técnicas do observador V I SÃO E M O D E R N I DA D E N O S ÉC U LO X I X
Jonathan Crary
prefácio Delfim Sardo
tradução Nuno Quintas
Para o historiador materialista, cada época de que se ocupa é apenas uma ante-história do que realmente o preocupa. E é precisamente por esse motivo que, para ele, não existe repetição na História, porque os momentos no curso da História que mais lhe interessam tornam-se momentos do presente pelo seu índice como «ante-história», e alteram as suas características dependendo da determinação truinfante ou catastrófica desse presente.
Walter Benjamin, Das Passagen-Werk
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O campo da visão sempre me pareceu comparável ao terreno de uma escavação arqueológica. Paul Virilio
Este livro tem por tema a visão e a sua construção histórica. Ainda que se centre primordialmente em acontecimentos e desenvolvimentos anteriores a 1850, foi escrito no decurso de uma transformação na natureza da visualidade porventura mais profunda do que o corte que separa a imagética medieval da perspectiva renascentista. A rápida evolução, em pouco mais de uma década, de uma vasta gama de técnicas de computação gráfica é parte de uma larga reconfiguração das relações entre sujeito observador e modos de representação que invalidam de facto a maioria dos significados culturalmente estabelecidos dos termos observador e representação. A formalização e difusão de imagens geradas por computador prefigura a implantação ubíqua de «espaços» visuais fabricados, radicalmente distintos das capacidades miméticas do filme, da fotografia e da televisão. Estes três eram regra geral, pelo menos até meados da década de 1970, formas de meios analógicos que ainda correspondiam aos comprimentos de onda ópticos do espectro e a um ponto de vista, estático ou móvel, situado no espaço real. O desenho assistido por computador, a holografia sintética, os simuladores de vôo, a animação computadorizada, o reconhecimento de
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imagem robótico, o traçamento de raios, a texturização, o controlo de movimentos, os capacetes de realidade virtual, a ressonância magnética e os sensores multiespectrais são só algumas das técnicas que re-situam a visão num plano desvinculado de um observador humano. É óbvio que com estas novas formas vão persistir e coexistir, de forma insegura, outros modos mais antigos e familiares de «ver». No entanto, estas tecnologias emergentes de produção de imagem são cada vez mais os modelos dominantes de visualização à luz dos quais funcionam os processos sociais primários e as instituições. E estão sem dúvidas interligados com as necessidades das indústrias globais de informação e as exigências crescentes das hierarquias médicas, militares e policiais. A maioria das funções historicamente importantes do olho humano está a ser suplantada por práticas em que as imagens visuais deixam de ter qualquer relação com a posição de um observador num mundo «real» e percepcionado por meio óptico. Se é possível dizer que estas imagens se referem a alguma coisa, será a milhões de bits de dados matemáticos electrónicos. A visualidade situar-se-á cada vez mais num terreno cibernético e electromagnético onde os elementos linguísticos e visuais abstractos coincidem e são consumidos, circulados e trocados à escala global. Para compreender esta inexorável abstracção do visual e evitar falseá-la com explicações tecnológicas, seria necessário formular e responder a muitas perguntas. Algumas das interrogações mais cruciais são históricas. Se existe mesmo uma mutação em curso na natureza da visualidade, que formas ou modos estão em vias de ser deixados para trás? Que tipo de corte é este? Em simultâneo, quais são os elementos de continuidade que
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ligam a imagética contemporânea a organizações mais antigas do visual? Até que ponto, se é que tem sequer sentido admiti-lo, são a computação gráfica e os conteúdos do terminal de vídeo outra elaboração e refinamento do que Guy Debord designou a «sociedade do espectáculo»?1 Que relação existe entre a imagética desmaterializada do presente e a chamada era da reprodução mecânica? As interrogações mais prementes são porém maiores. Como se torna o corpo, incluindo o corpo observador, uma componente de novas máquinas, economias, dispositivos, sejam eles sociais, libidinais ou tecnológicos? De que formas se torna a subjectividade uma condição precária de interface entre sistemas racionalizados de intercâmbio e redes de informação? Ainda que não se debruce directamente sobre estas interrogações, este livro procura reconsiderar e reconstruir parte do seu enquadramento histórico. Fá-lo estudando uma reorganização anterior da visão, da primeira metade do século xix, e esboça alguns dos acontecimentos e forças, sobretudo das décadas de 1820 e 1830, que produziram um novo tipo de observador e que foram pré-condições cruciais para a progressiva abstracção que referimos. Apesar de as repercussões culturais imediatas desta reorganização terem sido menos substanciais, ainda assim foram profundas. No seu âmago os problemas da visão eram à época, como são hoje, questões sobre o corpo e a operação de poder social. Boa parte deste ensaio vai examinar como, a partir do começo do século xix, um novo conjunto de relações entre o corpo, por um lado, e formas de poder discursivo e institucional, por outro, redefiniram o estatuto de um sujeito observador. Ao desenhar alguns dos «pontos de emergência» de um regime de visão heterogéneo e moderno, respondo em simultâneo
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ao problema associado de quando, e porquê, ocorreu uma ruptura com os modelos de visão e do observador do Renascimento, ou clássicos. Como e onde situamos essa fractura tem um peso enorme na inteligibilidade da visualidade dentro do contexto da modernidade oitocentista e novecentista. A maioria das respostas a esta pergunta preocupa-se exclusivamente com problemas de representação visual; o rompimento com os modelos clássicos de visão no dealbar do século xix foi muito mais do que uma mera deslocação na aparência das imagens e das obras de arte, ou nos sistemas de convenções representacionais. Foi antes inseparável de uma gigantesca reorganização do conhecimento e das práticas sociais que modificaram, de inúmeras maneiras, as capacidades desejantes, cognitivas e produtivas do sujeito humano. Neste estudo, apresento uma configuração relativamente desconhecida de objectos e acontecimentos do século xix, ou seja, nomes próprios, corpos de saber e invenções tecnológicas que raras vezes surgem nas histórias de arte ou do modernismo. Uma razão para o fazer é escapar às limitações de muitas histórias dominantes da visualidade sobre este período, contornar as muitas descrições do modernismo e da modernidade que dependem de uma avaliação mais ou menos parecida das origens da arte e da cultura visual modernista nas décadas de 1870 e 1880. Mesmo nos dias de hoje, com tantas revisões e rescritas (incluindo algumas das mais convincentes obras pós-estruturalistas, feministas e neomarxistas), mantém-se substancialmente inalterada uma narrativa nuclear. Narra mais ou menos isto: com Manet, o impressionismo e/ou o pós-impressionismo, emerge um novo modelo de representação e percepção visual que constitui um corte com vários séculos de outro modelo de visão, definido de forma vaga
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como renascentista, perspectival ou normativo. A maior parte das teorias da cultura visual moderna ainda está vinculada a uma ou outra versão desta «ruptura». Porém, esta narrativa do fim do espaço perspectival, dos códigos miméticos e do referencial tem normalmente coexistido, de forma acrítica, com outra periodização muito diferente da história da cultura visual europeia, que precisa também de ser abandonada. Este segundo modelo diz respeito à invenção e disseminação da fotografia e de outras formas associadas de «realismo» no século xix. Tem-se apresentado estes desenvolvimentos sobretudo como parte do caminho contínuo de um modo de visão de base renascentista, em que a fotografia, e por fim o cinema, não passam de instâncias posteriores de uma implementação progressiva da percepção e do espaço perspectival. Ficamos assim amiúde com um modelo da visão no século xix bifurcado e confuso: de um certo ponto de vista, há um número relativamente reduzido de artistas inovadores que geraram uma forma radicalmente nova de ver e de significação, ao passo que, de um ponto de vista mais quotidiano, a visão continua integrada nas mesmas restrições gerais, de cunho «realista» que a haviam organizado desde o século xv. Parece por um lado que se derrubou o espaço clássico, mas por outro persiste. Esta divisão conceptual conduz à noção errónea de que alguma coisa chamada realismo dominou as práticas representacionais populares, ao passo que as experiências e inovações ocorriam numa arena distinta (ainda que muitas vezes permeável) do fazer artístico modernista. Quando analisada de perto, a celebrada «ruptura» do modernismo é porém consideravelmente mais restrita no seu
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impacto social e cultural do que a fanfarra que a rodeia por norma quer fazer crer. A alegada revolução perceptual da arte de vanguarda no fim do século xix é, segundo os seus proponentes, um acontecimento cujos efeitos ocorrem fora dos modos de ver mais dominantes e difundidos. Segundo a lógica deste argumento genérico, ocorre pois uma ruptura nas margens de uma vasta organização hegemónica do visual, que se torna cada vez mais poderosa no século xx, com a difusão e proliferação da fotografia, do cinema e da televisão. Num sentido, porém, o mito da ruptura modernista no fundo depende do modelo binário de realismo versus experimentação. Quer isto dizer: a continuidade essencial dos códigos miméticos é condição necessária para afirmar uma viragem vanguardista. A ideia de uma revolução visual modernista depende da presença de um sujeito com um ponto de vista separado, a partir do qual se pode isolar o modernismo – como estilo, como resistência cultural, como prática ideológica – no contexto de uma visão normativa. O modernismo é, pois, apresentado como o surgimento do novo para um observador que permanece para sempre o mesmo, ou cujo estatuto histórico nunca se interroga. Não basta tentar descrever uma relação dialéctica entre as inovações dos artistas e escritores da vanguarda no fim do século xix, e o «realismo» e positivismo paralelos da cultura popular e científica. Em vez disso, é crucial encarar ambos os fenómenos como componentes que se sobrepõem numa única superfície social sobre a qual arrancara há décadas a modernização da visão. Proponho aqui que ocorreu uma transformação mais vasta e muito mais importante na configuração da visão no início do século xix. A pintura modernista das décadas de 1870
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e 1880 e o desenvolvimento da fotografia depois de 1839 podem ser vistas como sintomas ou consequências posteriores desta transição sistémica crucial, já em curso por volta de 1820. Mas poderíamos perguntar-nos: a história da arte não coincide então com uma história da percepção? Não serão as formas mutáveis das obras de arte no tempo o registo mais convincente de como a própria visão sofreu mutações históricas? Este estudo insiste em que, pelo contrário, uma história da visão (se ela for mesmo possível) depende muito mais de uma explicação das mudanças nas práticas representacionais. O que aqui se toma por objecto não são os dados empíricos de obras de arte ou a noção enfim idealista de uma «percepção» isolada, mas pelo contrário o fenómeno não menos problemático do observador. Ora, o problema do observador é o campo em que se pode dizer que se materializou a visão na história, em que ela mesma se tornou visível. A visão e os seus efeitos são sempre inseparáveis das possibilidades de um sujeito observante que é em simultâneo produto histórico e lugar de certas práticas, técnicas, instituições e procedimentos de subjectivação. A maioria dos dicionários não estabelece grande distinção semântica entre as palavras observador e espectador, e o uso comum costuma torná-las essencialmente sinónimas. Escolhi o termo observador sobretudo pela sua ressonância etimológica. Ao contrário de spectare, a raiz latina de espectador, a raiz de observar não significa à letra olhar para. Espectador traz consigo conotações específicas, em particular no contexto da cultura oitocentista, que prefiro evitar: nomeadamente, de quem é um espectador passivo num espectáculo, bem como numa galeria de arte ou num teatro. Num sentido de maior pertinência para este estudo,
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observare significa conformar a acção, cumprir, como em observar regras, códigos, regulamentos e práticas. Um observador, ainda que seja obviamente alguém que vê, é acima de tudo alguém que vê num conjunto enunciado de possibilidades, alguém que está inserido num sistema de convenções e limitações. E por convenções refiro-me a muito mais do que práticas representacionais. Se se pode dizer que existe um observador específico do século xix, ou de qualquer período, é tão-só como efeito de um sistema irredutivelmente heterogéneo de relações institucionais, tecnológicas, sociais e discursivas. Não existe nenhum sujeito observante anterior a este campo em permanente mutação.2 Se mencionei a ideia de uma história da visão, é só como possibilidade hipotética. Não importa se a percepção ou a visão realmente mudam, pois não têm nenhuma história autónoma. O que muda são as forças e regras plurais que constituem o campo em que a percepção ocorre. E o que determina a visão em dado momento histórico não é uma estrutura profunda, uma base económica ou uma mundividência, mas o funcionamento de uma montagem colectiva de peças desiguais numa superfície social única. Pode ser mesmo preciso considerar o observador como uma distribuição de acontecimentos localizados em muitos lugares diferentes.3 Nunca houve nem nunca haverá um observador autopresente para quem o mundo seja de uma evidência límpida. Pelo contrário, há disposições de forças mais ou menos poderosas a partir das quais as capacidades de um observador são possíveis. Ao propor que na Europa, ao longo das primeiras décadas do século xix, ganhou forma um novo tipo de observador radicalmente diferente do que dominava nos séculos xvii e xviii,
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não tenho dúvida de que trago à colação o problema de como é possível apresentar generalidades tão latas, categorias tão pouco qualificadas como o observador no século xix. Não se corre o risco de apresentar algo abstracto, dissociado das singularidades e da enorme diversidade que caracterizou a experiência visual desse século? É claro que não existe nenhum observador do século xix, não existe nenhum exemplo que possa ser localizado de forma empírica. O que, no entanto, pretendo é sugerir algumas das condições e forças que definiram ou permitiram a formação de um modelo dominante do que era um observador no século xix. Isto implica esboçar uma série de acontecimentos associados que produziram maneiras cruciais de discutir, controlar e encarnar a visão em práticas científicas e culturais. Em simultâneo espero mostrar como já não estavam actuantes os grandes termos e elementos de uma organização mais antiga do observador. Este estudo não se debruça sobre as formas locais e marginais que resistiam às práticas dominantes da visão, as desviavam ou as constituíam, de modo imperfeito. É preciso escrever a história destes momentos de oposição, mas ela só será legível no conjunto mais hegemónico de discursos e práticas em que a visão se formou. As tipologias e unidades provisórias a que recorro são parte de uma estratégia explicativa para demonstrar uma quebra ou descontinuidade geral no início do século xix. Escusado será notar que não existe nada como continuidades e descontinuidades na história, apenas na explicação histórica. Por isso, a minha temporalização genérica não é feita em prol de uma «verdadeira história», ou do restabelecimento do registo «do que realmente aconteceu». A bitola é outra: como se periodiza, onde se localizam ou rejeitam rupturas, são tudo escolhas
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políticas que determinam a construção do presente. Excluir ou destacar certos acontecimentos e processos em detrimento de outros afecta a inteligibilidade do funcionamento contemporâneo do poder em que nós próprios estamos imbricados. Essas escolhas determinam se a forma do presente parece «natural» ou se se evidencia a sua composição historicamente fabricada e de densa sedimentação. No início do século xix, houve uma extensa transformação na forma como um observador era figurado numa vasta gama de práticas sociais e domínios do saber. Um trajecto central pelo qual apresento estes desenvolvimentos é a análise do significado de determinados instrumentos ópticos. Discuto-os não pelos modelos de representação que implicam, mas como lugares de saber e poder que operam directamente no corpo do indivíduo. Em concreto apresento a camera obscura como paradigma do estatuto do observador dominante nos séculos xvii e xviii, ao passo que, no século xix, discuto vários instrumentos ópticos, em particular o estereoscópio, como forma de esmiuçar o estatuto transformado do observador. Os instrumentos ópticos em causa são acima de tudo pontos de intersecção onde discursos estéticos, científicos e filosóficos se sobrepõem a técnicas mecânicas, exigências institucionais e forças socioeconómicas. Cada um é compreensível não apenas como o objecto material em causa, ou como parte de uma história da tecnologia, mas pela forma como se integra numa montagem muito mais larga de acontecimentos e poderes. Sem dúvida, isto vai ao arrepio de muitas narrativas influentes da história da fotografia e do cinema, caracterizadas por um determinismo tecnológico explícito ou latente, em que uma dinâmica independente de invenção,
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modificação e perfeição mecânica se impõe num campo social e o transforma a partir de fora. Pelo contrário, a tecnologia é sempre parte subordinada ou concomitante de outras forças. Para Gilles Deleuze, «uma sociedade define-se pelas suas ligas e não pelos seus utensílios», «estes só existem em relação às misturas de corpos que tornam possíveis ou que os tornam possíveis»4. O argumento é que não se pode reduzir uma história do observador a alterações das práticas mecânicas e técnicas, nem a modificações nas formas das obras de arte e da representação visual. Sublinho em simultâneo que, ainda que a designe como objecto central nos séculos xvii e xviii, a camera obscura não é isomorfa das técnicas ópticas discutidas no contexto de Oitocentos. Os séculos xviii e xix não são grelhas análogas em que objectos culturais distintos podem ocupar as mesmas posições relativas. A posição e a função de uma técnica é, ao invés, historicamente variável; a camera obscura, como proponho no capítulo seguinte, é parte de um campo de saber e prática que não corresponde estruturalmente aos lugares dos instrumentos ópticos que analiso mais tarde. Nas palavras de Deleuze, «por um lado, cada estrato, cada formação histórica implica uma repartição do visível e do enunciável que se faz sobre ela; por outro, de um estrato a outro há variação da repartição, porque a própria visibilidade muda de modo e os próprios enunciados mudam de regime»5. Defendo que alguns dos mais generalizados meios de produzir efeitos «realistas» na cultura visual de massas, como o estereoscópio, na verdade baseavam-se numa abstracção e reconstrução radicais da experiência óptica, e isso exigia reconsiderar o significado de «realismo» no século xix. Espero também mostrar como as figurações mais influentes de um observador nos
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primórdios do século xix dependiam da primazia de modelos de visão subjectiva, em contraste com a supressão generalizada, no pensamento dos séculos xvii e xviii, da subjectividade na visão. Faz parte há muito das discussões da cultura oitocentista, mais frequentemente no contexto do romantismo, uma certa noção de «visão subjectiva», por exemplo na cartografia de uma deslocação no «papel da mente na percepção», de concepções de imitação para concepções de expressão, da metáfora do espelho para a da lâmpada.6 Porém, volta mais uma vez a ser central nessas explicações a ideia de uma visão ou percepção como que exclusiva de artistas e poetas, distinta de uma visão moldada por ideias e práticas empiristas ou positivistas. Interessa-me a forma como conceitos de visão subjectiva, de produtividade do observador, permearam não só as áreas da arte e da literatura mas estavam presentes em discursos tecnológicos, científicos e filosóficos. Mais do que sublinhar a separação entre arte e ciência no século xix, é importante ver como faziam ambas parte de um único campo de inter-relações de saber e prática. O mesmo saber que permitia a crescente racionalização e controlo do sujeito humano à luz de novos requisitos económicos e institucionais era também condição para novas experiências na representação visual. Quero, pois, delinear um sujeito observante que era produto da modernidade e simultaneamente constitutivo dessa modernidade no século xix. Em traços muito gerais, o que acontece ao observador em Oitocentos é um processo de modernização; o observador adequa-se a uma constelação de novos acontecimentos, forças e instituições que, juntos, se definem de forma grosseira e talvez tautológica como modernidade.