Você é bem ativo nas redes sociais. Como é estar inserido nesse ambiente? Falcão - Eu fico muito “boquiabrido” com a internet. Cada vez me surpreende mais. Não só com a falta de escrúpulo das pessoas, de acharem que estão escondidas atrás de um nickname, a falta de educação, a falta de cultura, a falta de conhecimento social e político, principalmente. Isso tudo me irrita. Antes de achar engraçado, eu fico muito mais irritado com as redes sociais do que com outras coisas. Mas eu acho que a gente que é conhecido, famoso, a gente tem um papel de educador nesse sentido. Eu entro lá pra repreender, pra corrigir, pra até “passar carão” em algumas pessoas que estão fora do contexto. Mas também não sou muito de ficar batendo boca. 91
EDMUNDO SOUSA / O POVO
PERFIL
FARES CÂNDIDO LOPES Parte do futebol cearense
CURIOSIDADE
A Copa Fares Lopes dá ao seu vencedor uma vaga na Copa do Brasil e da Copa dos Campeões Cearenses do ano seguinte
Um seresteiro que se descobriu dirigente de futebol. Exerceu a missão durante décadas de sua vida, com firmeza, polêmica e dedicação. Tem uma Copa com seu nome e inúmeras iniciativas que fazem parte da história do futebol cearense. Fares Cândido Lopes nasceu em 16 de outubro de 1934 e morreu em 19 de dezembro de 2004. Filho de cinco irmãos, torcedor do Fortaleza e nascido em Orós, deixou uma história de coragem e amor ao futebol. Um homem sério, que em 1993 assumiu a Presidência da Federação Cearense de Futebol (FCF) e lá fez história. Na edição do O POVO de 4 de outubro daquele ano, logo após sua sucessão, Fares criticou o mercado dizendo que “hoje o nosso futebol é o eldorado do futebol nordestino” e afirmou que a Comissão Brasileira de Futebol discriminava o Nordeste. Na mesma página do jornal, disse gostar de cachaça e ter o sonho de que a “juventude saia da faculdade e tenha emprego garantido”. Fares Lopes viveu 12 anos e três mandatos consecutivos à frente da FCF e foi presidente do seu clube, o Fortaleza, por duas ocasiões. O mais novo de cinco filhos, que tinha como irmão o cantor Fagner, era comerciante antes de se envolver com o futebol, sua maior paixão. O primeiro contato com a modalidade foi como dirigente no futebol de salão, na década de 1960. Em seguida, foi para o futebol de campo, no Fortaleza Esporte Clube (FEC). Em abril de 1991, assumiu a Presidência também da
PERFIL
Nome: Fares Cândido lopes (Fares Lopes) Nascimento: 16 de outubro de 1934 19 de dezembro de 2004 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Orós (CE) Formação: Dirigente esportivo 92
Fundação de Assistência ao Desporto do Estado do Ceará (Fadec), onde ficou por 11 anos. Foi também nas páginas do O POVO, que ele disse: “Quando saio de um canto, saio sem mágoa, sem rancor e sem saudade”. Seu maior ídolo não era nenhum jogador, mas o pai, José Fares Haddad Lupus, imigrante libanês. A paixão, além do esporte que gerenciava, era declarada aos netos, filhos dos dois filhos. Sua inserção no futebol cearense sempre foi destaque no O POVO, fosse nas páginas do jornal impresso, fosse no respeito da crítica esportiva. Seu jeito firme, cara fechada e fala certeira, além da virtude de tomar decisões sérias de forma rápida, deixaram características e são símbolos do futebol alencarino. Foi no meio de um dos mandatos à frente da Federação, cinco dias após completar 11 anos como o homem forte do futebol cearense, que ele sofreu uma parada cardíaca, em 19 de dezembro de 2004, e morreu. Entre as homenagens, uma frase que resumia muito a história do cearense apaixonado por futebol: “O Fares almoçava e jantava futebol, 24 horas. Só espero que Deus dê a ele um lugar reservado aos bons”, disse o então procurador geral do Estado, Wagner Barreira. Seis anos após sua morte, a competição alternativa ao Campeonato Cearense é criada e ganha seu nome: Copa Fares Lopes, que já teve 13 edições.
ENTREVISTA
AURÉLIO ALVES / O POVO
FAUSTO NILO O arquiteto da poesia
Arquiteto formado pela primeira turma da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fausto Nilo participou do desenho de pontos de vida efervescente em Fortaleza: o Dragão do Mar, o Mercado dos Peixes, o Mercado São Sebastião e a renovação da Praça do Ferreira. Como se as estruturas confortáveis e acolhedoras de tijolo não fossem suficientes, Fausto também estruturou letras e composições que capturam um Ceará poético e azul. Ao O POVO, Fausto rememora a infância, fala sobre urbanismo e compartilha detalhes de um processo criativo determinado.
CURIOSIDADE
“Casa Tudo Azul” era o nome do ponto comercial do pai de Fausto, em Quixeramobim. Era na casa onde moravam, que um dia pertenceu a Antônio Conselheiro
O POVO - Fausto, o senhor nunca gostou de ouvir sua voz gravada. Mas qual é a sensação quando finaliza uma obra arquitetônica? Fausto Nilo - São muitos momentos de reação. Primeiro, porque é uma profissão muito antiga essa que eu escolhi pra minha vida, e eu me tornei urbanista na prática, que exige muita disciplina e conhecimento de padrões. E eu gosto muito dessa característica. Ao mesmo tempo, é muito difícil a realização, porque é uma profissão muito pouco conhecida. E depois a gente tem muitos problemas no Brasil de pouca transversalidade, danos de administração do crescimento de cidades. Isso torna a profissão uma coisa que precisa muita dedicação, não dá para improvisar. Uma decisão que você toma no urbanismo, ela vai lhe cobrar a vida toda, aquela cidade, ela fica contigo o que há de bom, e o que há de problemática. O POVO - O Fausto cantor e compositor é muito diferente do Fausto arquiteto? Fausto - É parecido. Eu sou, nas duas atividades, a minha
PERFIL
Nome: Fausto Nilo Costa Júnior Nascimento: 5 de abril de 1944 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Quixeramobim (CE) Formação: Arquitetura pela Universidade Federal do Ceará (UFC), cantor e compositor
performance é muito persistente na melhoria. Às vezes, você faz rápido alguma coisa, é uma coisa meio casual assim também, mas normalmente eu reservo e admito, e aceito, que eu vou dedicar um tempo aqui. Essa dedicação, felizmente, me acostumou a adormecer e a acordar com esse desafio, sempre. Isso me faz muito bem, quando falta isso é… Eu acho assim vazio, me habituei com isso. Eu comecei a desenhar aos 8 anos de idade, entendeu? Hoje o meu escritório naturalmente usa computador, mas todo o projeto se inicia no meu lápis até hoje. O POVO - O senhor disse uma vez para O POVO que foi muito influenciado pelos cinemas das ruas na composição de algumas músicas… Fausto Nilo - No meu Interior, o cinema era aquele americano antigo. Vinha no trem, era um cara que distribuía. A música Dorothy Lamour tem muito a ver com isso, porque era uma atriz americana. E eu tenho uma cunhada que mora nos Estados Unidos, morava nessa época em Los Angeles, e a sogra dela é uma jornalista. Uma época eu fui passear por lá, e ela, por parte da minha cunhada, tomou conhecimento de que eu fiz essa música. Aí quando eu cheguei foi uma surpresa porque ela tinha marcado para a gente visitar a Dorothy Lamour, com 98 anos. Eu fiquei uma noite sem dormir, sabe? Mas eu não fui. Eu não tive coragem de ir, não (risos). Tinha havido uma coisa que lembrei: Giulietta Masina, a mulher do (Frederico) Fellini (diretor e roteirista italiano)... O Caetano tinha feito uma música que falava dela e alguém comentou que ela não gostou. Compreendeu? Eu fiquei com medo de que acontecesse comigo (risos). 93
TATIANA FORTES / O POVO
ENTREVISTA
FERNANDA PACOBAHYBA Primeira mulher no comando da Fazenda O orgulho das raízes sertanejas e a valorização da família contribuíram ao longo da vida para que Fernanda Pacobahyba tivesse disciplina, determinação e foco para trilhar um caminho de dedicação à população. Funcionária de carreira da Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará (Sefaz-CE), foi a primeira mulher a assumir o cargo máximo entre 2019 e 2022. O desempenho em manter a robustez da economia do Estado e a briga em relação à reforma tributária e a crise dos combustíveis no País com a questão do ICMS renderam a ela um convite do ex-governador do Ceará e ministro da Educação, Camilo Santana, para presidir, em Brasília, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), onde responde como presidente. Confira a entrevista exclusiva.
CURIOSIDADE Fernanda Pacobahyba ganhou destaque nacional durante as discussões sobre a mudança na tributação do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS)
O POVO – Qual o momento mais relevante na Secretaria da Fazenda do Ceará? Fernanda Pacobahyba - Tive a oportunidade de trabalhar com grandes mentes, o que fortaleceu em mim o valor do serviço público. Isso me inspirou a estudar ainda mais, a me profissionalizar e especializar na minha área de atuação. Tive a chance de exercer funções e cargos diferentes ao longo dos anos, conhecendo profundamente as particularidades não só do serviço público, mas do trabalho e papel do Estado na vida das pessoas. O POVO - Qual a importância de ter sido a primeira mulher a assumir a Sefaz? Fernanda - O ineditismo desse fato trouxe consigo as barreiras do machismo, ainda tão presente na nossa sociedade e que impede muitas de nós de exercer cargos de liderança. Não termos
PERFIL
Nome: Fernanda Mara Macedo Pacobahyba (Fernanda Pacobahyba) Nascimento: 10 de outubro de 1978 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Crato (CE) Formação: Doutora em Direito Tributário, auditora fiscal e gestora pública
94
um percentual razoável de mulheres ocupando cargos de relevância, gestão e até mesmo espaços políticos é algo que merece nossa atenção constante, mas que exige também um movimento da nossa parte. No Brasil, sabemos que o machismo estrutural ainda reside em diversos espaços na nossa sociedade. O POVO – À frente do FNDE, como avalia que a Educação ajuda em questões ligadas ao desenvolvimento econômico e social do País? Fernanda - A educação liberta, ilumina e nos empodera. É por meio dela que nos capacitamos para rompermos barreiras e que podemos operar mudanças estruturais e reais nas nossas realidades. Transformamos a sociedade não apenas investindo em educação, mas investindo nas pessoas que fazem a educação acontecer. Ofertando nossas oportunidades, inovando e buscando que nossas crianças e jovens tenham acesso a uma educação libertadora, com valores sociais, com ensinamentos de vida e com qualificação. Não há desenvolvimento ou mudança que não passe pela educação. Ela é o único meio de transformarmos a nossa realidade. O POVO - O que considera o melhor em ser cearense? Fernanda - Somos conhecidos como a Terra da Luz, porque a energia, a garra e a capacidade de realização e de romper barreiras do Ceará é algo que vem de gerações. Fomos a primeira província a libertar os escravos, temos a melhor educação pública do país, somos referência em saúde fiscal, acreditamos no poder do trabalho e da inovação. Somos o Estado do sorriso, com humor inteligente e irreverente.
EVERTON LEMOS / O POVO
ENTREVISTA
FRANCO NETO Passado, presente e futuro do vôlei de praia
CURIOSIDADE
Em 2012, Franco encerrou a carreira na areia em razão de um acidente, mas passou a atuar como gestor na Confederação Brasileira de Vôlei e acompanhou o destaque brasileiro no esporte e nas Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro
Franco Neto sempre soube que o esporte estaria para sempre em sua vida. Fosse natação, judô, futebol, basquete. Por ser alto, logo foi recrutado para os times das escolas. Numa delas, o treinador do futebol colocou o menino canhoto para jogar meio de rede e ali começaria a carreira do cearense no mundo do vôlei. Junto de Roberto, ele conquistou o Brasileiro em 1989, ficou em quinto no ano seguinte e na primeira participação em um Mundial, a dupla ficou em terceiro. Houve então visibilidade, mais jogos, patrocínios e a rotina intensa e sob pressão por resultados. Em fevereiro de 1994, eles foram a primeira dupla brasileira a conquistar o ranking no Circuito Mundial. Bicampeões mundiais, 1993 e 1995, Franco e Roberto são classificados para as Olimpíadas. Logo após a conquista, durante um Mundial, o jogador que despontou do Ceará para Atlanta, falou com O POVO e disse que os planos seriam descansar e depois retornar aos treinos nas quadras da Volta da Jurema. Agora com muito mais responsabilidade”. As Olimpíadas vieram e deixaram o ensinamento e a experiência tão importantes para todo atleta. Em 2002, depois de 15 anos de parceria, a dupla Franco e Roberto acaba e outras conquistas e campeonatos começam. Aos 41 anos, Franco Neto foi campeão brasileiro pela quarta vez.
PERFIL
Nome: Franco José Vieira Neto Nascimento: 11 de novembro de 1966 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Tecnólogo em marketing Estácio de Sá (20092011); MBA Gestão e Marketing Esportivo Trevisan (2012/2014); Curso Avançado de Gestão Esportiva-COB (2013/2014); MBA em Administração Pública (2017/2019)
O POVO - Quando o senhor soube que o vôlei de praia era uma paixão e que você seria jogador profissional? Franco Neto - Na Volta da Jurema, assistindo aos jogos e tentando uma oportunidade de jogar. Eu ia correr e via as pessoas jogando. Ali começou a minha paixão pelo vôlei de praia. Era um lugar point de Fortaleza e passava muita gente, que parava e ficava olhando. Foi aí que realmente eu me identifiquei muito com a praia, foi o esporte que mais me seduziu. Fiz vestibular e passei para Agronomia, mas era só para dar satisfação para o meu pai. Na faculdade disputei alguns campeonatos universitários, mas a partir de 1986 eu comecei a disputar campeonatos amadores. O nosso boom foi em 1989, quando a gente conseguiu uma classificação em Recife para disputar o Brasileiro no Rio de Janeiro e, entre 32 duplas, eu e o Roberto ficamos em primeiro. Eu fiquei lá para assistir ao Mundial, dias depois, na arquibancada, e fiz a promessa para mim mesmo que eu jogaria naquela Arena, que tinha 12 mil pessoas torcendo pelo Brasil. O POVO - Como o senhor vê o contexto do vôlei de praia no Brasil? Franco - Não temos uma política nacional bem definida, de quem faz o quê, são muitas instituições fazendo coisas, mas não necessariamente se completando. O contexto do vôlei de praia, e de todos os esportes no Brasil, os que são tidos como tradicionais (futebol, vôlei, basquete), sofrem bastante. Infelizmente, na última Olimpíada, que foi bem atípica, no meio da pandemia, não tivemos nenhuma medalha. Esperamos na próxima trazermos medalhas. O vôlei de praia é um esporte gerido pelo próprio atleta. Assim como o surfe, você não tem um clube, então representa a si mesmo, tem de ser gestor, contratar, ir atrás de patrocínio, coisa que, se for no vôlei de quadra, o clube se responsabiliza. Hoje, os clubes estão começando a investir no voleibol de praia. Mas esse é um desafio. 95
PERFIL
FREI TITO
Valores que enfrentaram a ditadura Frei Tito enfrentou a ditadura militar com o pensamento sobre igualdade e justiça junto aos mais vulneráveis. Foi torturado, no corpo, e a alma foi entregue a Deus
“É preciso dizer que o que ocorreu comigo não é exceção, é regra. Raros os presos políticos brasileiros que não sofreram tortura” 96
REPRODUÇÃO ACERVO PESSOAL
A preservação da memória daqueles que mudaram a história do Brasil sempre será debate entre a sociedade civil e a gestão pública. Em editorial de setembro de 2019, O POVO disse que a história de Frei Tito de Alencar Lima “vai além-fronteiras e está ligada umbilicalmente a valores universais como democracia, liberdade, direitos humanos, solidariedade, justiça e valores espirituais”. Nascido em Fortaleza no ano de 1945, Frei Tito desde criança viveu em casa a mistura entre fé, pessoas e ideais de liberdade e igualdade. Uma mãe católica fervorosa e um pai gerente de empresa de ônibus que gostava de literatura sobre socialismo criaram um jovem que sabia como atrelar suas crenças religiosas e seus anseios políticos. Tito tornou-se noviço do Convento da Ordem dos Dominicanos em 1966 e, assim como outros frades e companheiros, teve destaque na luta contra a repressão da ditadura militar. Em 4 de novembro de 1969, dentro do Convento das Perdizes, em São Paulo, Frei Tito foi preso e, por um ano e dois meses, ficou preso junto a outros dominicanos: Ivo Lesbaupin, Fernando Brito, Carlos Alberto Libânio Christo (frei Betto), João Antônio Caldas Valença e Giorgio Callegari. Era a operação chamada “Batina Branca”, que buscava pessoas pertencentes à Ação Libertadora Nacional - (ALN), organização de luta armada fundada por Carlos Marighella. O filho caçula de Ildefonso Rodrigues Lima e Laura de Alencar Lima já havia sido preso em outubro de 1968, em um sítio que ele havia negociado para sediar o Congresso da UNE, na cidade de Ibiúna, em São Paulo. Em 4 de novembro do ano seguinte, em 1969, ele foi preso e torturado pelos mesmos agentes que, naquele mesmo dia, mataram Marighella. Transferido para o presídio Tiradentes, onde permaneceu até 17 de fevereiro de 1970, Frei Tito foi torturado com pau de arara, choques elétricos em diversas partes do corpo, levou socos, pauladas, enfrentou o “corredor polonês” e foi queimado com cigarro. Ali, Tito tentou o suicídio pela primeira vez e, com o ato, evitou que seus confrades voltassem a ser interrogados e torturados. “Era impossível saber qual parte do corpo doía mais: tudo parecia massacrado”, disse em documento redigido por ele e anexado ao seu caso. Em janeiro de 1971, Frei Tito deixou o Brasil, trocado junto a outros 69 presos políticos, pelo embaixador suíço, Giovanni Enrico Bucker, sequestrado por opositores da ditadura. O brasileiro foi para o Chile, depois para a Itália e para a França. Até junho de 1973, viveu no convento S. Jacques, em Paris, onde tentou retomar seus estudos na Sorbonne. Mudou-se para o convento dominicano de Sainte-Marie de la Tourette, em Eveux, província de Lyon. Em 23 de fevereiro de 1973, estando no exílio, foi condenado na 2ª Auditoria Militar de São Paulo a um ano e meio de reclusão.
Mesmo já longe do Brasil e das salas de tortura, Frei Tito não estava livre do torturador. Alegava que via a imagem nas ruas, nas janelas próximas ao seu quarto. A tortura física sofrida pelo frade, após a repercussão do caso no Exterior, foi substituída pela tortura psicológica, sem marcas aparentes. O que foi plantado na mente de Frei Tito ninguém mais conseguiria tirar. No exílio, o cearense que acreditava em um cristianismo mais livre e justo no Brasil escreveu sobre os absurdos sofridos no auge dos seus 21 anos. Entre perguntas, respostas e dor, Frei Tito relatou tudo o que viveu em 14 meses de prisão e tortura. Ele sabia que os traumas e as ameaças daqueles dias consumiam seus pensamentos, sua saúde mental e psiquiátrica. E acreditava que um dia tudo ia ficar melhor. Mas, em 10 de agosto de 1974, ao ar livre, Frei Tito foi encontrado morto, tendo se suicidado na copa de uma árvore. Ele foi sepultado em um cemitério dominicano na França e seu corpo só foi trazido para o Brasil em 1983. Uma celebração, na Catedral da Sé, em São Paulo, o recebeu no País pelo qual lutou. Após celebração conduzida por dom Paulo Evaristo Arns, suas cinzas foram trazidas a Fortaleza. Em 2004, em Fortaleza, começou o trabalho do Instituto de Educação para Direitos Humanos Frei Tito de Alencar. Palavras que estão sempre juntas, que significam mais esperança e menos desigualdade. E principalmente a não admissão de nenhum tipo de tortura contra qualquer ser.
CURIOSIDADE
A missa de corpo presente de Frei Tito celebrada por dom Paulo Evaristo Arns foi acompanhada por mais de quatro mil pessoas. A missa foi celebrada em trajes vermelhos, usados em celebrações dos mártires
PERFIL
Nome: Tito de Alencar Lima (Frei Tito) Nascimento e morte: 14 de setembro de 1945 — 10 de agosto de 1974 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Noviciado dos dominicanos em Belo Horizonte, estudou filosofia na Universidade de São Paulo (USP) e escreveu sobre a tortura que viveu, documento se transformou em um símbolo da luta pelos direitos humanos
REPRODUÇÃO ACERVO PESSOAL
PERFIL
GENERAL SAMPAIO Bravura nas guerras e na vida
CURIOSIDADE General Sampaio foi condecorado por seis vezes, no período de 1852 a 1865, pelo imperador D. Pedro II. Também recebeu a comenda da Imperial Ordem da Rosa
O perfil mais comum entre soldados daquela época: humilde, filho de um ferreiro do interior do Ceará. Foi em Tamboril, na Fazenda Vitor, em 24 de maio de 1810, que Antônio Sampaio nasceu e onde cresceu. O menino do interior se apaixonou, se mudou, se alistou e fez história ao demonstrar moral, coragem e habilidade para o campo de guerra. Foi exemplo a ser seguido pelos soldados e nunca deixou de ser devoto à cidade onde nasceu. Sertanejo, pelejador, construiu-se como um homem forte, que cumpria a lida e tinha boa moral. Se apaixonou por uma menina de 13 anos, enfrentou seus pais, mas precisou ir para Fortaleza para não ser morto. Foi na Capital onde se interessou pelo Exército e ingressou como voluntário no 22ª Batalhão de Caçadores de Linha, aos 20 anos. Destaca-se como características, além da força, a aptidão para liderança. O chamado “batismo de fogo” de Sampaio ocorreu em 4 de abril de 1832, em luta pela restauração de D. Pedro I ao trono do Brasil. Colecionou combates sangrentos, de corpo a corpo, e foi reconhecido por sua atuação. Em 1833, durante a revolta do Exército da Corte, esteve junto ao cabeça de um motim, major Xavier Torres, que participara de seu batismo de fogo. Precisou ganhar o Sertão para não ser preso, mas acabou sendo capturado em Canindé. No julgamento, confessou a participação, não entregou nomes e foi defendido por uma corrente popular por ter agido em defesa do comércio de Fortaleza, que estava sob ataque dos amotinados. Agora desfrutando de alto conceito entre os seus superiores no Exército, pôde voltar a Tamboril e encontrar o amor de anos antes.
PERFIL
Nome: Antonio de Sampaio (General Sampaio) Nascimento: 24 de maio de 1810 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Tamboril (CE) Formação: Militar 98
Em 1839, aos 29 anos, Sampaio, em reconhecimento à sua atuação durante a Cabanagem, no Pará, é efetivado no posto militar de alferes. De volta à cidade natal mais uma vez, encontra a moça com quem queria casar, já casada com outro homem. Foi após essa decepção que o cearense seguiu para a revolta da Balaiada, no Maranhão. Sampaio era envolto de mistérios, inclusive aquele que atribuía a uma oração que carregava no peito o fato de ter o corpo fechado para balas e baionetas. Foi com essa reputação que inspirou seus soldados e que, aos 33 anos, tornou-se capitão. Em 1844, o capitão Sampaio deixa o Ceará para nunca mais voltar. No Rio Grande do Sul, travou tantas outras batalhas e, aos 39 anos, casou com Júlia dos Santos Miranda. Continuou no comando de combates e recebeu condecorações. Foi promovido a major e, em outubro de 1865, liderou a 3ª Divisão de Infantaria, composta por 4.400 homens. Foi em Tuiuti que Sampaio mostrou, mais uma vez, sua bravura e destreza. Após mais de quatro horas de resistência, atingido por balas três vezes, Sampaio morre em meio a centenas de infantes feridos ou mortos. Ele foi escolhido patrono da Arma e Infantaria e, depois de 27 anos desde a morte, seus restos mortais voltam para o Ceará, em 1871, trazidos no vapor Cruzeiro do Sul. Atualmente, sua estátua, a segunda que foi erguida em Fortaleza, está em frente à 10ª Região Militar. No coração da capital cearense, uma das vias mais movimentadas recebeu o nome do patrono, em 1900, e abrigou, ao longo da história, sedes de governos, instituições e empresas. De fábrica de biscoitos à biblioteca, a via nasce em uma ladeira que levava à praia Formosa, hoje conhecida como praia da Leste-Oeste. O nome de General Sampaio batizou ainda uma cidade cearense, fundada em 1957, que nasceu ao redor de um açude construído pelo Governo Federal, que também ganhou o nome do herói militar cearense.
FÁBIO LIMA / O POVO
ENTREVISTA
HALDER GOMES Novas janelas para o cinema Ao fim da entrevista, Halder Gomes mostra orgulhoso o álbum de memórias recortadas do jornal O POVO. Desde a fundação da academia de artes marciais em Fortaleza até o lançamento do “Cine Holliúdy”. Tudo com a logo do O POVO colada no topo, seguida da matéria ou reportagem abaixo. Entre os muitos tesouros, outro pôster do jornal, dessa vez da equipe do Fortaleza Esporte Clube. O ano? 1973. Para Halder, o jornal impresso é tão valioso quanto os cineminhas de rua e de bairro. Eles são analógicos, fazem as comunidades interagirem e viverem experiências palpáveis e atemporais em união. Para O POVO, o diretor fala sobre o humor sensível do cearense, o impacto dos streamings e a nostalgia dos bons e velhos cineminhas.
CURIOSIDADE
O roteiro de “Cine Holliúdy” foi aprovado no edital de Baixo Orçamento (B.O.) do Ministério da Cultura na quarta tentativa — mas em primeiro lugar
O POVO - Seus filmes são uma mistura perfeita de comédia e emoção. Como é juntar essas duas experiências? Halder Gomes - É porque, na verdade, os filmes que eu faço são histórias engraçadas para quem assiste, mas aquilo é muito sério para os personagens. Eles estão completamente envolvidos nas suas relações pessoais, nos seus dramas, na sua existência e obviamente que essas histórias provocam riso pro espectador. Mas não quer dizer que esteja tudo beleza para aqueles personagens. São várias camadas que envolvem filmes. A minha preocupação maior quando eu faço um filme é que ele não é um filme de esquete, não é um filme de piada. São histórias. Esses mesmos universos podem ser trocados completamente por um drama e aquilo tudo ser ex-
PERFIL
Nome: Halder Catunda Gomes (Halder Gomes) Nascimento: 15 de fevereiro de 1967 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Diretor, roteirista e ator 100
tremamente dramático, mas eu gosto de oferecer pro espectador o sentimento dos personagens através do riso. E isso passa por uma escolha de histórias que eu tenha um certo conhecimento de causa. O POVO - Os streamings mudaram muito nosso jeito de assistir cinema, de viver o audiovisual? Halder - Mudou completamente. Apesar do pouco tempo relativo da minha carreira, eu pude vivenciar todas essas transições tecnológicas. Que são mudanças comportamentais também. Eu vivia aquela experiência que nem o senhor daquele cineminha quando chegou a televisão, e aquilo ali meio que pulverizou aquele tipo de cinema. Logo depois, veio o VHS, e aí começa a ameaça de novo ao cinema. E aí as distribuidoras se organizaram e vieram as locadoras. Era um ritual gostoso você pegar no filme. Você materializava o filme, trocava aquela ideia com as pessoas que trabalhavam na locadora, com outras pessoas assistindo filme. E isso, por um tempo, foi um pouco da experiência do cinema de rua. As locadoras meio que ocuparam esse espaço que o cinema já não oferecia mais porque estava no shopping. Veio essa onda do streaming que, acho, tornou tudo muito impessoal. Porque as escolhas não são mais tangíveis, né? Tá tudo num clique, você não toca mais naquele filme e não tem mais aquela troca com alguém sobre o que você gostaria de falar, sobre um certo filme… Isso foi se perdendo.
MARIANA PARENTE / O POVO
PERFIL
HAROLDO SERRA A expressão do teatro cearense
CURIOSIDADE
Na juventude, os bancos da Praça do Ferreira tinham “donos” específicos. Haroldo sentava no banco dos radialistas
A partir da década de 1950, a migração de artistas nordestinos e nortistas para São Paulo e Rio de Janeiro era intensa, sempre no objetivo de tentar a sorte na efervescência cultural sudestina. Assim, muitos talentos cearenses ganharam os holofotes e colocaram o sotaque do Ceará na boca do Brasil, mas houve também aqueles que acreditavam que arte deveria ser reconhecida em todo canto. É o caso do dramaturgo Haroldo Serra. No começo da carreira, viu os três amigos fundadores do Teatro Experimental de Arte, B. de Paiva, Hugo Bianchi e Marcos Miranda, deixarem o Ceará para crescerem no Sudeste. De repente, o projeto inovador — foram o primeiro grupo teatral do Estado a abolir o ponto, ou seja, a pessoa que soprava as falas para os atores —, tinha sido dissolvido na necessidade da migração. Anos depois, em 1957, Haroldo fundou o grupo Comédia Cearense e fincou ainda mais os pés no solo materno: “Eu acho que você tem de impor e, não, fugir das suas origens”, defendeu à Revista Entrevista, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Mas antes de chegar a esse ponto, antes de ser um ator e diretor reconhecido nacionalmente, antes de lotar o Theatro José de Alencar com drama, música e comédia, Haroldo foi um jovem da vívida Praça do Ferreira. Já com a semente do amor teatral plantada pelo tio Franklin Serra, frequentador do Teatro Amazonas (em Manaus) durante a época da borracha, ele virou um ratinho de cinema. Nos anos 1950, Fortaleza era uma cidade pacata e muito voltada para os arredores da Praça do Ferreira, onde afloraram
PERFIL
Nome: Luiza Haroldo Cavalcante Serra (Haroldo Serra) Nascimento e morte: 3 de dezembro de 1934 — 16 de junho de 2019 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Tamboril (CE) Formação: Direito e Administração
102
diversos cinemas, como o Cine Majestic, o Cine Moderno, o Cine Diogo e o Cine Rex. Com 16 anos, Haroldo era o “viciado” em cinema; aos domingos, ele assistia sempre a quatro filmes, começando às dez da manhã, no Majestic, e terminando apenas na última sessão do Cine Rex. Foi em 1950 que começou a trabalhar como locutor e rádio-ator na Rádio Iracema. Por 14 anos exercitou a voz na área. Daí, não parou mais. Com a Comédia Cearense, logrou impulsionar atores e autores cearenses. Produziu peças de teatro regionais, nacionais e até internacionais — como Shakespeare e a Divina Comédia de Dante Alighieri. Lotou muitas vezes o Theatro José de Alencar, do qual foi diretor, e ganhou prêmios nacionais. Mesmo assim, Haroldo viveu uma época teatral antes dos editais culturais. Ao O POVO, em 2017, explicou a crença de que, se você não vier de uma família rica ou não tiver muito dinheiro, há sempre de ter uma atividade paralela para manter o teatro. Talvez por isso tenha se formado em Direito e em Administração, aposentando-se pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) como advogado. Apesar disso, o teatro amalgamou outro amor duradouro: pela atriz Hiramisa Serra. Eles se conheceram quando ela ainda estava na Escola Normal e descobriu os talentos musicais e teatrais de Hiramisa. No período de noivado foi ensaiando a peça “A canção dentro do pão”, escrita pelo cearense Raimundo Magalhães Jr., obra de estreia da atriz. Juntos, tiveram três filhos também artistas.
FCO FONTENELE / O POVO
ENTREVISTA
HILÁRIO FERREIRA Um grito para ecoar na história José Hilário Ferreira Sobrinho precisou dar um grito e bater na mesa para ser ouvido ao denunciar que o motivo que levava pessoas a brincadeiras e risadas era, na verdade, racismo. Foi durante a encenação da Paixão de Cristo, em Fortaleza. Foi naquele dia que o doutorando em História Social pela universidade Federal do Ceará (UFC) tirou o peso do racismo das costas e passou a fazer parte de uma das primeiras entidades de representatividade negra no Ceará. Ele encontrou no conhecimento a força que precisava para desconstruir a cultura do racismo e o empoderamento. Estar imerso em ações de movimentos sociais e partidos de esquerda o possibilitou mostrar, na década de 1980, junto a outros estudiosos, as contradições sociais no Brasil. Nas páginas do O POVO, ao longo das décadas, informou, explicou, lutou. Confira a entrevista:
CURIOSIDADE
Foi durante a encenação da Paixão de Cristo que Hilário, ao sofrer racismo, descobriu a importância e a necessidade de gritar para falar de consciência negra. Foi quando entrou no Grucon, primeira entidade negra que surgiu no Ceará, em 1982
O POVO - Como o movimento negro faz parte da sua trajetória, pessoal e profissional? Hilário Ferreira - O movimento negro fez parte da minha vida quando eu procurei um lugar e conhecimento que me possibilitasse fortalecer, naquele dado momento histórico. Foi numa formação sobre Consciência Crítica dada pelo historiador Eduardo Hoornaert que soube da existência do movimento negro no Ceará: o Grupo de União e Consciência Negra – Grucon-CE. Nunca mais saí do movimento negro. Encontrei o que buscava: conhecimento e fortalecimento de minha identidade. E isso me ajudava a desconstruir a cultura do racismo que se materializava através de comportamentos como: insegurança, baixa autoestima, não se achar bonito, muitas vezes aceitar as agressões racistas calado.
PERFIL
Nome: José Hilário Ferreira Sobrinho (Hilário Ferreira) Nascimento: 8 de maio de 1965 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Graduado em Ciências Sociais pela UFC e mestre em História Social / atualmente doutorando em História Social - UFC
O POVO - Qual a importância de falar sobre a identificação racial no Ceará? Hilário - Uma das eficazes ações do racismo é o apagamento histórico e o processo de invisibilidade dos povos que foram escravizados e racializados, estou me referindo, especificamente aqui, ao povo negro. Há um silêncio proposital sobre as diferentes formas de resistência destes ao se recusarem a aceitar a condição social de escravo, imposta pelos portugueses. Durante décadas, gerações inteiras foram educadas por uma historiografia liberal positivista que narrava a história dos vencedores como única versão dos fatos. O POVO - Como a sociedade pode se tornar antirracista de verdade? Hilário - Seria importante garantirmos e lutarmos pela aplicação das leis anti racista materializadas nas políticas afirmativas a exemplo da lei 10.639, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de “história e cultura afro-brasileira”. Ser antiracista exige uma mudança radical de postura. Isso implica em não compactuar com as piadas racistas numa mesa de bar, se posicionar frente a um tratamento racista em qualquer estabelecimento, ficando do lado e apoiando a vítima da violência racista. O POVO - Como o senhor avalia a sua relação com O POVO? HIlário - Uma relação de confiança mútua e de respeito. E aqui me refiro aos profissionais que trabalham, trabalharam na empresa e com quem me relacionei (dando entrevistas, contribuindo com artigos e produção de livros) durante toda essa trajetória nesses 39 anos como militante do movimento negro no Ceará. 103
PERFIL
REPRODUÇÃO ARQUIVO NACIONAL
HUMBERTO TEIXEIRA O doutor do baião
CURIOSIDADE
Humberto Teixeira tinha uma ligação muito grande com os familiares e nunca esquecia de fazer visitas aos primos e tios em Iguatu
Dançar coladinho ao som de acordeon, triângulo e zabumba é invenção com dedo cearense. Humberto Teixeira foi um dos grandes parceiros de Luiz Gonzaga como letrista e compositor, e foi dessa junção que surgiu o baião, um forró que trocava viola, pandeiro, botijão e rabeca pelos instrumentos já citados. O “doutor do Baião” acompanhou o rei até o início dos anos 1950, quando a colaboração foi finalizada por divergências entre as sociedades arrecadadoras. Mas foi dessa união que nasceram músicas atemporais como “Baião”, “Asa Branca”, “Juazeiro” e “Assum Preto”. Apesar disso, ficou esquecido após morrer. A carreira do músico é muito anterior à de Luiz Gonzaga. Ela começou em Iguatu, cidade natal no sul do Ceará, onde aprendeu bandolim e flauta. Era sobrinho do maestro cearense Lafaiete Teixeira e filho de uma família muito influente politicamente (João Euclides Teixeira e Lucíola Cavalcanti Albuquerque Teixeira), o que favoreceu a educação musical desde novo. Com 13 anos, foi morar em Fortaleza para fazer o curso secundário no Liceu do Ceará. Lá, foi aluno do maestro Antônio Moreira, virando flautista na Orquestra Iracema. Apesar de tocar os instrumentos de sopro e de corda, o verdadeiro sonho de Humberto era o piano. Mas o pai achava que era coisa de mulher, e o menino virou homem com o desejo amargurado, guardando qualquer composição de pianinho para si, como contou em rara entrevista especial para O POVO, guiada pelo pesquisador Nirez, em 1977. Mesmo com a inclinação para a música, Humberto foi para o Rio de Janeiro em 1931 tentar virar médico. Desistiu da Medicina e apostou no Direito, formando-se pela Faculdade Nacional de Direito. Ajeitou-se na vida como advogado, mas chegou a trabalhar com muitas coisas para se sustentar durante a formação: vendeu óculos, foi agente de restaurante, telefo-
PERFIL
Nome: Humberto Cavalcanti de Albuquerque Teixeira (Humberto Teixeira) Nascimento e morte: 5 de janeiro de 1915 - 3 de outubro de 1979 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Iguatu (CE) Formação: Direito
104
nista… Foi só quando criou o escritório ao lado de três amigos que acalmou — sempre, é claro, farejando a música. Ele chamou a atenção das gravadoras a partir de 1934, após ganhar um concurso de músicas carnavalescas, e continuou tentando apresentar as composições para muitos artistas que admirava. Era difícil e chegou a pensar que não prestava para isso, mas, “como bom cearense”, persistiu. Daí Luiz Gonzaga bateu a porta do escritório de Teixeira, à procura de um nordestino como ele, desejando colocar a música do sertão na boca do Brasil. Depois de Luiz, virou parceiro de muitos nomes, entre eles Lauro Maia, com quem compôs Deus me perdoe e Vamos balancear. A propósito, Lauro é o patrono de Humberto na Academia de Música Popular, criada por Teixeira e amigos para preservar a obra dos músicos populares. A participação de Humberto na criação do gênero baião é muitas vezes esquecida, reação incoerente ao trabalho do cearense não só nas composições, mas também na defesa dos direitos autorais dos artistas. Ao O POVO, ele comentou sobre o plágio dos estadunidenses e franceses da música Juazeiro, transfigurada em ”Wandering Swallow”, de “Peggy Lee”, e ”Le Voyageur”. Quem sabe por essa experiência, Humberto Teixeira defendeu os direitos autorais dos compositores e a divulgação da música brasileira em outros países no Congresso Nacional. Ele foi eleito deputado federal pelo Ceará, em 1954, pelo Partido Social Progressista (PSP). No mandato, representou o Brasil na Noruega, França e Itália como delegado especial junto ao XVIII Congresso Internacional de Autores e Compositores.
PERFIL
IZOLDA CELA A educadora
FCO FONTENELE / O POVO
PÁGINAS AZUIS PÁGINA 14
FORTALEZA-CE, SEGUNDA-FEIRA, 9 DE SETEMBRO DE 2013
Izolda Cela]
A força de uma ideia
Sara Rebeca Aguiar sararebeca@opovo.com.br
Tatiana Fortes
tatianafortes@opovo.com.br
O
A secretária que vem revolucionando a educação com pulso firme e sorriso terno conversa com O POVO sobre aprendizados e desafios Na estante, amores - em palavras e sorrisos. Os filhos, os netos, o marido misturam-se aos títulos de filosofia, arte e literatura brasileira, como pelos escritos de Fernando Sabino, além de guias de viagens. Os conhecimentos físicos entram também no espaço pelo consagrado britânico Stephen Hawking.
A entrevista ocorreu no dia 27 de agosto. Izolda nos recebeu em seu apartamento, no início da noite, para uma conversa que se estenderia por cinco horas, “sem sentirmos a passagem do tempo”, como destacou.
Perguntada se tem um espaço preferido na casa, ela nos conduziu para um cômodo de paredes de vidro, incrustado no meio das salas de estar e jantar: um escritório com brisa de escape em nome da concentração; um cantinho com ares de zelo à rotina dos filhos e do sobrinho que moram com ela, em nome da boa maternidade.
No escritório, uma coluna com pinturas de cores vivas chama a atenção. Uma tubulação “descoberta na reforma” que se transformou em obra de arte, pintada pelo artista Wlson Neto.
Nos momentos de lazer, a secretária gosta de ler, de estar com a família, de ir ao cinema. É dessas pessoas de dormir cedo da noite para acordar com o raiar do sol. Passa, pelo menos, 10 horas por dia na Seduc, no Cambeba. Atualmente, sua leitura de cabeceira é o primeiro livro da Trilogia do Cairo, intitulado Entre dois palácios - “indicação de um amigo”.
Perfil Maria Izolda Cela de Arruda Coelho nasceu em Sobral, em 9 de maio de 1960. É casada há quase 29 anos com José Clodoveu de Arruda Coelho Neto, o Veveu, atual prefeito de Sobral. O casal tem quatro filhos: Hilda (28), Luisa (26), Clara (24) e Pedro (22). Dos amores, destacam-se os dois netinhos: Ernesto (4) e Bernardo (1). Izolda é a segunda de uma família de cinco irmãos. A mãe era professora de ensino fundamental, natural de Camocim. O pai, médico, de Santa Quitéria. É formada em psicologia ( Universidade Federal do Ceará), especializada em Educação Infantil (Universidade Estadual do Ceará) e Gestão Pública (Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA). É mestranda em Gestão e Avaliação da Educação Pública pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e professora do curso de Pedagogia da UVA.
Em meio às agendas lotadas, Izolda costuma tirar os fins de semana para visitar o marido em Sobral.
sorriso desconcerta. Chega a carregar em si o inesperado diante da rigidez que assume quando a feição se torna séria, quando fala dos obstáculos que impedem o avanço da educação. O mesmo sorriso revela também a índole discreta, de uma dureza cheia de ternura. A atual titular da Secretaria da Educação do Estado (Seduc), Izolda Cela, é movida por desafios. Eles, ao mesmo tempo que a lançam a um reconhecimento que não gosta de ostentar, a conduzem para a prática cada vez mais constante de tornar visível o outro pela crença de que “todos são capazes”. Como um dos gestores à frente da educação municipal de Sobral, foi responsável por um cenário de esperança, antes considerado por ela como “desesperador” na cidade. Izolda vem mostrando que é possível reverter quadros de fracasso quando se estabelecem prioridades e se busca alcançá-los com pulso firme, “sem perder o foco”. A secretária explica como alçou ao âmbito nacional a revolução que o sistema de alfabetização vem provocando no Estado. O POVO - A sua vida escolar em Sobral foi toda em instituições religiosas. Que influências principais a senhora traz delas? Izolda - No colégio Santana, fiz as séries iniciais do Ensino Fundamental e depois mudei, na 5ª série, para o colégio Sobralense. Elas representaram para mim exemplos de escolas que funcionavam bem. O Sobralense, por exemplo, era simples, sem luxo, mas era uma escola muito viva. Fazíamos esporte, arte, teatro, coral. Tínhamos vivências de protagonismos em atividades de solidariedade, humanitárias, como ajudar vítimas de enchentes. Tudo, sem nunca esquecer os estudos. Éramos muito cobrados. OP - A atuação política começou na faculdade de psicologia, em Fortaleza? Izolda - Não. De jeito nenhum. Eu acompanhava o movimento estudantil, votava, mas nunca assumi cargos em DAs (Diretórios Acadêmicos) ou DCEs (Diretório Central dos estudantes), nunca me interessei por essa atuação. OP - A escola sempre foi o ambiente de trabalho desejado, depois de formada? Izolda - Quando terminei psicologia na UFC (Universidade Federal do Ceará), voltei para Sobral e me vinculei a duas atividades: em clínicas, com crianças com dificuldades de aprendizagens, e em escolas. Trabalhei no Sobralense, no acompanhamento da educação infantil. Depois, uma amiga pedagoga e eu montamos uma escola de educação infantil e séries iniciais, a Arco-íris, que funciona até hoje. Como a clínica me exigia viagens, e os filhos ainda estavam pequenos, acabei me vinculando mais à escola. Quando passei para ser professora do curso de pedagogia da UVA, me desliguei da clínica de maneira mais definitiva. Foi nessa época, final da década de 1980, que organiza-
CURIOSIDADE
mos os primeiros seminários sobre educação, desenvolvimento infantil e práticas pedagógicas no município. OP - Foram suas primeiras atuações numa dimensão mais pública? Izolda - Na verdade, pouco tempo depois eu comecei a militar na área dos conselhos tutelares que veio com a criação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990). Fui da comissão eleitoral que preparou a primeira eleição dos conselheiros tutelares. Era algo que realmente me mobilizava. OP - Esse foi o momento mais político? Izolda - Sim. Veio junto com minha atuação na escola Arco-Íris. Depois, já como professora de pedagogia, na UVA, passamos a acompanhar uma escola municipal de ensino infantil e fundamental vinculada ao curso de pedagogia, um Caic. Por decisão do reitor, o curso de pedagogia passou a funcionar dentro do Caic. OP - Dando apoio pedagógico? Izolda - Isso. A ideia é que a instituição funcionasse como uma escola de aplicação. Mas nunca funcionou de fato dessa forma. Foi por ela que começamos, pela primeira vez, a ver o que se passava na escola pública. Havia uma desconexão muito grande - e ainda há! - entre a universidade e a realidade da educação pública. Acompanhávamos todo o dia a dia da escola, das professoras. Eu via meninos de 5, 6 anos já com distorção de idade-série. Não sabiam sequer desenhar o nome. Foi nessa escola que eu ouvi algo impressionante de um menino do 1º ano, com 10 anos. Ele reconheceu em mim uma autoridade frente à professora e me falou: “Diga pra essas professoras que copiar essas coisas aí eu já sei. Eu quero é aprender a ler”. Fiquei muito impressionada com essas palavras dele. OP - E na universidade vocês não sabiam dessa realidade? Izolda - Não. Não sabíamos o que realmente se passava. Nós não tínhamos instrumental para uma observação mais ampla da rede pública. No momento em que constatamos isso naquela escola, eu fiz uma proposta meio intuitiva que era garantir para os meninos do 1º ano um tempo integral. Então, eles iam em casa almoçar, porque não tinha a menor condição de garantirmos refeição, e retornavam para ter um tempo pedagógico a mais. De segunda a quinta, eles tinham esses dois tempos e na sextafeira, eu trabalhava somente com as professoras nessa perspectiva de alfabetização, nas competências e processos de leitura e escrita. Mas, sabia, a impressão que nós tínhamos é que aquele problema só acontecia ali; em outra escola, a realidade talvez fosse outra. OP - Esse foi um embriãozinho do que se tornaria o Programa (Programa de Alfabetização na Idade Certa) estadual? Izolda - (Risos) Da minha parte, sim. Porque eu fiquei realmente muito impressionada de ver a absoluta falência de um processo escolar. Esse trabalho de formar os professores durou um ano letivo e não teve mais sequência. Depois o curso de pedagogia se retirou de dentro da escola. Não deu para sabermos se houve algum avanço nas crianças.
Na UVA, Izolda exerceu o cargo de pró-reitora adjunta de extensão e coordenou o Programa Alfabetização Solidária desde a sua implantação, em 1997, até dezembro de 2000
Maria Izolda Cela de Arruda Coelho teria muitos papéis pela frente: professora, psicóloga, educadora, gestora e secretária – primeiro de Sobral, depois do Ceará e agora do Brasil. Nesse percurso, há um movimento que não é ascendente, mas horizontal, que se ampliou à medida que Izolda passou a representar o programa bem-sucedido de alfabetização em todo o Estado. De Sobral, onde tudo começou, saiu para se tornar titular da Secretaria da Educação (Seduc) do governo de Cid Gomes, irmão de Ivo, com quem ela já havia trabalhado na cidade. Juntos, os três modelaram esse projeto que é hoje a vitrine do Ceará para o restante do País e principal ativo das administrações do grupo político: educação de qualidade. Mas a semente foi plantada lá atrás, quando Cid era prefeito e Ivo secretário da Educação. Izolda foi então convidada a se integrar à equipe técnica do município. Psicóloga por formação, com atuação na área da infância, resistiu o quanto pode a cruzar a soleira da porta da política, embora o marido, Veveu Arruda, fosse figura pública – aliado de Cid, também comandaria Sobral. Uma vez dado esse passo, no entanto, Izolda seguiu na trilha desenhada por ela: alfabetizar as crianças na idade certa, corrigir as distorções graves do ensino público e qualificar a carreira do magistério, com investimento e valorização do professorado. Esse tripé já estava fincado entre os objetivos da subsecretária de Sobral, que depois seriam transpostos para o âmbito estadual, com a adoção de metas mais ambiciosas, tais como a melhoria do desempenho no Ideb dos estudantes de séries iniciais e premiação para escolas e alunos que se destacassem. Izolda chegou à Seduc em 2007. Quando deixou a pasta para concorrer ao Governo como vice de Camilo Santana (PT), o cenário era outro – para melhor. Cacifada nesses números, a chapa elegeu-se em 2014 e reelegeu-se em 2018. Camilo e Izolda continuariam lado a lado pelo segundo mandato, até que o petista saiu para postular vaga no Senado, e a vice foi alçada
PERFIL
Nome: Maria Izolda Cela de Arruda Coelho (Izolda Cela) Nascimento: 9 de maio de 1960 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Sobral (CE) Formação: Professora, psicóloga e política
à liderança do Abolição. Era a primeira governadora do Estado do Ceará. Foi nessa condição que pretendeu candidatar-se a mais quatro anos de governo, mas os planos da chefe do Executivo acabaram abatidos dentro do próprio partido, o PDT, do qual pediria desfiliação pouco tempo depois. Hoje ela é secretária-executiva do Ministério da Educação (MEC), função em que tem a missão de deixar as escolas brasileiras mais parecidas com as do Ceará. Izolda nasceu em Sobral, em 1960. A mãe era professora em Camocim; o pai, médico em Santa Quitéria. Entre uma e outro, bandeou-se para a Psicologia, curso no qual se formou na UFC. Chegou a trabalhar na clínica, mas aos poucos foi sendo atraída pelo ambiente escolar. Na cidade-natal, fez do sonho a profissão ao criar uma escola infantil, a Arco-íris. Em seguida, tornou-se professora da UVA, antes de finalmente entrar na vida pública. Ainda em 2007, numa das primeiras entrevistas que concedeu como secretária da Educação, Izolda expôs com clareza a dimensão dos desafios que teria no cargo. Ao O POVO, ela disse: “Normalmente, se pensa no analfabetismo de jovens e adultos, daqueles que não tiveram oportunidade (de estudar). Mas não, estamos falando do analfabetismo escolar. As escolas estão abertas, funcionando, atendendo a mais de 90% das crianças, mas sem acontecer o básico da missão da escola, que é letrar as crianças”. Dali em diante, sua tarefa seria replicar experiências exitosas, aprimorando as estratégias pedagógicas ao dotar a rede de ensino de condições para que a educação cumprisse o seu propósito: ajudar as crianças a ler o mundo. 105
ROBERTO KENNEDY / O POVO
“Amanhã, serei o que sou hoje. O que sempre fui. Fiel a mim mesmo” 106
PERFIL
IVENS DIAS BRANCO O rei das massas
Filho de portugueses, Ivens Dias Branco comandou o que é hoje uma das principais empresas alimentícias do País Ivens Dias Branco é filho do Cedro, cidade localizada no semiárido cearense, e fez história no Estado com a consolidação do Grupo M. Dias Branco no Ceará, no Brasil e fora dele. Ele iniciou, em 1953, com seu pai, o português Manuel Dias Branco, a empresa que é reconhecida como uma multinacional brasileira do setor de alimentos, signatária do Pacto Global das Organizações das Nações Unidas (ONU) e com ações negociadas no segmento do Novo Mercado na Bolsa de Valores, a B3. Tem atuação em mais de 40 países. Tudo começou com a mudança da Padaria Imperial para um antigo prédio, que já não existe mais, na avenida Beira-Mar, em Fortaleza. Lá, no segundo andar, ele e o pai criaram uma pequena fábrica de biscoito. A primeira marca, Fortaleza, foi uma homenagem de Manuel à cidade acolhedora. A ideia da fábrica partiu de Ivens que sugeriu ao pai produzir localmente algo de qualidade. Um biscoito do tipo Maria, batizado por Ivens como Pepita, que para ele remetia a uma pedra preciosa, uma “pepita de ouro” foi o primeiro sucesso comercial da marca Fortaleza. “Até parece que eu estava adivinhando que ia ser uma coisa valiosíssima, uma pepita de ouro mesmo”, afirmou Ivens em depoimento ao jornalista Sérgio Villas-Boas, que assina a biografia do empresário. Outro ícone da marca foi a Kombi Fortaleza que rodou por anos pela Capital cearense para distribuir as famosas massas e biscoitos da marca e ficou na memória afetiva do fortalezense. Entre 1954 e 1960, Ivens e o pai, que era seu grande ídolo, investiram intensamente em máquinas, fornos e moldes para ampliar a produção da marca Fortaleza. Os investimentos não paravam. Em pouco tempo, passaram a fabricar também macarrão. Na sociedade com o pai, Manuel, ocupava o cargo de diretor industrial e foi responsável pelas principais inovações tecnológicas da empresa. Em 1972, assumiu o cargo de presidente. Com a aquisição do Grupo Adria, em 2003, a M. Dias Branco passou a liderar o segmento de massas e biscoitos no País. Em 2023, a companhia chegou a 18 indústrias, além de 30 filiais comerciais, que favorecem a distribuição de seus produtos em todo o Brasil e para mais de 40 países. Em sua trajetória empresarial, Ivens Dias Branco recebeu diversas premiações, destacando-se dentre elas a Medalha da Abolição (a maior Comenda do Estado), e a Medalha do grau de Grande Oficial do Mérito Industrial, conferido por Portugal. Na personalidade, era bem diferente do pai, com um perfil mais reservado e focado sempre no trabalho. Começava a trabalhar bem cedo e ia até tarde, sempre
pensando em como fazer as empresas da família crescerem, lembra o coronel José Adauto Bezerra, que foi nomeado governador do Ceará em 1974. Em uma certa ocasião, queria ampliar a fábrica e procurou o então governador para informar que outro estado do Nordeste havia lhe dado a isenção. No fim da conversa, Bezerra explicou o motivo de não poder dar o benefício e a importância da empresa dele no Estado e ele ficou. Outra passagem registrada pela biografia é com a presidente institucional e publisher do Grupo de Comunicação O POVO. Luciana Dummar conta que, mesmo sem Ivens dizer, ela sabia que ele torcia que O POVO se reerguesse. Ela nunca esquece o que o pai disse para ela: “Se um dia você precisar de alguém, pode contar com Ivens”. Conta que não precisou dele financeiramente, mas emocionalmente sim, e ele correspondeu. Na vida pessoal, recorda-se com carinho da chegada do pai ao Brasil. E a junção do pai português e da mãe cearense, Maria Vidal de Sá Branco, resultou em um filho interessado por notícias que ouvia nas rádios e a leitura nos jornais impressos da época. O sangue português que corria em suas veias o levou, por 40 anos, pelo menos uma vez por ano, a Portugal, local onde Ivens sentia-se em casa. Para ele “formamos (Brasil e Portugal” uma raça só, homogênea, falando a mesma língua e sem riscos separatistas, como aconteceu com os países vizinhos”, conta também em sua biografia. Ivens Dias Branco casou-se com Maria Consuelo Saraiva Leão Dias Branco e tiveram cinco filhos: Maria das Graças Saraiva Leão Dias Branco; Francisco Ivens de Sá Dias Branco Junior; Maria Regina Saraiva Leão Dias Branco; Francisco Marcos Saraiva Leão Dias Branco e Francisco Cláudio Saraiva Leão Dias Branco. Ivens Dias Branco faleceu, em São Paulo, em 2016, deixando um legado pessoal e profissional para as atuais e futuras gerações da sua família e para o Ceará. Deixa uma frase que o representava bem: “Amanhã, serei o que sou hoje. O que sempre fui. Fiel a mim mesmo”.
CURIOSIDADE
Durante a entrevista de Ivens Dias Branco para as Páginas Azuis do O POVO, ele revelou que a razão pela qual sempre evitou cargos políticos e de liderança na indústria é “por ser um homem de poucas palavras” em público
PERFIL
Nome: Francisco Ivens de Sá Dias Branco (Ivens Dias Branco) Nascimento e morte: 3 de agosto de 1934 24 de junho de 2016 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Cedro (CE) Formação: Empresário do ramo alimentício, fundador do Grupo M. Dias Branco
DEIVYSON TEIXEIRA / O POVO
PERFIL
JARDEL Para sempre Ferrão
CURIOSIDADE
Jardel é famoso pelos seus gols lendários de cabeça. Também recebeu o prêmio Chuteira de Ouro da Uefa como maior artilheiro do futebol europeu em (1999 e 2002)
Da Barra do Ceará direto para a Europa. Dos primeiros gols ao último da carreira. E foi exatamente no último gol da sua trajetória profissional no futebol, que Mário Jardel Almeida Ribeiro fez a coroação da sua história, representando o Ferroviário em uma partida contra o Quixadá. No Tubarão da Barra, Jardel virou jogador e hoje tem cargo de embaixador. O atacante, nascido em 18 de setembro de 1973, em Fortaleza, teve destaque nas escolinhas de base do Ferrim, iniciando a carreira aos 17 anos. Com 20, despertou o interesse do Vasco da Gama e foi para o Rio de Janeiro. Naquele mesmo ano, 1993, chegou à seleção brasileira sub-20 e conquistou o título mundial. No Vasco, fez diferença no Campeonato Carioca de 1994, marcando o gol contra o Flamengo e indo para a final, onde também deixou sua marca contra o Fluminense. Começava ali uma carreira de muitas premiações e gols, mas também de dificuldades e superações. Jardel foi emprestado para o Grêmio e lá começou a compor, junto de Paulo Nunes, “a dupla infernal”. Chegou num ano e foi embora no outro, em 1997, deixando 12 gols e um título da Copa Libertadores da América, em 1995. O ídolo do Tubarão da Barra virou também ídolo do FC Porto, em Portugal, para onde foi vendido. A Europa foi palco importante na história do jogador cearense. Na edição do O POVO de 10 de julho de 1997, durante uma viagem a Fortaleza com a mulher, os filhos, Jardel falou do primeiro ano na Europa, onde foi artilheiro e conquistou a Supertaça de Portugal por três vezes, a Taça de Portugal em duas oportunidades, o tricampeonato Português, em 1996/97, 1997/98 e 1998/99. O sucesso do cearense em terras portuguesas rendeu ainda o título de melhor jogador atuando em Portugal, por temporadas; a Bola de Ouro do jornal A Bola, por dois anos;
PERFIL
Nome: Mário Jardel Almeida Ribeiro (Jardel) Nascimento: 18 de agosto de 1973 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Jogador profissional de futebol
108
o prêmio Chuteira de Ouro da Uefa em 1999 e 2002; além de ter sido considerado o maior goleador do mundo nesses mesmos anos. Em 2000, Jardel já havia sido negociado com o Galatasaray, clube turco, onde foi vice-campeão nacional e campeão da Supertaça Europeia. Porém, com uma adaptação difícil, foi vendido para o Sporting, de Portugal. Três títulos foram conquistados no ano de sua estreia (Campeonato Português, a Taça de Portugal e a Supertaça), além do de maior artilheiro do futebol europeu, em 2002. Na Seleção Brasileira, participou de nove jogos, com duas vitórias, três empates , quatro derrotas e um gol, entre os anos de 1996 e 2001. Com a blusa amarela, jogou contra Holanda, Chile, Espanha, Coreia do Sul, Colômbia, Uruguai, México, Honduras e Tailândia. A fase de dificuldades veio e a oscilação no rendimento do jogador o fez passar por diferentes clubes. E voltou ao seu primeiro clube como profissional, o Ferroviário-CE, onde em 28 de agosto de 1990, fez o primeiro gol. Trinta anos depois, em 1º de fevereiro de 2009, Jardel reestreia pelo Tubarão da Barra. Hoje embaixador do clube - e torcedor dos mais devotos - ele quer levar o clube para a Série A. Na edição do O POVO de 9 de maio de 2023, Jardel abriu as portas de sua casa do bairro Dunas, em Fortaleza, e disse que “Sempre o Ferroviário, para mim, será o favorito”. Hoje ele trabalha para conseguir investidores, patrocínios e parcerias para o clube onde ele descobriu o seu dom e conseguiu criar um dos maiores vínculos do mundo.
FERNANDA BARROS/ O POVO
ENTREVISTA
JOÃO PAULO SILVA O alvinegro Ceará em 2012, pelo Projeto Ceará 2000, no qual fui tesoureiro e depois presidente, até o convite, no início da gestão do Robson de Castro, para o cargo de diretor financeiro. Fiquei até o último mandato dele e, agora como presidente, vem essa responsabilidade tão grande. Mas como conhecedor do meio, sei que toda a responsabilidade e dificuldade do fazer futebol no mercado atual. Vamos procurar fazer um bom mandato, uma boa gestão.
CURIOSIDADE
Quando jovem, João Paulo Silva chegou a jogar no sub-15 do Ceará e conquistou o título de vice-campeão do Cearense
O caminho de João Paulo Silva, presidente do Ceará Sporting Clube, começou cedo e foi traçado com muito esforço, dele e da mãe, que o criou sozinha com o apoio das irmãs. Infância humilde, mas cheia de lições para a vida inteira. Foi com mérito e fé que o filho do bairro José Bonifácio, em Fortaleza, se formou, se especializou e fez carreira firme. Foi com o pai de um amigo do bairro que ele aprendeu o que é ir ao estádio torcer pelo seu time. Em entrevista no O POVO em 2023, o presidente do time cearense falou da infância difícil, vivida sem a presença paterna, mas com a descoberta do padastro. “Eu tinha uma escolha: ou vou vencer na vida ou vou ser refém de um problema que não é meu”, disse, em entrevista, logo após o Ceará ganhar a Copa do Nordeste. A carreira começou cedo, em um banco, e deslanchou rápido. Acessorista, depois foi para o departamento de câmbio e de crédito, uma espécie de contínuo. Com apenas 21 anos, chegou a ser assistente de gerente e seguiu no segmento bancário até 2013. A aproximação com o Ceará começou alguns anos antes, em 2009, durante contato com um dos dirigentes. Em um dia, na festa de comemoração do acesso à Série A. Em 2014 se tornou conselheiro do clube e, em 2015, tornou-se presidente do Projeto Ceará 2000, ano em que também se tornou diretor financeiro do clube. Em março de 2023, João Paulo foi eleito presidente do Ceará. E destaca o papel da família, formada pela esposa e três filhas, e de Deus para conquistar o que deseja e saber lidar com as pressões. O POVO - Qual análise faz da sua trajetória, que o levou até a direção de um clube profissional de destaque? João Paulo Silva - Eu sou um torcedor do Ceará de arquibancada, sempre tive vontade de conhecer e de um dia poder ajudar. Entrei no
PERFIL
Nome: João Paulo Silva Nascimento: 25 de janeiro de 1979 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Economista/Empresário 110
O POVO - Como analisa o cenário atual do futebol cearense? João Paulo - Os clubes cearenses cresceram bastante, principalmente Ceará e Fortaleza. Se profissionalizaram, tiveram esse entendimento que tinha de se profissionalizar e hoje são referências no mercado, principalmente nordestino. Isso, juntamente com o desenvolvimento econômico do Estado facilita o trabalho feito. O POVO - Quais os principais desafios à frente da direção de um clube nordestino? João Paulo - O principal desafio é conseguir manter o clube nesse crescimento de números, de marca, de mercado, apesar do Ceará ter caído para série B. Mas a nossa marca ainda continua valorizada. Tanto é que esse ano específico nós temos mais receitas de patrocínio do que ano passado que estávamos, na Série A com na Sul-Americana. Isso é reflexo do trabalho de valorização da marca, de crescimento e sustentabilidade. O maior desafio é continuar crescendo nesta direção e trabalhar para voltar para Série A, que é uma competição mais valorizada do futebol brasileiro, a mais competitiva. O POVO - Qual o papel da imprensa no fomento ao Esporte? João Paulo - Eu valorizo sempre o trabalho da Imprensa e acho que é importante para passar para o torcedor e para o público as informações. Que devem ser sempre com verdades com as informações e com as boas práticas.
RODRIGO CARVALHO / O POVO
ENTREVISTA
JOAQUIM MELO O criador do banco que olhou além do lucro O recifense de nascimento chegou ao Ceará, no Jangurussu, periferia de Fortaleza, aos 22 anos, a convite de Dom Aloísio Lorscheider, após passar sua adolescência em Belém, no Pará, no conjunto habitacional Cidade Nova. Enfrentou todas as dificuldades de um bairro de periferia, como pobreza e a falta de estrutura. O incômodo, aos 15 anos, transformou-se em ação quando iniciou sua militância social. Em julho de 1984, mudou-se para o Conjunto Palmeiras onde alguns anos depois, em 1998, criou o primeiro banco comunitário, o Banco Palmas, e a primeira moeda social do País.
CURIOSIDADE
Durante a entrevista de Joaquim Melo para as Páginas Azuis do O POVO, o ativista contou como foi sua chegada do Conjunto Palmeiras, em 1984, que era preconceituosamente chamado de bairro dos índios. O motivo? Os barracos estavam no meio do mato
O POVO - Como e por que resolveu ser um ativista social? Joaquim Melo - Eu morava em Belém, em um conjunto habitacional muito pobre, faltava transporte, água e tinha outras mazelas da periferia. Conheci, numa procissão do Círio de Nazaré, quatro jovens que portavam cartazes de protesto que me convidaram para acompanhá-los. Anos depois, a convivência com os catadores do Jangurussu também ratificou minha decisão de dedicar a vida em defesa dos mais pobres. O POVO – Como era o Conjunto Palmeiras quando surgiu a ideia do banco comunitário? E o que vê hoje? Joaquim - De 1984 a 1997, nós urbanizamos o conjunto Palmeiras através de mutirões comunitários, melhoramos, mas o bairro continuava muito pobre economicamente. Circulava na comunidade cerca de R$ 2 milhões por mês. A população não tinha acesso a serviços financeiros e bancários. Em janeiro de 1998, inauguramos o Banco Palmas e ajudamos a melhorar a economia do bairro. Hoje já circulam mais de R$ 8 milhões por mês.
PERFIL
Nome: João Joaquim de Melo Neto Segundo (Joaquim Melo) Nascimento: 1º de abril de 1962 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Recife (PE) Formação: Ciências Religiosas 112
O POVO - De que forma avalia que a moeda social ajudou o desenvolvimento do bairro e da região? Joaquim - A moeda Social Palmas incrementou o comércio local, aumentou em 30% a venda nos estabelecimentos do bairro, gerou novos empregos. Além disso, criou a cultura de valorização de produtos e serviços locais. Antes, apenas 20% das pessoas declaravam fazer a maioria de suas compras no bairro, hoje são 93%. O POVO - Como foi ver sua iniciativa extrapolar as barreiras territoriais do Ceará? Joaquim - Esse é o maior orgulho da minha vida. Hoje somos 152 bancos comunitários em 20 estados do Brasil. Nove prefeituras utilizam nossa tecnologia para pagar programas sociais. Somos 125 mil usuários, 24 comércios aceitam as moedas sociais em todo Brasil. Foram movimentados 1,5 bilhão em moeda social no País em 2022. Digo sempre que essa tecnologia social e financeira não foi criada em Harvard, na FGV em São Paulo ou no Vale do Silício... Foi criada por nós, moradores do Conjunto Palmeiras. O POVO - Qual sua relação com o Grupo de Comunicação O POVO? Joaquim - Já fui do Conselho de Leitores do O POVO. Em 1984 quando cheguei em Fortaleza era ouvinte assíduo da Rádio O POVO e, mais recentemente, em 2018, realizamos em parceria um encontro internacional que abordou o tema do desenvolvimento local na perspectiva da economia solidária. O POVO está na vanguarda de lutas pelos direitos humanos e pela Democracia.
DIVULGAÇÃO
PERFIL
JOSÉ DIAS MACÊDO O empresário que revolucionou o futuro
CURIOSIDADE
Em 2004, José Macêdo concedeu entrevista para o caderno de Economia do O POVO e confidenciou que das tantas mercadorias que vendeu na vida, apenas três lhe deram realmente lucro: jipe, farinha de trigo e cerveja
A mais antiga das entrevistas que consta no livro “Parece que foi amanhã – As ideias que levaram ao futuro o empresário, patriarca e cidadão José Macêdo”, lançado em 2010, que reúne uma série de entrevistas, dado pelo empresário foi concedida ao O POVO em 1988, ao professor e jornalista Agostinho Gósson. De lá até sua partida, em 2018, foram diversas as entrevistas e feitos seus registrados. Em matéria do Vida & Arte, os organizadores da obra, Flávio Paiva e João de Paula Monteiro, afirmam que J. Macêdo, como era carinhosamente conhecido, chegou ao futuro. Ele foi “alguém que nos seus 90 anos conquistou o que se propusera a alcançar como empresário, patriarca e cidadão”. José Dias de Macêdo nasceu em 8 de agosto de 1919, na cidade de Camocim. Em 1939, começou a trabalhar em um escritório de representações que deu origem a J.Macêdo. Durante 64 anos foi casado com Maria Proença de Macêdo (1922 – 2006) com quem teve oito filhos: Angela, Roberto, Amarílio, Margarida, Mariana, José Macêdo Filho, Georgina e Manoel. Já adulto, formou-se em Economia pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Ceará (UFC), em 1945. Alguns anos antes, em setembro de 1939, fundou o Grupo J.Macêdo, que começou a se destacar com a importação do Jepp Willys-Overland, mas hoje tem como principal negócio a J. Macêdo S/A, detentora das marcas Dona Benta, Petybon, Sol, Boa Sorte e Brandini. Pouco mais de uma década desde a fundação da empresa, em 1952, José importou 80 mil sacas
PERFIL
Nome: José Dias de Macêdo (J. Macêdo) Nascimento e morte: 8 de agosto de 1919 6 de dezembro de 2018 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Camocim (CE) Formação: Economia na Universidade Federal do Ceará (UFC)
114
de farinha de trigo. Em dois anos, ele e os irmãos passaram a processar a própria farinha. E na década de 1960 somaram ao grupo mais quatro moinhos e seis marcas de farinha de trigo. A famosa Dona Benta nasceu em 1978 e, em 2004, a J. Macêdo firmou acordo com a gigante Bunge Alimentos e se tornou a maior processadora de trigo do Brasil. De lá para cá, a empresa tornou-se uma das maiores empresas do País e líder nacional em farinhas domésticas. Todas essas conquistas somente foram possíveis em virtude do perfil visionário e desbravador do José Mâcedo que começou a trabalhar aos vinte anos e só parou na sua partida. Foi sua iniciativa pensar, desenvolver e construir as bases industriais do Ceará e do Nordeste, integrando a região aos demais estados. Dentre seus feitos estão: o primeiro moinho de trigo, o primeiro frigorífico industrial e a primeira cervejaria do Ceará, bem como a primeira fábrica de transformadores e a primeira de pneus do Nordeste. A J.Macêdo também foi a primeira cearense a fazer associações com empresas nacionais e multinacionais, como a Bunge & Born, United Biscuits e Sadia, a Brahma e a Siemens. José integrou conselhos da Cia. Vera Cruz de Seguros, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Conselho de Autoridade Portuária do Estado do Ceará. Foi deputado federal por três legislaturas, 1959 a 1971, e suplente de senador da República, com dois mandatos, 1971 a 1987, tendo assumido a cadeira de titular na última legislatura. Ao longo da vida, recebeu diversas homenagens, entre estas, a primeira medalha Ivens Dias Branco, concedida pelo Governo do Ceará. Em 2020, a Prefeitura Municipal de Fortaleza fez uma homenagem póstuma com a inauguração do Complexo Viário Senador José Dias de Macêdo. Dada a sua importancia existem três livros sobre J. Macêdo, “História Empresarial Vivida” (Editora Gazeta Mercantil, 1988); “J.Macêdo – Uma Saga Empresarial Brasileira” (Edicon, 1989); e “Parece que foi Amanhã” (Editora Omni, 2009).
DIVULGAÇÃO
PERFIL
JOSÉ ROBERTO NOGUEIRA
Do aprendizado a distância à lista da Forbes O sonho de transmitir sinal de internet através de um custo acessível em pleno sertão nordestino tornou-se realidade para José Roberto Nogueira. O cearense de Pereiro, que morava na zona rural da região do semiárido, conseguiu isso e muito mais ao transformar o Grupo Brisanet, do qual é fundador, em uma das empresas mais importantes no mercado nacional das telecomunicações. Com formação em Técnico em Eletrônica pelo Instituto Universal Brasileiro, Roberto se considera autodidata e possui mais de 30 anos de experiência em gestão de negócios, telecomunicações e TI. Ele também se vê como um “entusiasta do poder transformador da conectividade” e lidera pessoas para promover inovação e responder de forma positiva às adversidades e desafios. O executivo também atua como sócio-diretor das empresas Nossa Fruta Brasil e Agritech. Nascido em 1965, José Roberto Nogueira e sua família com 11 irmãos cultivavam o próprio alimento e moravam em uma casa bastante isolada, que, por anos, não possuía energia elétrica. Ainda jovem, aos 15 anos, começou a fazer um curso de eletrônica por correspondência. Seis anos depois, aos 21, saiu de Pereiro e seguiu para São José dos Campos, em São Paulo. Na bagagem, outro sonho: o de trabalhar na Empresa Brasileira de Aeronáutica S/A (Embraer). Mas, no interior paulista, seu primeiro trabalho foi como vendedor porta a porta, em 1987. Em 1989, ele começou a trabalhar na Embraer, onde fez parte da equipe do Projeto do Primeiro Avião Caça Brasileiro (AMx). No fim do mesmo ano, abriu uma empresa de venda e manutenção de computadores periféricos, a Winds-
PERFIL
Nome: José Roberto Nogueira (Roberto Nogueira) Nascimento: 8 de setembro de 1965 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Pereiro (CE) Formação: Empresário e Técnico em Eletrônica pelo Instituto Universal Brasileiro 116
tar Computadores. No ano seguinte, passa a fabricar antenas parabólicas. Sua meta era expandir a solução de TV via satélite no Nordeste. Já no fim de 1992, o empreendedor deixou a empresa Embraer para cuidar de seus próprios negócios, mantendo-se ainda em São José dos Campos. Pouco tempo depois do início da internet comercial no Brasil, em 1997, José Roberto pegou placas de rádio e as instalou nas antenas que ele fabricava para o sistema de televisão, tornando possível transmitir o sinal de internet a longas distâncias. Assim, ele decidiu usar essa tecnologia para levar conexão para Pereiro, onde posteriormente fundou a Brisanet Telecomunicações. Em 2023, a sede da Brisanet permanece no município e atua como provedora de internet via fibra óptica, TV por assinatura, streaming de música, telefonia fixa e móvel. Segundo dados divulgados pela Anatel, a empresa é líder em market share (participação de mercado) de banda larga fixa na região Nordeste. Em julho de 2021 a Brisanet estreou na B3. E, em novembro deste mesmo ano, a empresa arrematou três lotes regionais de espectro de 3,5 GHz (Nordeste e Centro-Oeste) e 2,3 GHz (Nordeste) no leilão do 5G da Anatel. Naquele mesmo ano, Roberto apareceu pela primeira vez na lista divulgada pela Revista Forbes entre os 100 brasileiros mais ricos. Em janeiro de 2023, também continuava na lista, ocupando a 98ª posição, com uma fortuna acumulada de R$ 4,8 bilhões.
CURIOSIDADE
Durante a entrevista concedida em 2020 às Páginas Azuis do O POVO, José Roberto Nogueira relatou que começou a estudar apenas aos 10 anos
ENTREVISTA
JÚLIO CAESAR / O POVO
JOSELMA OLIVEIRA O império do picolé
Há mais de 30 anos, uma jovem paraibana, Joselma Oliveira, ao se tornar mãe, aos 24 anos, vivendo em Currais Novos, no interior do Rio Grande do Norte, decidiu empreender para ajudar na renda familiar. Ela testa a receita de picolés caseiros ensinada pela madrinha e depois de muito dar errado, o sucesso veio. Ao mudar para o Ceará, a marca ganhou nova forma e conquistou o paladar e os corações cearenses. A fama foi tanta que a marca está iniciando a comercialização em Portugal e Joselma já comprou um novo terreno no Eusébio para ampliar a produção diária de 40 mil picolés e 8 mil litros de sorvete. No fim de 2022, a empresária foi uma das 10 entrevistadas do projeto editorial Legados, do O POVO. Confira a entrevista
CURIOSIDADE
Durante a entrevista para o projeto Legados do jornal O POVO, a repórter Carol Kossling identificou que o jeito de falar e se portar pareceu bem familiar com o de uma outra empresária varejista, Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho do Magazine Luiza. Joselma adorou a comparação e confidenciou ter ouvido a mesma informação de algumas pessoas
O POVO – Como começou a empreender? Joselma Oliveira - Foi uma questão de necessidade. Eu me casei com 24 anos e logo tive meu filho Flávio Oliveira, que é empresário e já trabalhou na Pardal. Gosto muito de vender, é muito gratificante. Vender é uma arte. Ter contato direto com o cliente é um aprendizado. O POVO – Comente a evolução da marca, a chegada ao Ceará e o batismo finalmente do nome Pardal... Joselma - Eu já carregava o desenho do pardal na minha camisa e dos vendedores. Era o Professor Pardal com o picolé na mão, mas o nome era Picolé Caseiro. A gente usava o Professor Pardal porque para vencer do zero tem que ter muita criatividade. Quando eu cheguei a Fortaleza não foi fácil porque o meu picolé era cônico e o achavam esquisito. Nessa época eu trazia o picolé de Mossoró para cá, fiz isso por um ano até que aluguei uma casa na avenida Barão do Rio Branco. Depois trouxe o meu equipamento para Senador Pompeu e aluguei uma casa lá. Quando eu trouxe o meu equipamento, a caminhonete F4000
PERFIL
Nome: Joselma Oliveira Nascimento: 6 de julho de1966 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Picuí (PB) Formação: Empreendedora e palestrante
ficou ociosa, então tive a ideia de vendê-la e comprar uma casa. Hoje, lá quem distribui sorvetes da Pardal é a minha filha Fernanda Oliveira, que assumiu o seu próprio negócio. O POVO - Como se profissionalizou? Joselma - Busquei conhecimento no Empretec porque foi muito assustador sair do pequeno galpão para o maior, no Eusébio. Fui procurar o Banco do Nordeste e fiz financiamento de toda essa estrutura de caminhões, freezers e foi assim que o negócio começou a aumentar. Nessa época, o Flávio veio trabalhar comigo e ele teve a ideia de arrumar a marca e deu certo. O POVO - Temos poucas mulheres líderes nas indústrias. O que avalia ser necessário para isso mudar? Joselma - Depois dessa pandemia da covid-19 (ocorrida no Brasil nos anos de 2020 e 2021) eu vi que tinha que orientar o pessoal para empreender mais. Hoje, eu dou palestras para incentivar as mulheres a empreender porque, às vezes, você tem o espírito empreendedor dentro de você, mas tem medo. Quando elas escutam a minha história, acreditam que também podem colocar um negócio. O POVO - De que forma a Pardal contribui para o legado industrial e econômico do Ceará? Joselma - É muito importante porque eu só tenho 98 empregos diretos, mas indiretos eu não sei nem quantos são. Tem muita gente vendendo picolé, colocando nos seus pequenos comércios. Eu faço um produto de boa qualidade, tenho certeza de que eu levo um alimento muito bom para o povo do Ceará. É muita geração de emprego e renda. 117
REPRODUÇÃO
PERFIL
JOVITA FEITOSA A mulher que se vestiu para a guerra
CURIOSIDADE
Em 27 de março de 2017, o nome de Jovita Alves Feitosa foi inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, que se encontra no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília
Um Brasil marcado pelo patriarcado, onde mulheres são consideradas incapazes de diversas tarefas. Um século marcado pelas guerras e o sentimento patriota do povo brasileiro. No meio dessas realidades viveu Antônia Alves Feitosa, a Jovita Feitosa. Ela nasceu em 1848, ficou órfã e tentou se disfarçar para servir na Guerra do Paraguai, em 1865. Sua presença no confronto não é confirmada, mas seu exemplo e levante a fez ser aclamada pelos brasileiros. A cearense natural de Brejo Seco, no Sertão de Inhamuns, é uma das nove mulheres que compõem a obra “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”, lançada em 2018 e noticiado no jornal O POVO com o título “Heroína trágica da guerra maldita”. Sua história pessoal tem muitos momentos de tristeza: órfã de mãe aos 12 anos, foi morar no Piauí com a família paterna. De lá, fugiu aos 17 anos para Teresina, com o propósito de servir na Guerra do Paraguai. A menina cortou os cabelos - com uma faca -, apertou os seios com uma cinta e se disfarçou de masculino, mas foi descoberta. Sua atitude, porém, teria papel fundamental tanto na demonstração de patriotismo que o País nutria com a Guerra, como na utilização da figura de uma mulher combatente que rompia os padrões da época. A atitude de Jovita permitiu, ao longo da história brasileira, várias leituras existenciais, de nacionalismo imperial e das histórias de machismo e patriarcado.
PERFIL
Nome: Antônia Alves Feitosa (Jovita Feitosa) Nascimento e morte: 8 de março de 1848 9 de outubro de 1867 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Povoado de Brejo Seco, atualmente município de Tauá (CE) Formação: Foi considerada heroína da pátria
118
Jovita Feitosa chegou a ir a um Batalhão no Rio de Janeiro, como parte estratégica do Governo de angariar apoio da população. Até chegar na então capital do Brasil, deixou rastro de homenagens pela sua coragem em São Luís, João Pessoa, no Recife. Porém, em novembro de 1865, o ministro da Guerra expediu ofício impedindo que ela fosse aos campos de batalha. Ela embarcou com os Voluntários da Pátria para o Sul do País, mas acabou sendo cotada para ser enfermeira - único cargo “compatível com a natureza do seu sexo”. Ela negou. O que teria despertado o interesse de luta de Antônia Alves Feitosa foram os relatos de que mulheres estavam sendo estupradas por soldados paraguaios nos campos de guerra, além da morte massiva de brasileiros. De volta ao Ceará, o pai não a aceitou e seu destino acabou sendo novamente o Rio de Janeiro, em 1867. Teria então, de acordo com os jornais da época, se tornado prostituta. Os relatos sobre sua história dão conta ainda que Jovita Feitosa se apaixonou por um homem, natural do País de Gales, no Reino Unido. Ela teria deixado a profissão, sonhado em casar e ter filhos. Meses após o início do relacionamento, o engenheiro galês voltou ao seu país de origem sem se despedir. Devastada, ela foi em busca do homem e, na casa onde ele residia, cravou um punhal no próprio coração. Jovita tinha 19 anos, traços indígenas e pele morena. Fez da sua juventude sinônimo de coragem e empatia ao sofrimento do outro, principalmente de mulheres. É exemplo, nome de uma das avenidas mais importantes de Fortaleza.
MAURI MELO / O POVO
PERFIL
JURACI MAGALHÃES A metamorfose de Fortaleza
CURIOSIDADE
Um dia antes de assumir novamente a Prefeitura de Fortaleza, em 1996, após derrotar Inácio Arruda, do PCdoB, com 63,25% dos votos, Juraci tinha 78% de opiniões otimistas quanto ao seu governo, segundo pesquisa Datafolha
Não é exagerado dizer que talvez nenhum outro prefeito antes ou depois de Juraci Magalhães (1931/2009) tenha marcado tão profundamente a paisagem da cidade de Fortaleza. Eleito vice na chapa encabeçada por Ciro Gomes em 1988, Juraci assumiu o comando da capital cearense ainda em 1990, com a saída do titular para concorrer ao Governo do Estado. Na transmissão do cargo, Juraci e Ciro trocaram indiretas, com o prefeito que assumia falando sobre caixa insuficiente nos cofres do município, acusação rebatida pelo agora ex-gestor. Dali em diante, a relação entre ex-aliados se daria sempre nesses termos conflituosos. Provocador, Juraci desafiou Ciro a fazer mais por Fortaleza do que ele. Ao final de 1992, quando deixou o Paço, o prefeito detinha mais de 80% de aprovação, segundo o Datafolha. Médico dermatologista, Juraci chegou à Prefeitura por uma contingência, mas acabou ficando por longos 15 anos, somados os dois mandatos e o tempo durante o qual exerceu a chefia do Executivo no lugar de Ciro. Popular, não teve dificuldades para fazer o sucessor, Antônio Cambraia, derrotando o candidato Assis Machado, do PSDB, ainda no primeiro turno, com 55,37% dos votos. Num rápido discurso de posse em 1º de janeiro de 1993, Cambraia chamou Juraci de “o eterno prefeito de Fortaleza” e falou que tinha “vontade de realizar uma administração semelhante à anterior”, conforme reportagem do O POVO narrou à época. Questionado se via possibilidade de que Cambraia se desentendesse com ele e lhe virasse as costas, Juraci declarou que “não existe a hipótese da traição de Cambraia”.
PERFIL
Nome: Juraci Vieira de Magalhães (Juraci Magalhães) Nascimento: 12 de fevereiro de 1931 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Senador Pompeu (CE) Formação: Médico dermatologista e político brasileiro
120
O prefeito acrescentaria: “Conheço este rapaz antes dele ser sargento. Talvez Virgílio Távora não conhecesse Gonzaga Mota”, brincou, referindo-se ao comentário em voga de que Mota traíra Távora. Na dúvida, Juraci voltou ao cargo em 1996. Durante todo esse tempo de hegemonia conhecido como “juracismo”, a gestão municipal foi responsável por intervenções importantes em Fortaleza, entre as quais os terminais de ônibus, além de viadutos e avenidas. Juraci, que era dado a frases jocosas, costumava afirmar que bastava abrir a janela para que o fortalezense visse uma obra sendo executada pela sua gestão, cujo lema era “Humanização com participação”. Os ventos começaram a mudar no segundo mandato. Com o desgaste acumulado após tanto tempo no poder e casos de corrupção, o “juracismo” chegava ao fim. Nesse período, veio à tona o “escândalo da merenda”, a partir de suspeita de desvio de recursos para compra de merenda escolar entre 1998 e 2000. Em 2002, o Ministério Público Federal apresentou denúncia contra Juraci e seu genro, o deputado estadual Sergio Benevides (PMDB), que seria cassado dois anos depois e condenado uma década mais tarde pela Justiça Federal. Nesse cenário de dificuldades, Juraci não obteve sucesso em 2004. Seu candidato, Aloísio Carvalho (PMDB), terminaria a disputa em 5º lugar - o pleito foi vencido por Luizianne Lins, jovem deputada do PT.
FCO FONTENELE / O POVO
PERFIL
Sob as lentes de KARIM AÏNOUZ
CURIOSIDADE
Usando imagens do documentário gravado pelos então recémcineastas Karim Aïnouz e Marcelo Gomes, nasceu “Viajo porque Preciso”, “Volto porque te Amo”. Ele brincou que esse seria o seu primeiro filme, mesmo já tendo lançado dois longas anteriores
Definir Karim Aïnouz perpassa múltiplas paisagens. Nascido em Fortaleza de mãe cearense e pai argeliano, flutuando entre os Estados Unidos, Berlim e Portugal, Aïnouz tem paisagens preferidas: o deserto, o mar e a cidade. A imensidão de sertões e praias, que em Fortaleza encontram-se um do lado do outro, ambíguos, gigantes, complexos. Consciente e inconscientemente, são essas protagonistas geológicas que desafiam e compelem as protagonistas humanas a procurar algo além delas, dentro delas. Foi na Praia do Futuro que o cineasta cearense deu o primeiro mergulho no mar, foi à primeira festa. Foi também onde gravou cenários do longa-metragem Praia do Futuro, ou Sunlit Berlin, no título em inglês. Depois de finalizadas as filmagens, foi difícil voltar a ela, como se um casamento tivesse acabado e o estranhamento ainda fosse intenso. Em entrevista ao O POVO em 2013, com o então repórter Émerson Maranhão, Karim contou sobre a fricção das personagens com a paisagem em que viviam. O desejo de todos eles buscarem o que os inquietava, geralmente em uma aventura além da latitude e longitude que estavam habituados. “Estar no mundo é sempre uma experiência que não é completamente confortável”, comentou o cineasta. Formado em Arquitetura pela Universidade de Brasília (UNB) e Teoria do Cinema pela Universidade de Nova York (NYU), Karim é um dos representantes do cinema brasileiro
PERFIL
Nome: Karim Aïnouz Nascimento: 17 de janeiro de 1966 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Arquitetura pela UNB e Teoria do Cinema pela NYU
mundo afora. Boa parte das suas obras estrearam ou participaram dos festivais mais importantes do mundo do audiovisual, o trio Cannes-Berlim-Veneza. O último longa, Firebrand, estreou em 2023 no Festival de Cannes — o drama histórico é dirigido por Aïnouz e escrito por Jessica Ashworth e Henrietta Ashworth. Muitos diriam com a boca cheia de que Karim venceu ao conquistar uma carreira internacional. Mas para o cineasta não é tão simples assim: gravar em outros países não é ter uma carreira internacional; e ter uma carreira internacional não é sinônimo de sucesso. Para ele, importa filmar. Importa ter uma carreira. Importa também uma carreira nacional por si só, que agregue à filmografia brasileira, à fotografia do País. Se ela ecoa pelo mundo e conquista outros idiomas, é uma consequência que pode ter múltiplos significados, mas não menos importantes que aqueles filmes que ressoam Brasil adentro. Perpassadas as paisagens e os países, há também em Karim uma atração tácita pela aventura. “Gosto da vida enquanto uma aventura que tem que ser vivida”, declarou à então repórter Juliana Girão, em entrevista ao O POVO no ano de 2009. E enquanto os protagonistas do cineasta cruzam mundos e enfrentam desafios fictícios, é possível enxergar na trajetória de Aïnouz a aventura pela arte. O fazer filmes “com tesão”, sem a obrigação para com um chefe maior, abordando temáticas capazes de serem enfrentadas diariamente por quatro ou mais anos de produção. “As grandes paixões são sempre riscos”, disse à Juliana. E bote paixão entre Karim e o cinema. 121
ENTREVISTA
AURÉLIO ALVES / O POVO
LINCONLY JESUS A resposta vinda do candomblé
Nascido na capital cearense, Linconly Jesus Alencar Pereira passou a infância no seio do catolicismo popular vivenciado por sua família. As manifestações mediúnicas também começaram nessa época, mas sem a aceitação familiar era difícil o desenvolvimento. Na adolescência a mediunidade se tornou ainda mais representativa na sua vida e foi no candomblé que encontrou as respostas de quem realmente era. Aos 20 anos fez sua iniciação como pai de santo. Com o passar dos anos e compreensão de tudo que acontecia ao seu redor, uniu seus conhecimentos religiosos com as atividades de professor e babalorixá para propagar conhecimento de filosofias, cultura, tradições, línguas de saberes ancestrais e tudo mais que se vivencia nos terreiros no projeto Terreiro-Escola. Confira a entrevista
CURIOSIDADE
Em 2022, Linconly de Jesus é entrevistado para as Páginas Azuis pelo jornalista Cláudio Ribeiro e relata o preconceito que ainda existe com as religiões de matriz africana. Ele diz que “Esse universo do terreiro sofre uma perseguição que é toda estereotipada, por conta do processo histórico de escravização e que o estado é laico, mas não é laico na prática. Ele é judaico-cristão apenas”
122
O POVO - Como foi a sua infância e adolescência em Fortaleza? Linconly Jesus - Minha infância e adolescência em Fortaleza sempre foi muito tranquila. A gente tinha uma vida muito ligada ao catolicismo popular, então todo ano tinha aquele processo das romarias tanto para Canindé, em outubro, como para Juazeiro do Norte na época das festas do Padre Cícero e dos outros santos católicos. No decorrer de todo esse processo começaram a surgir as questões mediúnicas. Desde criança, desde o nascimento na verdade, só que pela questão do catolicismo popular a minha família nunca aceitava, por exemplo, um desenvolvimento mediúnico em um terreiro.
PERFIL
Nome: Linconly Jesus Alencar Pereira (Linconly Ty Ayra) Nascimento: 18 de junho 1979 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Babalorixá e professor. É doutor em Educação formado pela Universidade Federal da Paraíba, professor na Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira) e pesquisador das manifestações culturais e religiosas africanas e afro-brasileiras no terreiro e na escola, especialista em Exu.
O POVO - Como a religião surgiu na sua vida e decidiu se dedicar a ela? Linconly - O candomblé surgiu na minha vida no momento em que eu precisava de respostas para saber quem eu era. Eu tinha por volta de 20 anos de idade, já era universitário, na época eu estudava na Universidade Federal do Ceará (UFC), fazia engenharia mecânica. E aí o candomblé surge nesse sentido de trazer respostas e principalmente controle. Controle sobre as minhas mediunidades. O POVO - Quais os principais desafios que enfrenta por ser um pai de santo? Também é professor, como concilia as duas atividades? Linconly - Eu acredito que o principal desafio hoje (2023) é conciliar uma comunidade que vem crescendo tanto, a partir de tantas contradições de pessoas que chegam aqui no terreiro, a partir de tantos enfrentamentos das questões sociais que nós vivemos. O combate ao racismo estrutural, ao racismo religioso, a LGBTQIA+ fobia, a fome. E várias outras questões, como a misoginia, a violência contra a mulher, as questões de gênero. Realmente é entender como o terreiro se torna esse espaço político de formação de pessoas, de desenvolvimento humano. O POVO - Como surgiu a proposta de ter um terreiro-escola em Maracanaú e como ele funciona? Linconly - A ideia do Terreiro-Escola surgiu na pandemia da covid-19. Eu sempre quis, transformar o terreiro em um espaço educativo, em um espaço potencializador de vidas. Hoje a gente conta aqui com grupos de estudo e atividades rituais que elas também são processos educativos.
THAIS MESQUITA / O POVO
ENTREVISTA
LUCIANO KLEIN FILHO A propagação da doutrina espírita no Ceará Luciano Klein Filho, que após o falecimento do seu pai homônimo deixou de utilizar o Filho no nome, nasceu e cresceu em Fortaleza. Ainda na década de 1990 começou a frequentar a Federação Espírita do Estado do Ceará, capitaneado por Benvindo da Costa Melo, e desde então participa ativamente da causa espírita. Publicou vários livros sobre a temática espírita e fundou, em 1997, o Centro de Documentação Espírita do Estado do Ceará. A instituição funcionou até 2006. Em 2023, fundou com o mesmo propósito de trabalhar a história e o resgate do espiritismo no Estado, o Centro de Memória Viana de Carvalho, que também publica alguns livros nessa linha. Confira a entrevista
CURIOSIDADE
Na edição do Vida & Arte de abril de 2000, Luciano Klein fala sobre um dos livros que organizou “Bezerra de Menezes: Fatos e Documentos”, lançado em virtude do centenário da morte do renomado espírita cearense
O POVO - Como foi a sua infância e adolescência em Fortaleza? Luciano Klein - Eu sou natural de Fortaleza, Ceará, e passei a minha infância toda aqui na capital cearense. Vivi nos anos 1970 momentos de muita ternura, de muita alegria e que até hoje me fortalecem a alma. Na convivência com meus pais, o professor Luciano Klein, diretor do velho Educandário Curso Klein e minha mãe, Vera Lúcia, que ficou bastante conhecida nos anos 1950 por ser rainha da Rádio Ceará, na Rádio Clube. O POVO - Como surgiu a iniciativa de fundar a Federação Espírita do Estado do Ceará e do Centro de Documentação Espírita do Ceará? Luciano - Em 1990 integrava a Mocidade Espírita da Comunhão Espírita Cearense e dela veio o desejo do movimento espírita local de ter uma entidade que pudesse gerir, organizar de forma democrática os destinos do movimento espírita ce-
PERFIL
Nome: Luciano Pinheiro Klein Filho (Luciano Klein) Nascimento: 2 de fevereiro de 1964 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Bacharel em Administração de Empresas, licenciado em História e pós-graduado em Teoria e Metodologia da História
arense. Quanto ao Centro de Documentação Espírita do Estado do Ceará, ele foi uma iniciativa minha, fundado em 10 de dezembro de 1997, objetivando o resgate da memória histórica do espiritismo em nosso Estado. O POVO - Qual legado acredita que construiu no Ceará em torno do espiritismo? Luciano - Particularmente o legado que acredito ter deixado, porque cada um deixa a sua contribuição no setor, na área em que atua, se deve ao ofício como historiador e historiador espírita. Atualmente sou membro efetivo, com muita alegria, do Instituto do Ceará Histórico, Geográfico e Antropológico, fundado em 1987. Instituição que é guardiã das memórias do nosso povo, da nossa gente. O POVO - Qual sua relação com o Grupo de Comunicação O POVO? Luciano - Tenho uma estreita e afetiva ligação com o Grupo de Comunicação O POVO. Primeiramente pela amizade, há mais de 30 anos, com o jornalista e irmão Nonato Albuquerque, que durante anos trabalhou, tanto no jornal, quanto na rádio AM. Depois tive a oportunidade, nos anos 1990, de fazer várias pesquisas nos jornais antigos da instituição que me permitiu coletar gama preciosa de materiais. Além de entrevistas que dei no projeto Grandes Cearenses, também participei com um livrinho sobre o doutor Bezerra de Menezes, que integrou a coleção Terra Bárbara da Fundação Demócrito Rocha. Um livro que na época, por ocasião do período do lançamento do filme, teve a sua primeira tiragem esgotada em tempo recorde. 123
AURÉLIO ALVES / O POVO
ENTREVISTA
LUIZ PORTO A luta para prevenir o câncer de mama Nascido no município de Iracema, no Ceará, Luiz Porto, aos 11 anos, mudou-se para a Capital com a família. Instalaram-se na Vila Popular, hoje conhecido como Henrique Jorge. Aquele bairro, na periferia de Fortaleza, foi a primeira tentativa de acomodar migrantes do Interior e integrantes de uma classe média que começava a surgir na Cidade. Estudou medicina e virou referência no Estado no tratamento do câncer. Sua relação com O POVO é antiga, mas de todas as publicações, duas edições impressas ele guarda com carinho até hoje: o da sua aprovação no vestibular e a reportagem “Luiz Porto contra os moinhos de vento do câncer”, publicada em 2013. O POVO - Por que o senhor decidiu estudar Medicina? Luiz Porto - As lembranças do sofrimento de pessoas da família, as mortes evitáveis e prematuras, as atividades como oficial do Corpo de Bombeiros, salvando vidas e duas irmãs médicas me motivaram para também seguir essa profissão.
CURIOSIDADE
Em junho de 2023, o médico oncologista lançou sua autobiografia, que se chama “Com a palavra, Luiz Porto”. Parte da renda da venda da publicação será destinada às iniciativas do Grupo de Educação e Estudos Oncológicos (Geeon)
O POVO - Como avalia a evolução dos profissionais e das pesquisas relacionadas ao câncer no Ceará nos últimos anos? Luiz - O sistema de saúde pública do Brasil custou a analisar o câncer como grave problema de Saúde Pública. Em função disto medidas preventivas que evitariam as doenças como: câncer de pele, pulmão, colo de útero e mama começam a ser vistos sobre esse aspecto. O câncer do intestino começa a se tornar muito frequente e é necessário implantar programas educativos e diagnósticos dessa doença. O POVO - Na sua avaliação, qual é hoje o papel do Sistema Único de Saúde (SUS)? Luiz - O SUS é o maior sistema de atendimento público nos países oci-
PERFIL
Nome: Luiz Gonzaga Porto Pinheiro (Luiz Porto) Nascimento: 24 de novembro de 1944 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Iracema (CE) Formação: Médico-cirurgião Oncologista e Mastologista e professo 124
dentais, projetado para um atendimento igualitário que ainda não foi totalmente implantado pela limitação do seu financiamento. Há evolução positiva em vários aspectos, principalmente no seu PSF (Programa de Saúde da Família) que conseguiu diminuir a mortalidade de várias doenças graves como: complicações pós-parto, mortalidade infantil e vacinação. São necessários aprimoramentos e expansão para as doenças malignas que hoje são a segunda causa de mortalidade em nosso País. O POVO - Quais contribuições para a saúde o senhor destaca? Luiz - Eu e um grupo de profissionais desenvolvemos um projeto de atendimento ao câncer de mama com algumas premissas básicas: 1 – Educação da Comunidade; 2 – Identificação de grupos de riscos de desenvolver o câncer de mama; 3– ampliação da rede de diagnóstico pela qualificação das policlínicas do Estado. O POVO - Qual sua relação com o Grupo de Comunicação O POVO? Luiz - O jornal O POVO, tradicional meio de comunicação em nosso Estado, me acompanha desde a adolescência quando publicou a minha aprovação no concurso de admissão ao Liceu do Ceará, em 1958. Meu pai o comprava quase todos os dias e o acompanho até hoje. Guardo com carinho a publicação de uma entrevista dada em 1º de julho de 2013 aos jornalistas Ana Mary C. Cavalcante e Deivyson Teixeira, onde o tema era Luiz Porto contra os moinhos de vento do câncer.
PERFIL
MADRE FEITOSA A pedagogia como caminho
Ela nasceu para cuidar, ensinar e aprender. Construiu uma escola e foi professora até os 98 anos
CURIOSIDADE
A passagem dos cem anos de nascimento de Madre Feitosa, em 2021, foi marcada por uma programação especial da Diocese do Crato que incluiu o lançamento de livro sobre a vida dela
PERFIL
Nome: Maria Carmelina Feitosa (Madre Feitosa) Nascimento e morte: 13 de setembro de 1921 - 27 de dezembro de 2019 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Tauá (CE) Formação: Pedagogia na antiga Faculdade de Filosofia do Crato, foi diretora do Colégio Santa Teresa, secretária geral da congregação e eleita vice-superiora geral em três mandatos consecutivos
“Compensa fazer o bem. Viver a vida fazendo o bem. É gratificante e há um retorno do bem que se faz” 126
MATEUS MONTEIRO / ESPECIAL PARA O POVO
A educação cearense das últimas décadas deve muito a uma mulher e religiosa que dedicou a vida a um dos segmentos sociais mais importantes para o futuro. Madre Maria Carmelita Feitosa deixou em muitas crianças e adolescentes - hoje adultos - a marca do ensino com amor e dedicação. Por isso e tanto, escolas, ruas, conjuntos habitacionais, lembranças e histórias levam seu nome: Madre Feitosa. Nascida na cidade de Tauá, em 1921, a menina foi uma semana depois para Arneiroz, e foi lá onde nasceu o amor pela aprendizagem. A filha de Crispim Morais e Maria Josina Feitosa de Morais, foi para o Crato aos 14 anos e aos 17 entrou no colégio feminino administrado pelas Irmãs da Congregação das Filhas de Santa Teresa de Jesus. Foi lá que, dois anos depois, Madre Feitosa optou pela vida religiosa, entrou na Congregação e começou a ensinar. A carreira que misturaria tantas vocações começou com o curso de Pedagogia na Faculdade de Filosofia do Crato. No Colégio que se descobriu educadora, Madre Feitosa também dedicou parte dos anos a continuar o trabalho que mudou sua vida, sendo secretária geral e vice-superiora geral na instituição. E a caridade que compartilhava junto à sociedade foi a propulsora para o surgimento do Colégio Pequeno Príncipe, em 1969. Mães que procuravam vagas para deixar os filhos pequenos foi a demanda que Madre Feitosa ouviu. O maior desafio da vida da religiosa leva o nome do personagem de seu livro predileto, “Pequeno Príncipe”, do autor Exupéry, também seu predileto. Para Madre Feitosa, a principal lição da vida é simples, composta de humanismo e fazer o bem. Mas ela também conhece a dificuldade que é conduzir uma escola. Função que ela praticou com excelência, até os 93 anos. A relação de Madre Feitosa, 93, freira e pedagoga,com a educação, a escola que fundou e os alunos que ajudou a formar foi descrita nas páginas da Revista O POVO Cariri, de março de 2015, pela repórter Sabryna Esmeraldo. “Ao vê-la andando pelo pátio do colégio, os alunos, dos mais velhos aos mais novos, param, simplesmente, para falar com ela, pedir a benção, perguntar se está tudo bem e, talvez, dar notícias da própria família”, dizia o texto. Os alunos eram para ela uma fonte de satisfação. Nesta entrevista ao O POVO, Madre Feitosa contou que o que mais a encantava na área da educação era poder dedicar-se às crianças e aos jovens. “Eles me ensinam
demais. A gente aprende com eles todos os dias. E sente o calor humano que vem da parte deles, como uma gratidão, tanta amizade. É uma semente plantada para germinar e crescer”. Ela disse ainda que a principal lição que tenta passar para aqueles que conhece é fazer o bem. “Compensa fazer o bem. Viver a vida fazendo o bem. É gratificante e há um retorno do bem que se faz”. A religiosa integrou o Governo Geral, de onde partem as decisões sobre a vida e o apostolado da Congregação. Foi assistente direta da superiora geral e depois conselheira geral e secretária. A trajetória na Educação foi marcada não só pelo ensino, mas principalmente pelo apoio. Os relatos de religiosos, alunos, professores e responsáveis sempre foram esses: de uma mulher que estava ali para ouvir e ajudar em qualquer situação. Sua simplicidade a levou a ser conhecida como a “santa viva do Cariri” Uma das homenagens à educadora foi a nomeação da unidade do curso de Medicina da Universidade Regional do Cariri (Urca). Os anos dedicados à Educação renderam-lhe ainda inúmeras honrarias, dentre elas a medalha “Reitor Antônio Martins Filho”, em 2007, e o título “Doutor Honoris Causa”, em 2014. Ambos concedidos pela Urca. Madre Feitosa morreu dois dias depois do Natal, quase centenária, aos 98 anos, em 27 de dezembro de 2019, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). O funeral durou três dias, com celebração da Eucaristia a cada duas horas, entre as recitações do Terço Mariano. Madre Feitosa foi carregada em cortejo pelas ruas do Crato acompanhada de Banda de Música, do Corpo de Bombeiros e dezenas de amigos e admiradores, como o ministro da Educação e ex-governador do Ceará, Camilo Santana. Foi sepultada na Casa de Caridade, que lhe acolheu e que teria sido construída em 1868, pelo apóstolo do Nordeste, padre Ibiapina.
AURÉLIO ALVES / O POVO
ENTREVISTA
MAIA JÚNIOR A mente por trás do planejamento
O desenvolvimento econômico do Ceará tem a sua marca com as inúmeras obras que traz no currículo, dentre as quais destaca com orgulho, a do Porto do Pecém, do novo Aeroporto de Fortaleza, além das duplicações dos acessos à Região Metropolitana de Fortaleza. Também exerceu o cargo de vice-governador do Ceará entre os anos de 2003 e 2006.
CURIOSIDADE
Nas Páginas Azuis em 2023 concedida ao repórter Samuel Pimentel, Maia Júnior conta que sua mãe, que ficou viúva em Pernambuco e o trouxe com um mês para Fortaleza, sempre priorizou para ele e para os irmãos, uma escola boa através de programas de bolsas de estudo e, na formação acadêmica, por meio de faculdades públicas, porque ela já não tinha condições de pagar o particular 128
O POVO - O senhor participou de muitas gestões do Governo do Ceará. Como avalia o legado deixado até aqui? Maia Júnior - Os principais legados foram a reorganização e a criação de uma plataforma de infraestrutura bastante competitiva no Estado, com a construção de grandes equipamentos que o Ceará tinha limitações. Refiro-me aqui ao Porto do Pecém, uma obra que eu qualifico como extraordinária; o aeroporto novo de Fortaleza, que inclusive já foi ampliado e que possibilitou um forte desenvolvimento econômico. Também tiveram na área de infraestrutura a construção de estradas, mais de 3 mil km. Ou seja, estruturar uma infraestrutura com visão logística para colocar o Ceará numa posição diferenciada, como muitos países fizeram. Conectando o Ceará por terra, mar e ar. O POVO - Na sua avaliação, o que deveria ser prioridade para o desenvolvimento econômico do Ceará nos próximos anos? Maia - Eu acho que se deve consolidar um modelo de desenvol-
PERFIL
Nome: Francisco de Queiroz Maia Júnior (Maia Júnior) Nascimento: 21 de maio de 1957 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Recife (PE) Formação: Graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e Administração de Empresas pela Universidade Estadual do Ceará (Uece)
vimento econômico do Ceará com outras alternativas na sua cadeia, além do agrobusiness, do turismo, dos calçados e têxteis, alimentos e bebidas e a indústria de metalurgia. Consolidar esses hubs que foram construídos - portuário, aéreo, gás natural, hidrogênio verde - e esses projetos estruturantes da refinaria de Itataia são o grande desafio. Se somadas à cadeia de economia da saúde e à de recursos hídricos, acho que o Ceará poderia definir uma forte economia para o seu futuro. O POVO - O que mais gosta da sua relação com o Ceará? Maia - O que eu mais gosto na minha relação com o Ceará é o desafio de eliminar essa pobreza, essa desigualdade. Eu espero que um dia a gente possa não só reter esses talentos, como atrair de volta esses talentos que se foram. Por isso a governança é importante. Gosto de ver o Ceará melhorar e de dar oportunidade a todos, não a poucos. Acho que eu sou um resultado disso, filho de uma mulher costureira, que lutou muito para educar os filhos e tive, pelo conhecimento que ela me proporcionou e pelo esforço que eu fiz de acumular mais conhecimento, grandes oportunidades aqui. O POVO - Qual sua relação com o Grupo de Comunicação O POVO? Maia - Sempre foi uma relação de muito respeito. É um jornal que sempre se posicionou com a compreensão muito forte do desenvolvimento do Ceará, de como o Ceará deveria procurar espaço para desenvolver um Estado que criasse oportunidade melhores para todos.
ENTREVISTA
AURÉLIO ALVES / O POVO
MARCELO ALCANTARA O Elmo que salvou vidas na pandemia
No dia em que os resultados do vestibular de Medicina na Universidade Federal do Ceará (UFC) foram divulgados, Marcelo Alcantara correu para comprar O POVO. O medo de não ter sido aprovado era grande, mas virou pura alegria quando viu o nome impresso em preto nas páginas texturizadas do jornal. Desde então, dedicou-se à medicina e à pneumologia como um Visconde de Sabugosa, garantindo ao Ceará a criação do Capacete Elmo, capacete de respiração assistida para tratar pacientes com quadro leve ou moderado de covid-19, e que salvou muitas vidas na pandemia. Entre conversas sobre a infância em uma Fortaleza bucólica e o poder da literatura, Marcelo fala em entrevista sobre o amor pela Medicina, profissão herdada da mãe Márcia Alcantara, médica pneumologista, e do potencial inovador do Ceará.
CURIOSIDADE
Marcelo Alcantara é ferrenho torcedor do Fortaleza Esporte Clube (FEC)
O POVO - Como é que foi descobrir a Medicina? Marcelo Alcantara - Eu acho que eu descobri a Medicina de fato no último ano da faculdade, no internato. Eu comecei a entender a grandeza que é você pegar todo o conhecimento que você tem e botar à serviço de um ser humano que está sofrendo. Para mim a Medicina é isso: você colocar todas as suas habilidades, que vão muito além da habilidade puramente clínica tradicional, é toda a habilidade humana também, a serviço de um outro ser humano e os seus familiares. O POVO - Como foi que a sua mãe reagiu à ideia do Elmo? Marcelo - Ela sempre se emocionou muito. Eu mostrei para ela o protótipo do Elmo uma vez, ainda durante a
PERFIL
Nome: Marcelo Alcantara Holanda Nascimento: 5 de maio de 1968 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Medicina pela Universidade Federal do Ceará, doutorado em Medicina (Pneumologia) pela Universidade Federal de São Paulo
130
pandemia, e disse assim: ‘Esse capacete, talvez ele resolva’. Eu acho que ela não acreditou muito, não (risos). Parecia um saquinho, sabe? Aí depois ela foi vendo que a coisa estava crescendo e ficou com muito orgulho e muito feliz. Até hoje a gente está vivendo essa sensação, né? De que fizemos algo muito diferente mesmo. O POVO - O que o Ceará tem para que saiam tantas ideias boas e acessíveis daqui? Marcelo - Acho que isso vem de duas características: uma, por incrível que pareça, é a nossa ousadia. A gente é um povo ousado. A gente não tem medo de fazer certas coisas e fazer acontecer. O doutor Carlile Lavor inovou, com o Programa Saúde da Família (PSF), que ganhou o Brasil todo e está ganhando o mundo. É a mesma coisa com a pele de tilápia, a mesma coisa com o Elmo. A gente tem inclusive esse humor cearense. É uma característica dessa ousadia, a gente ri muito de si mesmo e dos outros também, e sem magoar as pessoas porque o bom humor ele sabe fazer isso bem. E o outro lado: a gente é pobre. A gente é um Estado pobre, periférico. Isso gera necessidade de inovar. Em Nova York na época da pandemia ninguém vai precisar fazer um capacete porque tem leito de UTI suficiente, tem respirador suficiente… Eu não vou pensar em nada, eu vou simplesmente comprar mais. A gente foi buscar uma solução muito ousada, com muita coragem e essa coragem em todas as instituições e pessoas que trabalharam no Elmo.
PERFIL
MARIA DA PENHA O nome da lei
Como a luta pessoal travada por Maria da Penha na Justiça tornou-se hoje o principal guarda-chuva de proteção legal para mulheres que sofrem com a violência doméstica Poderia ser apenas mais uma Maria nascida, em 1945, no Brasil, no Ceará e em Fortaleza, mas quis o destino que a história de dor, abusos e violência que a Maria da Penha Maia Fernandes viveu com seu companheiro se tornasse a liberdade de muitas outras mulheres no País. A luta travada por ela virou lei e hoje a Lei Maria da Penha é um guarda-chuva de proteção legal para mulheres que sofrem com a violência doméstica. Maria é irmã de cinco mulheres de um casal formado por um dentista e uma professora. Estudou em bons colégios em Fortaleza e inspirou-se na avó, “a primeira parteira diplomada do Cariri”, para fazer farmácia. Morava perto do Mercado São Sebastião nas décadas de 1940-1960. Na época, sonhava com um casamento que iria durar para sempre. Nunca tinha visto, em sua família, a violência que conhecera anos depois. Farmacêutica bioquímica formada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), turma de 1966, foi cursar mestrado em Parasitologia em Análises Clínicas, na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), em 1977. Foi justamente nessa fase da vida, em 1974, que conheceu o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros. Ele fazia pós-graduação em Economia também na USP. Mostrando-se amável, educado e solidário com todos à sua volta, Marco e Maria começaram a namorar e casaram-se em 1976. No ano seguinte, nasceu a primeira filha do casal e com a finalização do mestrado de Maria, eles se mudaram para Fortaleza, onde nasceram as outras duas filhas do casal. A partir daí, tudo muda. Começaram as agressões, mesmo ele tendo conseguido a cidadania brasileira e a estabilidade profissional e econômica. Agia com intolerância, exaltava-se com facilidade e tinha comportamentos explosivos com a esposa e com as filhas. Tudo oscilava com arrependimento e comportamento carinhoso. Em 1983, atentou por duas vezes contra a vida da esposa. Na primeira, ele deu um tiro em suas costas enquanto ela dormia, o que a deixou paraplégica e com lesões irreversíveis, além de outras complicações físicas e traumas psicológicos. Marco mentiu à polícia e contou a versão de uma assalto na residência, posteriormente desmentido pela perícia. Ao retornar para casa, após quatro meses de internação e tratamento, Marco a manteve em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho. A partir daí, a vida de Maria da Penha se transformou em uma luta pela justiça. Foram oito anos aguardando o julgamento, que 132
aconteceu em 1991, mas Marco saiu em liberdade, mesmo tendo sido sentenciado a 15 anos de prisão. Ainda fragilizada transformou sua dor em palavras. Escreveu o livro “Sobrevivi... posso contar” (1994 e reeditado em 2010) com o relato de sua história e os andamentos do processo contra o ex-marido. O segundo julgamento foi realizado em 1996 e ele foi condenado a 10 anos e seis meses de prisão. Porém, mais uma vez, a sentença não foi cumprida. Dois anos depois, em 1998, ainda sem o julgamento final, o caso ganhou dimensão internacional e o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) denunciaram a situação para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). Em 2001, o Estado foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. No ano seguinte, a falta de medidas legais e ações efetivas, como acesso à justiça, proteção e garantia de direitos humanos a essas vítimas, levou a formação de um Consórcio de ONGs Feministas para a elaboração de uma lei de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Assim, em 7 de agosto de 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei N. 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Desde a sua criação, muitos projetos de lei tentaram enfraquecer a lei, mas, devido à ação conjunta de Maria da Penha com movimentos feministas e instituições governamentais, não houve retrocessos. Em 2009, foi criado por ela o Instituto Maria da Penha (2009), uma organização não governamental e sem fins lucrativos que segue o seu trabalho de dialogar com diversos setores da sociedade e promover ações de enfrentamento à violência contra a mulher. Também exerce pressão junto às autoridades para que haja o total cumpri-
CURIOSIDADE
Em 2010, Maria da Penha conta em entrevista exclusiva para o jornal O POVO, Páginas Azuis, como toda sua tragédia aconteceu e como um problema pessoal, que refletia a realidade de outras milhares de mulheres, chamou a atenção de organizações estrangeiras para mudar como a lei agia em casos de violência contra a mulher no Brasil
PERFIL
Nome: Maria da Penha Maia Fernandes (Maria da Penha) Nascimento: 1º de fevereiro de 1945 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Farmacêutica bioquímica e se formou na Faculdade de Farmácia e Bioquímica da Universidade Federal do Ceará em 1966, concluindo o seu mestrado em Parasitologia em Análises Clínicas na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo em 1977
RODRIGO CARVALHO / O POVO
“Sinto-me totalmente comprometida com a causa do enfrentamento da Violência Contra a Mulher (VCM), que mata as nossas mulheres e deixa órfãs as nossas crianças”
mento da Lei n. 11.340/2006 que luta contra a impunidade dessa violência que é social, cultural, política e ideológica, afetando milhares de mulheres, adolescentes e meninas em todo o mundo. “Sinto-me totalmente comprometida com a causa do enfrentamento da Violência Contra a Mulher (VCM), que mata as nossas mulheres e deixa órfãs as nossas crianças. Sou muito grata aos movimentos de mulheres da minha cidade e do meu País que fortaleceram a minha busca por justiça, justiça esta que só aconteceu com a prisão do meu agressor faltando seis meses para o crime prescrever, ou seja, depois de 19 anos e seis meses de luta”, afirmou em entrevista ao O POVO. Porém ela considera que o mais importante resultado desta luta foi a mudança legislativa. “É importantíssimo que o poder público invista em educação conforme consta no artigo oitavo inciso IX da lei Maria da Penha”, ressalta. Quando questionada sobre como a comunicação pode ajudar nessa luta, Maria da Penha cita que a imprensa pode cumprir o que no inciso III do artigo oitavo da lei Maria da Penha. “o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal”.
FCO FONTENELE / O POVO
ENTREVISTA
MARCELO PAZ Ele mudou o Tricolor Ele nasceu para o futebol. E não é exagero. Marcelo Cunha da Paz, atual dirigente do Fortaleza Esporte Clube (FEC), queria ser jogador, mas se descobriu gestor no meio do caminho. Torcedor apaixonado, sonhava em gerir o clube do coração. Conseguiu o que queria e deixou seu nome marcado nos cem anos de existência do FEC. Formado em Administração pela Universidade Federal do Ceará (UFC), atuava no colégio fundado pelo pai, onde trabalhava desde os 18 anos. Protagonista dos times e lideranças, viu nascer ainda na adolescência o sonho de dirigir o Fortaleza. Marcelo até teve influência familiar para ser Ferrim, mas conseguiu fazer o pai virar torcedor do Leão também. Viu o futebol como empresa, que precisa de planejamento, investimento e gestão, principalmente. Foi na sua gestão que o Fortaleza saiu, depois de oito anos, da série C do Campeonato Brasileiro. Atualmente, o clube figura na Série A.
CURIOSIDADE
Em entrevista às Páginas Azuis, do O POVO, em 2019, Marcelo Paz disse que o momento que mais sofreu no clube foi em 2016, depois do jogo contra o Juventude, quando foi duramente criticado pela torcida
O POVO - O que o levou até a direção de um clube profissional de destaque? Marcelo Paz - Eu sempre fui apaixonado por futebol, desde criança, sempre estive ligado, consumindo tudo relacionado ao futebol. Jogava futebol de botão, futebol no videogame, os meus bonecos eu dividia por cores e formava times de futebol, colecionava álbum de figurinhas, assistia todos os campeonatos na televisão. Chegava segunda-feira na escola, não tinha professor que me aguentasse contando a resenha do final de semana inteiro. Eu também joguei muito futebol, queria ser jogador. Quando fiz 18 anos comecei a trabalhar na escola que meu pai fundou e incentivava muito o esporte. Me aproximei do Fortaleza através de um grupo chamado Confraria Tricolor, de
PERFIL
Nome: Marcelo Cunha da Paz (Marcelo Paz) Nascimento: 8 de março de 1983 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Administrador, formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), também é graduado em Gestão Técnica no Futebol pela Universidade do Futebol 134
pessoas de diversas funções na sociedade, bem plural. E a gente tinha a missão de ajudar o Fortaleza financeiramente, com a mensalidade. Depois, muitas dessas pessoas se tornaram dirigentes. E foi a partir da Confraria que eu fui indicado para ser diretor de futebol, no final de 2014, para gestão 2015/2016, depois me tornei vice-presidente, durante 2017, e depois presidente, no final de 2017. O POVO - Como analisa o cenário atual do futebol cearense? Marcelo - Eu acho que o futebol cearense vive o seu melhor momento na história. Em que pese o nosso rival, o Ceará, estar esse ano na série B, mas nos últimos anos Fortaleza e Ceará foram participantes ativos das principais competições nacionais na Série A, também na Sul-Americana, e o Fortaleza na Libertadores. São clubes que literalmente mudaram de patamar. O futebol é uma atividade que tem um cunho social, do ponto de vista de que impacta a sociedade, mas também é uma atividade econômica, que traz divisas para o Estado. O POVO - Quais os principais desafios à frente da direção de um clube nordestino? Marcelo - Existem dois grandes desafios que o dirigente de um clube nordestino enfrenta para poder encarar no mais alto nível as competições nacionais, e até internacionais. Tem um aspecto econômico, que a renda média da população nordestina é menor do que a de São Paulo, Rio, Curitiba. Consequentemente, o torcedor tem menos poder de consumo e isso se reflete na renda de um jogo. É um desafio difícil de ser superado, assim como a questão logística, porque nós estamos numa região mais distante.
FERNANDA BARROS / O POVO
ENTREVISTA
MARIA LUÍZA FONTENELE A prefeita da Capital A primeira mulher eleita para comandar uma capital brasileira é uma nordestina, de Quixadá, interior do Ceará. Maria Luíza Menezes Fontenele, a Maria Luíza, sempre esteve na linha de frente desde os tempos de diretórios estudantis. Em 1964, ápice dos tempos sombrios da ditadura, ela era presidente do Centro Acadêmico da Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrava também o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE). Nos anos 1970 uniu-se à luta por Anistia e a favor das Diretas Já.
CURIOSIDADE
Em dezembro de 2004, Maria Luíza Fontenele concedeu entrevista ao O POVO para as Páginas Azuis onde avaliou, após 19 anos, sua própria administração a frente da capital cearense
O POVO - A senhora era professora. Como foi a escolha da profissão e depois como surgiu a oportunidade de entrar para a política? Maria Luíza Fontenele - Na ocasião do golpe militar em 1964, eu era presidente do Centro Acadêmico da faculdade. Integrava também o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE), na luta não só pela meia passagem estudantil como também por mais vagas nas universidades. Além da luta por liberdade e contra a repressão militar. Respondi a três processos, mas, não fui presa. Em 1970, casada com o professor de Economia Agamenon Almeida, fomos fazer pós-graduação nos Estados Unidos, retornando em 1973, com nossa filha Andrea, nascida em solo americano. Rosa Fonsêca, nossa ex-aluna, saía da prisão, Jorge Paiva e Célia Zanetti chegavam aqui na clandestinidade. Juntamo-nos aos familiares de presos políticos e exilados na luta por Anistia, ampla, geral e irrestrita e pelas Diretas Já. O POVO - Quais os desafios de ser a primeira mulher eleita à Prefeitura de Fortaleza? Maria Luíza - Assumimos a Administração Popular na perspectiva de um projeto voltado para a responder às aspirações da
PERFIL
Nome: Maria Luíza Menezes Fontenele Nascimento: 27 de novembro de 1942 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Quixadá (CE) Formação: Serviço Social na Universidade Federal do Ceará (UFC), 1965 e mestrado em Sociologia, na Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos em 1973
população. Mas, na condição de candidata mulher, divorciada, socialista que derrotou os coronéis, os reformistas e o projeto neoliberal, enfrentamos situações conflituosas. Desde a questão dos conselhos, que também os setores de esquerda queriam submetidos à Prefeitura, enquanto nós, queríamos uma forma de organização independente. Outra divergência ocorreu por ocasião da construção de dez mil habitações em sistema de mutirão pelas comunidades, em detrimento da contratação de empresas. O POVO - Como e quando foi criado o grupo Crítica Radical. Ainda se dedica a ele após 50 anos. Por quê? Maria Luíza - No fim da Administração Popular, Jorge Paiva teve acesso a uma publicação dos rascunhos do capital de Marx, onde está explícita a contradição interna do moderno sistema fetichista patriarcal produtor de mercadorias - o avanço tecnológico substituindo o trabalho humano e criando o desemprego estrutural em massa. A partir daí, na perspectiva de uma proposta de emancipação humana, ainda participamos da eleição para deputado federal, pelo impeachment do Collor e denunciamos também o crime organizado na vinculação com o narcotráfico e a violência sobre a mulher e prostituição infantil. O POVO - A senhora teve um processo de interação com Demócrito Dummar à época da luta por anistia? Maria Luíza - A luta por Anistia foi um marco excepcional de nossa trajetória e também do processo de interação com os integrantes do jornal O POVO, em especial com Wânia (Dummar) e Demócrito Dummar nas diferentes formas em que esse processo se deu. 135
REPRODUÇÃO ACERVO PESSOAL
PERFIL
MARTINS FILHO O pai das universidades
CURIOSIDADE
Na entrevista em junho de 2000 para O POVO, Martins Filho conta que Juscelino Kubitschek foi o presidente brasileiro que mais o impressionou por ter o ensejo de dialogar de maneira amistosa
Quem conheceu o visionário da educação cearense, Martins Filho, já na fase adulta da vida, nem imaginava como foi sua infância. Em entrevistas concedidas, como a que deu para Moreira Ribeiro para o Núcleo de Documentação e Laboratório de Pesquisa Histórica do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (Nudoc), em 1994, ele contava que tinha sido um “menino problema, um verdadeiro tormento para a família, mas depois com a chance de ter um emprego, a situação se reverteu completamente. Eu passei dizem as pessoas da minha família - a tomar juízo”. Foi através dos estudos que Martins vivenciou essa transformação. Chegou a escrever livros sobre essas fases da menor e maior idade, que fez bastante sucesso em sua região do Cariri, nas cidades do Crato, Juazeiro e Barbalha. Ainda na sua cidade natal começou a trabalhar, aos 11 anos, na tipografia da Gazeta do Cariri. Fazia o trabalho de distribuição de título e ajudava na impressão. No fim da seca de 1915, junto com um irmão, resolveu vender farinha. Ganharam um dinheiro e compraram uma bodega, que não deu certo. Assim, em 1918, foi com seu pai, só depois a família os encontrou, para Lavras da Mangabeira. Por lá, foi empregado da Rede de Viação Cearense. Durante a seca de 1919 sua família regressou ao Crato e ele se manteve no emprego. Seu pai dizia aos demais familiares: “Vocês não se preocupem com o Antônio. Antônio vai aprender na escola da vida.” Em 1925 foi transferido para Caxias, no Maranhão. Era a cidade berço de Gonçalves
PERFIL
Nome: Antônio Martins Filho (Martins Filho) Nascimento e morte: 22 de dezembro de 1904 20 de dezembro de 2002 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Crato (CE) Formação: Advogado, professor, escritore primeiro reitor da Universidade Federal do Ceará
136
Dias, Coelho Neto, grandes vultos das Ciências, das Letras e das Artes do Brasil. Além disso, lá se casou em 1927 e foi transferido para Picos, no Piauí. Juntou economias, voltou a Caxias e abriu uma loja própria. Porém, ao saber da Faculdade de Direito no Piauí, resolveu estudar. Formou-se em 1935. Voltou para Fortaleza, em 1937, com quase nada, esposa e cinco filhos. No ano seguinte, foi professor contratado do Liceu do Ceará para o curso pré-jurídico. Depois passou a examinar outras disciplinas até 1943. Conseguiu o cargo de professor da Faculdade de Direito, lutou por concurso, mas a grande ideia que teve lá foi a da criação da Universidade. O movimento ganhou força depois que Xavier de Oliveira, em 1944, defendeu a ideia de que deveria haver aqui, no Ceará, uma universidade. A Universidade foi criada no dia 16 de dezembro de 1954. Os amigos Paulo Sarasate e Flávio Marcilio, governador e vice-governador na época, defendiam que Martins Filho deveria ser o primeiro reitor e assim aconteceu. Ele foi escolhido pelo então presidente Café Filho. Em entrevista à época, destacou que essa universidade não era obra apenas do governo, mas de todos os cearenses. “Ela surgiu para servir à comunidade cearense, para servir aos estados vizinhos da região, portanto para servir ao Nordeste. A nossa alma principal era o trabalho, a dedicação”.
TALITA ALVES / O POVO
PERFIL
MAURO BENEVIDES No centro de um Brasil em transformação
CURIOSIDADE
Mauro Benevides assumiu a Presidência da República interinamente uma vez, no ano de 1992
Poucas são as pessoas que seguem vivas para contar o que viram com os próprios olhos nos anos de maior mudança política e social no Brasil. Pouquíssimas são aquelas que o fazem com a posição privilegiada de quem está no poder. Mauro Benevides é um desses políticos que carregam a memória viva da ditadura militar e da redemocratização com perspectivas cearenses, carregando o que há de crítica e elogio durante seis décadas de carreira. Nascido em Fortaleza no ano de 1930, quando Getúlio Vargas chegava pela primeira vez ao poder, Benevides tinha apenas 25 anos quando assumiu o cargo de vereador de Fortaleza, em 1955. Até então, já tinha trajetória no movimento estudantil e no católico, o que o teria naturalmente encaminhado à política partidária — ainda que ele tivesse influência do pai Carlos Eduardo Benevides, deputado estadual. De tantas idas e vindas, uma das mais marcantes para Mauro Benevides foi a Presidência da Assembleia Legislativa quando estourou a ditadura militar, em 1964. Os militares mandavam cassar os mandatos de qualquer parlamentar que cheirasse à rebeldia e, durante o mandato de Benevides, seis deputados foram cassados: Blanchard Girão, Raimundo, Ivan Barroso, Amadeu Arraes, José Fiúza Gomes, Pontes Neto e Aníbal Bonavides. Era um combate interno bruto, tenso. “Extremamente delicado”, definiu Mauro em entrevista à então repórter do O POVO, Beatriz Cavalcante, em 2014. Segundo ele, era quase impossível resistir contra o sistema: “Era uma pressão que se exercitava numa amplitude”.
PERFIL
Nome: Carlos Mauro Cabral Benevides (Mauro Benevides) Nascimento: 21 de março de 1930 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) 138
Mostrou seu descontentamento filiando-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB) quando foi instaurado o bipartidarismo. Era o partido de oposição ao Arena, do governo militar. Foi o presidente estadual do partido durante 27 anos, porque era vice-presidente quando Martins Rodrigues também teve o mandato cassado. Mesmo assim, Mauro Benevides não escapou da posição de murista, o que, durante a ditadura, talvez fosse tão ruim quanto estar ao lado do poder. Ocorreu em um comício em Morada Nova: “... Quando saudei os companheiros do MDB e disse saber que ali, em Morada Nova, havia líderes da Arena também dominados pelo sentimento da normalização democrática”, relembrou em entrevista aos repórteres Guálter George e Gabriel Bonfim, no ano e 2009. Apesar do sufoco da ditadura, Mauro Benevides orgulha-se de ter sido o segundo signatário da Constituição Federal de 1988, por ser, à época, a primeira vice-Presidência da Constituinte. Entre o hábito de usar palavras enfeitadas típicas dos advogados e às construções frasais intercaladas por vírgulas, a forma escolhida por Benevides para descrever o momento da assinatura não poderia ser mais simples: “Eu me honro de haver sido o segundo signatário da Constituição Federal de 88.” Seguiu a carreira ainda dando e presenciando muitos discursos. Um deles envolvendo o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, quando Mauro Benevides era presidente do Congresso Nacional e foi quem recebeu em mãos, pelo advogado Moura Rocha, a carta de renúncia de Collor. E de tantos retalhos da memória, Mauro Benevides segue sendo o político que viu o Brasil mudar, da ditadura à República.
ARQUIVO O POVO
PERFIL
PADRE CÍCERO O santo do sertão
CURIOSIDADE
Em 2004, o jornal O POVO publicou a última entrevista concedida ao periódico, em 12 de fevereiro de 1931, feita pelos jornalistas Paulo Sarasate e Alpheu Aboim, enviados a “Joaseiro”, no interior do Estado, que já havia sido republicada em 1998 na série Entrevistas Históricas
Apesar de ter nascido em Crato, em 24 de março de 1844, Cícero Romão Batista se tornou famoso na cidade vizinha, Juazeiro do Norte, como Padre Cícero ou Padim Ciço, para os mais íntimos, o que mantém acesa a rivalidade entre os municípios. Superada essa parte da história, outro fato que mantém viva a memória do Padre Cícero é a tão aguardada beatificação, especialmente para seus milhares de fiéis romeiros que aguardam que o padre se torne oficialmente santo. Filho de Joaquina Vicência Romana e Joaquim Romão Batista, desde cedo, Cícero demonstrou interesse pela vida religiosa. Ordenado padre em 1870, pelo Seminário da Prainha, celebrou pela primeira vez na capela dedicada à Nossa senhora das Dores, localizada no pequeno povoado chamado de Joaseiro, hoje Juazeiro do Norte, pertencente ao território da vila do Crato em 1871. Com planos de viver em Fortaleza, foi por meio de um sonho, no qual Jesus aparece apontando para um grupo de pessoas pobres, necessitadas e desabrigadas que chegavam ao povoado e dizendo para cuidá-las, que ele decidiu morar em Juazeiro, onde permaneceu até sua morte. Foi em 1º de março 1889 que o sacerdote presenciou e participou, durante a celebração de uma missa na capela de Nossa Senhora das Dores, o famoso fenômeno da transformação da hóstia em sangue, mais conhecido entre os devotos como “O milagre da hóstia”, protagonizado por uma de suas beatas, Maria de Araújo. Durante a comunhão, a beata recebeu das mãos de Padre Cícero a hóstia, que, ao tocar sua boca, transformou-se em sangue. Esse fenômeno aconteceu ao longo de três anos, sempre com a mesma beata.
PERFIL
Nome: Cícero Romão Batista (Padre Cícero ou Padim Ciço) Nascimento e morte: 24 de março de 1844 20 de julho de 1934 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Crato (CE) Formação: Sacerdote da Igreja Católica 140
Seus feitos foram considerados inicialmente uma farsa pela Igreja, o que acabou levando ao afastamento dele, em 1984, de suas atividades sacerdotais, sob acusação de desobediência às regras eclesiais. Sem poder prosseguir com a carreira religiosa, ele entra para o campo das ações sociais e políticas. Em 1911, o povoado ganha sua independência e é elevado a município e Padre Cícero se torna o primeiro prefeito da cidade. Trouxe a Ordem dos Salesianos para o município; doou o terreno para a construção do aeroporto e incentivou a criação de escolas e capelas. Colecionou também controvérsias e desafetos políticos. Em 30 de novembro de 2022, o Vaticano comunicou a abertura do processo de beatificação do padre Cícero. Na ocasião, O POVO entrevistou o jornalista cearense Lira Neto, autor da biografia “Padre Cícero: Poder, Fé e Guerra no Sertão”, pela Companhia das Letras, escrita em 2009. Todas as contradições e as polêmicas que percorreram desde o nascimento de Cícero Romão, em 1844, no Crato, até o dia de sua partida, 20 de julho de 1934, são o que mais encanta o escritor. Ele reforça que Padre Cícero sabia falar a língua do povo e tocar a alma de seus fiéis de forma singular, com absoluta sensibilidade e conhecimento de causa. “Era um homem contraditório, com qualidades e defeitos, mas que foi condenado pela Igreja após um processo eclesiástico eivado de flagrantes etnocentrismos.”
PERFIL
PATATIVA DO ASSARÉ
O poeta-pássaro O agricultor cearense nasceu com vocação para a poesia e não sabia viver sem ela, alegre pela possibilidade de compartilhá-la com o Brasil
CURIOSIDADE
Patativa do Assaré recebeu dos amigos o apelido de Camões, um dos autores muito bem conhecidos e lidos pelo poeta
PERFIL
Nome: Antônio Gonçalves da Silva (Patativa do Assaré) Nascimento e morte: 5 de março de 1909 — 8 de julho de 2002 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Assaré (CE)
142
O porte de seu Antônio Gonçalves da Silva não dá pistas tão claras sobre o Patativa do Assaré. Com um metro e cinquenta de altura e uma timidez humilde, de sorrisinho manso, é fácil passar despercebido por Antônio, sem conhecê-lo. Por outro lado, o mesmo jeitão delicado alude ao apelido: a ave patativa, cor azul chumbo, tem um dos cantos mais lindos do Brasil. Ao cantar, ela parece muitas. Pia pousada nas árvores, com seus onze centímetros, musicalizando os caminhos florestais. Nascido no começo do século XX em Serra de Santana, interior do município de Assaré (Cariri cearense), ele ganhou a alcunha de poeta-pássaro do professor e pesquisador Gilmar Carvalho, responsável por escrever a biografia de Patativa do Assaré. Patativa viveu 93 bons anos. Olhando de fora, alguns diriam que foi uma vida muito sofrida. Seu Antônio virou agricultor quando perdeu o pai aos nove anos, idade em que começou a fumar cigarro de palha de milho escondido da mãe. Nessa época, já era cego do olho direito, decorrência de um sarampo contraído aos quatro anos de idade. Já adulto, aos 78 anos, a visão do olho esquerdo começou a encurtar. “Eu tava vendo só o claro do dia”, contou a Sofia Siqueira, então repórter do O POVO, em entrevista de 1993. Fez um transplante de córnea e não teve outra, foi como um milagre. Voltou a ler, a escrever. “Eu via até uma formiguinha andando lá pelo chão.” Infelizmente, cinco anos depois do procedimento a visão foi morrendo de novo. O oftalmologista disse que já não tinha mais jeito, o remédio era colírio, comprimido e coragem. Conformou-se. Até porque, aos 70 anos, quebrou a perna. Precisou ir até Fortaleza para ser tratado, ficou 11 meses. Não deu certo e aí partiu para o Rio de Janeiro, onde a “emendaram” com platina. Solucionou o problema, mas Patativa ficou mancando, com auxílio de uma bengala. Mais tarde, foi perdendo a audição e precisou de aparelho auditivo. Mesmo assim, Patativa sempre definiu-se como um homem feliz, com uma vida abençoada. Porque apesar da vida de trabalho braçal, da pobreza e dos tantos desafios de saúde, o poeta era um homem humilde e apegado aos ensinamentos cristãos. Gostava da vida na pobreza inclusive porque se entendia mais próximo de Jesus Cristo, importando apenas o amor fraternal e as relações pessoais. “A estrada da minha vida foi sempre de prazeres e de dores, mas a vida é sempre assim, viu? Nós deve-
mos olhar para a vida como realmente a vida é. Eu acho que eu fui muito feliz e não tenho inveja de quem tenha tido mais felicidade do que eu, porque eu não comparo a felicidade com bons materiais, com a venda, dinheiro, essas coisas, viu? A maior riqueza de cada um é a amizade de um para com o outro, é a fraternidade. Essa é a principal riqueza. E dessa parte eu sou muito rico. Porque quero todos e todos me querem”, refletiu em 97 durante entrevista com a então repórter Ethel de Paula. Todas essas vivências estão grifadas em poesias, repentes e músicas que retratam um sertão amado, mesmo que por vezes agridoce. Afinal, antes de tudo, Patativa fez uma poesia social, crítica aos políticos, contra a exploração do trabalhador do campo, às desigualdades sociais e a favor da reforma agrária. Era, portanto, também um pensador popular, um filósofo. Via-se como um homem abençoado e privilegiado pelo dom da poesia. Para ele, ninguém se torna poeta, nasce: “Já nasci talhado pela natureza para fazer poesias.” A natureza das palavras o buscou apesar da baixa escolaridade. Ele entrou na escola formal com 12 anos e estudou por apenas quatro meses, suficientes para aprender a ler e escrever o básico e entender o resto devorando cordéis, folhetins, jornais e livros. Começou a fazer poesia aos oito anos, de improviso nas rodas de São João e brincadeiras de Judas. Por isso, não é exatamente justo chamá-lo de analfabeto: era letrado, só não tinha completado o ensino formal. Dos muitos autores que apreciou em nove décadas bem vividas, o seu favorito era Castro Alves, poeta dos escravos, quem sabe pela relação intrínseca dos temas abordados pelo escritor do século XIX e o poeta do século XX. “De todos os poetas que eu já li, de todos os livros que eu já li, que eu conheço, ele é o melhor. Na espontaneidade, no talento mesmo, no pensamento, um poeta quase profeta”, elogiava. A trajetória de Patativa rendeu a ele inúmeras homenagens e premiações. O di-
JARBAS DE OLIVEIRA / O POVO
nheiro ganhado delas era distribuído entre a família: com dona Belinha (sua esposa Berlamina Paes Cidrão) teve 14 filhos, dos quais sete faleceram precocemente por doenças e gripes variadas. Avô de 18 crianças, mudou-se definitivamente para a cidade de Assaré para acompanhar os netos no período escolar. Recebia visitas todos os dias, de gente de todo canto, seja os vizinhos tidos como familiares, seja de fãs e turistas de todo o mundo, de São Paulo à Londres. Em 2022, o então governador Camilo Santana (PT) ordenou a construção de uma estrada para facilitar o acesso à casa de Patativa do Assaré, já falecido há 20 anos anos. O poeta-pássaro ficou conhecido internacionalmente. Na França, foi tema de teses e dissertações; esse fato sempre soou curioso para ele, porque os estudiosos poderiam entender e incrementar o mundo das palavras com a pesquisa, mas, de jeito nenhum, fazer poesia a partir dela. Para isso, pensava ele, apenas o dom garantido por Deus. Ao O POVO, confessou que queria morrer sem sentir dor. Tristemente, a série de doenças e o hábito de fumar culminaram em uma falência generalizada dos órgãos. Mesmo assim, a impressão é de que Patativa do Assaré provavelmente deu sorriso de passarinho e arranjou as palavras de coragem e tranquilidade que apenas ele poderia ordenar: “Seria bem triste a sorte, e todos teriam medo se a hora da nossa morte não fosse um grande segredo.”
“Seria bem triste a sorte, e todos teriam medo se a hora da nossa morte não fosse um grande segredo”
MAURI MELO / O POVO
ENTREVISTA
PATRÍCIA SABOYA A primeira senadora do Ceará
Com orgulho da sua terra natal, Sobral, e da sua segunda casa, Fortaleza, a cearense Patrícia Saboya bebeu da política ainda jovem com as vivências do avô Plínio Saboya e, mais tarde, das experiências como primeira-dama de Fortaleza e do Ceará, quando era casada com o também político Ciro Gomes. Pedagoga por formação, Patrícia ocupou seu primeiro cargo eletivo em 1996, como vereadora de Fortaleza. Dois anos depois tornou-se deputada estadual, com a segunda maior votação do Estado (79.738 votos). Em 2002, chegou ao Senado Federal como a primeira senadora eleita do Ceará (1.864.404 votos), com atuação muito voltada à agenda social. Presidiu, por exemplo, a CPMI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e a Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Em 2014, passou a atuar como conselheira do Tribunal de Contas do Estado do Ceará e sete anos depois assumiu como corregedora do órgão.
CURIOSIDADE
Em entrevista para as Páginas Azuis, em 2004, Patrícia Saboya contou sobre a experiência de participar da I Conferência Mundial de Mulheres Parlamentares pelos Direitos da Criança e do Adolescente
O POVO - Conte como surgiu a oportunidade de entrar para a política? Patrícia Saboya - Cresci num ambiente político. Meu avô Plínio Saboya sempre compartilhou suas experiências e vivências políticas. Ser um agente político parecia ser necessário e com essa perspectiva, ainda no colegial, ingressei no grêmio estudantil e iniciei minhas lutas por direitos. Após a experiência como primeira-dama de Fortaleza e do estado do Ceará, tornou-se claro o caminho a seguir e a sociedade cearense reconheceu esse compromisso.
PERFIL
Nome: Patrícia Lúcia Mendes Saboya (Patrícia Saboya) Nascimento 10 de outubro de 1962 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Sobral (CE) Formação: Pedagoga e política brasileira 144
O POVO - Uma das suas bandeiras era a manutenção da maioridade penal aos 18 anos. Ainda tem os mesmos conceitos? Patrícia - Continuo contra a revisão da maioridade penal aos 18 anos. A proposta de redução com a justificativa de coibir crimes não se sustenta. Os estudos mostram que esse não é o caminho. Defendo escolas de qualidade, inclusivas e profissionalizantes como políticas públicas capazes de atrair os jovens para os centros educacionais, com arte e cultura e oportunidade de trabalho e de empreendedorismo.” O POVO - Quais foram os maiores desafios em ser a primeira senadora mulher eleita pelo voto cearense? Patrícia - O maior desafio é bem representar o estado do Ceará. Honrar a confiança. É devolver ao povo cearense, por meio de projetos e leis, as condições necessárias ao desenvolvimento do nosso Estado. E mais, colocar toda a força da mulher cearense na defesa das crianças e adolescentes. Priorizar um público até então invisível, fora dos projetos padrões de desenvolvimento. Criar a primeira Comissão de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, ainda hoje uma referência nacional, é um feito de relevante valor na sociedade. O POVO - Qual legado acredita que construiu para a política cearense? Patrícia - Difícil atribuir a si um legado. Mas poderia destacar que as prioridades hoje atribuídas na defesa dos direitos da criança e do adolescente, da mulher, dos idosos, dos grupos menos privilegiados são frutos de uma trabalho que se plantou há alguns anos atrás. A licença-maternidade de seis meses também representa uma grande conquista. Oferecer às mães a condição de amamentar seus filhos por seis meses e cuidar deles nos primeiros meses da sua vida, faz toda diferença na vida de uma criança. Os estudos indicam isso. Mas isso não basta. Temos que prosseguir nesses cuidados.
PERFIL
TALITA ROCHA / O POVO
PAULO BONAVIDES O guardião das constituições
CURIOSIDADE
Em 2005, O POVO trouxe uma matéria com o jurista Paulo Bonavides em que ele e mais três colegas tinham denunciado o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso por crime de responsabilidade. Na ocasião em questão, Fernando Henrique impediu a abertura de uma Comissão parlamentar de inquérito (CPI) da corrupção
O professor e jurista Paulo Bonavides era considerado um dos constitucionalistas mais respeitados do Brasil. O paraibano de Patos, filho de Fenelon Bonavides e Hermínia Bonavides, foi buscar no Rio de Janeiro, em 1943, o bacharelado na Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ). Durante a graduação, cursou também a Harvard University, entre 1944 e 1945. Depois escolheu o Ceará para iniciar sua carreira no Jornalismo e no direito. Em 1950, iniciou como professor de sociologia no Instituto de Educação Justiniano de Serpa, em Fortaleza.Ao longo da carreira, presidiu muitas entidades de classe. Ele foi, por exemplo, presidente emérito do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC), presidente de honra do Instituto de Defesa das Instituições Democráticas (IDID) e diretor da Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, a qual foi um dos fundadores. Com repertório amplo no pensamento jurídico, escreveu diversas obras, dentre as quais, Ciência Política e Curso de Direito Constitucional, ambas reconhecidas como duas das doutrinas brasileiras mais citadas e tradicionais, ambas com dezenas de edições. Em 2013, recebeu da UFRJ o título de Doutor Honoris Causa, que lhe foi concedido por outras quatro universidades, entre nacionais e estrangeiras, como a Universidade de Lisboa (1998) e da Universidade Inca Garcilaso de La Vega (2009). Os destaques na profissão como jurista rendeu a ele muitos prêmios como o Carlos de Laet, da Academia Brasileira de Letras, a Medalha Rui Barbosa, mais alta distinção distribuída da Ordem dos Advogados do Brasil, e o Grande Colar do Mérito, do Tribunal de Contas da União (2005).
PERFIL
Nome: Paulo Bonavides Nascimento e morte: 10 de maio de 1925 - 30 de outubro de 2020 Nacionalidade: Brasileira Local nascimento: Patos (PB) Formação: Universidade Harvard e Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ)
146
Em 2009, em matéria do O POVO, realizada durante a palestra de abertura do 3° Congresso Latino-Americano de Estudos Constitucionais, o jurista afirmava que o Brasil estava à beira de um colapso institucional motivado por uma grave crise de legitimidade que atinge os três poderes. Em um trecho da notícia, Pedro Alves diz que “segundo Bonavides, apesar da estabilidade de governo conquistada pelo País com a promulgação da Constituição de 1988, a conduta corrupta que é verificada nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário leva o País ao risco de desordem institucional, em que o povo buscaria nas ruas retomar os direitos democráticos previstos na Constituição”. Bonavides partiu aos 95 anos, em 2020, em Fortaleza, no Ceará. Era professor emérito da Universidade Federal do Ceará (UFC), desde 1991, onde lecionou por mais de trinta anos, deixando um legado extenso para os interessados em ciências políticas e direito. Foi casado com Yeda Satyro Benevides e deixou sete filhos: Paulo, Márcio, Clóvis, Vera, Gláucia, Doralice e Amarília. Existem algumas obras que falam da sua trajetória como sua biografia “Paulo Bonavides”, escrita por Antônio Carlos Klein (Fortaleza, Edições Demócrito Rocha, 2003); e a tese do professor Dimas Macedo: “El Pensamiento Político de Paulo Bonavide”s (México: Universidade de Puebla, 2010), publicada no Brasil pela Editora Malheiros, de São Paulo, com o título “Estado de Direito e Constituição – O Pensamento de Paulo Bonavides”.
AURÉLIO ALVES / O POVO
ENTREVISTA
PRETO ZEZÉ A voz das favelas Cearense, com muito orgulho, morador da favela conhecida como Quadras, em Fortaleza, Preto Zezé é um sobrevivente de um sistema onde o homem pobre, favelado e preto tem uma baixa expectativa de vida. Ex-lavador de carros, resistiu, encontrou na cultura a sua identidade e ganhou voz. Primeiro nos bailes funk e no hip hop, depois no movimento da Central Única das Favelas (Cufa), onde foi recrutado pelo fundador, Celso Athayde. Montou do zero a Cufa no Ceará e depois disso foi espalhando a potência que vem das favelas por todo o Brasil e fora dele.
CURIOSIDADE
Preto Zezé contou em entrevista ao O POVO, em 2011, que percorreu as ruas de Fortaleza e entrevistou mais 100 pessoas, entre usuários de drogas e suas famílias. O documentário “Selva de Pedra - A Fortaleza Noiada”, com 37 minutos de duração, foi uma produção da Cufa Ceará. Em 2014, Zezé lançou um livro com o mesmo nome
O POVO - Como foi a passagem de ex-lavador de carros para ativista social? Preto Zezé - A infância nas quadras foi tipo uma infância padrão de um jovem preto na favela do Nordeste. Muito cedo você tem que escolher entre estudar e trabalhar porque muitas vezes as notas boas da escola não trazem soluções tão rápidas como as notas de dinheiro. Assim, fui trabalhar na rua lavando carros junto com meu irmão e outros amigos. Essa vivência nas ruas me trouxe muito aprendizado, mas também me privou de viver uma infância plena, uma adolescência plena e levou muitos amigos, muitos parceiros que não estão mais conosco, uns perderam a vida, outros a liberdade. O POVO - Como entrou para Cufa e se tornou uma das principais referências do País na luta pela desigualdade racial e social? Preto – O Celso Athaíde que me recrutou, mais ou menos nos anos 2000, para a Cufa e aí as experiências que já tinham do hip hop se somaram e foram amplificadas e qualificadas nessa escola chamada Cufa. Em 2012, eu assumo a Presidência nacional e, em 2015, eu assu-
PERFIL
Nome: Francisco José Pereira de Lima (Preto Zezé) Nascimento: 17 de maio de 1976 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Mini bio/currículo: Empresário, produtor artístico e musical, escritor, ativista social, ex-lavador de carros e líder de agendas positivas e potentes nas favelas do mundo.
148
mo a presidência global em um evento na ONU. Depois, em 2019, volto para cuidar da Cufa no Brasil na pandemia. A instituição fez muita coisa e atingiu cerca de 15,16 milhões de pessoas e acabou tendo mais visibilidade. Esses dois anos a gente avançou muito em visibilidade. O POVO - Estamos em que fase da jornada de eliminar a pobreza no Brasil? Preto – Nós tivemos o retorno do Brasil ao mapa da fome, o que é muito ruim. Mas acredito que nós temos condições, inteligência e uma conjuntura para que a gente não permita que um dos maiores produtores de alimentos, de proteínas e de grãos - recorde na venda de exportação de produtos - não consiga resolver o seu problema da fome interno. É inacreditável. A fome não é um acidente e não é um erro, acaba que a fome é um projeto e a pobreza junto. Eu espero que a gente consiga compartilhar as riquezas produzidas e as oportunidades. Do contrário, nós vamos compartilhar todas as grandes tragédias, infelizmente. O POVO - De que forma o senhor via os problemas da favela naquela época e como vê hoje? Em quais aspectos evoluímos e em quais decaímos? Preto - Um exemplo é o da (comunidade das) Quadras, em Fortaleza, quando era tudo ainda uma ocupação, barraco e hoje é referência de muita coisa, gente que se formou, gente que montou negócio. A gente se torna jogador de futebol conhecido de renome nacional e internacional. E gente que continuou fazendo as coisas acontecerem e botando as Quadras nos jornais sociais, na economia e não só mais de violência.
PERFIL
RACHEL DE QUEIROZ A escritora que desafiou as memórias Gaiata e determinada, Rachel desafiou do começo ao fim da vida os limites da sociedade
“Eu sei muito bem onde estão os pedaços piores dos meus livros” 150
CLÁUDIO LIMA / O POVO
As tramas da vida que transformaram Rachel de Queiroz no que foi são muitas. O sertão, a seca, o Rio de Janeiro, o Jornalismo, os contatos influentes cultural e politicamente. É difícil escolher um ponto de partida concreto, forte o suficiente para encaixá-la em palavras que garantam completude. Afinal, até a escritora Socorro Acioli lembra na biografia da autora, publicada pela editora Demócrito Rocha, de que Rachel queria que seu futuro biógrafo “se danasse”. “Ela já disse muitas vezes que não gosta de memórias e que não quer fazer divulgação do seu passado”, escreve Acioli. Mesmo assim, o exercício de relembrar Rachel segue firme, porque esquecê-la é impossível. Antes de qualquer coisa, Rachel entendia-se como jornalista. Estreou no jornal O Ceará, após publicar uma crítica humorada ao concurso Rainha dos Estudantes com o pseudônimo Rita de Queluz. O texto era tão bom que os leitores da época duvidavam que a autora era, de fato, uma mulher — o ano era 1925. Não conseguiam imaginar que Rita era Rachel, sim, e que cinco décadas depois ela seria a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras (ABL). De fato, os romances de Queiroz sempre estiveram imbuídos de prática jornalística. As personagens sobreviventes da seca e da fome, as mulheres fortes e heroicas, como encontradas em “O quinze” e “Memorial de Maria Moura”; todas eram resultado de uma mistura de relatos reais colhidos por Rachel durante uma pesquisa metódica de campo. E mesmo os outros romances amalgamaram vizinhos, amigos e amores da repórter escritora. Tanto era jornalista que chegou a negar a posição de ministra da Educação oferecida pelo então presidente Jânio Quadros, em 1961: “Sou jornalista e quero continuar sendo apenas jornalista”. Aliás, vale até dizer que Rachel olhava os próprios romances com muita criticidade. Em 1997, disse em entrevista à repórter Ethel de Paula, do O POVO, que tinha pouco entusiasmo pelas escritas dela e, de alguns, tinha “até encabulação”. “Por exemplo, o tal de O quinze, tenho ódio daquilo! E me persegue há 60 anos”, deu risada. “Eu sei muito bem onde estão os pedaços piores dos meus livros.” Ethel até tentou fisgar de Rachel quais seriam esses trechos despercebidos pela literatura brasileira, mas a escritora apenas riu e negou dar o “ouro ao bandido”. “Mas não é novidade pra ninguém que eu não gosto muito de escrever. A prova é que em toda essa minha vida de escritora eu tenho cinco romances, quando os outros têm dez, doze.” Fato é que o maior ódio de Rachel é também sua obra-prima. Paradoxalmente, foi o primeiro livro dela, escrito e publicado quando tinha apenas 19 anos de idade. Foi na mesma época que filiou-se ao Partido Comunista, no Rio de Janeiro, e ajudou a fundar a sede em Fortaleza. A partir daí, foi presa várias vezes por ser considerada agitadora popular pelo governo de Getúlio Vargas. Chegou a ficar três meses encarcerada na sala de cinema do Corpo de Bombeiros de Fortaleza, história que conta com leveza e humor. Também ao O POVO, ela contou que a janela da cela dava para o pátio de exercício dos bombeiros e ficou amiga de todos. Alguns faziam serenatas para ela na base da janela e ela ajudava outros a responder perguntas complicadas nos exames de promoção. Mas nem tudo em Rachel é bem visto. A maior polêmica da autora foi o apoio ao golpe militar de 1964. Ela nunca negou o posicionamento, fazendo questão de reafirmar que defendeu a posse de Castello Branco para evitar o “getulismo fascista, representado por Jango”, e que a chegada de Costa e Silva desvirtuou o movimento. A partir daí, afirma que nada tinha a ver com os militares. Verdade seja dita, Rachel tinha a tendência de fazer pouco caso das memórias. Mas daquelas que a importavam mesmo, com força, ela falava
pouco: a morte da única filha, Clotildinha, e a morte do segundo marido, Oyama de Macedo. Algumas fontes dão conta de que Clotilde de Queiroz Oliveira, nomeada em homenagem à avó, morreu com um ano de idade, de meningite. Por outro lado, Rachel diz em entrevistas que perdeu a filha aos seis meses por uma septicemia (infecção generalizada). A menina de olhos grandes e rosto arredondado era fruto do primeiro casamento, com o banqueiro e poeta José Auto da Cruz Oliveira, mas perdê-la foi demais para o casal. Separaram-se e, desde então, Rachel evitava falar sobre o assunto. Dois anos depois do divórcio, a escritora conheceu Oyama, seu verdadeiro grande amor. Oyama era ela, ou ela era ele. O médico goiano adaptou-se quase instantaneamente à vida no sertão. Pegou gosto por deitar na rede, cuidar dos bichos e plantas da fazenda. Os pais de Rachel morreram nos braços de Oyama. Fora o trabalho e a escrita, o marido era tudo para ela. E quando morreu, a juventude de Rachel morreu um pouco também. “Ele foi o homem da minha vida… Aí de repente eu me senti velha.” O que até então era uma vida agitada, ficou reclusa. Sozinha, em um grande apartamento no Leblon — que dava trabalho para limpar —, Rachel dedicou-se a ler, a assistir televisão, a receber visitas e a escrever crônicas publicadas aos sábados nos jornais Estado de São Paulo e O POVO. Em 1992, Rachel já tinha certeza que o “Memorial de Maria Moura” seria o seu último romance. Em entrevista ao então repórter do Vida&Arte Lira Neto, deu a desculpa de que já estava ficando velha e “caduquinha”, ao que o jornalista rebateu com um “mas a senhora não acha que esbanja vitalidade e lucidez suficientes?”. O lançamento do livro foi nos jardins do O POVO, às 20 horas do dia 21 de agosto, uma sexta-feira. Ela estava enganada: em 1993 publicou o livro de contos “As Terras Ásperas”; em 1996, o relato “Nosso Ceará”; em 1998, a autobiografia “Tantos Anos”; e em 2000, as memórias gastronômicas “Não me Deixes: Suas Histórias e sua Cozinha”. Todos em parceria com a irmã Maria Luiza de Queiroz Salek, que digitava os textos ditados por Rachel. Já em 2003, as Edições Demócrito Rocha publicaram o “Existe outra saída sim”, uma seleção de crônicas publicadas por Rachel no jornal O POVO. Morreu em novembro de 2003, poucos dias antes de completar 93 anos.
CURIOSIDADE
Quando foi presa aos 20 anos, os pais de Rachel riram ao vê-la toda posuda, encarando o delegado que a interrogava
PERFIL
Nome: Rachel de Queiroz Nascimento e morte: 17 de novembro de 1910 - 4 de novembro de 2003 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Escritora
MAURI MELO / O POVO
PERFIL
RAIMUNDO FAGNER Cantando e encantando o Brasil
CURIOSIDADE
O poeta Rafael Alberti, amigo de Picasso, ficou encantado com Fagner, pedindo para ele musicalizar poemas em homenagem ao artista plástico
Falou em música, seja cearense, seja brasileira, o nome de Fagner está lá. Quando o assunto é América Latina, dá na mesma. Ele é um dos grandes intérpretes, cantores e compositores da região, trabalhando com ícones como Elis Regina e a argentina Mercedes Sosa. O cantor é especialmente conhecido pelas interpretações de poemas, assim como pelas traduções de músicas estrangeiras que viraram quase suas. Quem nunca ouviu o verso: “Quem dera ser um peixe / Para em teu límpido aquário mergulhar / Fazer borbulhas de amor p’ra te encantar / Passar a noite em claro”? Fagner transformou a música Borbulhas de amor tão bem que brasileiros desavisados mal acreditam que a original é, na verdade, cantada e composta em espanhol pelo dominicano Juan Luis Guerra. Talvez seja uma das provas da habilidade do cearense em produzir música, um hábito cultivado desde pequeno, quando era balançado na calçada pelo pai, José Fares Haddad Lupus. Imigrante libanês, ele cantava em árabe; murmúrios que Fagner não podia entender, mas com certeza podia sentir cutucar lá no fundo. “Introjectei total, foi no âmago”, contou ao O POVO em 2003. A casa era rodeada de cantorias e sons, principalmente nos saraus em Santarém, cidade da mãe Francisca Cândido Lopes. Foi a família que o levou para a primeira competição de música, na Ceará Rádio Clube, quando ele tinha apenas seis anos de idade. Era um concurso para o Dia das Mães e o pequenino conquistou o 1º lugar. Ele curtia, mas amava mesmo era jogar futebol. Aliás, fez questão de lembrar à repórter do O POVO, Ethel de Paula, em en-
PERFIL
Nome: Raimundo Fagner Cândido Lopes (Fagner) Nascimento: 13 de outubro de 1949 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Orós (CE) Formação: Cantor, compositor e instrumentista
152
trevista em 2003, que não armou a mudança de cidade natal no registro para poder diminuir a idade e conseguir jogar. Explica-se: o registro de Fagner dá conta de que ele teria nascido em Orós, quando ainda era um distrito de Icó. No entanto, Fagner afirma que nasceu em Fortaleza, na rua Floriano Peixoto, 1779. “Ia fazer um exame escolar, mas não tinha idade suficiente para tanto, daí umas primas generosas que eram donas do cartório de Orós mexeram”, explica. Fato é que Fortaleza viu Fagner alavancar a carreira musical como ninguém. Surgiu da efervescência de alunos de arquitetura e do bar do Anísio, de onde surgiu o Pessoal do Ceará — apesar de ele mesmo ser muito firme ao dizer que não houve movimento nenhum e, na verdade, muitos dos cantores e compositores da turma tentaram atrapalhar sua carreira. Se foi verdade, não deu certo. Fagner foi lançado por Elis Regina e logo trabalhou com nomes aclamados como Roberto Carlos e Chico Buarque. Sempre foi confiante com o trabalho, a ponto de ter certeza que ele é responsável pela popularização da música brasileira no próprio País. “Tem um povão que quer ouvir música de qualidade e sei da minha importância”, estabeleceu durante entrevista ao O POVO. Negando o Pessoal do Ceará e o Massafeira como movimentos organizados, driblando acusações de plágio e falando o que quer, Fagner tem fama de polêmico. Já nem se incomoda mais: para ele importa a música. E da música de Fagner definitivamente há pouco a se questionar.
ENTREVISTA
RAIMUNDO PADILHA
Uma vida dedicada à economia e à sociedade Economista, tornou-se uma referência no mercado de capitais no Ceará. Também contribuiu para elaboração de diversos planos de desenvolvimento do Estado O fortalezense, Raimundo Padilha, tem sua trajetória profissional intimamente ligada ao desenvolvimento do Estado. Por 27 anos, atuou como presidente da Bolsa de Valores do Ceará e por muito tempo tornou-se uma referência no mercado de capitais nacional e local, criando projetos para difundir a entidade. Também acumula um currículo extenso de projetos como o Diagnóstico Socioeconômico do Ceará e a participação no primeiro plano de Economia, Plameg, no governo de Virgílio Távora, além da contribuição no setor pesqueiro estadual. Com O POVO fez inúmeras parcerias ao longo das últimas décadas, tanto como membro da Academia Cearense de Economia (ACE), como fonte ou coordenação do Prêmio Delmiro Gouveia, entre alguns exemplos. E reconhece a importância da comunicação no tempo e momento certo. O POVO - Como avalia a evolução da economia cearense nos últimos anos? Raimundo Padilha - Eu estou confiante que haverá um crescimento na economia cearense. Temos um histórico de bons governos e acho que o Ceará, com o hidrogênio verde, tem tudo para crescer. Primeiramente com o Porto do Pecém, depois com a parceria com Roterdã, pois sem uma gestão profissional que é referência internacional nós não íamos muito longe. E o Governo do Estado fez essa parceria que é uma referência para todo o mundo e isso nos dá uma possibilidade de escalar outros patamares. Com a energia de Paulo Afonso (Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso), um projeto iniciado há muitos anos, que finalmente chegou ao Ceará, nós temos o gerenciamento das águas com a interligação de bacias. E isso dá uma relativa estabilidade para o abastecimento de água das populações e também para a indústria e para o agronegócio. O POVO - Qual legado acredita que construiu para a economia do Ceará? Raimundo - Eu acho que quando eu trabalhei no Banco do Nordeste eu fui um dos pioneiros, porque eu fiz concurso em 1955, o segundo concurso do banco. Mas também prestei serviço como professor e economista do estúdio de pesquisas econômicas onde deixei alguns trabalhos publicados. Dentre os quais, destaco, principalmente, o Diagnóstico Socioeconômico do 154
Ceará no qual fui um dos coordenadores. Foi um trabalho demorado, gigantesco, com uma equipe grande e que deixou esse documento, em dois volumes, e que é de uma importância muito grande para a economia do Ceará. Depois eu trabalhei na área de pesca, dirigindo o Grupo de Desenvolvimento da Pesca e depois a Cepesca (Companhia Mista de Pesca). Isso me deu a chance de participar do primeiro plano de Governo do Ceará, que foi o Plameg (Plano de Metas do Governo Virgílio Távora criado entre os anos de 1963-1966). Eu fui um dos elaboradores com o Virgílio Távora no governo. Na iniciativa privada eu prestei serviços para o grupo Crédimus, uma sociedade que concedeu muito financiamento à construção de imóveis no Ceará. Foi uma fase muito rica de concessão de crédito e é a fase em que existia o BNH (Banco Nacional da Habitação) e nós desenvolvemos um trabalho. E neste meu contato com o mercado de capitais foi que eu comprei um título de uma corretora de valores e fui trabalhar na bolsa de valores. Fui eleito presidente e passei 27 anos à frente da bolsa e operando também através da minha corretora. O POVO – Como era o menino e o jovem Padilha? Raimundo – Eu tive uma infância e adolescência maravilhosas. Eu tinha um entusiasmo muito grande pelos estudos e sempre me sobrava tempo para brincar. Aqui é uma coisa curiosa que toda brincadeira daquela época era uma brincadeira de época como pipa, arraia. Época da safra da castanha, a gente brincava de castanha de castelo, época invernosa se brincava de bolinha de gude. O futebol era permanente, o ano inteiro. Eu tinha prazer em estudar e eu sempre estive acima da média da turma. Em alguns momentos estive em primeiro lugar.”
CURIOSIDADE
Na entrevista que Raimundo Padilha concedeu para Lisiane Mossmann e Regina Ribeiro, em 2010, ele estava com 73 anos, e, humildemente, questionou se merecia mesmo ser o entrevistado deste espaço de relevância do O POVO. Claro que sim, Raimundo!
PERFIL
Nome: Raimundo Francisco Padilha Sampaio (Raimundo Padilha) Nascimento: 26 de julho de 1936 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e especializações no Programa de Treinamento em Desenvolvimento Econômico – UFC / CNI /BNB; Mercado de Capitais - Bolsa de Valores do Rio de Janeiro/ New York University, em Nova York
AURÉLIO ALVES / O POVO
“O cearense é um valente, ele é destemido, inovador, idealista, são virtudes que, na verdade, valorizam muito a todos nós da nossa terra.”
O POVO - Como a comunicação ajuda a trabalhar as agendas econômicas? Raimundo - A comunicação hoje está em todos os locais, está no setor público, no setor privado, em empresa grande, pequena, média, em tudo há necessidade de comunicação. E a comunicação foi extremamente ampliada a partir da internet. Sem a comunicação, a economia não anda. E a mídia impressa, que é o caso do O POVO, é um patrimônio para o Ceará. Não obstante o crescimento da mídia eletrônica, esta é uma necessidade. O POVO é um sistema de comunicação vanguardeiro e que sempre esteve à frente dos acontecimentos do Ceará, defendendo com muita firmeza, com muito equilíbrio e com muita competência. O POVO - Atualmente, a quais projetos tem se dedicado? Raimundo – Eu tenho me dedicado mais aos projetos da Santa Casa Misericórdia. É um trabalho voluntário que eu faço e que me dá um prazer muito grande em estar colaborando para os mais carentes. A Santa Casa trabalha basicamente, 95%, para o Sistema Único de Saúde (SUS) e o SUS remunera mal e tem uma tabela desatualizada. Isso requer um esforço grande do seu corpo dirigente para procurar recursos para viabilizar e ela continuar prestando os serviços aos mais carentes.
ENTREVISTA
RENATO ARAGÃO
O riso como necessidade universal Criador do icônico Didi Mocó, o cearense é uma das definições em pessoa do humor e da defesa dos direitos das crianças
CURIOSIDADE
Renato Aragão é fã do comediante Oscarito, espanhol naturalizado no Brasil. Foi o filme “Carnaval no Fogo”, de Oscarito, que estimulou Renato a ser comediante
PERFIL
Nome: Antônio Renato Aragão (Renato Aragão) Nascimento: 13 de janeiro de 1935 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Sobral (CE) Formação: Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
Será que Renato é Didi? Ou Didi é Renato? Cada ano que passa, e já somam-se 63 como artista, a distinção entre o criador e a personagem fica mais embaçada. A própria assinatura de Aragão, com uma estrela juntando nome e sobrenome, tem espaço reservado para Didi Mocó, emoldurado na volta do “g”. O “campanhêro” Didi surgiu em 1960, no programa Vídeo Alegre da TV Ceará. Faltando um ano para se formar em Direito na Universidade Federal do Ceará (UFC), Renato tinha prZ concurso para ser realizador da emissora. O sucesso foi tanto que a TV Tupi de São Paulo logo o contratou para criar e atuar. Uma década de trabalho depois, lança-se em 1974 “Os Trapalhões”, alcançando sucesso e batendo recordes constantes de audiência. Didi Mocó Sonrizep Colesterol Novalgino Mufumbo ficou famoso e, com ele, Renato. O programa continuou até o falecimento de Zacarias e Mussum, quando o artista cearense afastou-se da televisão. Voltou em 1998 com “A Turma do Didi”, para a felicidade das crianças — e dos pais que se divertiam com o humor exagerado e inocente das personagens de Renato. Desde que Renato entendeu o público para o qual defendia o riso, tudo ficou mais claro. Virou ferrenho defensor do direito das crianças, mobilizando-se no primeiro “Criança Esperança” promovido pela Rede Globo, ainda ao lado dos Trapalhões. Em 1991, virou embaixador do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Religioso, subiu o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, para beijar a mão de Cristo e agradecer a posição como embaixador. Na vida privada, o cearense sempre tratou os outros como família. Em todas as entrevistas com O POVO, geralmente em períodos de merecidas férias do ator, os repórteres foram recebidos por um Renato aproveitando a piscina ou a praia, com roupa de banho. Foi ao O POVO que mostrou a esposa Lílian Taranto Aragão publicamente pela primeira vez. Fã de Didi Mocó, ela é conhecedora dos grandes momentos do artista e do personagem, e agora empresária do artista. É pai de cinco filhos, Paulo (1960), Ricardo “Caxa” (1962), Renato Jr. (1968), e Juliana (1977), do casamento de 34 anos com Marta Rangel; e Lívian (1999), do casamento com Lílian. Em entrevista ao O POVO, Renato Aragão fala sobre o fortalecimento por meio de Didi, sobre a risada como sobrevivência e a evolução do mundo para se fazer piada e defender os direitos das crianças. O POVO - Renato, em todas as entrevistas que li sobre o senhor, tem uma característica que é sempre lembrada: a timidez. O senhor sabe de onde veio esse Renato tímido? Continua assim? Renato Aragão - Sou reservado. Timidez, talvez, mas não sei de onde veio. Durante a minha vida, acredito que foi a timidez que deu vida ao Didi. Ele é meu alter ego. No Didi, de alguma forma, o Renato encontra formas de lidar e su-
156
perar sua timidez. Por isso que não sei distinguir onde começa um e acaba o outro. Fazemos uma excelente dupla. O POVO - Li que o senhor é nerd e adora falar sobre cinema e literatura. Ultimamente, que livros o senhor tem lido? Tem alguma indicação de leitura imperdível? Renato - Não sei se me encaixo na definição de nerd. Gosto e sempre gostei de ler. Amo os clássicos. Os Irmãos Grimm sempre foram meus prediletos. O POVO - Como anda a experiência de compartilhar piadas e dia a dia nas redes sociais? Renato - Eu acredito no riso como forma de sobrevivência. O riso é libertador. A vida sem riso fica sem graça. A internet é mais um canal para a expressão da graça da vida. O POVO - Em 1991, o senhor foi nomeado embaixador da Unicef, até subiu o Cristo Redentor em comemoração. De lá para cá, como o senhor vê o trabalho dentro da Unicef e dos direitos das crianças? Renato - Já demos muitos passos e avançamos em muitas conquistas, mas o caminho é longo. Ainda há muito a ser feito para garantir os direitos das crianças. O POVO - O senhor acha que os “Os Trapalhões” ainda fariam sucesso com a geração atual? Por quê? Renato - O riso é uma necessidade universal, mas a piada é contextual, cultural, precisa estar em sintonia com o momento atual da sociedade para que seja compreendida. O jeito infantil, a forma de humor, na qual os personagens riem de si mesmo, como era no programa “Os Trapalhões”, é uma forma que agrada a várias gerações. O POVO - Desde quando o senhor começou como comediante, a maneira de fazer humor mudou muito? Seja no seu trabalho, seja no contexto do humor nordestino e brasileiro? Renato - É inegável que evoluímos, que os tempos mudaram, os desafios são outros. Há muitas conquistas positivas, mas há algumas perdas também. Uma coisa não mudou e precisamos sempre cultivar: o poder transformador do riso.
SARA MAIA / O POVO
“O riso é uma necessidade universal, mas a piada é contextual, cultural, precisa estar em sintonia com o momento atual da sociedade”
ENTREVISTA
FCO FONTENELE /O POVO
ROBERTO CLÁUDIO Um olhar sobre Fortaleza
Política PÁGINA 19
FORTALEZA - CE, DOMINGO - 30 DE DEZEMBRO DE 2012
Metas] Pensar grande e capacidade de fazer Estas são as marcas que o futuro prefeito, segundo ele próprio, vai buscar no mandato. Roberto Cláudio avalia a gestão que chega ao fim, fala da relação com Cid Gomes e comenta a campanha eleitoral
E
m uma quinta-feira de agenda cheia, a conversa com o prefeito eleito Roberto Cláudio passou por três momentos. Iniciada na sala da presidência da Assembleia Legislativa do Ceará, a entrevista teve de ser encerrada no Palácio da Abolição, sede do Governo do Estado. A maior parte do tempo, porém, Roberto Cláudio conversou com O POVO dentro de seu veículo particular, em longo engarrafamento, por volta das 18 horas. Foi interrompido pelo menos duas vezes por telefonemas do governador Cid Gomes, e mais outro tanto por correligionários e assessores. Foi uma amostra de quão atribulada já é a rotina do novo prefeito da Cidade. Ao longo da entrevista a seguir, RC falou sobre a relação com Cid, a frustração com a atual gestão Municipal e os desejos para os próximos quatro anos à frente da quinta capital do País. (Raquel Maia e Luiz
Henrique Campos)
O POVO - O senhor já disse que respeita a Luizianne pela trajetória que ela construiu politicamente. Independentemente da prefeita, como fica, para o senhor, a imagem da gestão Luizianne Lins? Roberto Cláudio - Quando você tem a oportunidade de ser eleito pelo povo para servi-lo, o que fica é o legado. O que posso falar com muito cuidado, muita delicadeza, é que eu - que tive inclusive a oportunidade de apoiar a prefeita certamente sou um dos tantos fortalezenses que se frustrou com a impossibilidade e incapacidade da Luizianne realizar os compromissos que eram esperados. O que fica da gestão é o sentimento de frustração. Havia uma expectativa muito grande de avanços sociais, de um governo que pudesse reduzir desigualdades, que pudesse governar para as pessoas mais pobres da cidade e ao longo dos anos o que se viu não foi isso. Os problemas se aprofundaram. A própria prática política retrocedeu. É essa a imagem que fica pra mim, apesar de compreender que houve avanços pontuais em algumas ações específicas. Pra quem sucede a gestão, fica muito feio estar falando só dos problemas, mal-dizendo o que não foi bem feito. Nossa tarefa é prestar contas e a partir daí tratar de resolvêlos. As obras que a atual gestão teve a incapacidade de realizar serão terminadas, mas a tarefa do meu governo, além de terminar e dar continuidade a algumas ações, é imaginar esse nova Fortaleza, que a nossa vitória representa. OP - Saindo do discurso de campanha, agora, como prefeito diplomado, como o senhor espera ser lembrado daqui a quatro anos? Que marca espera deixar para o fortalezense? RC - Como um grupo de pessoas que se dedicaram durante quatro anos, que não são perfeitas, mas que se dedicaram muito ao trabalho, à tarefa de fazer, de não perder oportunidades, de não perder chances. E de pensar grande para Fortaleza. Eu acho que tem duas imagens que quero que fique: de um governo que teve a capacidade de planejar, de
ANDRÉ SALGADO
O QUE FICA DA ATUAL GESTÃO É O SENTIMENTO DE FRUSTRAÇÃO. HAVIA UMA EXPECTATIVA MUITO GRANDE DE AVANÇOS SOCIAIS
PENA DE ALGUÉM QUE QUEIRA UM CARGO NO EXECUTIVO E QUE NÃO PASSE PELO PROCESSO DEMOCRÁTICO. ESSE NUNCA TERÁ CONDIÇÕES DE SER GOVERNANTE
muito mais capacidade de fazer do que uma prefeitura que vive em conflito político-administrativo com o Governo. Eu, pelo contrário, sempre defendi que a afinidade políticaadministrativa dá a Fortaleza uma oportunidade. Minha tarefa é tirar proveito da oportunidade. A atual gestora, por exemplo, teve oportunidade de ter alinhamento com o governo estadual e federal, mas perdeu recurso, perdeu oportunidade, perdeu investimentos. E a tarefa do prefeito é tirar proveito das oportunidades para as pessoas. Certamente, essa afinidade que haverá a partir de agora vai trazer oportunidades para Fortaleza.
pensar grande, mas que também teve a capacidade, através de muito trabalho, de fazer, de tocar as coisas reais. Há algumas ações que são emblemáticas e que eu quero fazê-las. Uma delas é a integração de todo o transporte público já no primeiro ano. Outra tarefa que julgo essencial é caminhar a passos largos para recuperar esse passivo que a educação de Fortaleza tem hoje. E o terceiro legado é, para além da imagem de pensar grande, é a atenção nos postos de saúde e nas UPAs. Deixar tudo isso funcionando, e funcionando bem. OP - Parece que o senhor está lendo a cartilha do Lula. O Lula dizia que na campanha você pode falar em tudo, mas na gestão você deve se concentrar em três compromissos... RC - A tarefa do governo é encaminhar solução para todos os nosso compromissos. Mas acho que há três que foram os carros-chefe da campanha, de preocupação da população: que foram a mobilidade, a saúde e a educação. Obviamente que a gente não vai esquecer de questões estratégicas, como o turismo, a cultura, ações para dependentes químicos. OP - A gente consegue identificar que o senhor tem um perfil muito técnico, muito diplomático. O senhor quer levar isso à sua gestão? A administração Roberto Claudio vai ter essa marca? RC - Eu sou orgulhosamente um político. Eleito duas vezes pelo voto popular. Presidi uma casa política, conciliando as diferenças na Casa. Gosto da atividade política, e serei um prefeito muito político. Mas, pessoalmente, quero ir a campo, porque eu tenho prazer em fazer isso. Eu sou sobretudo um político que vai exercer uma função que exige, logicamente, um conhecimento de gestão, visão, desejos que devam nortear esse processo. Mas há áreas do governo que não devem ser técnicas, que devem se debruçar em pessoas com perfis de competência. Eu quero que esse seja o governo de resultados. Resultados na educação, na saúde, na mobilidade, é isso que interessa. Imagem, simbolismo, fala... isso não significa nada para as pessoas que estão esperando a prefeitura na porta. Então, o que eu quero é conciliar
OP - Quem é o governador do Estado na visão do prefeito eleito? RC -O Cid para mim é uma referência de homem público, um homem sério, um homem de espírito público e realizador. Só pode ser para mim uma grande referência. Prefeito eleito afirma que quer conciliar quadros técnicos, de olho em bons resultados para a população
O PAPEL DO PREFEITO TEM DE SER TOMAR DECISÕES. PROCURAR CONFLITOS, CRIAR CONFLITOS? MUITO PELO CONTRÁRIO, A GENTE PRECISA CONCILIÁ-LOS
os bons quadros técnicos para ter uma gestão de resultados para a população. É essa a imagem que eu quero que fique. Mas sou diplomático mesmo, isso faz parte da minha personalidade. Sou um homem que evita conflitos até a última instância. Acho que estar brigando dissipa a energia e o foco do que interessa. É claro que eu estou sempre preparado para as boas brigas, a briga justa, que precisa do enfrentamento. Apenas acho que um prefeito que passa o tempo dissipando energia
com conflitos, criando factoides, apenas vai gastar energia quando poderia estar pensando no desenvolvimento da cidade. OP - O senhor acha que foi isso que Luizianne fez? RC - Só estou falando isso porque é o que muitos gestores do Brasil fazem. OP - Mas isso pode ser um diferencial da sua gestão em relação à anterior? RC - Sem dúvida. Eventualmente, o meu papel político aflorará muitas vezes, em muitos conflitos. Fortaleza é uma cidade diversa, complexa, cheia de diferenças, e o prefeito tem o papel de liderar algumas decisões. O papel do prefeito tem de ser esse. Procurar conflitos, criar conflitos? Muito pelo contrário, a gente precisa conciliá-los. Estamos em busca de resultados. O resultado é que interessa, através de serviços públicos. Assim, a gente constrói uma cidade verdadeira, que interaja, que tenha qualidade de vida.(Roberto Cláudio é interrompido por telefonema de Cid Gomes. O governador chamava o prefeito eleito para, juntos, anunciarem, no Palácio da Abolição, as atrações do Réveillon. A partir daqui, a entrevista foi continuada dentro do carro do prefeito eleito, a caminho do Palácio da Abolição -
onde era aguardado pelo governador e pela imprensa) OP - O que o aproxima e o que o separa do governador Cid Gomes? RC -Nós temos uma visão do papel do homem público e da política muito semelhante. Quem está nessa vida tem que estar para servir a quem mais precisa. Sobretudo em um país desigual como o nosso. O papel do homem público, quando tem uma oportunidade de ter poder, é reverter esse cenário de desigualdades. Para além disso, o governador é um homem para quem eu tenho muito respeito, com quem muitas vezes eu aprendi ao longo da minha trajetória política. É um democrata, que conhece o papel da democracia. É um homem do meu profundo respeito. OP - Essa proximidade de perfil entre vocês pode ser prejudicial em algum aspecto? RC -Mas a quem verdadeiramente pode interessar a diferença de projetos? O que interessa à família mais pobre de Fortaleza é que ela tenha uma casa popular, que ela tenha educação de qualidade. É isso que verdadeiramente interessa à cidade de Fortaleza. E não há dúvidas de que uma prefeitura que tenha apoio político e administrativo do governo do Estado terá
CURIOSIDADE
OP - A gente pode dizer, então, que o estilo de governar do senhor vai ser parecido com o estilo do Cid? RC - São vocês que têm que fazer esse juízo de valor. O que eu posso dizer é que o governador é para mim uma grande referência de homem público. OP - O senhor fala que a campanha eleitoral mudou muito o senhor... RC - Quando estamos num mandato parlamentar, a gente tende a acreditar que conhece os problemas e tem as soluções para eles. A campanha mostra como esse cenário é mais complexo, é mais rico, é mais detalhado. A campanha dá a oportunidade de você ouvir gente o dia inteiro, intensamente, toda hora. São três meses ouvindo as pessoas, sendo cobrado, dando uma visão e uma perspectiva de um problema que você não tinha antes. Então, a campanha é certamente um momento enriquecedor. Pena de alguém que queira um cargo no Executivo e que não passe pelo processo democrático. Esse nunca terá condições de ser um governante, porque é a campanha que lhe enriquece.
O POVO online Confira a entrevista na íntegra e comente os assuntos abordados www.opovo.com.br
Recém-eleito em 2012, Roberto Cláudio traçava planos para o futuro de Fortaleza. Sobre Cid, disse então que era uma referência”
Ex-deputado estadual e ex-prefeito de Fortaleza por dois mandatos, Roberto Cláudio enfatiza o papel que O POVO teve na defesa da democracia em seu sentido mais amplo, seja nos anos recentes, seja como espaço aberto para a manifestação de vozes divergentes. “O POVO, ao longo desses 95 anos de existência, tem sido um dos sustentáculos mais importantes da democracia e dos direitos da sociedade cearense”, avalia. Em entrevista ao jornal, o ex-gestor reflete sobre o presente e o futuro de Fortaleza e do estado do Ceará. O POVO – Conte um pouco sobre a sua relação com o jornal O POVO, que completou 95 anos Roberto Cláudio – O jornal O POVO, ao longo desses 95 anos de existência, tem sido um dos sustentáculos mais importantes da democracia e dos direitos da sociedade cearense. Eu mesmo, enquanto agente público, deputado estadual por dois mandatos e prefeito por dois mandatos, pude ter oportunidade de compartilhar meus pensamentos, minhas ações e minhas ideias de forma livre no jornal, que tem dado espaço a todas as vozes da sociedade cearense. O POVO – Como projeta o futuro de Fortaleza nos próximos anos? Roberto – Primeiro, olhando para trás. Fortaleza é uma cidade de conquistas, saímos de status de uma pequena vila para sermos hoje a maior economia do Nordeste e a quarta maior cidade do País. Uma cidade, em muitas dimensões, com uma influência e importância global. Temos obviamente desafios futuros, de manter esse ritmo de progresso, crescimento econômico, mais oportunidades de emprego e principalmente o desafio, que é de todas as cidades do mundo, em especial as grandes cidades brasileiras, da inclusão e do combate à desigualdade. Eu diria que esse é o grande desafio de planejamento que Fortaleza tem para o seu próprio futuro.
PERFIL
Nome: Roberto Cláudio Rodrigues Bezerra (Roberto Cláudio) Nascimento: 15 de agosto de 1975 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Médico e político brasileiro
158
O POVO – Qual o papel que a educação deve ter no aprimoramento das políticas públicas no Ceará? Roberto – A educação constrói um dos insumos fundamentais do desenvolvimento. E desenvolvimento que digo não é só o crescimento econômico. É crescimento econômico e oportunidade de incluir e de reduzir desigualdades. O Estado teve avanços extraordinários ao longo da história recente, melhorou seus índices de aprendizagem, o próprio estado e a cidade de Fortaleza hoje são exemplos da implantação da escola em tempo integral, mas temos que ter a humildade de entender que essa é uma tarefa em andamento, em amadurecimento. O POVO – Na sua avaliação, qual é o principal legado que espera ter deixado para a cidade depois de oito anos à frente do Paço? Roberto – Essa coisa de legado tem que ser um olhar muito mais dos outros do que daqueles de nós que tivemos o privilégio de governar Fortaleza. Eu diria que, olhando para trás, uma tarefa muito importante foi organizar administrativamente a cidade. Para gente conseguir avançar na educação, na mobilidade, na ampliação do atendimento à saúde, na habitação popular, foi primeiro necessário organizar a casa administrativamente e financeiramente. E, por outro lado, planejar a Cidade para o futuro. Então essas duas ações foram ações que não aparecem muito, mas foram fundamentais para a gente conseguir avanços. Uma outra, que me dá muita felicidade, porque tem se transformado numa política pública institucionalizada pelo município, é a prioridade dada à educação. A gente tem construído, ao longo dos últimos dez anos, um cenário de mudança e de transformação dessa realidade.
IGOR DE MELO / O POVO
PERFIL
ROSA DA FONSECA A rosa radical
CURIOSIDADE
A Fundação Demócrito Rocha lançou em 2017 o perfil biográfico “Rosa Da Fonseca”, assinado pelo jornalista Érico Firmo. A Obra faz parte da Coleção “Terra Bárbara”
Radicalidade – palavra que remete ao que está na raiz, na origem, no ponto a partir do qual tudo emana. Nascida no Quixadá, em abril de 1949, Rosa Maria Ferreira da Fonseca levou a vida a procurar esses nós. Sua missão era desatá-los. O nó do capital, da exploração, da exaustão climática e do planeta. Ainda jovem, meteu-se em greve de professores na cidade de origem. Talvez não soubesse ainda, mas ali plantava a semente do que depois seria o grupo ao qual se doaria: o Crítica Radical. A sua recusa ao dinheiro não era instrumento retórico. Rosa queria encarnar a utopia. Foi vereadora pelo PSB em 1992 após uma votação estrondosa e numa época em que Fortaleza já havia eleito Maria Luíza Fontenele para a Prefeitura. Cientista social e educadora, dedicou-se à lida da organização dos coletivos no estado do Ceará, embora seu horizonte fosse internacional. Uma entre seis mulheres, num total de nove irmãos a compor a prole da família cujos pilares eram o português Manoel Rodrigues Fonseca e Maria Rocilda. Da mãe herdou sobretudo o traço mais arredio e impetuoso, conforme revelou em entrevista ao O POVO em 2009, por ocasião dos 60 anos. Estudante, enfrentou a ditadura militar e o aparelho repressivo. Foi presa e torturada no início dos anos de 1970. Solta, fundou o Crítica em 1973. Seis anos depois, ajudou a criar a União Cearense de Mulheres. Dirigiu sindicatos e entidades. Dali em diante, quase tudo que tivesse caráter de massa e propósito declarado de enfrentamento ao capitalismo, como se dizia, podia contar com os esforços de Rosa. Foi filiada a três legendas (PT, PSB e PCdoB) antes de decidir mobilizar energias à margem do
PERFIL
Nome: Rosa Maria Ferreira da Fonseca Nascimento (Rosa da Fonseca) Nascimento e morte: 24 de abril de 1949 1º de junho de 2022 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Quixadá (CE) Formação: Professora e política brasileira
160
sistema partidário e institucional, fundando o grupo ao lado dos amigos Jorge Paiva, Célia Zanetti e Maria Luiza, companheiros e companheiras de toda a vida. Da matéria mais pessoal, Rosa falava pouco. Exceção feita nessa mesma conversa de 2009, na qual, em papo descontraído com o jornalista Demitri Túlio, riu ao contar que por pouco não se casara. “Fui noiva, inclusive, quando vim de Quixadá para Fortaleza. Durante esses anos, desenvolvi quase que uma defesa a qualquer coisa de querer me prender, me dominar, me submeter”, confidenciou. Uma marca de Rosa: naquele mesmo ano, consentiu em comemorar aniversário, desde que fosse em festa pública, aberta, num espaço também de liberdades, e sem presentes, salvo os que fossem de serventia para todos. Assim era a militante que admitia nunca ter ido a um shopping que não fosse para consertar um objeto danificado ou aviar algum serviço de que necessitasse. Era pragmática, não cedia ao fetichismo da mercadoria, para falar no mesmo diapasão dos integrantes da Crítica Radical. Incansável, abraçou a causa da preservação do trecho do Parque do Cocó que seria derrubado para construção de viadutos na altura da avenida Washington Soares, ainda no início da gestão do prefeito Roberto Cláudio. Mas o pior estava por vir: Os anos de governo de Michel Temer e, em seguida, os de Jair Bolsonaro, a quem fez oposição mesmo quando já estava doente e hospitalizada. A par de que o presidente recém-eleito visitaria o Estado, gravou um vídeo de protesto. “Será que o Ceará vai receber um fascista, um assassino, um ecocida, genocida, corrupto?”, perguntou, usando máscara e touca pós-cirúrgica. Em junho de 2022, numa quarta-feira de céu claro, Rosa faleceu vítima de câncer no ovário. Seu exemplo de força, no entanto, já havia sido plantado.
JÚLIO CAESAR/O POVO
”O esporte foi fundamental para que eu conhecesse todos os continentes e com isso também tivesse a oportunidade de conhecer tantas culturas, pessoas de dezenas e dezenas de países” 162
ENTREVISTA
ROSIER ALEXANDRE Montanhista de Monsenhor Tabosa
Rosier Alexandre chegou ao topo do Everest e de outras tantas montanhas pelo mundo. Mas para chegar lá, aprendeu a disciplina no campo, com o pai Rosier Alexandre Saraiva Filho nasceu olhando para o ponto mais alto do Ceará, na zona rural da cidade de Monsenhor Tabosa, a 1.154 metros. Cresceu apaixonado pelas alturas, enquanto ajudava o pai nos afazeres comerciais e agrícolas. Não teve muito tempo para brincar e acredita que tal disciplina o ajudou a ter mente e corpo centrados no objetivo. E ele realmente precisaria estar concentrado para conseguir ser o primeiro nordestino a chegar ao cume do Everest e escalar a maior montanha de cada continente. Entre as subidas na vida de Rosier estão ainda a maior montanha da Oceania, o Cartstensz (4.884m); a maior montanha da terra, fora da Ásia, o Aconcágua (6.692 m); e o Ojos Del Salgado, de 6.893 metros e considerado o maior vulcão do mundo. Rosier começou escalando em Monsenhor Tabosa, cidade que tem as três maiores montanhas do Ceará. E continuou pelos picos mais altos dos sete continentes por meio do Projeto Cume. O POVO - Qual foi a primeira frase que o senhor falou para os familiares quando chegou lá no Monte Everest? Rosier Alexandre - Depois de dois anos de planejamento e 12 anos escalando montanhas e fazer três expedições ao Everest, sobreviver aos dois anos mais trágicos da história do Everest (2014 e 2015 cada um com 19 mortos) tudo o que eu precisava dizer pra minha família era: “chegamos no cume, missão cumprida! Me aguardem para as comemorações que estou voltando”. Mas, guardadas as proporções do desafio e seus riscos, tudo que eu tinha passado e o local onde eu estava, a conversa não era muito poética. Quando peguei o telefone satelital e liguei pra minha esposa, nem deu tempo do telefone tocar e ela já atendeu. “Guria, eu tenho duas notícias pra te dar, a primeira é que estou vivo, a segunda é que eu cheguei no cume do Everest, já estou no campo superior a 8.200 metros de altitude, ainda usando oxigênio suplementar, mas o pior já passou. Agora vou continuar a descida com calma e, logo que possível, voltaremos a nos falar, te amo muito e estou com muitas saudades, mas agora já dei meia volta e estou a caminho de casa”. Naquele momento foi tudo que eu consegui falar. O POVO - Do que se lembra da infância em Monsenhor Tabosa? Rosier - Foi lá que ainda criança comecei a aprender os princípios fundamentais de uma vida profissional com meu pai, ele me ensinou a comprar, vender a fazer negócios, respeitar as pessoas e fazer tudo com zelo. Na minha infância passei por algumas privações,
mas eu tive uma riqueza imensa que foi uma família equilibrada, meus pais foram verdadeiros educadores, apesar de nunca terem frequentado uma escola. O POVO - De que modo o esporte possibilita conhecer outras culturas? Rosier - O esporte foi fundamental para que eu conhecesse todos os continentes e com isso também tivesse a oportunidade de conhecer tantas culturas, pessoas de dezenas e dezenas de países. Desde o início do planejamento de uma expedição já começamos a nos corresponder com pessoas de outros continentes para trocar informações. Eu devo muito do que eu conheço do mundo e da minha formação ao esporte. O POVO - Como a imprensa pode contribuir para o fomento ao esporte? Rosier - A imprensa tem um papel primordial. Se não fosse a mídia, nem eu teria conhecido a história de alguns pioneiros, como outras pessoas também não teriam tomado conhecimento da minha história e das montanhas que escalei. Graças à imprensa eu cheguei nos lares de muita gente levando inspiração e mostrando a estas pessoas a possibilidade de realização de grandes feitos.
CURIOSIDADE
Rosier foi sequestrado durante a subida da montanha Pirâmide Carters, na Indonésia, por um grupo político da região. Com uma faca no pescoço, foi liberado após o guia negociar por 40 minutos
PERFIL
Nome: Rosier Alexandre Saraiva Filho (Rosier Alexandre) Nascimento: 26 de novembro de 1968 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Monsenhor Tabosa (CE) Formação: Administrador de empresas
SAMUEL SUTÚBAL / O POVO
ENTREVISTA
SARTO NOGUEIRA Os desafios da Capital Médico por formação, José Sarto Nogueira entrou na vida pública em 1988, quando elegeu-se vereador de Fortaleza. De lá para cá, foi eleito sete vezes consecutivas deputado estadual. Durante sua passagem pela Assembleia, foi líder do governo do Estado no mandato de Cid Gomes, vice-líder no mandato de Camilo Santana e ocupou a Presidência da Casa em 1º de fevereiro de 2019. No ano seguinte, foi eleito prefeito de Fortaleza com 51,69% dos votos válidos. Em conversa com O POVO, ele fala sobre os desafios da gestão e destaca que a marca que pretende deixar após o mandato é o da redução das desigualdades sociais e econômicas.
CURIOSIDADE
José Sarto se elegeu prefeito em 2020 ainda apoiado pelo arco de alianças no Estado que congregava PT e PDT
O POVO – Qual a relação do senhor com o jornal O POVO, que completou 95 anos? José Sarto – Sou leitor do jornal O POVO desde antes de iniciar minha vida pública. Acompanho as principais notícias sobre nossa cidade, sobre o Ceará e sobre o mundo, sempre muito atento às demandas da nossa gente, considerando também os fatos e transformações que a humanidade atravessa. Compreendo o Jornalismo como um pilar fundamental na democracia, cumprindo o relevante papel de informar com qualidade, de forma acessível e ética, evidenciando os diversos olhares sobre um mesmo tema. O POVO – Como avalia o desenvolvimento da área da educação em Fortaleza? Sarto – Fortaleza tem vivenciado uma verdadeira transformação na área da educação. Desde a gestão do ex-prefeito Roberto Cláudio até hoje, a Capital tem avançado em importantes indicadores de qualidade de ensino, investindo na modalidade de tempo integral, expandindo também a oferta de vagas. Para você ter uma ideia, segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Bási-
PERFIL
Nome: José Sarto Nogueira Moreira (Sarto) Nascimento: 13 de fevereiro de 1959 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Acopiara (CE) Formação: Médico e político brasileiro 164
ca (Ideb) divulgado em 2022, Fortaleza ocupa hoje o 3º lugar em qualidade de ensino entre as capitais, nos anos finais do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano). Em 2005, ocupávamos a 17ª posição. Temos muito a melhorar, é verdade. Mas essa tem sido uma das maiores prioridades do meu governo. O POVO – Que futuro projeta para a Cidade nos próximos anos? Sarto – A Fortaleza que desejo para os próximos anos é uma Fortaleza mais justa, humana, igualitária, moderna e desenvolvida. E isso passa pela boa política pública, aquela que é comprometida com as reais necessidades da população, especialmente com quem mais precisa. Esse é o farol que norteia os nossos passos, para onde aponto nas conversas com os secretários do município e com as equipes. Por isso, temos investido tanto em obras da periferia de Fortaleza. São mais de 200 obras em andamento, o que corresponde a um investimento de R$ 945 milhões. Mais de 90% dessas obras estão em bairros da periferia. O POVO – Qual principal marca pretende deixar depois de quatro anos na Prefeitura? Sarto – A marca da redução das desigualdades sociais e econômicas. E o caminho para isso é levando infraestrutura para as áreas mais carentes da cidade com saneamento, drenagem, pavimentação, equipamentos de educação, esporte, cultura, lazer e saúde. Isso se faz também através de um ambiente de negócios mais favorável, capacitando, gerando oportunidades de emprego e renda. E temos trabalhado para isso.
SARA MAIA / O POVO
PERFIL
SÉRVULO ESMERALDO Nas mãos dele, estático era movimento
CURIOSIDADE
Sérvulo foi expulso do ginásio no Crato após ser acusado de comunista pelos padres por ler Jorge Amado e retrucar com um xingamento de baixo calão
Sérvulo Esmeraldo está fixado nos jardins do O POVO, onde posicionou a obra “O Jornal de Aço”, admirando a avenida Aguanambi, para preencher a rotina dos repórteres e editores do veículo do qual integrava o Conselho Editorial desde junho de 2004. Em 2022, a redação mudou para uma sala diretamente em frente à instalação, um remanejo mais do que justo para com a obra de arte. A escultura é daquelas que exemplifica bem a arte matemática de Sérvulo: uma sequência de linhas perpendiculares brancas ilustrando folhas abertas, em movimento, de um jornal. Mais do que isso, as páginas parecem ser folheadas à medida que o observador caminha da esquerda à direita. Esmeraldo nasceu no Crato em 1929 e gostava de iniciar suas histórias demarcando esse como o ponto de origem. No Engenho Bebida Nova, sítio onde morava e que foi tombado como patrimônio histórico, Sérvulo aprendeu a ver as “primeiras linhas mágicas traçadas pelo tempo e pela natureza” – nas palavras do então secretário estadual da Cultura Fabiano Piúba, na ocasião da aprovação do tombamento. Com visão privilegiada de todo o município caririense e da Chapada do Araripe, aprendeu a transformar um mundo complexo e vívido em linhas simultaneamente estáticas e dinâmicas. Na década de 1940, mudou-se para Fortaleza e estudou no ateliê livre da Sociedade Cearense de Artes Plásticas (Scap), demonstrando interesse em xilogravuras. Em 1951, foi para São Paulo, onde estudou arquitetura e impulsionou a carreira. Fez exposições em quase todo o território nacional, entre elas a primeira mostra individual no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM).
PERFIL
Nome: Sérvulo Esmeraldo Nascimento e morte: 27 de fevereiro de 1929 — 1º de fevereiro de 2017 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Crato (CE) Formação: Artista plástico e arquiteto
166
Mas foi somente na França que o artista plástico entrou em contato com a arte cinética. Pela notoriedade artística no Brasil, Sérvulo ganhou uma bolsa de estudos do governo francês em 1957 e foi para Paris estudar na École Nationale des Beaux-Arts, frequentando o ateliê de litogravura. Na década de 1960, ele passa a trabalhar com ímãs, eletroímãs e gravidade. Na volta a Fortaleza, em 1980, Sérvulo começa a habitar a Cidade com cerca de quarenta obras. O Interceptor Oceânico, no calçadão da avenida Beira Mar, a escultura Quadrados, na entrada do Campus do Pici, e a Fonte Cinética, na Praça Dom Pedro II, Centro, são algumas delas. “A obra em espaço público é uma forma de democratizar a arte”, defendeu Sérvulo no livro A linha e a luz, de 2015. “A arte pública está posta, à disposição, ao alcance de todos para olhar, tocar, sentir, interagir.” Mas nem tudo na vida do artista era metal, madeira e aço. Ele dividiu 37 anos ao lado de Dodora Guimarães, publicitária que se apaixonou primeiro pela arte, depois pelo homem. Eles viveram quase como eternos namorados: Sérvulo a pediu em casamento já com 30 anos de relacionamento. O sim, é claro, foi imediato. Em 2013, ela contou ao O POVO: “Ele é muito certeiro, tem um traço muito marcante. No convívio ele é assim: simples e objetivo como o trabalho dele, não tem arrodeios. Acho que por isso me apaixonei pela arte dele – ela é como ele.”
IANA SOARES / O POVO
PERFIL
SEU LUNGA Um homem que contava histórias
CURIOSIDADE
O apelido de Seu Lunga foi dado na infância, por uma vizinha, e se originou como Calunga, que depois virou apenas Lunga. Ele não sabia qual o motivo do nome, que era atribuído a descendentes de escravos fugitivos
Filho de Juazeiro do Norte, devoto de Padre Cícero, poeta, trabalhador e um homem de histórias. Joaquim Santos Rodrigues (1927 - 2014), conhecido também como Seu Lunga, está no imaginário de muitos cearenses e brasileiros. Não só pelo tom ríspido que lhe davam, mas pela sensação genuína do sorriso que envolve suas histórias. Não pela zanga, mas pela beleza de olhar a vida, o outro, os causos. Pai de 13 filhos (10 mulheres e três homens), nasceu em Juazeiro, mas morou toda a infância em Assaré, voltando para a cidade natal aos 16 anos. Trabalhou desde menino, pelejou, casou. Em 1951, conheceu Carmelita Camilo em uma missa, namoraram alguns meses e depois viraram marido e mulher. Com a família, um dos lazeres de Joaquim era ir ao sítio que ficava às margens do Rio Salgadinho, na localidade de Pedrinhas. Era lá que ele plantava de tudo. Em 1988, Seu Lunga tentou uma vaga na Câmara Municipal de Juazeiro, como vereador, pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Teve 273 votos e não conquistou a cadeira de parlamentar. A conversa era o forte do cearense. Mas sem papas na língua e, claro, sem “pergunta besta”. Nas Páginas Azuis do O POVO, em 2009, ele explicou: “Olha, muita gente chega aqui (no comércio) e diz: “Isso aqui é para vender?”. É pergunta besta. Aí querem que eu dê uma resposta grosseira. Isso faz mal à gente. Você está ocupado e o camarada chega perguntando bobagem…” Sua fama ganhou o mundo, mas não com todos os detalhes
PERFIL
Nome: Joaquim Santos Rodrigues (Seu Lunga) Data de nascimento e morte: 18 de agosto de 1927 – 22 de novembro de 2014 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Juazeiro do Norte (CE) Formação: Comerciante
que merecia. Pouco estudo na escola - ele disse que só dois meses -, muito no decorrer da vida, com todo o sotaque da cultura cearense. Um personagem regional que faz muito cearense se reconhecer. Joaquim foi ourives - inclusive exibia um anel de rubi de autoria própria - foi comerciante de cereais, de motor - quando não tinha energia elétrica - , de arroz, de massa de milho… Em 1960, comprou dois imóveis. Num deles fez oficina de eletrodomésticos, que, depois de anos de sucesso, acabou sendo afetada pela chegada constante de novas tecnologias. Foi para os repórteres do O POVO, em 2009, que Seu Lunga recitou um dos seus poemas: “Quem me dera ser um pássaro, para no mundo voar / Eu ia para o oceano, depois podia voltar / Mas ia cair em teus braços somente para consolar”. Como é possível que o homem que recita sobre moças e seus encantos, seja o mesmo que, segundo dizem, jogou leite na calçada por causa de uma pergunta óbvia. Seu Lunga sempre disse não ser protagonista do que era contado em forma de cordel por um vizinho. Ganhou na Justiça, em 2011, o direito de receber indenização por isso. O apelido de Joaquim, que ganhou fama de ignorante, foi dado ainda na infância, também por uma vizinha. Na verdade, o apelido original era “Calunga”, mas ele não sabia o motivo. O nome é atribuído a descendentes de escravos fugidos. Um sertanejo, que gostava de chapéu de palha, que aprendeu a educar os filhos com a educação que recebeu do pai. Um homem de fibra nordestina, que dizia o que pensava, fosse algo sobre a beleza feminina, fosse sobre a política do “são todos do mesmo jeito”. Seu Lunga deixou um legado de contos, que, verdadeiros ou não, levaram sorriso a muitos brasileiros. 167
PERFIL
EVILÁZIO BEZERRA / O POVO
SHELDA Pioneira do vôlei de praia
CURIOSIDADE
Shelda foi eternizada no Hall da Fama do vôlei, nos Estados Unidos, em 2010. Mesmo medindo 1,65 metros, escolheu o esporte e foi na modalidade da areia que encontrou a posição que a levou a conquistar tantos títulos
O vôlei de praia nunca mais foi o mesmo depois que Shelda Kelly Bruno Bedê decidiu formar uma dupla e conquistar medalhas, pódios, respeito e sonhos. A cearense tem duas medalhas olímpicas, mais de mil vitórias e 100 títulos. A adolescente que começou a carreira na quadra em Fortaleza, foi para o Rio de Janeiro, amadureceu, treinou e conquistou um espaço pioneiro e histórico no esporte. Estratégica e focada, Shelda viu na nova categoria esportiva que surgia na areia a oportunidade de aliar porte físico e a posição em jogo de forma mais efetiva. Treinou nas praias fortalezenses, mas foi nas cariocas que encontrou a dupla - Adriana Behar - com quem jogaria vôlei de praia por 11 anos e conquistaria tanto. A contragosto da família, a cearense investiu na carreira e despontou antes mesmo de a categoria fazer parte do rol olímpico. O vôlei de praia só começou a fazer parte de uma Olimpíada em 1996, em Atlanta. Em 2015, conquistou o lugar no Hall da Fama do vôlei mundial, em cerimônia realizada nos Estados Unidos, no que seria a primeira homenagem feita para um time pela Federação Internacional de Vôlei (FIV). Até então o tributo só havia sido entregue para atletas individuais de voleibol. Entre os títulos de Shelda, duas
PERFIL
Nome: Shelda Kelly Bruno Bedê (Shelda) Nascimento: 1º de janeiro de 1973 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Jogadora de vôlei profissional (1.101 vitórias, 114 títulos, 2 medalhas de prata em Olimpíadas, 2 medalhas de ouro em Campeonatos Mundiais, 1 medalha de ouro em Jogos Pan-Americanos e 6 títulos do Circuito Mundial) 168
medalhas de prata em Jogos Olímpicos (Sydney, em 2000, e Atenas, em 2004), um ouro em Jogos Pan-Americanos, além de seis títulos do Circuito Mundial. O último feito rendeu até um lugar no Guinness Book, em 2006. Bater na trave é o termo usado no meio esportivo quando algum atleta ou time disputa a primeira colocação de um torneio importante, mas não sai ganhadora. A lógica não faz muito sentido de contabilizarmos medalhas, superações, descobertas, pódios, saques e cortadas. Nunca foi sobre perder, mas sobre seguir, fazer o que precisava ser feito, de forma decidida e relaxada. Shelda seguiu com Adriana Behar até 2008 e, após a aposentadoria da parceira, conquistou o Circuito Mundial de 2008 com Ana Paula. Anos depois, veio a aposentadoria. Shelda jogou de forma profissional pela última vez em 2009, durante a etapa de Barcelona do Circuito Mundial. Em 2010, houve o anúncio oficial e, em Búzios, durante a última etapa do Circuito Brasileiro, recebeu uma placa de agradecimento da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) pela dedicação. Depois de sair da areia, a cearense montou um Instituto que leva seu nome, em Sobral, onde foi secretária municipal de Esportes. Também enveredou pelo segmento de empreendedorismo e atualmente investe na Sportis, empresa do mercado digital, voltada para venda de NFTs (Non-Fungible token, sigla em inglês), títulos de propriedade digital que não podem ser fraudados. A coleção NFTs que a empresa desenvolveu é a “Fominhas de Títulos”, que retrata jogadores de vôlei campeões olímpicos.
KLÉBER A. GONÇALVES / O POVO
PERFIL
SILAS MUNGUBA Um novo olhar para os dependentes químicos
CURIOSIDADE
Em 2011, a Câmara Municipal de Fortaleza instituiu a Medalha Silas Munguba, que reconhece o mérito dos cidadãos ou entidades por seus relevantes serviços prestados na área de Assistência Social
Numa época em que o tratamento para dependentes químicos ainda era pouco conhecido cientificamente e tampouco disseminado socialmente, o médico Silas Munguba leu, em uma reportagem, que um bilhão de pessoas usavam drogas. Preocupou-se, estudou sobre o assunto e saiu pelas escolas falando sobre prevenção. Um médico que confiava na reabilitação das pessoas. Natural de Manaus (AM), nascido no dia 29 de setembro de 1923, o médico obstetra criou, em 1975, já com 20 anos do exercício da Medicina, o Desafio Jovem. A instituição foi uma das primeiras no Ceará e no Nordeste a oferecer ações de prevenção e tratamento para usuários de drogas. Combatente da Segunda Guerra Mundial, Silas Munguba adotou Fortaleza para colocar em prática a vontade de ajudar o próximo. Um homem religioso, que conseguiu aliar Medicina, Fé e Sociedade. A sala de aula, palco para tantas palestras e informações na tentativa de fortalecer jovens para os desafios da vida, virou também ação. Silas Munguba sabia que era necessário aliar também Educação, Saúde e Solidariedade. A entidade que oferecia internação a jovens que quisessem se recuperar do vício depois fez atendimento ambulatorial, virou escola, casa, esperança. Na Câmara Municipal de Fortaleza, a Medalha Silas Munguba significa reconhecimento ao mérito de cidadãos e entidades por relevantes serviços prestados na área de Assistência Social, principalmente na recuperação de dependentes químicos. O trabalho em prol da Saúde levou o médico, que era formado em ginecologia e obstetrícia pela Universidade Federal de Pernambuco, a ensinar anatomia na Universidade Federal do Ceará (UFC) e atuar no ambulatório do Hospital Batista.
PERFIL
Nome: Silas de Aguiar Munguba (Silas Munguba) Nascimento e morte: 29 de setembro de 1923 15 de junho de 2009 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Manaus (AM) Formação: Médico
Da infância, a história de Silas Munguba começa com a união de José Munguba Sobrinho e Amazonilia de Aguiar Munguba. Irmão gêmeo de Paulo, ele tem ainda outros 11 irmãos. Na Itália, foi terceiro sargento do Regimento Sampaio, da Força Expedicionária Brasileira-FEB e por seus feitos recebeu quatro condecorações: Cruz de Combate de 1ª Classe, Medalha Cruz de Campanha, Medalha de Guerra e Medalha Sangue do Brasil, esta última por ter sido ferido em combate. Em 2013, quatro anos após a sua morte, um Centro de Saúde da Família no bairro Parque São José, em Fortaleza, recebeu seu nome. “Trata-se de medida de justiça denominarmos o referido equipamento como o nome do médico Silas de Aguiar Munguba por sua história de relevantes serviços prestados à nossa cidade”, citava o texto do Projeto de Lei 0053. Saúde, desafios da sociedade, solidariedade e entendimento de que é preciso executar ações em prol do bem. É nas páginas do O POVO que, ao longo dos anos, a história de Silas Munguba é contada. Das centenas de vidas de jovens transformadas à avenida que tem seu nome e costura a Cidade. O peso que ele exerceu e ainda exerce no funcionamento de políticas e no mover de uma sociedade que cresce e que precisa ter suas demandas atendidas, ainda reforça a causa. O Desafio Jovem seguiu sendo tocado por seus familiares e continua a ajudar quem precisa e busca auxílio. 169
DIVULGAÇÃO
PERFIL
SILVANA LIMA O surfe a escolheu e ela escolheu de volta
CURIOSIDADE
Silvana aprendeu a surfar antes de saber nadar e antes de virar surfista profissional, se aventurou também pelo futsal. Mas escolheu o mar e o Rio de Janeiro, com 17 anos, para seguir carreira
Uma mulher que nasceu para o esporte, escolheu e foi escolhida. Sempre teve nos pés o equilíbrio necessário para driblar as adversidades. Aprendeu a surfar na primeira infância, começou a competir com 12 anos, na década de 1990, integrante de uma família de surfistas e filha de uma mãe trabalhadora. Silvana Lima dormiu debaixo do palco do campeonato na Beira-Mar, cresceu na beira da praia literalmente, surfando sem saber nadar. O interesse pelo esporte é antigo, começou cedo e bem do jeito que não se pode negar. Uma criança que viu a mãe trabalhando na barraca de praia da família, fornecendo uma vida sem o mínimo, mas com o essencial. “As ondinhas” eram as brincadeiras mais acessíveis e gostosas que construíram a infância de Silvana. Consciente do passado que teve e do presente que vive, a surfista exibe uma trajetória de altos e baixos, de superações, fosse no joelho lesionado ou no patrocinador que disse não. Assim como é para a esmagadora maioria dos esportistas brasileiros, o apoio financeiro foi difícil, instável e desigual. Do aprendizado no mar do Paracuru, no litoral do Ceará, Silvana foi até a Austrália, praia de Bells Beach, vencendo o WCT. Em Tóquio, entrou para a história ao participar da competição na qual o surfe foi, pela primeira vez, considerado esporte olímpico. Na trajetória, as diferentes conquistas se misturam. Começou na Liga Mundial de Surfe (WSL) em 2006 e ficou em terceiro lugar na competição em 2007 e foi vice-campeã nos dois anos seguintes. Em 2012 e 2013 não competiu por causa de lesões nos ligamentos, mas conquistou o lugar na elite do surfe em 2014. No
PERFIL
Nome: Silvana Lima Nascimento: 29 de outubro de 1984 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Paracuru (CE) Formação: Surfista profissional (Melhor surfista brasileira por oito vezes e o vice-campeonato mundial por duas vezes)
170
fim do ano, Silvana precisou deixar a Liga e ali começava um novo momento da sua carreira, fortalecido com o que ela traz na pele em forma de tatuagem: “Tudo passa”. O patrocínio perdido à época das lesões causou um rebuliço financeiro na vida da surfista, que chegou a investir em outros segmentos econômicos para se sustentar. Vendeu seu imóvel, veículo e montou um canil que vendia filhotes de Bulldogue francês. Entre o vai e volta dos patrocinadores, Silvana conseguiu voltar novamente a competir no WCT. Entre melhoras e pioras das lesões acumuladas, chegou às Olimpíadas de Tóquio em meio à pandemia de covid-19. Nas páginas do O POVO, a história do surfe cearense reúne boas entrevistas e imagens inesquecíveis. O jornal é também espaço para o regional, mostrando um Paracuru - cidade natal de Silvana - forte e que revela talentos sobre aquilo que o litoral tem de mais preciso, que é o mar. Quantas manchetes bonitas e fotos fantásticas o caderno de Esportes trouxe. “O surfe foi minha maior escolha”, titulou as Páginas Azuis na qual Silvana conta ao O POVO, em maio de 2021, antes de ir para as Olimpíadas, as dificuldades enfrentadas, desde a infância até as competições. É na conversa com o jornalista Lucas Mota que ela fala dos sentimentos e das escolhas da vida. A menina que aprendeu a surfar sozinha, competiu aos 12 anos e foi às Olimpíadas de Tóquio, com 37 anos, sabe viver a vida, passar pela turbulência, respirar e tentar de novo.
JULIO CAESAR / O POVO
PERFIL
TASSO JEREISSATI A natureza do líder
CURIOSIDADE
Em março de 2002, O POVO publicou uma série de reportagens sobre a Era Tasso, com análises sobre as diversas transformações políticas, econômicas e sociais empreendidas no Estado ao longo de 15 anos
Era janeiro de 1981. Tasso Ribeiro Jereissati andava na casa dos 30 anos. Jovem, presidia o Centro Industrial do Ceará, o chamado CIC, sigla em torno da qual se agruparia uma geração de lideranças. Naquele mês, Tasso concedia sua primeira entrevista ao O POVO. Publicada no início do ano, nela o empresário se queixou das mazelas do Estado, então comandado por governadores “biônicos”, representantes do regime militar. “Há uma ilha de prosperidade num grande mar de miséria”, declarou Tasso, acrescentando em seguida: “Não adianta pensar que se pode continuar sendo uma ilha de prosperidade num mar de miséria”. Era uma arrematada verdade. Eleito em 1986, o empresário deu início a um ciclo de mudanças que, a depender do ângulo sob o qual seja olhado, perdura até hoje, com os governos daqueles que o sucederam no posto – muitos dos quais formados sob sua influência – os mais críticos dirão que à sua sombra. Entre a chegada ao Governo e sua saída em 2002, para concorrer a uma vaga no Senado, Tasso foi o arquiteto do “mudancismo”, também conhecido como “era Tasso” ou mesmo tassismo. Grosso modo, trata-se de intervalo durante o qual o tucano cuidou em modernizar a máquina pública, herdada dos coronéis com inchaço e ineficiência. Já em 1987, primeiro ano de governo de fato, anunciava que queria o Estado para combater a miséria, conforme disse ao O POVO. À frente do Executivo por três mandatos (1986, 1994 e 1998), Tasso ajudou a consolidar um modelo de governança à
PERFIL
Nome: Tasso Ribeiro Jereissati (Tasso Jereissati) Nascimento: 15 de dezembro de1948 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Administrador, empresário e político
cearense, com atenção especial às contas públicas e foco em áreas de grande vulnerabilidade, como a mortalidade materno-infantil, que caiu drasticamente enquanto esteve na administração. Politicamente, teve um grande antagonista: o então prefeito de Fortaleza Juraci Magalhães, tão ou mais popular que Tasso em um momento da história recente da Capital. Tanto que, em 1992, aliados de Tasso e Juraci se enfrentaram na disputa pela Prefeitura – o prefeito levou a melhor, elegendo Antonio Cambraia, que derrotou Assis Neto. No âmbito do Ceará, porém, Tasso dava as cartas. Desafetos o chamavam de “coronel” e “autoritário”, pecha que ele sempre negou. Em 2002, por exemplo, já de saída do governo e em meio ao balanço da própria experiência administrativa, refletiu: “Não conheço nenhum período político em que tenham nascido tantos líderes importantes, até em nível nacional, como o Ciro”. Além de Ciro, havia Lúcio Alcântara, outro que saíra do plantel mudancista, mas de quem o patrono acabaria se afastando, ao ponto do rompimento público. Sobre isso, Tasso falou pouco e superficialmente naquele 2006 – por educação e “disciplina partidária”, segundo ele mesmo assinalara em nova conversa com O POVO. Fato é que Lúcio não seria reeleito, isolado após a perda de apoio dentro do próprio partido, o PSDB. Cid Gomes, irmão de Ciro Gomes, derrotaria o então governador sem tanta dificuldade. Nessa época, Tasso era senador na metade do exercício legislativo, ao fim do qual tentaria a reeleição, sem sucesso. Sem contar Assis Neto em 1992, seria o primeiro revés nas urnas do “galego”, que chegaria a anunciar a aposentadoria. Mas as chuteiras ficaram penduradas por pouco tempo. Precisamente, quatro anos, e depois de findos, voltou a postular cadeira no Senado, agora eleito para o derradeiro mandato. Ao menos é o que tem dito a quem lhe pergunte se deixou para trás a briga pelo voto do eleitor. 171
ENTREVISTA
WASHINGTON ALVES / DIVULGAÇÃO COB
THIAGO MONTEIRO Disciplina e mira nas conquistas
queno praticava vários. No colégio praticava futsal, futebol, basquete, vôlei. O tênis entrou um pouco depois na minha vida, por volta dos 8 anos de idade, e nunca mais saiu. Meu sonho era ser um jogador de futebol profissional, mas acabou que o tênis foi a decisão certa.
CURIOSIDADE
Esporte é quase o sobrenome de Thiago, que ainda criança foi escolhido pelo tênis de mesa. Ele ganhou sua pŕimeira competição, em 1988, aos sete anos, e credita à força cearense como aliada para as conquistas
Do futebol ao tênis, do Ceará a Atenas, de pai para filho. O tênis entrou na vida de Thiago Monteiro ainda na infância, incentivado pelo irmão e pelo pai, seu treinador. Ele assume que o sonho era ser artilheiro no campo, mas tem certeza da escolha que fez. Aos 14 anos, o tênis se tornou prioridade na carreira daquele menino cearense que deixava sua cidade e se lançava às descobertas. O interesse pelo esporte começou aos 6 anos, por influência familiar, em Fortaleza. Aos 7, era campeão do Cearense Mirim e começava a disputar campeonatos nas regiões Norte e Nordeste. Em 1993, foi campeão brasileiro por equipe e dois anos depois estava na seleção brasileira infantil no sul-americano (em Valência, Venezuela), onde foi campeão individual. O talento para o esporte encontrou Thiago. Já aos 15 anos, com destaque nas competições juvenis, se mudou para Santa Catarina. Ao O POVO, em junho de 2022, falou sobre a superação da grave lesão que teve em 2015. “Foi uma virada de chave para mim. Não à toa, no ano seguinte eu tive o melhor ano da minha carreira até então”, resume o que passou. O foco agora é estar entre os TOP 50 do ATP – Sigla da associação masculina de tênis profissional (Association of Tennis Professionals). Thiago é o único brasileiro a estar atualmente entre os primeiros 150 colocados do ranking. O POVO - Como foi crescer apaixonado por esporte? Thiago Monteiro - Sempre gostei muito de esporte, desde pe-
PERFIL
Nome: Thiago Moura Monteiro Nascimento: 31 de maio de 1994 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Tenista profissional 172
O POVO - Como a perseverança, como atleta, fez diferença na sua vida? Thiago - Eu acho que a perseverança na verdade move tudo. O tênis me ensinou e vem me ensinando muito, não só sobre esporte em si, mas sobre resiliência, sobre ser perseverante e disciplinado. O POVO - Qual a importância de ter ídolos no esporte ao qual se dedica? Thiago - Acho que a importância é de ter uma referência. No tênis, sem dúvidas, o ídolo número um é o Guga, tive a oportunidade de ter ele perto na minha carreira juvenil, ele foi um dos grandes apoiadores. Também tive a oportunidade de estar junto com o André Sá e com o Belutti, que também era canhoto, um cara que eu sempre me inspirei bastante na forma de jogar, e isso foi me ajudando realmente na adaptação. Eram as referência para saber que era possível. O POVO - Como o senhor vê a importância da imprensa no fomento ao esporte no Ceará e no Brasil? Thiago - O tênis é um esporte muito caro, principalmente para quem sai do Nordeste. Do Ceará, de Alagoas, Sergipe… Com a imprensa dando mais espaço a esse reconhecimento e trazendo à tona essa visibilidade, as marcas se interessam e muitos atletas podem ter um apoio financeiro melhor para bancar a carreira e seguir a luta de realizar esse sonho.
FÁBIO LIMA / O POVO
ENTREVISTA
TITA Nascida no mar do Titanzinho tanzinho), na rua Titã, e aí entrou o Tavares. Nasci e me criei no Ceará, onde comecei toda a minha história, minhas raízes são daqui, eu sou local do Titanzinho, e minha raiz é muito forte. É onde eu comecei e hoje, graças a Deus, ainda moro no mesmo canto, só não na mesma rua.
CURIOSIDADE
Tita Tavares foi a primeira mulher a levar nota 10 no WQS, divisão que dá acesso ao surfe profissional. No Titanzinho, onde nasceu e descobriu o surfe, atua como exemplo de esportista
Maria das Graças Tavares Brito Filha, a Tita Tavares, começou a surfar antes dos 10 anos, no bairro Serviluz, em Fortaleza. Colecionou títulos locais desde então, chegando a competições mundiais anos depois. Titanzinho, Tita, Tavares. Luta, Vaga, Mundial, Elite, Ondas. Palavras que acompanham a atleta no surfe cearense. Com um pedaço de madeira, a menina que perdera a mãe aos cinco anos descobriu as ondas. ganhou a primeira prancha de um dos irmãos e chegou ao World Qualifying Series (WQS). Foi nessa competição que, em 1996, ela se tornou a primeira mulher a arrancar nota 10 de forma unânime pelos jurados. Bicampeã do WCT, quatro vezes campeã do Brasileiro e quatro vezes campeã do SuperSurf. Tita nasceu em Fortaleza, no dia 21 de outubro de 1975 e cresceu junto do pai, pescador, e dos cinco irmãos. Começou a surfar muito nova, na escola do Titanzinho, aos 10 anos competiu no Rio de Janeiro, aos 12 ganhou o panamericano na Venezuela e se tornou a mãe do surf no Titanzinho, dentro do mar e fora dele. No O POVO, da página P&B ao colorido que mostrou o azul das ondas, a história de Tita é contada. Uma das primeiras matérias sobre as vitórias da surfista, na edição de 21 de novembro de 1998, trazia o título: “Tita Tavares vence etapa e garante vaga na Divisão de Elite”. Nessa mesma matéria, o repórter afirmava que ela era uma espécie de patrocinadora informal das crianças surfistas do Titanzinho. O POVO - Como é ser conhecida pelo nome do esporte em todo o mundo? Tita Tavares - Tita é conhecido como Tita, que nasceu Titã (Ti-
PERFIL
Nome: Maria das Graças TAvares Brito Filha Nascimento: 21 de outubro de 1975 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Fortaleza (CE) Formação: Surfista profissional 174
O POVO - Qual foi o maior desafio que o surfe colocou na sua vida? Tita - Foi eu ter que viajar o Circuito Mundial, na época eu não sabia falar inglês, e aprendi a falar viajando, com as australianas. O que me fortificou mais é que eu tinha uma amiga australiana, Lunete Mackenzie, e ela me ensinou todos os passos e caminhos para seguir firme e forte no Mundial. O POVO - Qual o atual cenário do surfe no Ceará e no Brasil? Tita - Grande, só teve a acrescentar, cresceu bastante. Que pena que ainda o surfe não é bem valorizado, por mais que seja limpo, a gente continua no cenário de falta de patrocínio, de apoio… As meninas da nova geração também não têm. E eu passei por todo esse processo, de vários anos sem patrocínio, de ter de viajar pro Mundial só e sem apoio. O POVO - Qual o papel da imprensa no fomento do surfe no Ceará? TIita - Superimportante, principalmente hoje, com o crescimento do surfe. A imprensa precisa estar mais envolvida em cima disso, procurando sempre ajudar o esporte, que hoje em dia a gente vê os campeões olímpicos. É importante continuar mais e mais esse papel, passando uma imagem de apoio aos atletas que buscam patrocínio. E enquanto você ganha o campeonato, porque quando você não ganha, a imprensa esquece. E todo atleta, em todo esporte, tem os momentos bons e os difíceis. Mas nunca esquecer do que foi feito e é feito pelo esporte ainda.
ENTREVISTA
DIVULGAÇÃO
VALENTINA SAMPAIO Inspirando ao quebrar barreiras
CURIOSIDADE
Em entrevista ao O POVO, em 2020, Valentina Sampaio falou sobre as adaptações na rotina durante o período da pandemia da covid-19 e como buscou manter a positividade em relação aquele momento triste da história
De uma vila de pescadores em Aquiraz, surgiu Valentina Sampaio. Ela tinha 10 anos e ainda não poderia imaginar a força simbólica que ela representaria menos de 20 anos à frente. Com 26 anos, a cearense virou a primeira modelo transgênero da Victoria’s Secret, marca de lingerie que apostou na diversidade para reposicionar-se no mercado. Foi também a primeira mulher trans na capa da Vogue Paris; representou o Brasil no MET Gala 2021 com um vestido fluído belíssimo; e atuou em novelas nacionais. Morando entre Nova York (EUA) e a Itália, a modelo é super requisitada e quase não conseguiu tempo para uma entrevista. E que bom! Para uma comunidade que ainda carece de visibilidade, respeito e direitos básicos, o sucesso de Valentina é uma promessa de tempos melhores. Ao O POVO, ela fala brevemente sobre a carreira e as saudades de casa. O POVO - Com apenas 26 anos, já há uma carreira incrível e icônica a destacar. Como se sente quando percebe o que já conquistou? Valentina Sampaio - Sim, é verdade, já quebrei várias barreiras no meu mundo da moda e espero que isso ajude ou tenha ajudado outras pessoas também. Mas acho que o caminho ainda é grande e ainda tem muitas coisas pra fazer para a minha comunidade — não somente no mundo da moda. O POVO - Como grande ativista dos direitos de pessoas transgênero, na sua opinião, como a mídia pode e precisa melhorar quando aborda essa pauta? Valentina - Eu acho que especialmente no Brasil as mídias
PERFIL
Nome: Valentina Sampaio Nascimento: 10 de dezembro de 1996 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Aquiraz (CE) Formação: Moda
têm que ser mais ativas nesse sentido. O Brasil é um país com uma das maiores comunidades LGTBQIA+ do mundo, mas ainda passa muito pouco nas mídias e na televisão. Aqui fora, nos Estados Unidos, o ativismo, a atenção ao assunto, é bem maior. O POVO - Morando entre os Estados Unidos e a Europa, tem algo que sinta saudade no Brasil? Valentina - Sim, claro, eu sinto a maior falta da minha família e de casa. É tão pouco o tempo que consigo voltar… Eu sempre quero que seja mais. O POVO - Como ter nascido e crescido no Ceará a transformou no que é hoje? De que maneira o Estado influencia ou inspira? Valentina - Eu fui criada no Ceará. Sempre vou levar minha terra para o mundo. A minha terra é feita de gente simples, mas com um coração muito grande e sempre vou carregar esses valores comigo. O POVO - Em uma entrevista para a Vogue, comentou que desejava estrelar um filme com o qual se sentisse profundamente conectada, com uma mensagem inspiradora. Que tipo de abordagem teria esse filme ideal?” Valentina - Eu amei muito meu papel do filme Berenice Procura (filme dirigido por Allan Fiterman, de 2018), me conectei muito com aquela personagem, a Isabelle Deluxe. Mas também sempre gostei de fazer um papel forte… Até tipo de vilã, sabe? 175
ARQUIVO O POVO
PERFIL
VIRGÍLIO TÁVORA O grande político do Ceará
CURIOSIDADE
Virgílio e Luíza Távora casaram-se civilmente no apartamento do deputado Edilberto de Castro
Nem sempre é possível acessar os homens por trás de grandes nomes, especialmente quando a eles cabe viver em períodos drásticos. Virgílio Távora já nasceu rodeado pela grandeza familiar, dos sobrenomes mais fortes ligados ao coronelismo cearense. Nascido em Jaguaribe, foi o único filho do doutor Manoel Fernandes Távora, revolucionário de 1930. Talvez aí já estivesse plantada a semente para a participação de Virgílio em outra conhecida “revolução” que levou à ditadura militar. Mas antes de chegar ao 1º de abril de 1964, cabe buscar retalhos do homem Virgílio, antes de vê-lo como político. Em entrevista ao O POVO, concedida em 1988 ao repórter Jorge Henrique Cartaxo, Virgílio lembra do exato momento em que o pai recebeu a notícia da morte do irmão, Joaquim Távora. À época, era apenas uma criança risonha e curiosa, tratando de brincar com o pai sério e concentrado no escritório da casa localizada na rua Visconde de Sabóia. Outra memória apolítica revela o reencontro com a esposa Luíza Távora, grande acerto e amor da vida de Virgílio. Conheciam-se desde adolescentes, mas o acaso os deixou 15 anos separados. Quando Virgílio voltou a Fortaleza, largando a carreira militar no Rio de Janeiro para dedicar-se à política cearense a pedido do pai, foi em Luíza que ele encontrou alento. Segundo o próprio Virgílio, “apenas uma órfã prematura” poderia ter o senso crítico de Luíza. Levou quatro anos para convencê-la a se casar com ele.
PERFIL
Nome: Virgílio de Morais Fernandes Távora (Virgílio Távora) Nascimento e morte: 29 de setembro de 1919 3 de junho de 1988 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Jaguaribe (CE) Formação: Militar 176
Foi ao lado de Luíza que Virgílio empreendeu as primeiras obras para garantir ao Ceará alguma perspectiva de futuro econômico. O Estado recebido pelo governador, em 1963, vivia de uma agricultura focada no algodão entregue às secas e de uma indústria embrionária. O Ceará sequer tinha eletricidade e mal era levado em conta nos projetos industriais da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) em 1959. Foi com Virgílio, por meio do apoio do presidente João Goulart (PTB), que a eletricidade aos poucos adentrou o Estado, que o Polo Industrial na atual Maracanaú se desenvolveu e que as estradas ligando o Interior a Fortaleza começaram a ser asfaltadas ou mesmo construídas. Como ministro dos Transportes, antes de ser governador, participou da criação da Petrobras e da autarquização do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). Por outro lado, a amizade com Goulart pôs Virgílio em maus bocados quando a ditadura militar explodiu. O governador sabia dos planos, chegou a ter pessoalmente com Castelo Branco e garantir apoio ao golpe — afinal, ele próprio era militar e acreditava que a “revolução se faz com a força”. Mas a proximidade e a verdadeira gratidão a Goulart o prejudicavam. No entanto, não foi a ponto de Castelo Branco mandar retirá-lo ou prendê-lo como ocorreu com outros adversários. Na visão de Virgílio, todas as movimentações políticas foram no intuito de equilibrar as balanças e garantir que o Ceará continuasse recebendo atenção federal. Em todos os casos, fez história na política. Duas vezes governador, duas vezes senador, deputado federal e ministro de Estado, não deixou a herança política morrer com ele: o filho Carlos Virgílio Augusto de Moraes Távora foi três vezes deputado federal pelo Ceará.
ENTREVISTA
WEIBE TAPEBA A luta por uma reparação histórica
CURIOSIDADE
Weibe é filho de militantes indígenas e reconhece que seu povo foi precursor do movimento indígena no Ceará. Ele foi o primeiro tapeba a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal de Caucaia
”Nós viemos aqui retomar o que é nosso, porque precisamos construir nossa escola e nosso posto de saúde”. A frase é do atual secretário Nacional da Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Weibe Tapeba, durante a ocupação de terra indígena em Caucaia, no Ceará, em 2006. De lá para cá, algumas conquistas dos povos indígenas no Estado foram concretizadas. O advogado, professor e vereador licenciado sempre teve a Educação e a Saúde no foco da busca por levar representatividade para onde se discute política pública. O indígena que precisou estudar na escola que ficava fora da aldeia onde nascera, sofrendo preconceitos, seguiu resistindo. Em 2016, conquistou uma cadeira na Câmara Municipal de Caucaia. Ricardo Weibe Nascimento Costa está quebrando o paradigma de que indígena não pode ser gestor. A experiência à frente de entidades representativas lhe trouxe conhecimento das áreas com maior vulnerabilidade e das batalhas que mais precisam ser travadas. O desafio está posto e, pelos próximos anos, Weibe estará à frente dele, tentando fazer a diferença. O POVO - Como resumiria a história do povo indígena no Ceará? Weibe - A história dos povos indígenas sempre foi de muita resistência. O contato dos europeus com os povos originários que viviam na região do litoral nordestino foi violento e impactou diretamente na vida dos povos indígenas cearenses. Eram pelo menos 42 povos indígenas que habitavam a região que posteriormente veio ser co-
PERFIL
Nome: Ricardo Weibe Nascimento Costa (Weibe Tapeba) Nascimento: 8 de junho de 1983 Nacionalidade: Brasileira Cidade de nascimento: Caucaia (CE), na aldeia Lagoa dos Tapebas Formação: Bacharel em Direito, professor e Vereador Licenciado na Câmara de Vereadores de Caucaia e Secretário Nacional de Saúde Indígena (Sesai/MS)
nhecida como Ceará. No ano de 1863, 13 após a aprovação da Lei de Terras, a Província do Siará Grande aprovou um relatório afirmando a extinção dos povos indígenas. Esse instrumento foi uma espécie de “autorização” para o extermínio dos povos indígenas. Houve, a partir daí, um fenômeno que a antropologia contemporânea denominou de silenciamento étnico. Esses povos somente vieram se reorganizar no final dos anos 1970. Atualmente são 14 povos indígenas, vivendo em pelo menos 20 municípios, reivindicando a regularização de territórios e o acesso a políticas públicas. O POVO - Qual a importância de ter a população indígena dentro dos espaços de execução de políticas públicas? Weibe - Nos últimos anos, especialmente com o cenário das mudanças climáticas e com o avanço das conquistas de acesso a direitos sociais como a saúde indígena e a educação escolar indígena, os povos indígenas foram fortalecendo ainda mais as suas organizações sócio-políticas. Estão qualificando as suas reivindicações junto às esferas de governo, denunciando violações de direitos e criando estratégias de ocupação de espaços estratégicos, seja no parlamento, no poder executivo ou na gestão de instituições públicas e privadas com atuação com a temática indígena. O POVO - Como a imprensa cearense tem trabalhado os temas ligados à população indígena e seus direitos? Weibe - Acredito que a imprensa vem mudando a sua concepção, e isso é muito bom. No passado, o esforço que era feito era no sentido de inviabilizar a luta dos povos indígenas. Ultimamente isso tem mudado, e tenho certeza que a imprensa tem cumprido uma função social importante nesse processo de visibilidade sobre a luta dos povos indígenas no Ceará e no Brasil. 177
EXPEDIENTE
O POVO Presidente Institucional & Publisher: Luciana Dummar Presidente-executivo: João Dummar Neto
Coordenação Editorial: Ana Naddaf, Erick Guimarães e Beatriz Cavalcante
PROJETO 95 ANOS Concepção e Coordenação Geral: Cliff Villar Coordenadora de Operações: Vanessa Fugi
Diretores-executivos de Jornalismo: Ana Naddaf e Erick Guimarães
Edição de texto: Beatriz Cavalcante e Irna Cavalcante
Diretor de Jornalismo das Rádios: Jocélio Leal
Concepção Gráfica: Renata Viana
Diretor de Negócios e Marketing: Alexandre Medina Néri
Edição de Arte: Jansen Lucas
Diretora de Gente e Gestão: Cecília Eurides
Edição de Imagens: FCO Fontenele
Diretor Corporativo: Cliff Villar
Textos: Catalina Leite, Carol Kossling, Sara Oliveira e Henrique Araújo
Analista de Projetos: Hérica Paula Morais
Fotografia: Aurélio Alves e O POVO.DOC
Diretor de Negócios e Marketing: Alexandre Medina Néri
Revisão: Daniela Nogueira
Estratégia e Relacionamento: Adryana Joca
Impressão: Gráfica Santa Marta
Estratégia e Planejamento: Gerlaine Sombra
Diretor de Opinião: Guálter George Editorialista-chefe: Plínio Bortolotti Assessoria de Comunicação: Daniela Nogueira Ombudsman: Joelma Leal Assessoria Jurídica: Will Robson Sobreira
178
LIVRO 95 ANOS, A LINHA DO NOSSO TEMPO
Coordenadora de Projetos e Relacionamento: Larissa Viegas Gerente de Marketing: Juliane Pereira Analista de Marketing: Dandara Batista Gerente Executiva de Projetos: Lela Pinheiro
Gerente Comercial: Ranilce Barbosa Gerentes de Negócios: Adriano Matos, Claudio Amaral, Cleciane Januário, Flávia Oliveira, Marcos Lopes, Monaliza Lobo