Projeto de declaração universal versão final em port uguês 24set2014

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PROJETO DE DECLARAÇÃO UNIVERSAL DO BEM COMUM DA HUMANIDADE

Este projeto, em constante elaboração com vocação jurídica e pedagógica, é fruto do trabalho internacional de juristas e de líderes sociais. Foi apresentado no Fórum Mundial de Alternativas aos movimentos sociais e às organizações presentes na “Cúpula dos Povos”, do Rio de Janeiro, em junho de 2012. Foi revisado segundo as observações recebidas, com o objetivo de voltar a ser divulgado por ocasião do Fórum Social Mundial de Túnis (março de 2013). Toda nova contribuição é bem-vinda. Os movimentos sociais, instituições e pessoas que queiram aderir a esta iniciativa, podem assiná-la em (declarabch@gmail.com).

PREÂMBULO

Vivemos tempos críticos para a sobrevivência da natureza e da Humanidade. Multiplicam-se as agressões ao planeta, afetando todas as espécies vivas, os ecossistemas, a biodiversidade, o ar, o solo e, inclusive, o clima. A vida dos povos é destruída pela desapropriação de seus territórios. A concentração monopólica do capital, a hegemonia do setor financeiro, a economia de rapinha, a alienação dos espíritos e das consciências, e, também, o desmatamento, a monocultura, a utilização massiva de agentes tóxicos, as guerras, o imperialismo econômico, político, militar e cultural, as chamadas políticas de austeridade e a destruição dos avanços sociais são a tônica cotidiana da Humanidade. Vivemos tempos de uma crise multidimensional: financeira, econômica, alimentar, energética, climática. Uma crise de sistema, de valores e de civilização. Sua origem comum provém da irracionalidade de um sistema econômico centrado no enriquecimento e não nas necessidades; e cuja dinâmica implica lógicas de morte. Tal momento histórico não permite respostas parciais; mas, a busca de alternativas. Vivemos tempos marcados pela exigência de coerência. As Resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), os Pactos das Nações Unidas de Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados (1974), a Carta Mundial da Natureza (1982), a Declaração sobre o Direitos ao Desenvolvimento (1986), a Conferência das Nações Unidades sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (1992), a Carta


da Terra (2000), a Declaração Universal da Unesco sobre a Diversidade Cultural (2001), a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007), entre outras, exigem a articulação de uma visão de conjunto e um sistema de decisões integrado, ecológico, econômico, político e cultural a serviço da vida. Vivemos tempos em que os seres humanos percebem que constituem a parte consciente de uma natureza capaz de viver sem eles. No entanto, continuam a destruí-la, progressivamente. A visão de desenvolvimento herdada da Modernidade e acelerada pela evolução do sistema mundial capitalista, que conduz a uma depredação dessa magnitude, aposta em um progresso linear em um planeta inesgotável. Esta visão segmenta a realidade e destrói a percepção de conjunto (holística) do universo. Ignora a reprodução da natureza, particularmente, das outras espécies viventes, para concentrar-se exclusivamente no crescimento do gênero humano (antropocentrismo). Banaliza as culturas, destrói as utopias e instrumentaliza as espiritualidades. Na sua versão capitalista, leva à exploração, à injustiça e a um crescimento desigual entre classes sociais, gêneros e povos. Em sua versão socialista do século XX, esquece a reconstrução do vínculo com a natureza e ignora a organização democrática das sociedades. Vivemos tempos onde se multiplicam as ações de movimentos sociais e políticos que, desde a base, lutam pela justiça ecológica e social e pelos direitos coletivos dos povos. A percepção da vida da Humanidade como um projeto comum, partilhado e condicionado pela vida do planeta está registrada em vários documentos, como: a Declaração Universal dos Direitos dos Povos (Argel, 1976), a Declaração Universal das Mulheres Indígenas do Mundo (Beijing, 1995), a Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra (Cochabamba, 2010). Isso requer um esforço comum que se deve intensificar e compartilhar, respeitando as especificidades sociais e culturais. Atualmente, impõe-se uma nova iniciativa, paralela à Declaração Universal dos Direitos Humanos, para restabelecer os direitos da natureza e construir uma solidariedade inter-humana em âmbito planetário. Esta iniciativa destina-se a redefinir, em uma visão de conjunto (holística), os elementos fundamentais da vida coletiva da Humanidade no planeta, com o objetivo de propor um novo paradigma e de servir de base à convergência dos movimentos sociais e políticos. Trata-se de: (1) passar da exploração da natureza, como recurso natural, ao respeito à Terra como fonte de toda vida; (2) privilegiar, na atividade econômica, o valor de uso sobre o valor de troca; (3) introduzir o princípio da democracia generalizada em todas as relações humanas, incluídas as relações entre homens e mulheres e em todas as instituições sociais; e (4) promover a interculturalidade para permitir que todas as culturas, os saberes, as filosofias e as espiritualidades esclareçam a leitura da realidade; participar na elaboração da ética necessária à


sua permanente construção e contribuir para as previsões que permitem dizer que “outro mundo é possível”. Esse é o paradigma do “Bem Comum da Humanidade”, ou do “Bem Viver”, como possibilidade, capacidade e responsabilidade de produzir e reproduzir a existência do planeta e da vida física, cultural e espiritual de todos os seres humanos no mundo. Trata-se de um objetivo, uma utopia no sentido positivo da palavra: aquilo que nos faz avançar. Em todos os níveis, desde os comportamentos pessoais até a organização internacional, e dentro de todos os setores de relação com a natureza e com a cultura, a utopia deverá concretizar-se dentro das transições. Estas, são concebidas não como simples adaptações do sistema às novas demandas ecológicas e sociais, mas como passos à frente, adaptados a cada situação. Com certeza, não são as declarações que mudam o mundo, mas as lutas sociais. Porém, junto ao grito da Terra e ao clamor dos explorados, pode-se contribuir para precisar os objetivos e unir as inúmeras lutas que acontecem hoje em dia por todo o mundo. Por isso, propõe-se uma Declaração Universal. Cada artigo está dividido em 3 partes: estado da questão (bem jurídico); a ação necessária e a sanção.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DO BEM COMUM DA HUMANIDADE

- (1) O respeito à Natureza como fonte de vida

Artigo 1 (Restabelecer a simbiose entre a Terra e o gênero humano, parte consciente da natureza)

A natureza é a origem das múltiplas formas da vida, incluindo a Humanidade, que tem a Terra como seu lar. O ar, a luz solar, a atmosfera, a água, os solos, os rios, os oceanos, os bosques, a flora, a fauna, a biodiversidade, as sementes, o genoma das espécies vivas, são todos elementos constitutivos de sua realidade. A natureza deve ser respeitada em sua integridade, em seus equilíbrios, seus processos, na riqueza dos ecossistemas produtores e reprodutores da biodiversidade na sua beleza e em sua capacidade de regeneração. É responsabilidade do gênero humano, como parte consciente, respeitar a justiça ecológica e os direitos da natureza, que também constituem a base de sua própria existência e do Bem Comum da Humanidade.

A natureza deve poder reproduzir a vida. Isso equivale a um direito.


Todas as práticas que destroem as capacidades de regeneração da Mãe Terra, tais como a exploração selvagem e antiecológica das riquezas naturais, a utilização destrutiva de produtos químicos, a emissão massiva de gases de efeito estufa, o esgotamento dos solos e das reservas aquáticas, a utilização irracional das energias, a contaminação dos solos, dos lençóis freáticos, dos rios e dos mares, bem como a produção de armas nucleares, químicas, biológicas são contrárias à responsabilidade humana frente à natureza, ao Bem Comum da Humanidade e ao Bem Viver, e, por isso, são suscetíveis de sanções.

Artigo 2 (Restabelecer a harmonia entre todos os elementos da natureza)

A harmonia do universo e de seus diversos elementos é uma condição da vida. O vivente faz parte de um todo e cada parcela vital possui funções próprias. A biodiversidade é central neste processo e os intercâmbios materiais entre as espécies (metabolismo) devem respeitar os equilíbrios. Por isso, os povos da terra têm o dever de viver em harmonia com todos os outros elementos da natureza. Não poderá ser iniciada nenhuma ação de desenvolvimento com perigo de dano grave e irreversível para a vida da natureza, que é também a base da reprodução da vida física, cultural e espiritual da Humanidade.

Viver em harmonia com os elementos da natureza é responsabilidade de todos os povos do universo.

São contrários ao Bem Comum da Humanidade e, consequentemente, deverão ser sancionados Toda ação, instituição e todo sistema meio ambiental que implementem modelos de desenvolvimento contrários à integridade e à reprodução do sistema ecológico.

Artigo 3 (Cuidar a Terra, base de toda vida física, cultural, espiritual)

A natureza é uma realidade única e finita, fonte da vida de todas as espécies que hoje a habitam e também de todos os entes vivos que ainda nascerão. A terra pode ser administrada pelos seres humanos, com garantias necessárias de continuidade na gestão; porém, não pode ser apropriada, nem tratada como mercadoria, nem ser uma fonte de especulação. Não pode sofrer agressão sistemática e irreversível por nenhum modo de produção. As riquezas naturais (terra,


recursos minerais, petroleiros, oceânicos, florestais) são patrimônios coletivos que não podem ser apropriados por indivíduos, nem por corporações e nem por grupos financeiros. Os elementos da terra (solos, ar, água, mares, rios, selvas, bosques, flora, fauna, espaços, genoma etc.) devem ser administrados, extraídos e tratados respeitando a reprodução dos ecossistemas, a biodiversidade, a vida das espécies, o equilíbrio do metabolismo entre a natureza e os seres humanos, o bem viver dos povos atuais e das próximas gerações.

O respeito aos ecossistemas e à biodiversidade e o equilíbrio dos intercâmbios materiais (metabolismo) entre os seres humanos e a natureza devem ser garantidos.

São contrárias ao respeito construtivo da natureza, ao Bem Comum da Humanidade e, por isso, ficam suscetíveis de sanções a privatização e a comercialização da terra dos recursos naturais e dos elementos necessários para a reprodução da vida das espécies viventes, em particular, da água, do oxigênio e das sementes, bem como a implantação de patentes sobre a natureza.

Artigo 4 (Garantir a Regeneração da Terra)

A terra deve ser, urgentemente, restaurada em sua capacidade de regeneração. Todos os povos e grupos humanos estão obrigados a contribuir para este fim. Impõem-se o inventário e a auditoria sobre os impactos ambientais, bem como as avaliações e as reparações dos prejuízos causados. Todos os povos e indivíduos e, particularmente, as indústrias, corporações e governos têm o dever de reduzir, reutilizar e reciclar os materiais usados na produção, na circulação e no consumo dos bens materiais.

A capacidade de regeneração da natureza, bem como a restauração de seus processos dinâmicos, deve ser assegurada pela organização comum dos seres humanos.

São contrários ao Bem Comum da Humanidade e, por isso, suscetíveis de sanções a diminuição artificial da durabilidade dos produtos, o desperdício de energia e de outras matérias primas, o armazenamento irresponsável de resíduos e as omissões ou adiamentos sistemáticos da restauração ecológica.


- (2) A produção econômica a serviço da vida e de sua continuidade

Artigo 5 (Utilizar formas sociais de produção e circulação, sem acumulação privada)

Para garantir o Bem Comum da Humanidade e o Bem Viver é necessário que as pessoas, as instituições e os sistemas econômicos deem prioridade a formas sociais de propriedade dos principais meios de produção e de circulação econômica: comunitária, familiar, comunal, cooperativa, cidadã, pública, evitando, assim, os processos de acumulação individual ou corporativa que provocam as desigualdades sociais. O controle da produção e da circulação dos bens e serviços, incluindo o sistema financeiro, pelos trabalhadores e pelos consumidores será organizado segundo as múltiplas formas sociais adequadas, desde a cooperativa até a participação cidadã e, se necessário, a nacionalização.

A produção e a circulação dos bens e serviços são atividades sociais que devem assegurar o bem estar de todos e, portanto, devem levar às formas apropriadas de ação e de organização comum.

A apropriação de meios de produção e de circulação por indivíduos ou corporações ou grupos financeiros com o propósito de acumulação capitalista privada é contrária ao Bem Comum da Humanidade e, por isso, fica proibida.

Artigo 6 (Dar a prioridade ao valor de uso sobre o valor de troca)

O trabalho (formal e informal) subordinado ao capital provoca uma negação da autonomia dos trabalhadores e de sua capacidade de ser atores da atividade econômica. Uma submissão desse tipo conduz a uma ruptura da paz social. O sistema econômico de produção e de circulação está destinado a satisfazer as necessidades e capacidades de todos os povos e de todos os indivíduos do planeta. O acesso aos valores de uso é um direito fundamental exigido pela produção e pela reprodução da vida. O valor de troca, produto da comercialização, deve ser submetido ao valor de uso e não servir à acumulação do capital privado, e, menos ainda, à


formação de bolhas financeiras, fruto da especulação e fonte de profundas e crescentes desigualdades sociais.

A função de todo sistema econômico é satisfazer as necessidades e promover as capacidades de todos os seres humanos no planeta, e a distribuição da superprodução como responsabilidade comum.

São contrários ao Bem Comum da Humanidade e ao Bem Viver, e, por isso, ficam proibidas todas as ações individuais ou corporativas de circulação econômica que mercantilizem os valores de uso como meros valores de troca, os instrumentalizem com a publicidade para um consumo irracional e animem a especulação para a acumulação privada do capital. São também contrários ao Bem Comum da Humanidade: os paraísos fiscais, o sigilo bancário e a especulação sobre os produtos alimentícios, as riquezas naturais e as fontes de energia. São declaradas ilegais as “dívidas odiosas” públicas e privadas; como também a pobreza, por ser o resultado de uma relação social injusta.

Artigo 7 (Promover um trabalho não explorado e digno)

Os processos de produção e de circulação devem assegurar aos trabalhadores um trabalho digno, participativo, adaptado a uma vida familiar e cultural, favorecendo suas capacidades e assegurando uma existência material adequada, porque o trabalho, em todas as suas formas, constrói os seres humanos enquanto atores sociais do Bem Comum da Humanidade. A associação dos trabalhadores para a organização da produção e da circulação de bens e serviços constitui a base desse objetivo.

O trabalho tem prioridade sobre todos os elementos da produção e da circulação de bens e serviços. É um dever ser solidários com os que, por razões de idade, por capacidades físicas ou mentais especiais, por circunstâncias econômicas adversas não podem ter acesso ao trabalho.

Toda ação e organização da produção e da circulação de bens e de serviços sob o amparo do capital será contrária ao Bem Comum da Humanidade. Por isso, são suscetíveis de sanções todas as formas modernas de escravidão, de servidão e de exploração do trabalho, em particular,


de crianças, com o propósito de proveito individual ou de acumulação privada da mais-valia, bem como todas as limitações à liberdade de organização dos trabalhadores.

Artigo 8 (Reconstruir os territórios)

Frente à globalização, que tem favorecido uma economia unipolar, a concentração dos poderes de decisão, a hegemonia do capital financeiro e a circulação irracional dos bens e serviços, é indispensável reconstruir: os territórios, como base da resistência a uma globalização hegemonizada pelo capital; a autonomia das populações; os poderes de decisão das comunidades e dos cidadãos; a soberania alimentar, energética e dos principais intercâmbios. Nessa perspectiva, deve-se regionalizar as economias sobre a base da complementaridade e da solidariedade e, para as regiões da periferia, “desconectar-se” do centro econômico hegemônico, para estabelecer uma autonomia comercial, financeira e produtiva.

O território, como base da vida social, deve ser reconhecido em diversas dimensões: local, regional e continental. A informação e a consulta prévia das populações concernentes a projetos de extração mineira, de trabalhos públicos, ou de toda utilização das riquezas naturais será o princípio a ser respeitado.

É contrário ao Bem Comum da Humanidade e, por isso, fica proibida a constituição de monopólios e de oligopólios de quaisquer campos de atividade produtiva, de circulação ou financeira. Isso também se aplica a toda centralização política que contribua para o desaparecimento de territórios e todo abuso do poder territorial em detrimento de outras entidades do mesmo caráter.

Artigo 9 (Assegurar o acesso aos bens comuns e a uma proteção social universal)

Existem bens comuns indispensáveis à vida coletiva dos indivíduos e dos povos que constituem direitos imprescritíveis. Trata-se da alimentação, da moradia, da saúde, da educação, da segurança afetiva e das comunicações materiais e imateriais, não só em seu aspecto quantitativo, mas, também, qualitativo. Várias formas de controle cidadão ou de propriedade social existem para a organização eficaz do acesso a estes bens e serviços. A “proteção


universal” é um direito de todos os povos e indivíduos e um dever das autoridades públicas, que deve ser apoiado por uma política fiscal adequada.

O acesso aos bens comuns deve ser reconhecido como um direito dos povos e dos indivíduos.

É contrária ao Bem Comum da Humanidade e, por isso, fica proibida a privatização dos serviços públicos, em particular da saúde e da educação, com o propósito de contribuir à acumulação do capital privado. É suscetível de sanção a especulação sobre a alimentação, a moradia, a saúde, a educação, as comunicações, bem como toda corrupção no exercício dos respectivos direitos.

- (3) A organização democrática como base da construção do sujeito

Artigo 10 (Generalizar os processos democráticos como construção do sujeito)

Todos os povos e os seres humanos são sujeitos de sua história e têm o direito a uma organização coletiva social e política que garanta esse princípio. Esta organização tem que assegurar a harmonia com a natureza e o acesso de todos às bases materiais da vida, com sistemas de produção e de circulação construídos sobre a justiça social. Para realizar estes objetivos, a organização coletiva deve permitir a participação de todos na produção e na reprodução da vida do planeta e dos seres humanos, ou seja, o Bem Comum da Humanidade. O princípio organizador desta meta é a generalização dos processos democráticos em todas as relações sociais de família, de gênero, de trabalho, de autoridade política, entre povos e nações e em todas as instituições sociais, políticas, econômicas, culturais, religiosas. Isto é valido para todas as instituições que representam os setores de atividades ou de interesses específicos, como as empresas industriais e agrícolas, os organismos financeiros e comerciais, os partidos políticos, as instituições religiosas e sindicais, as ONGs, os grupos desportivos e culturais, as instituições humanitárias. Tudo isso significa o retorno do sujeito coletivo ou pessoal, como portador da construção social.

A generalização da dos processos democráticos deve ser aplicada a todos os âmbitos sociais e a todas as instituições.


São contrárias ao Bem Comum da Humanidade e ao Bem Viver todas as formas não democráticas de organização da vida política, econômica, social e cultural da sociedade.

Artigo 11 (Estabelecer uma relação de igualdade entre homens e mulheres)

Importância particular será concedida às relações entre homens e mulheres, desiguais desde tempo imemorial e na maioria das sociedades que se sucederam na história humana (patriarcal).

Todas as instituições e todos os sistemas sociais e culturais devem reconhecer, respeitar, cuidar e promover o direito das mulheres a uma vida equivalente, em todos os aspectos, à vida dos homens e garantir sua participação social na igualdade.

São contrárias ao Bem Comum da Humanidade as práticas sociais e econômicas, as instituições e os sistemas culturais ou religiosos, que defendem ou aplicam a discriminação da mulher. Todas as formas de dominação masculina e, em particular, as diferenças de renda econômica salarial e o não reconhecimento do trabalho doméstico intrafamiliar vinculado à reprodução da vida são suscetíveis de sanções.

Artigo 12 (Proibir a guerra e as violências coletivas)

As relações internacionais democráticas não permitem o uso da guerra para resolver conflitos. Hoje em dia, a paz não pode ser garantida pela corrida armamentista. A disposição de armas nucleares, biológicas e químicas põe em perigo direto a vida do planeta e da Humanidade. Os armamentos se transformaram em um negócio. Sua fabricação provoca um gigantesco desperdício de energia, de riquezas naturais e de talentos humanos e sua utilização gera, além das perdas de vida humana e de incomensuráveis sofrimentos físicos e morais, graves destruições ambientais.


A paz, cuja base é a justiça, se constrói a partir do diálogo.

São contrários ao Bem Comum da Humanidade e, por isso, ficam proibidos: a fabricação, a posse e o uso de armas de destruição massiva, a acumulação das armas convencionais para assegurar hegemonias regionais e controlar os recursos naturais, a destruição das bases da vida (água, alimentação, microclimas etc.), a utilização da violação como arma de guerra, a incitação à guerra através dos meios de comunicação social, os pactos regionais hegemônicos e a solução militar para resolver problemas políticos internos, bem como todas as violências sociais generalizadas. Também são condenados os genocídios, os etnocídios e os ecocídios como atos irreparáveis e criminosos de discriminação. Todas as discriminações de gênero, raça (etnia), nação, cultura, status social, preferência sexual, capacidade física ou mental, religião e pertença ideológica são suscetíveis de sanções.

Artigo 13 (Construir um Estado sobre o Bem Comum)

É papel do Estado, como administrador coletivo, assegurar o Bem Comum, ou seja, o interesse geral frente aos interesses individuais ou particulares. Por isso, se necessita a participação democrática para definir o Bem Comum (as Constituições) e para as suas aplicações. Todos os povos da terra, na pluralidade de cada um de seus membros, organizações e movimentos sociais, têm direito a sistemas políticos de participação direta ou delegada, com mandato revogável. Os governos regionais e as organizações internacionais devem construir-se sobre o princípio democrático, em particular, as Nações Unidas. O mesmo vale para todas as instituições que representam setores de atividade ou interesses específicos, como empresas industriais, fazendas, organismos financeiros ou comerciais, partidos políticos, instituições religiosas ou sindicatos, as ONGs, grupos desportivos ou culturais e instituições humanitárias.

A organização social e política deve ser construída de baixo para cima, através de mecanismos de participação e representação social, com o fim de garantir um funcionamento justo e equitativo das instituições públicas.

São contrárias ao Bem Comum da Humanidade e, por isso, ficam proibidas todas as formas ditatoriais e autoritárias do exercício do poder político ou econômico, onde minorias não representativas, formais ou informais, monopolizam as decisões, sem a participação, a


iniciativa, nem o controle popular. Ficam proibidas também as subvenções públicas a organizações, movimentos sociais, partidos políticos, instituições culturais ou religiosas que não respeitem os princípios democráticos ou que pratiquem qualquer tipo de discriminação de gênero, de etnia ou de orientação sexual.

Artigo 14 (Garantir os direitos dos povos indígenas e originários)

Os povos originários têm o direito de ser reconhecidos em suas diferenças. Necessitam das bases materiais e institucionais para a reprodução de seus costumes, línguas, cosmovisões, instituições comunais: um território de referência protegido, uma educação bilíngue, um sistema judiciário próprio, uma representação pública etc. Eles dão importantes contribuições ao mundo contemporâneo: a proteção da mãe terra, a resistência ao sistema extrativoexportador de produção e de acumulação e uma visão holística da realidade natural e social.

Os povos indígenas e as minorias étnicas, enquanto tais, têm direito à existência.

São contrários ao Bem Comum da Humanidade e, por isso, ficam proibidas as ações, as instituições e os sistemas econômicos, políticos e culturais que destroem, segregam, discriminam ou obstaculizam a vida física, cultural e espiritual dos povos indígenas.

Artigo 15 (Respeitar o direito à resistência)

Todos os povos e grupos sociais têm o direito a desenvolver um pensamento crítico, a exercer resistências pacíficas contra ações destrutivas da natureza, da vida humana, das liberdades coletivas ou individuais e das culturas, e, em casos extremos, se necessário, têm o direito à insurreição.

A resistência à injustiça é um direito e um dever de todo povo e de toda pessoa humana.


São contrárias ao Bem Comum da Humanidade. Por conseguinte, essas práticas ficam proibidas as censuras ao pensamento, a criminalização das resistências e a repressão violenta dos movimentos de libertação.

- (4) A interculturalidade como dinâmica do pensamento e da ética social

Artigo 16 (Promover a interculturalidade)

O Bem Comum da Humanidade implica a participação de todas as culturas, dos saberes, das artes, das filosofias, das espiritualidades e dos folclores na leitura da realidade, da elaboração da ética necessária para a construção social, para a produção de suas expressões simbólicas, linguísticas e estéticas, bem como para a formulação das utopias. Não se pode agredir a riqueza cultural do gênero humano, criada como um patrimônio no decorrer da história. A ciência e suas aplicações tecnológicas devem estar a serviço do bem estar da Humanidade e não da acumulação do capital. A interculturalidade implica a contribuição cruzada de todas as culturas, em sua diversidade, às várias dimensões do Bem Comum da Humanidade: respeito à natureza como fonte de vida, prioridade do valor de uso sobre o valor de troca dentro de um processo de justiça social, democratização generalizada e diversidade e intercâmbio cultural.

Todas as culturas, os saberes, as espiritualidades, em concordância com esta Declaração, devem dispor de meios para contribuir ao prosseguimento do Bem Comum da Humanidade, única definição do progresso.

São contrários a Bem Comum da Humanidade e ao Bem Viver e, por isso, ficam proibidos os etnocídios culturais, as práticas, instituições e sistemas econômicos, políticos e culturais que ocultam, discriminam ou folclorizam as (riquezas) e avanços culturais dos povos, impondo uma homogeneização monocultural, identificando desenvolvimento econômico com cultura ocidental. Também ficam proibidos as práticas, as instituições e os sistemas políticos e culturais que exigem o retorno a um passado ilusório, promovendo, frequentemente, a violência ou a discriminação entre diferentes povos e ao interior destes.


Artigo 17 (Assegurar o direito à educação, à transmissão e à comunicação)

A informação tornou-se um elemento central em um sistema de produção que possui recursos aos meios imateriais em um mundo globalizado. Na lógica do capital, a informação está monopolizada pelos poderes econômicos, tanto na produção quanto em seu uso, implicando uma certa forma de alienação. No caso dos meios de comunicação de massa, uma situação como esta é o contrário ao exercício da liberdade real. Sem participação cidadã, os monopólios do Estado, tampouco, são uma solução adequada. Somente as regras democraticamente elaboradas podem assegurar a livre informação responsável crítica e construtiva.

Todos os povos e indivíduos têm o direito à informação, à opinião crítica e ao conhecimento. Também têm o direito a intercambiar saberes e a buscar informações úteis para a construção do Bem Comum da Humanidade. As normas de funcionamento deverão ser estabelecidas democraticamente.

Os monopólios dos meios de comunicação por parte de grupos de poder financeiro ou industrial, a mercantilização dos públicos por parte de agências de publicidade; o controle exclusivo e não participativo dos Estados sobre o conteúdo da informação, e as patentes dos saberes científicos, que impedem a circulação dos conhecimentos úteis para o bem viver dos povos são contrários ao Bem Comum da Humanidade e, por isso, ficam proibidos.

- (5) Obrigações e sanções pelo não cumprimento da declaração

Artigo 18 (A aplicação do paradigma do Bem Comum da Humanidade)

Esta Declaração constitui um conjunto destinado a construir de maneira permanente o Bem Comum da Humanidade. Ante qualquer não cumprimento ou violação dos direitos contidos nesta Declaração, ou ante a não execução de seus dispositivos, todos os povos da Terra têm o direito a que isso seja conhecido, julgado, sancionado e reparado de acordo com as dimensões ou efeitos do dano ocasionado, e, quando existam, segundo a disposição das legislações nacionais e do direito internacional. Medidas de transição em curto ou médio prazos (reformas


e regulações) permitem transformar as relações com a Natureza, estabelecer a prioridade do valor de uso, generalizar a democracia e criar a interculturalidade. No entanto, não significarão apenas uma simples adaptação do modo de acumulação contemporâneo às novas demandas ecológicas e sociais, mas, sim, etapas para a adoção do novo paradigma do Bem Comum da Humanidade.

A aplicação desta Declaração deve ser garantida por medidas adequadas democraticamente elaboradas.

São contrárias ao Bem Comum da Humanidade e ao Bem Viver e, por consequência são nulas todas as leis de impunidade, Lei de Ponto Final, anistia ou qualquer outro acordo que impeça o acesso das vítimas à justiça, ou seja, a Natureza e sua parte consciente, o gênero humano.

____________________ Versão em português: Conceição Rosa de Lima Conceição rltradutora@gmail.com


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