Empresas devem avaliar saúde mental

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ID: 72806422

23-12-2017 | Economia

Meio: Imprensa

Pág: 38

País: Portugal

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Period.: Semanal

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Âmbito: Informação Geral

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Mudança Ordem dos Psicólogos propõe vigilância psicossocial periódica nos locais de trabalho

Empresas devem avaliar saúde mental

Algumas empresas já fazem avaliações psicossociais. Em 2015, mais de 800 mil trabalhadores tinham sido avaliados FOTO GETTYIMAGES

Cátia Mateus e Vera Lúcia Arreigoso

Q

uem trabalha é sujeito a uma vigilância regular do estado geral de saúde, mas são cada vez mais os especialistas que defendem que este acompanhamento das doenças físicas não chega para garantir o bem estar de pessoas e organizações. A Ordem dos Psicólogos defende que se faça também um acompanhamento psicológico periódico. A proposta já tem apoiantes, incluindo dos sindicatos. A ideia de ter um médico e um psicólogo para monitorizar por rotina a saúde física e mental nos locais de trabalho já foi apresentada às várias forças partidárias e mereceu acolhimento. “Na última ronda de contactos, há cerca de cinco meses, todos os grupos parlamentares mostraram abertura para discutir a proposta e também já falámos com os sindicatos e com as associações patronais”, revela o bastonário dos psicólogos, Francisco Miranda Rodrigues. Do lado sindical a reação foi positiva, com um entusiasmo inversamente proporcional ao manifestado pelos patrões. “A ideia de existir outro olhar sobre os problemas psicossociais no trabalho é necessária e tem o nosso apoio, estando sempre associada a uma análise das causas, consequências e medidas de reparação”, adianta Arménio Carlos, secretário-geral da central sindical CGTP. E acrescenta: “A proposta faz todo o sentido porque contribui para a melhoria das relações laborais e da valorização dos trabalhadores

e, nesse sentido, queremos mudar a legislação do trabalho. É por isso que as associações patronais são contra, não pelo que a medida vai custar mas pelo que podem vir a ter de mudar.” Os patrões preferem, para já, não sair da zona de conforto. “Este é um assunto da relação laboral que, a ser apresentado, deve ser apresentado em concertação social. E é aí que nos disponibilizamos a avaliar as relações laborais”, diz António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal. António Saraiva garante que “não se está a evitar a discussão, porque a própria sociedade vai evoluindo e é preciso mudar”, no entanto, a proposta só será debatida “em sede própria e no momento próprio”. Portugal é o país da Europa com alguns dos piores indicadores na área dos problemas psíquicos, por exemplo em casos de depressão e de consumo de psicofármacos, e a intervenção em meio laboral “seria um contributo como nenhum outro para a promoção da saúde mental no país”, garante o

MÉDICOS DO TRABALHO CONCORDAM COM A AVALIAÇÃO MAS DIZEM QUE OS PSICÓLOGOS NÃO SÃO ESSENCIAIS NAS EMPRESAS

bastonário dos psicólogos. “As avaliações psicossociais têm em conta um conjunto de situações de risco que depois se correlacionam com problemas de saúde mental determinantes na saúde física e, por isso, não se entende porque ainda não são feitas de uma forma sistematizada.”

O psicólogo do trabalho O objetivo da Ordem dos Psicólogos é incluir a avaliação e a prevenção dos riscos psicossociais nas empresas, com a correspondente criação da figura do psicólogo do trabalho, na legislação atual, isto é ao abrigo da higiene e segurança no trabalho. Os ganhos são evidentes: “Já existe uma avaliação definida para a realidade portuguesa, rápida e custo-efetiva. A Ordem tem uma aplicação que pode ser utilizada, anonimamente, e já temos registo de quase 30 mil avaliações feitas”, afirma Francisco Miranda Rodrigues. A concretização da medida está por definir, mas serão tidos em conta aspetos como a dimensão da organização, o tipo de atividade ou a idade do trabalhador, por exemplo, para estabelecer a regularidade da intervenção do psicólogo do trabalho. Ou não. Os médicos garantem serem eles os profissionais competentes para assumir a vigilância psicossocial. “Os psicólogos não são médicos e estão a tentar encontrar um espaço que sempre foi da medicina do trabalho”, afirma José Leal, presidente do Colégio de Medicina do Trabalho da Ordem dos Médicos. Ainda assim, o especialista reconhece que “os riscos psicossociais são considerados há pouco tempo e que muitos médicos

ainda não implementaram mecanismos de avaliação dos riscos, embora já se comece a trabalhar em ferramentas nesta área, que tem dominado os congressos nos últimos cinco a seis anos”. Para o responsável da Ordem dos Médicos, “falta sistematização na avaliação psicossocial, que é desejável”. E garante: “Da parte da Ordem há uma grande vontade de inserir as doenças psicossociais na legislação do trabalho.” Um exemplo? “Ter casos de saúde mental entre as doenças profissionais. Seria um passo enorme reconhecer o trabalho causa de uma doença psicossocial.” José Leal critica que “tem faltado vontade em legislar...”. Mas, ao Expresso, o Ministério da Saúde revelou que “será iniciado em 2018 a elaboração do Guia Técnico relativo à Vigilância da Saúde dos Trabalhadores Expostos a Riscos Psicossociais, para o qual serão encetados contactos com as Ordens dos Psicólogos, Médicos e Enfermeiros”. Na verdade, a legislação laboral não é totalmente omissa sobre a saúde

MUITAS EMPRESAS JÁ MONITORIZAM O RISCO PSICOSSOCIAL NOS SEUS TRABALHADORES E TÊM MEDIDAS PREVENTIVAS

mental no local de trabalho. As regras já ditam que as organizações têm de fazer o levantamento dos riscos psicossociais no processo laboral. No entanto, deixam à margem a avaliação das consequências dessas ameaças na saúde de quem trabalha e as medidas adotadas pelas empresas com vista à prevenção. Apesar disso, as empresas portuguesas têm vindo a reconhecer o impacto que estes riscos têm na produtividade dos profissionais e, consequentemente, nos seus resultados financeiros. E são cada vez mais as que adotam autonomamente medidas preventivas neste campo (ver caixa). A tecnológica Axians e a plataforma de arrendamento universitário Uniplaces são duas das organizações nacionais com políticas ativas neste domínio. A Axians apostou na formação e na intensificação da sua política de comunicação interna para minimizar os riscos psicossociais. “Percebemos que parte das situações de stresse e pressão têm que ver com comunicação. Ou porque não conseguimos comunicar eficazmente ou porque não percebemos o que nos comunicam”, explica Magda Faria, líder de recursos humanos da empresa. As várias lideranças da Axians foram treinadas para identificar sinais de desgaste e stresse entre as equipas e garantir aos profissionais o encaminhamento necessário. A empresa contou com o apoio de uma equipa de psicólogos para a ajudar a identificar os departamentos e equipas que poderiam estar mais sujeitos a riscos psicossociais, tanto mais que tem a dificuldade de gerir profissionais em distintas realidades: os que trabalham internamente e os que estão alocados a projetos nos clientes. A Uniplaces enfrenta desafios similares. A empresa segue uma estratégia que coloca o bem-estar dos profissionais no centro da política de gestão e para Liliana Cardoso, especialista sénior da equipa de recursos humanos da Uniplaces, “isso não só é determinante para minimizar estes riscos, como é fundamental para atrair talento para a empresa e captar uma nova geração de profissionais para quem o salário não é o topo das prioridades na carreira”. Na Uniplaces há massagens, parcerias com ginásios, aulas de ioga e de mindfullness e há também uma parceria recente com a Zenklub, uma plataforma online criada por dois psicólogos e pensada para garantir o bem-estar emocional dos profissionais.

Confidencialidade é essencial O conceito foi importado do Brasil e em Portugal é liderado por Francisco Miranda. “Trata-se de um consultório de bem-estar que funciona online e que está focado na psicologia”, explica o CEO da Zenklub. A plataforma agrega mais de 20 psicólogos de 30 especialidades que trabalham com as empresas aderentes “para disponibilizar aos seus profissionais consultas de psicologia e gestão de carreira, em qualquer horário e sem que tenham de se deslocar”. Para Liliana Cardoso, este aspeto é fundamental não só porque dá aos profissionais a flexibilidade necessária para gerir as suas consultas mas, sobretudo, porque lhes garante a total confidencialidade que o tratamento das questões psicossociais exige. “Ninguém sabe que o profissional utiliza este serviço”, explica. E a confidencialidade é para os especialistas um aspeto determinante no tratamento das questões psicossociais nas empresas. Manuel Maduro Roxo, subinspetor-geral do Trabalho, salienta a necessidade de se reforçar o investimento das empresas na identificação destes riscos e na sua tradução em medidas preventivas concretas, “porque não basta preparar os trabalhadores para aguentarem as ‘agressões’ dos modelos de trabalho atuais. Há que preparar as empresas para não serem o elemento agressor”. Mas não está certo de que a presença dos psicólogos dentro das empresas seja a solução, sob pena de colocar os profissionais numa situação de fragilidade perante o empregador que pode “transformar a solução num problema em si”, se os aspetos psicossociais passarem a ser tidos em conta no momento de renovar ou não contratos. cmateus.externo@impresa.pt


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CUSTOS

300 milhões de euros é o valor estimado de perdas anuais nas empresas em Portugal por absentismo, erros ou acidentes de trabalho

617 mil milhões de euros de prejuízos atingem os diversos sistemas, Saúde e Segurança Social por exemplo; nos países europeus devido à depressão relacionada com o trabalho, revelam os peritos da Comissão Europeia

23-12-2017 | Economia

FATORES DE RISCO PSICOSSOCIAL

Conteúdo e ritmo do trabalho Tarefas repetitivas, com ritmos curtos e acelerados Conciliação trabalho/família Conflito entre as atividades profissionais e pessoais e pouco tempo para os familiares Sobrecarga laboral Volume de trabalho excessivo e elevada pressão imposta por prazos curtos Relações interpessoais Isolamento físico/social e fraco relacionamento com chefias e colegas Novas formas de contratação Contratos muito precários, subcontratação e insegurança laboral

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Desenvolvimento profissional Estagnação e incerteza na carreira, falta de progressão, precariedade, salários baixos e reduzido valor social do trabalho

euros é o retorno por cada euro investido na prevenção de riscos psicossociais, garantem vários estudos internacionais

Autonomia e controlo Fraca participação na tomada de decisões e falta de autonomia e de controlo sobre a atividade

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Horário laboral Trabalho por turnos, atividade noturna ou isolada e horários inflexíveis

milhões de euros foi o encargo do Estado com medicamentos na área da saúde mental em 2016

Intensificação do trabalho Volume laboral cada vez maior,com maior pressão e competitividade entre pares

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Patrões estão mais sensíveis às emoções Há cada vez mais empresas a colocar o bem-estar emocional dos profissionais no centro da estratégia de gestão O diagnóstico dos fatores de risco psicossocial é obrigatório para as empresas, mas não há nada na lei nacional que obrigue a que esta avaliação resulte numa mudança de prática dentro das organizações. Apesar disso, Maria José Chambel, especialista em Psicologia das Organizações e docente da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, garante que “os empregadores nacionais estão mais sensíveis a estas questões e têm demonstrado maior interesse não só em diagnosticar os riscos, como em definir medidas preventivas”. Os números avançados ao Expresso por Manuel Maduro Roxo, subinspetor-geral da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), confirmam-no. Entre 2014 e 2015, o número de trabalhadores abrangidos por avaliações de risco psicossocial em empresas nacionais, aumentou de 687.149 para 825.329. Na Europa, os dados disponíveis também confirmam a tendência. O inquérito europeu às empresas sobre Riscos Novos e Emergentes, realizado em 2014 pela Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, refere que 76% das empresas da Euro-

pa-28 realizam periodicamente avaliações de risco. Os problemas psicológicos/emocionais foram identificados por 20,7% das organizações europeias como os mais preocupantes. O estudo avança que a relutância em falar abertamente sobre o tema, é para 30% das empresas a principal dificuldade na gestão dos riscos psicossociais.

Problemas mais desafiantes Maria José Chambel é regularmente chamada a colaborar com empresas em processos

Chamar os psicólogos às empresas para trabalhar as questões psicossociais pode ser um risco para os profissionais de diagnóstico de riscos psicossociais. O trabalho de excesso, ritmos acelerados e as dificuldades de conciliação entre a carreira e a família são, segundo a especialista, os maiores riscos identificados pelos profissionais portugueses. O culto da “disponibilidade permanente”, hoje prática corrente entre os profissionais, introduziu novos focos de risco psicossocial. “Isto tem custos para as empresas e, por isso, há cada vez mais interesse em resolver

estas questões”, garante a especialista que tal como Manuel Maduro Roxo reconhece que “os problemas psicossociais são muito mais desafiantes e difíceis de solucionar do que os físicos”. Os dois especialistas reconhecem que, nesta matéria, o foco não deverá ser tratar os profissionais mas prepará-los emocionalmente para aguentarem maior pressão e ritmos de trabalhos mais acelerados. A prioridade, garante Maduro Roxo, “deve ser ‘tratar’ o elemento agressor”. Ou seja, o modelo de gestão e as práticas seguidos pela empresa. Maria José Chambel chama ainda a atenção para os riscos de “colocar os psicólogos dentro das organizações”. A especialista considera positiva a intenção de trabalhar de forma mais intensiva os riscos psicossociais, mas recorda que “a personalização dos casos de profissionais que possam estar a enfrentar problemas do foro psicológico, além de antiética pode, em última instância, ser ela mesma um problema se a empresa decidir, por exemplo, que esse profissional passa a ser dispensável em virtude da sua condição”. Assim, para a docente, a identificação destas situações deve ser feita e intensificada, mas o acompanhamento dos profissionais, a ser necessário, deve ser transferido para fora da empresas, de modo a garantir a necessária confidencialidade. C.M. e V.L.A.


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