República Federativa do Brasil Ministério da Educação Secretaria de Educação a Distância Universidade Federal de Goiás
Goiânia, fevereiro de 2012
FICHA TÉCNICA Reitor Edward Madureira Brasil Pró-Reitora de Graduação Sandramara Matias Chaves Diretor da Faculdade de Artes Visuais (FAV) Raimundo Martins Coordenadora do Curso de Licenciatura em Artes Visuais – EAD Noeli Batista do Santos Diretor do Centro Integrado de Aprendizagem em Rede (CIAR) Leonardo Barra Santana de Souza Professores Autores – Trama 6 Ana Rita Vidica Anna Rita Ferreira de Araújo Cecília Noriko Ito Saito Célia Mari Gondo César Pereira Cola Eduardo Araújo de Ávila Leda Maria de Barros Guimarães Maria Elizia Borges Ronaldo Alexandre de Oliveira Rosa Maria Berardo Revisão Pedagógica Leda Maria de Barros Guimarães Noeli Batista dos Santos Jordana Falcão Tavares Revisão Linguística André Luiz Moura Projeto Editorial (Equipe de Produção) Alex Sampaio Sapiência Eduardo Araújo de Ávila Nauália Gabrielle Amaral Teixeira Jordana Falcão Tavares Impressão CEGRAF – UFG Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (GPT/BC/UFG) Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação a Distância. Universidade Federal de Goiás. Trama 6 / Coordenadora Noeli Batista dos Santos; Ana Rita Vidica B823 …[et al.]. - Goiânia : UFG/FAV/Ciar ; FUNAPE, 2012. 286 p. : il., color. - (Coleção Trmas & Urdumes ; 6). Bibliografia. ISBN 1. Artes Visuais – Licenciatura – Ensino a distância. I. Santos, Noeli Batista dos. II.Vidica, Ana Rita. III. Título. IV. Série. CDU: 7.01:37.018.42
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APRESENTAÇÃO Caro Estudante, Estamos começando a segunda metade desse trajeto, iniciando no primeiro semestre de 2010. Chegamos, nesta etapa, ao Ateliê de Arte e Tecnologia I: Fotografia e Vídeo. Dentre os demais ateliês, talvez essas sejam as linguagens mais familiares para vocês, pois o nosso cotidiano hoje é permeado pelo ato do registro, tanto em imagens fixas como em movimento. Temos duas disciplinas que podem ser encaixadas nos eixos de teoria e história das artes visuais. História da Arte Brasileira: Questões Contemporâneas e Matrizes Culturais da Arte no Brasil. A primeira, escrita pela Profa. Dra. Maria Elizia Borges, contextualiza a cena artística do século XXI, apresentando artistas e movimentos que alicerçaram os princípios conceituais e construtivos da produção de arte contemporânea no Brasil. Em seguida, teremos a disciplina Matrizes Culturais da Arte no Brasil produzida por um grupo muito especial: Profa. Dra. Cecília Noriko Ito Saito, Profa. Célia Mari Gondo e Prof. Eduardo Araújo de Ávila. Estudar aspectos dos sistemas de artes africanos e asiáticos amplia a concepção de apenas três “matrizes“ estéticas das artes visuais no Brasil, abrindo referências múltiplas das culturas africanas, assim como a indiana e também a arte desenvolvida no Oriente Médio e no Extremo Oriente. Na parte pedagógica do nosso curso, temos as disciplinas Políticas Educacionais para o Ensino de Artes no Brasil e Metodologias para o Ensino de Artes Visuais. A parte de políticas foi desenvolvida pela Profa. MSc. Anna Rita Ferreira de Araújo. A autora propõe a reflexão sobre as bases teóricas e conceituais que regulam as políticas educacionais para o ensino das artes visuais no nosso país. Na disciplina Metodologias para o Ensino de Artes Visuais, do Prof. Dr. César Pereira Cola, traz-se um apanhado de propostas metodológicas para o ensino de artes visuais, instigando os estudantes a olharem criticamente sua própria jornada em relação ao ensino de artes. Essa proposta dialoga de perto com a disciplina Estágio Supervisionado II escrita, por mim, Profa. Dra. Leda Maria de Barros Guimarães e pelo Prof. Dr. Ronaldo Alexandre de Oliveira. A trajetória iniciada no semestre anterior vai-se aprofundando e se tornando mais focada na ação docente/discente/contexto. Esse é o momento de trabalharmos com afinco e dedicação para alcançar um nível de formação desejado. E esse trabalho não é unilateral: uma parte dele nós fazemos ao procurar oferecer a você o melhor em termos de autores e formadores, mas a grande parte dessa tarefa é de cada um. Enfim, procure trabalhar essas disciplinas, buscando as interconexões entre elas em prol de uma aprendizagem mais significativa. Profa. Dra. Leda Guimarães Organizadora
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SUMÁRIO POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL Professora autora: MSc. Anna Rita Ferreira de Araújo APRESENTAÇÃO.......................................................................................................10 UNIDADE 1 — ENSINO SUPERIOR E AS BASES DA FORMAÇÃO DOCENTE..................................................................................................12 1.1. A Formação Superior de Professores no Brasil........................................12 1.2. A Pesquisa e a Formação Superior de Professores de Arte no Brasil......16 1.3. Políticas Educacionais do Regime Militar e as Licenciaturas Curtas e Plenas....................................................................................................................17 1.4. A atual Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional e o Ensino de Arte..........................................................................................................................23 UNIDADE 2 — FORMAÇÃO DOCENTE EM ARTES VISUAIS NO BRASIL: UM RETRATO ATUALIZADO.................................................................................28 2.1. Panorama dos Cursos Superiores de Formação de Professores de Artes Visuais no Brasil..........................................................................................................28 2.2. Expansão Brasileira dos Cursos Superiores de Formação Docente em Artes Visuais................................................................................................................34 ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA I: FOTOGRAFIA E VÍDEO Professoras autoras: Dra. Rosa Maria Berardo e MSc. Ana Rita Vidica APRESENTAÇÃO.......................................................................................................42 UNIDADE 1 — HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA.................................................44 11. A Pré-história da Fotografia.............................................................................44 1.2. Os Inventores da Fotografia.............................................................................48 1.3. Fotografia Pinhole...............................................................................................50 UNIDADE 2 — FOTOGRAFIAS: COMO SÃO FEITAS, PARA QUEM E POR QUÊ?.............................................................................................................................57 2.1. Fotografia como Documento...........................................................................57 2.2. A Ilustração dos Jornais a partir das Fotografias Documentais................58 2.3. Fotografia e Cultura...........................................................................................59 2.4. Fotografia e Imagem em Movimento — Parte I..........................................62 UNIDADE 3 — FOTOGRAFIA E ARTE................................................................65 3.1. Movimento Pictorialista.....................................................................................65 3.2. A Fotografia na Arte Moderna..........................................................................68 UNIDADE 4 — TÉCNICA E ESTÉTICA FOTOGRÁFICA...............................79 4.1. Câmeras Fotográficas..........................................................................................79 4.2. Tipos de Objetivas e seus Resultados Ópticos na Fotografia...................84 4.3. Composição e Enquadramentos na Fotografia............................................88 4.4. Luz e Iluminação na Fotografia.........................................................................93
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4.5. Fotografia e Imagem em Movimento — Parte II.........................................97 ESTÁGIO SUPERVISIONADO II Professores autores: Dra. Leda Guimarães e Dr. Ronaldo Alexandre de Oliveira APRESENTAÇÃO..........................................................................................104 UNIDADE 1 — RETOMANDO ROTAS E (RE)DESENHANDO TRAJETOS...............................................................................................................106 1.1. As Pistas de um Trajeto – Estágio Supervisionado I....................................106 UNIDADE 2 — TRILHAS ETNOGRÁFICAS I – METÁFORAS PARA O CAMPO DE ESTÁGIO.....................................................................................................111 2.1. Metáforas para o Campo de Estágio..........................................................111 UNIDADE 3 — TRILHAS ETNOGRÁFICAS II – O ESPAÇO DA SALA DE AULA................................................................................................................118 3.1. A Sala de Aula como Ambiente de Imersão.............................................118 3.2. Focos de Imersão – Corpos Docente e Discente..................................125 UNIDADE 4 — TRILHAS ETNOGRÁFICAS III – PLANEJAMENTO DA AÇÃO DIDÁTICA.................................................................................................130 4.1. Planejamento......................................................................................................130 4.2. Avaliação.............................................................................................................134 HISTÓRIA DA ARTE BRASILEIRA: QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS Professora autora: Dra. Maria Elizia Borges APRESENTAÇÃO.....................................................................................................142 UNIDADE 1 — MULTIPLICAM-SE OS PROCEDIMENTOSARTÍSTICOS....144 1.1. Realismo Versus Abstracionismo..................................................................144 1.2. A Vanguarda Figurativa no Brasil..............................................................147 UNIDADE 2 — A MULTIPLICAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS ARTÍSTICOS.......................................................................................................................151 2.1. Desmaterialização da Arte..............................................................................151 2.2. Ideário Construtivo..........................................................................................154 2.3. Alguns Procedimentos Artísticos Tecnológicos........................................154 UNIDADE 3 — ESSA NOVA GERAÇÃO..........................................................159 3.1. O Artista Brasileiro Contemporâneo..........................................................159 3.2. O Mercado das Artes.......................................................................................160 3.3. O Processo Artístico.......................................................................................162 3.4. Descentralização do Eixo Expositivo – de Norte a Sul..........................165 MATRIZES CULTURAIS DA ARTE NO BRASIL Professores autores: Dra. Cecília Noriko Ito Saito, Célia Mari Gondo e Eduardo Araújo de Ávila APRESENTAÇÃO...............................................................................................174 UNIDADE 1 — SOBRE TRADIÇÕES E TRADUÇÕES ESTÉTICAS.........176 1.1. Passagens e retornos: da tradição à tradução.............................................176
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1.2. O contexto estético no Oriente..................................................................184 UNIDADE 2 — SOBRE TERRITORIALIDADES E FRONTEIRAS.............205 2.1. Trânsitos da produção artística oriente-ocidente....................................205 2.2. Poéticas visuais afro-asiáticas: territorialidades e fronteiras...............208 UNIDADE 3 — SOBRE IDENTIDADES DE OUTROS BRASIS.................214 3.1. A arte brasileira e suas matrizes culturais....................................................214 3.2. Historicidades e visualidades que carregamos..........................................224 METODOLOGIAS PARA O ENSINO DE ARTES VISUAIS Professor autor: Dr. César Pereira Cola APRESENTAÇÃO....................................................................................................232 UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS......................................................................234 1.1. Educação.............................................................................................................234 1.2. Pedagogia............................................................................................................236 1.3. Didática...............................................................................................................239 UNIDADE 2 — CONSTRUÇÃO, TRANSFORMAÇÃO E INFLUÊNCIA NO COTIDIANO SOCIAL.................................................................................241 2.1. A Sociedade e sua Característica Mutante..................................................241 2.2. Percurso Histórico em Educação................................................................243 UNIDADE 3 — ATORES NO ÂMBITO EDUCACIONAL.........................252 3.1. Professor.............................................................................................................252 3.2. Aluno...................................................................................................................255 3.3. Pedagogo.............................................................................................................257 3.4. Pesquisador.........................................................................................................258 3.5. Artista..................................................................................................................259 UNIDADE 4 — PLANEJAMENTO....................................................................260 4.1. Tipos ou Níveis de Planejamento.................................................................261 4.2. Planejamento Didático ou de Ensino..........................................................263 UNIDADE 5 — OBJETIVOS E CONTEÚDOS.............................................268 5.1. Importância dos Conteúdos para a Ação Pedagógica...........................268 5.2. Objetivos Gerais...............................................................................................269 5.3. Objetivos Específicos.......................................................................................269 5.4. Importância dos Conteúdos em Educação.................................................270 UNIDADE 6 — PROCEDIMENTOS, RECURSOS E AVALIAÇÃO............273 6.1. Conceito de Procedimentos, Recursos e Avaliação para a Ação Pedagógica...................................................................................................273 SOBRES OS AUTORES...........................................................................................282
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PolĂticas Educacionais para o Ensino de Artes no Brasil Professora autora: MSc. Anna Rita Ferreira de AraĂşjo
POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
APRESENTAÇÃO Prezado(a) aluno(a). As reflexões apresentadas nessa disciplina pretendem propiciar a você a reflexão e o conhecimento sobre as bases teóricas e conceituais que envolvem as políticas educacionais para o ensino de artes no Brasil. Nossa conversa sobre o espaço do ensino e da formação de professores de artes visuais terá como suporte bases históricas e contextuais. Temos pela frente uma grande tarefa e assim sendo lhe desejo uma ótima jornada de aprendizado. DADOS DA DISCIPLINA EMENTA Formulações de políticas para o ensino de artes no Brasil, leis, resoluções, documentos: DCNs para Formação de Professores e Graduação em Artes Visuais (bacharelado e licenciatura), PCN-Arte (ensino médio e fundamental).
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
UNIDADE 1: ENSINO SUPERIOR E AS BASES DA FORMAÇÃO DOCENTE 1.1. A FORMAÇÃO SUPERIOR DE PROFESSORES NO BRASIL 1.2. A PESQUISA E A FORMAÇÃO SUPERIOR DE PROFESSORES DE ARTE NO BRASIL 1.3. POLÍTICAS EDUCACIONAIS DO REGIME MILITAR E AS LICENCIATURAS CURTAS E PLENAS 1.4. A ATUAL LEI DE DIRETRIZES E BASES PARA A EDUCAÇÃO NACIONAL E O ENSINO DE ARTE UNIDADE 2: FORMAÇÃO DOCENTE EM ARTES VISUAIS NO BRASIL: UM RETRATO ATUALIZADO 2.1. PANORAMA DOS CURSOS SUPERIORES DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ARTES VISUAIS NO BRASIL 2.2. EXPANSÃO BRASILEIRA DOS CURSOS SUPERIORES DE FORMAÇÃO DOCENTE EM ARTES VISUAIS
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
UNIDADE 1 Ensino Superior e as Bases da Formação Docente 1.1. A FORMAÇÃO SUPERIOR DE PROFESSORES NO BRASIL A formação superior de professores no Brasil é muito recente se comparada a outros países da América Latina. Tem seu marco na década de 1930, durante o Governo provisório de Getúlio Vargas, com a “Reforma Francisco Campos”. Marcada pelas disputas de controle do ensino superior entre as elites laicas e católicas brasileiras, a Reforma (1931) definiu o modelo universitário, o qual poderia existir em duas modalidades de ensino superior: o sistema universitário e os institutos isolados. Também concebeu a criação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras, que: “Teria como objetivos específicos ‘ampliar a cultura no domínio das ciências puras, promover e facilitar as práticas de investigações originais, desenvolver e especializar conhecimentos necessários ao exercício do magistério’ (apud Cunha, 1980, p. 286). Essa Faculdade compreenderia três seções: educação, ciências e letras, responsáveis pelo oferecimento dos cursos de licenciatura, que habilitam os licenciados a lecionar as disciplinas e sua especialidade no curso normal ou secundário.” (CANDAU, 1987, p. 11) Para Sampaio (1997, p. 12) “a criação da universidade no Brasil foi antes um processo de sobreposição de modelos do que de substituição”. O modelo preconizado pela Reforma Francisco Campos apresentava um caráter “misto” de função de alta cultura e saber original, juntamente com um papel “utilitário e prático”. Esse modelo não atendeu às ideias gestadas e colocadas em prática pelos intelectuais e educadores na década anterior, uma vez que conservava os moldes tradicionais de formação para as profissões liberais e de professorado para o ensino secundário. Criou-se assim, segundo a autora, uma sobreposição entre os modelos de formação para profissões e o de pesquisa que, apenas em algumas regiões mais desenvolvidas, mesmo de maneira inicial, institucionalizou-se, como foi o caso da Universidade de São Paulo. Em relação à formação de professores, no projeto original da Universidade de São Paulo, de 1934, além da Faculdade de Filosofia, Ciên12
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cias e Letras, a Faculdade de Educação (antigo Instituto de Educação Caetano de Campos): “Deveria ser o centro de formação de professores para o ensino secundário (embora o que se propusesse de fato é que ela ministrasse a formação pedagógica aos licenciados pela faculdade de filosofia) e a faculdade de filosofia, ciências e letras seria o ‘coração da universidade’, onde se desenvolveriam ‘os estudos de cultura livre e desinteressada’ e na qual funcionava uma espécie de curso básico, preparatório a todas as escolas profissionais, inclusive ela própria.” (CANDAU, 1987, p. 12) Na USP, essa função de formação básica para os demais cursos acabou por não ser acolhida pelos institutos, que não abriam mão dessa formação inicial em suas próprias unidades acadêmicas. O que aconteceu de fato é que, no Brasil, mas não só aqui, as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras não conseguiram desempenhar seu papel “plurifuncional” de conferir sentido universitário ao conjunto dos cursos reunidos em uma Universidade. Segundo SUCUPIRA (1969, pp. 264-266), “para bem julgar a situação das Faculdades de Filosofia entre nós, convém partir de uma análise da ideia original que determinou a criação dessa instituição na Europa e que serviu de modelo para a fundação das nossas faculdades”. Seriam “dois conceitos fundamentais da filosofia idealista alemã da formação humana: o Wissenschaft, como saber universal, cuja expressão é a Filosofia, e Bildung, categoria típica do pensamento pedagógico alemão que significa formação espiritual, integral da personalidade”. Havia na Europa uma conjuntura de fatores históricos e ideológicos, desde a Faculdade das Artes da Universidade Medieval, que justificaram a criação das Faculdades de Filosofia, no início do século XIX (modelo da Universidade de Humboldt), até o seu abandono, no início do século XX, em função da crescente especialização dos conhecimentos das ciências e das humanidades, que já não mais se compatibilizavam com uma formação humanista de saber universal. PARA REFLETIR É interessante observar, de maneira informal, como essa concepção de formação é tão presente e ainda persiste no imaginário dos educadores, quase que como um sonho não realizado, mas passível de um dia ser alcançado. Refletindo friamente, nos dias atuais, de não universalização e sim de globalização e diversidade, é um contrassenso, mas não se pode negar que é um provocativo contrassenso.
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Diante do contexto histórico da época, Sucupira (1969) ressalta o anacronismo da criação das Faculdades de Filosofia no Brasil em pleno século XX, como também a nossa falta de “condições culturais, tradição científica e clima espiritual”, além de professores brasileiros capacitados. Eram pouquíssimas as instituições, como no exemplo da Universidade de São Paulo, que podiam trazer mestres estrangeiros para formar o corpo docente das Faculdades. Mesmo sem sustentações cultural, material e humana, as faculdades se espalharam pelo interior paulista e brasileiro, acabando assim por se tornarem faculdades meramente profissionalizantes que em nada se aproximavam dos ideais postulados. Todavia, segundo o autor, essas faculdades, em parte, prestaram um serviço à sociedade brasileira em relação ao “desenvolvimento cultural” e à “formação especializada”. Com raríssimas exceções, na dificuldade de unificar os altos estudos com a pesquisa e a formação docente, as faculdades de filosofia ficaram com a última opção, mas “é lícito duvidar de que tenham cumprido satisfatoriamente sua missão de educar mestres para a moderna escola secundária. Ressentiram-se da falta de uma clara consciência do problema, de uma precisa concepção dos métodos e objetivos da formação pedagógica profissional”(op.cit. pp. 272-273). Com o pouco prestígio cultural que a formação docente possuía nos meios acadêmicos, os departamentos pedagógicos eram pouco prestigiados, e a formação era reduzida ao mínimo exigido pela lei. Podemos avaliar que essa situação não foi ainda devidamente superada nos meios acadêmicos e se reflete nas esferas sociais. As Faculdades de Filosofia, sob forma de escolas superiores isoladas, em sua grande maioria privadas, expandiram-se e se multiplicaram, “enquadraram rapidamente os cursos de licenciatura entre os chamados ‘cursos fáceis’ do nosso ensino superior.” (CASTRO, 1974, p. 32). Cursos de baixo investimento e qualidade duvidosa, em que a formação docente acabou por se desvincular da pesquisa e busca de saberes originais, tornando-se algo técnico e voltado apenas para a formação pragmática de docentes para os ensinos secundário e normal. Nesse período, entre o final dos anos 30 e os 60 do século XX, o ensino superior brasileiro se ampliou compondo, de um lado, o sistema público com as redes de universidades federais e estaduais, em especial as estaduais paulistas; do outro, o sistema privado com a rede de universidades católicas, que a partir da criação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 1944, expandiu-se pelo País, bem como outras instituições de natureza confessional, além dos estabelecimentos educacionais isolados, concentrados nos estados mais desenvolvidos das Regiões Sul e Sudeste. Sobre a significativa preferência por parte das instituições privadas na criação de cursos voltados para formação docente, Sampaio (2000, p. 51) 14
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ressalta três aspectos que influíram nessa opção: primeiramente, a parte legal, as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras criadas na Reforma de 1931, que se organizavam em torno da formação de professores e para profissões liberais; em segundo, o aspecto social, a crescente clientela “motivada pelas novas oportunidades de acesso ao ensino superior e de carreira no magistério”, uma vez que a rede pública de ensino médio se expandira criando, assim, uma nova demanda; e em terceiro, o aspecto econômico, estrategicamente os cursos de formação de professores baseados em recursos humanos exigiam um menor aporte financeiro e estrutural. Características marcantes do setor privado, nesse período, foram a “criação de estabelecimentos no eixo Rio-São Paulo; concentração da oferta de cursos voltados para as Artes (Plásticas e Música), para a formação de profissionais da saúde e para a formação de professores de nível médio; e a predominância das iniciativas confessionais” (op.cit. p. 47). Exemplo de cursos de Artes criados nessa época foram os de Escultura, Gravura e Pintura, em 1941, da atual Faculdade de Belas Artes e os de Canto, Composição e Regência e de Instrumentos, em 1943, da Faculdade Santa Marcelina, ambas na capital paulista. Esses cursos não ofereciam o diploma de licenciatura, o que não impedia seus egressos de ministrarem aulas, uma vez que para as disciplinas técnicas e artísticas, presentes nos currículos da escolas fundamentais e secundárias, não se exigia professores licenciados. Legalmente, no Decreto de 1931, “o licenciado seria o professor dos cursos de ensino secundário” (CASTRO, 1974, p. 630). Mas o que se observa nos documentos e decretos, entre os anos de 1930 a 1961, são modificações dos conceitos, diplomas e estruturas de licenciaturas. Como, por exemplo, em 1934, a Universidade de São Paulo conferia a “licença cultural” para os alunos que cursassem os três anos de qualquer seção e subseção da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; mas esse diploma não conferia a licença para o magistério, pois essa exigia também formação pedagógica complementar. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1961, “licenciatura e bacharelado passam a ser graus que podem ser obtidos paralelamente, a partir de disciplinas comuns” (op.cit. p. 638). O termo licenciatura se consolidou como curso formador de docentes para o ensino médio e, nesse período, vários cursos superiores técnicos e artísticos existentes, tornaram-se licenciaturas. Em 1965, uma portaria ministerial mudou a fixação dos cursos superiores em anos para hora-aula e foram definidas as diferentes cargas horárias, mínimas e máximas, para os diferentes cursos e níveis de atuação profissional, incluindo aí a criação das licenciaturas longas e as curtas, que eram, essas últimas, uma saída para a necessidade de apressamento devido à demanda emergencial, e que se configurou em um grave empobrecimento na formação de 15
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professores. Em função das dificuldades de formação de professorado suficiente para as diferentes regiões do País, as leis sempre permitiam exceções e dentre elas estavam os “exames de suficiência”, que não licenciavam, mas davam o direito de lecionar, além da inclusão de matérias pedagógicas nos cursos especiais de educação técnica. “A partir do movimento de reforma geral do ensino iniciado pela Lei 5.540/68, e, sobretudo, pela Lei 5.692/71, foram estruturadas algumas áreas de licenciatura” (op.cit. p. 647), que definiam os cursos separadamente nas áreas de Ciências, Letras, Estudos Sociais, Educação Artística e Educação Física, possuindo um núcleo comum com disciplinas de conteúdos em cada área, disciplinas pedagógicas e das habilitações específicas (por exemplo: matemática, física, língua portuguesa, estrangeira, geografia, história, música, teatro, ginástica e atletismo, etc.). No caso que nos interessa aqui, é nesse momento que foram criadas as habilitações em Artes Plásticas e em Desenho, sendo que essa última praticamente inexiste atualmente, conforme os dados levantados junto à SESu/MEC. Segundo Candau (1987), com a Reforma de 1968, que desarticulou as faculdades de filosofia colocando um fim à era das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, a formação pedagógica foi transferida para as Faculdades de Educação; e essas se distanciaram ainda mais das disciplinas de conteúdos, criando uma cisão entre as disciplinas pedagógicas e os conhecimentos específicos de área ministrados nos institutos, o que resultou, por não cumprir com os objetivos de integração da Reforma de 1968, no agravamento mais ainda dos problemas da formação docente. Mas, um aspecto favorável da Reforma foi que “as universidades públicas e algumas católicas, pelo menos formalmente, instituíram a pesquisa como parte de suas atribuições institucionais”(SAMPAIO, 2000, p. 71). Veremos isso a seguir. 1.2. A PESQUISA E A FORMAÇÃO SUPERIOR DE PROFESSORES DE ARTE NO BRASIL Foi na década de 1970 que se criaram as condições reais para a institucionalização da pesquisa, mas em função do alto controle político do regime militar vigente, as áreas foram priorizadas de acordo com os planos nacionais de desenvolvimento. As áreas consideradas estratégicas, como por exemplo, as engenharias, encontraram as condições mais favoráveis para o desenvolvimento de pesquisas dentro do espaço acadêmico. Simultaneamente a esse cenário, o Estado de São Paulo, com um histórico das suas elites intelectuais ligadas às artes e à cultura, saiu na frente, em 1974, com a primeira pós-graduação em Artes do País. Relativo à formação de professores de Artes, esses reflexos só foram ser verificados uma década depois com as primeiras dissertações sobre ensino de Artes Plásticas, defendidas no pioneiro Programa de Pós-Graduação 16
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em Artes da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. O primeiro registro de dissertação de Mestrado sobre ensino de artes plásticas defendida no Brasil foi de Margarida Góes de Araújo Pinho, em 1983, intitulado “Ensino de artes plásticas nos ginásios estaduais vocacionais: 1961-1969”, orientado pelo prof. Walter Zanini (ECA/ USP). Depois, em 1988, Maria Lúcia Toralles Pereira, defende, na ECA, a dissertação “Arte na pré-escola e desenvolvimento psicomotor: relato de uma experiência.”, sob a orientação da prof ª. Ana Mae Tavares Barbosa, a responsável pela fundação da primeira linha de pesquisa em Arte-educação, no Brasil. O crescimento e o desenvolvimento das pesquisas em ensino de artes foram e têm sido decisivos para a transformação das concepções sobre formação de professores de artes. Mas se por um lado o conjunto da Reforma de 1968 trouxe esses benefícios, por outro, a visão tecnicista e reducionista das políticas educacionais do período militar, criaram uma sorte de novos problemas, desafios e, sobretudo, descontentamentos com os rumos da formação docente por parte das sociedades científicas, principalmente em relação às licenciaturas polivalentes e de 1º grau. 1.3. POLÍTICAS EDUCACIONAIS DO REGIME MILITAR E AS LICENCIATURAS CURTAS E PLENAS O formato da licenciatura de 1º grau, proposta pelo conselheiro Valnir Chagas e que não seria homologada, não traria nenhuma inovação, uma vez que a Lei 5.540/68 já instituía a licenciatura curta de dois anos para os professores que atuariam no ginásio, mas foi seu parecer sobre o tempo necessário para a formação profissional que foi homologado e deu origem à Portaria Ministerial 159/65 do MEC, a qual regulamentou a duração de cursos de graduação no Brasil, além da concepção de formação polivalente. No caso das licenciaturas curtas polivalentes, nos anos 1960, a justificativa era o caráter emergencial, mas, nos anos 1970, essa modalidade se consolidava como política de formação para os professores que atuariam no 1º grau, que teria correlação ao ginásio da legislação anterior e, na atual, às séries finais do fundamental (3º ciclo). Leia a seguir um trecho do parecer1 sobre “Duração de cursos presenciais de Bacharelado”, de 2003, dos relatores Edson de Oliveira Nunes, Éfren de Aguai Maranhão e José Carlos Almeida da Silva, conselheiros da Câmara de Educação superior do Ministério de Educação e Cultura, que menciona a proposta do conselheiro Valnir Chagas e que nos traz dados esclarecedores, para também refletirmos sobre as licenciaturas: Em 1961, a Lei 4.024 fixou as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. No seu artigo 9º, alínea “e”, foi atribuído ao Conselho Federal de Educação (CFE) a competência para “indicar disciplinas obrigatórias para os sistemas de ensino médio (Artigo 35, § 1º) e estabelecer a du-
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ração e o currículo mínimo dos cursos de ensino superior, conforme o disposto no artigo 70”. Essa determinação motivou estudo sobre a duração dos cursos superiores, realizado pelo então conselheiro Valnir Chagas e registrado no Parecer nº 52 do CFE, em 1965. Argumentava que a fixação da duração dos cursos superiores deveria levar em consideração as características do contexto no qual o curso é oferecido (“diferenças econômicas, sociais e culturais das regiões”); a qualidade de ensino e da infraestrutura das instituições de ensino; e as aptidões, motivações e oportunidades dos estudantes. Assim, Chagas considerava inadequada a definição da duração única, expressa em anos letivos, por ignorar “todas as condicionantes do processo educativo”. A proposta de Chagas definia a duração de um curso superior como “o tempo útil, obrigatório em todo o País, para a execução do currículo com o necessário aproveitamento” e admitia variações no tempo total, em anos, para conclusão do curso. O argumento completo de Valnir Chagas indicava que: “Com efeito, não é um dado indiferente ou mesmo secundário o tempo total em que se pode obter um diploma de médico ou de bacharel em Direito: o curso que leva a este é mais extenso, o daquele mais intenso e compacto. Nem significa a mesma coisa, em termos de resultados práticos, prolongar ou reduzir esse tempo em relação ao Norte, ao Centro ou ao Sul do País, atentas as diferenças econômicas, sociais e culturais das várias regiões que, projetando-se sobre o trabalho educativo, condicionam o funcionamento das escolas e o próprio comportamento dos estudantes individualmente considerados. “Dentro do meio, diferem também as escolas quanto aos recursos de pessoal, equipamentos e instalações, dos quais, em grande parte, depende a eficiência do ensino; e, não raro, dentro das próprias escolas, variam as condições em que se desenvolvem as atividades docentes e discentes: é o caso, por exemplo, dos cursos noturnos, cuja singularidade os vai tornando polêmicos à medida que se persiste em conservá-los idênticos aos diurnos. Mas as diferenças maiores são encontradas entre os alunos: diferenças de aptidão (tomada esta palavra no sentido amplo de capacidade e ritmo de aprendizagem), diferenças de oportunidades e diferenças de motivação. Pondo mesmo de lado a última ordem, que de certo modo é função das duas primeiras, a consideração destas inclui-se entre os grandes problemas da educação no quadro de uma concepção democrática”. “Em rigor, a partir do que proceda de transmissão biológica, as diferenças de aptidão e de oportunidades praticamente se confundem, no plano social, ao influxo de causas anteriores ou atuais da vida do estudante. Há, por exemplo,
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
os mais afortunados que, graças a melhores condições econômico-financeiras ou de ambiente, chegam à universidade com boa formação de base e, ainda no curso superior, dispõem de meios que ensejam um alto aproveitamento; há também os que, trazendo embora essa formação prévia, baixam o rendimento ao distribuírem as suas horas entre a escola e o trabalho; há os que não trazem o preparo suficiente e, já com a sobrecarga de uma recuperação inevitável, são também forçados a dividir-se entre o estudo e a busca da subsistência; e assim por diante”. “De qualquer forma, do ponto de vista do ritmo em que podem cumprir satisfatoriamente o currículo, existem três categorias fundamentais de estudantes a considerar em qualquer planejamento didático: os rápidos, os médios e os lentos. ...Sem generalizar exceções e fazendo exatamente do aluno médio o nosso ponto de referência ... devemos criar um sistema que absorva a todos e ao mesmo tempo ... permita a cada um (desenvolver) o seu próprio teor de excelência. E não apenas a cada estudante como a cada estabelecimento, a cada comunidade e a cada região do País”. “É precisamente neste ponto que têm falhado, e continuam a falhar, as soluções oferecidas ao problema no Brasil. Adotando o critério da duração única, expressa em anos letivos, ignoramos todas aquelas condicionantes do processo educativo e acabamos por organizar cursos que são muito rápidos para os alunos lentos e muito lentos para os alunos rápidos”. O Parecer do Conselheiro Valnir Chagas foi homologado em 1965 e deu origem à Portaria Ministerial 159/65 do MEC, a qual regulamentou a duração de cursos de graduação no Brasil, especificando o tempo útil (mínimo necessário para execução do currículo fixado para o curso) e o tempo total (período compreendido entre a primeira matrícula e a conclusão do cursos) de duração dos cursos, fixando em horas o limite mínimo, o tempo médio e o limite máximo para integralização de cada curso. Além disso, a Portaria especificou o enquadramento da duração dos cursos em anos. Em sequência a esse processo, a partir de 1962 e até o início dos anos 70, foram fixados, através de Pareceres e Resoluções do Conselho Federal de Educação, os currículos mínimos, por curso, nas modalidades de Bacharelado e de Licenciatura, com consequente homologação por Portarias Ministeriais. Com a Lei 5.540, de 28 de novembro de 1968, foram fixadas normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média. Complementarmente à Lei n.º 5.540, o Decreto-Lei n.º 464, de 11
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
de fevereiro de 1969, que revogou parcialmente a Lei n.º 4.024/61, determinou, em seu art. 26, que o “Conselho Federal de Educação fixará o currículo mínimo e a duração dos cursos superiores correspondentes a profissões reguladas em lei e de outros necessários ao desenvolvimento nacional”. Também estabeleceu, no art. 14, que “dependem de homologação do Ministro da Educação e Cultura os pronunciamentos do Conselho Federal de Educação”, previstos na Lei 5.540 e no próprio decreto. Completando o ciclo de estruturação dos cursos, mediante a definição de sua duração, carga horária e currículos mínimos, vieram a Indicação 8, de 4 de junho de 1968, e o Parecer 85/70. Pelo primeiro instrumento, coube ao CFE, através de Comissão Especial designada, fixar normas para reexame dos mínimos de conteúdo e duração dos cursos superiores de graduação. Já o Parecer estabeleceu normas para aplicação dos currículos mínimos. A Lei 5.540, em seu art.18, definia que “além dos cursos correspondentes a profissões reguladas em lei, as universidades e os estabelecimentos isolados poderão organizar outros para atender às exigências de sua programação específica e fazer face à peculiaridade do mercado de trabalho regional”. Já o art. 23 da mesma Lei estabelecia que “os cursos profissionais poderão, segundo a área abrangida apresentar modalidades diferentes quanto ao número e à duração a fim de corresponder às condições do mercado de trabalho” e que “serão organizados cursos profissionais de curta duração, destinados a proporcionar habilitações intermediárias de grau superior” (Parágrafo 1º). Posteriormente, com a edição do Decreto-Lei 547, de 18 de abril de 1969, foi autorizada a “organização e o funcionamento de cursos profissionais superiores de curta duração”, os quais seriam “destinados a proporcionar formação profissional básica de nível superior”, conforme necessidades e características dos mercados de trabalho regional e nacional. Em meados dos anos 70, o sistema de ensino superior brasileiro começou a apresentar inovações quanto à duração, havendo a introdução de cursos de curta duração.
No caso da Educação Artística, foi publicada uma resolução específica, a de nº 23/73, que, juntamente com a Lei 5.692/71, fixava as normas para o funcionamento dos cursos. A licenciatura curta teria caráter polivalente (1.500 horas), composta de disciplinas comuns às artes (Fundamentos da expressão e comunicação humanas, Estética e História da Arte, Folclore brasileiro, Formas de expressão e comunicação artística), além das disciplinas pedagógicas (Psicologia da educação; Didática; Estrutura e funcionamento do ensino; Prática de ensino e estágio supervisionado) que deveriam corresponder a 1/8 das 1.500 20
POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
horas fixadas. Essa formação genérica, que poderíamos assim chamar, dava ao professor a licença para atuar de 5ª a 8ª série. Para atuar no 2º grau, seria necessário cursar a licenciatura plena: complementação de mais 1.000 horas de uma habilitação específica a ser escolhida entre artes plásticas, cênicas, música ou desenho. Dos 126 cursos de formação de professores de artes plásticas ou visuais existentes atualmente, 39 foram criados no período compreendido entre 1970 e 1979. Os cursos eram denominados Educação Artística, de licenciaturas curta e/ou plena com habilitação em Artes Plásticas. Desses, 18 estão em instituições públicas e 21 em instituições privadas, como podemos observar no Quadro 1. Alguns desses cursos vinham de cursos técnicos e artísticos criados nas legislações anteriores: QUADRO 1 REGIÕES NORTE NORDESTE CENTRO-OESTE SUDESTE SUL TOTAL TOTAL GERAL
PÚBLICA 1 4 1 5 7 18
1970 / 1979 PRIVADA — 2 — 16 3 21 39
Fonte: INEP/SESu/MEC
Como podemos observar, enquanto os cursos públicos estavam representados em todas as regiões do País e em universidades, mesmo que de maneira desigual, os cursos em instituições privadas se concentravam na Região Sudeste, mais especificamente em São Paulo (14 cursos) e em faculdades isoladas. Esses dados nos revelam muito sobre as políticas educacionais do período, bem como a lógica da iniciativa privada que se expandia aceleradamente. Com foco diferenciado em relação às instituições privadas confessionais criadas entre os anos 1940 e 1960, “As novas instituições privadas, surgidas na década de setenta, passariam a organizar as suas atividades acadêmicas objetivando de forma prioritária a obtenção do lucro e a acumulação do capital. Na ausência de uma ideologia educacional própria, que justificasse a sua existência no campo pedagógico, estas instituições, captando com aguçado oportunismo político a ideologia do ‘desenvolvimento e segurança’, forjada pelo autoritarismo da época, se autoproclamariam como instituições voltadas para a ‘formação de recursos humanos’, buscando atender sem hesitação as demandas profissionais e intelectuais esboçadas pelo regime político vigente.” (MARTINS, 1988, p. 39) 21
POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
A concentração de oferta de cursos de formação de professores nas regiões mais desenvolvidas economicamente e urbanizadas revela a preocupação do setor privado educacional com as leis de mercado e não com questões do papel social da educação. Entre 1960 e 1970, “explode” o número de matrículas no ensino superior (crescimento de 360%). O Estado (em regime militar) expande a rede federal superior, que até 1964 contava com 20 Universidades pelo território nacional, para mais 14 até 1979. Nesse mesmo período, as privadas chegam 2/3 das instituições de ensino superior e com presença maciça no Sul e Sudeste. Tem-se “uma fase nova de integração, mas com especialização geográfica de produção material e imaterial” (Santos, 2000, p. 29). Não podemos justificar, no caso paulista, o grande número de cursos de Educação Artística apenas pelos desenvolvimentos educacional, artístico e cultural de seus centros urbanos. Boa parte das novas instituições superiores, autorizadas pelo Estado brasileiro, concentradas na Regiões Sul e Sudeste, eram instituições privadas de ensino médio. Essas mudaram para o nível superior de formação, mantendo-se, inclusive, nos mesmos prédios, a fim de visarem à crescente demanda de professores para as escolas públicas primárias e secundárias, uma vez que essas redes foram, significativamente, ampliadas pelo Governo. Já para o Estado dar condições legais de funcionamento para as instituições privadas, inclusive com subsídios, mostrava-se uma ótima estratégia de ampliação da rede de ensino superior, atendendo aos anseios das classes médias urbanas, sem os altos custos de investimentos necessários. Além da questão econômica, para o regime autoritário da época, o favorecimento de faculdades isoladas e focadas na formação profissional era bastante interessante para as estratégias de despolitização das classes docente e estudantil, que, no modelo universitário, encontravam mais oportunidades de organização e discussão políticas. Assim também, dentro das universidades, o desprestígio das áreas de humanidades em relação aos investimentos públicos, estrategicamente direcionados para as ciências aplicadas, era verificado. Entranhado em todo esse contexto, não podemos deixar de citar os acordos do governo brasileiro com as agências internacionais, inclusive com a contratação de assessoria. E, para a educação, o mais decisivo deles, os acordos MEC-SAID (United States Agency for International Development), firmados a partir de 1965, foram os orquestradores de toda a reestruturação da educação brasileira, em nome de uma política de desenvolvimento, nos três níveis (Básico, Médio e Superior). Os grandes críticos desses acordos, dentre eles a UNE, questionavam a quais interesses do governo americano serviam o desenvolvimento brasileiro? Às perguntas feitas, as respostas foram a repressão e a perseguição, incluindo aí a cassação do registro da UNE.
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
No caso da formação de professores de Artes, esses acordos resultaram na precariedade de recursos humanos e financeiros destinados aos cursos e em políticas educacionais voltadas para uma formação tecnicista e reducionista da concepção de docência. Geraram cursos que podemos chamar, sem peso na consciência, mas com pesar, de “vagos”. Cursos, em sua grande maioria superficiais e genéricos, desarticulados epistemologicamente e centrados nas técnicas artísticas com finalidade para o uso escolar em atividades para crianças e jovens. As licenciaturas curtas e polivalentes foram ter o seu fim na década de 1980, a partir de intensas discussões das sociedades científicas, entre elas a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), que, preocupadas com as licenciaturas nas áreas de física, química, matemática e biologia, iniciaram uma grande discussão e pressionaram o MEC a rever essa situação. Nas Artes, o Estado de São Paulo já contava com um grande número de professores licenciados, o que favoreceu encontros da área com expressiva participação e o início da organização política da classe em associações. Essas, articuladas nacionalmente na FAEB (Federação dos Arte-Educadores do Brasil), desenvolveram ações políticas em defesa do ensino de Artes e de sua valorização. 1.4. A ATUAL LEI DE DIRETRIZES E BASES PARA A EDUCAÇÃO NACIONAL E O ENSINO DE ARTE No campo acadêmico, como já ressaltado anteriormente, a ECA/ USP teve um papel relevante de multiplicadora e formadora de professores e pesquisadores de arte. Oriundos de outras universidades do País, vários professores vinham a São Paulo para se pós-graduarem e retornavam aos seus estados de origem levando as novas perspectivas e concepções para o ensino de Artes. Apesar da efervescência, em especial paulista, do movimento da Arte-Educação liderado pela prof ª. Dra. Ana Mae Tavares Barbosa, o sistema de ensino superior brasileiro vivenciava um período de quase estagnação, no tocante à expansão das redes e matrículas, que, na década de 1990 começaram a aumentar novamente. Dos cursos existentes atualmente e que foram criados entre os anos de 1980 e 1999, temos 12 cursos de Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas nas instituições públicas e 8 cursos nas privadas até o ano de 1996, antes da Lei 9.394/96. Inicialmente, no projeto do prof. Darci Ribeiro para a nova Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, a obrigatoriedade da Educação Artística de 5ª à 8ª iria ser retirada do texto e seu ensino passaria a ser complementar. A justificativa seria desobrigar a escola de trabalhar uma disciplina que se mostrava frágil e precária, diante da necessidade de ampliar a carga horária de Língua Portuguesa e Matemática para melhorar a qualidade dessas matérias na formação das crianças e jovens. Aventada essa possibilidade, as associações regionais de Arte-Educação 23
POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
realizaram inúmeras ações de repúdio à retirada da Educação Artística dos currículos escolares. Representações foram feitas junto ao MEC. Por fim, o texto da Lei 9.394/96 não só manteve a obrigatoriedade como ampliou-a para todas as séries do ensino fundamental. A esse respeito, preceitua o parágrafo 2º do artigo 26 que “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.”. Podemos considerar, do ponto de vista legal, uma importante conquista, mas existem as brechas na lei que permitem o cumprimento parcial bem como não há uma legislação que regulamente a profissão do licenciado em artes e a sua atuação nos espaços educacionais. São vários os casos de profissionais e licenciados de outras áreas que ministram aulas de artes. Outra importante mudança, fruto de conquista da classe, foi a substituição do termo “Educação Artística” por “ensino de arte”. Mais que uma nomenclatura, a referência “ensino de arte”, conceitualmente rejeita a formação polivalente e sinaliza para a formação nas linguagens artísticas específicas — artes visuais, música, dança e teatro. Com a nova lei, vários cursos de Educação Artística estão, nesses últimos 10 anos, separando as linguagens e reformulando os cursos e currículos. Assim, surgem as Licenciaturas em Artes Visuais, como também as de Música, Teatro e Dança. Essa é uma história em percurso que não tem o seu final. Nós, como professores e futuros professores, somos parte dessa trajetória histórica. SAIBA MAIS O Parecer CNE/CES nº 280/2007, aprovado em 6 de dezembro de 2007 das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Artes Visuais, bacharelado e licenciatura apresenta um breve histórico do Ensino das Artes no Brasil destacando O Parecer CNE/CES nº 195/2003, aprovado em 5/8/2003 e publicado em 12/2/2004, trata das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de graduação em Música, Dança, Teatro e Design, refletindo o referencial acumulado pelos profissionais da área no sentido de que a formação em curso superior contemple a especificidade das linguagens artísticas — e não mais a polivalência e a generalidade preconizadas pela Lei nº 5.692/71. Também, nesse parecer CNE/CES nº 280/2007, é apresentado o que se compreende de perfil do formando licenciado em Artes Visuais. No que tange à diferenciação entre licenciando e bacharelando, a Proposta de Diretrizes Curriculares do curso de Artes Visuais esclarece que, “através da
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
aquisição de conhecimentos específicos de metodologias de ensino na área, o licenciado acione um processo multiplicador ao exercício da sensibilidade artística” e, “além de artista/pesquisador, preparado para atuar no circuito da produção artística profissional e na formação qualificada de outros artistas, o bacharel em Artes Visuais tem a possibilidade de atuar em áreas correlatas, onde se requer o potencial criativo e técnico específicos. Da mesma forma, o licenciando pode desempenhar papéis nas diversificadas atividades paraartísticas”. Embora o perfil geral considere “profissionais habilitados para a produção, a pesquisa, a crítica e o ensino das Artes Visuais”, no perfil específico trata-se o bacharel como “artista/pesquisador” enquanto que, pela redação da proposta, o licenciado parece não precisar do perfil de pesquisador. Ora, o que caracteriza o pesquisador é a sua prática investigatória; e essa prática, certamente, é uma escolha profissional. Assim, a formação para a pesquisa, num curso de graduação, inclusive na área de Artes, deve ser fomentada em quaisquer modalidades, seja bacharelado, seja licenciatura. Sobre as competências destaca-se que Para a Licenciatura, devem ser acrescidas as competências e habilidades definidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais referentes à Formação de Professores para a Educação Básica. Em relação aos conteúdos curriculares e a carga horária complementar, o documento indica que Além do cumprimento dos créditos regulamentares, do licenciando será exigido: a) apresentar uma monografia sobre um tema das Artes Visuais; b) elaborar um projeto de curso a ser ministrado sobre esse tema; e c) submeter o resultado a uma banca de professores e profissionais da área, organizada e convidada pelo professor-orientador. Os conteúdos curriculares do curso de graduação em Artes Visuais, na modalidade licenciatura, devem satisfazer também ao disposto na Resolução CNE/CP nº 1/2002, publicada em 9/4/2002, litteris: I - o ensino visando à aprendizagem do aluno; II - o acolhimento e o trato da diversidade; III - o exercício de atividades de enriquecimento cultural; IV - o aprimoramento em práticas investigativas;
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
V - a elaboração e a execução de projetos de desenvolvimento dos conteúdos curriculares; VI - o uso de tecnologias da informação e da comunicação e de metodologias, estratégias e materiais de apoio inovadores; VII - o desenvolvimento de hábitos de colaboração e de trabalho em equipe. No Art. 4º, parágrafo único, indica-se que Para a Licenciatura, devem ser acrescidas as competências e habilidades definidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais referentes à Formação de Professores para a Educação Básica. No Art. 9º, que aborda o Trabalho de Conclusão de Curso — TCC, a cujo desenvolvimento e apresentação se obriga o aluno: I - para o licenciando: a) uma monografia sobre um tema das Artes Visuais; b) um projeto de curso a ser ministrado sobre esse tema; c) o resultado a uma banca de professores e profissionais da área, organizada e convidada pelo professor orientador. Art. 11 indica que Os cursos de graduação em Artes Visuais para formação de docentes, licenciatura plena, deverão observar as normas específicas relacionadas com essa modalidade de oferta. Para acessar o texto completo do Parecer CNE/CES nº 280/2007, aprovado em 6 de dezembro de 2007 Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Artes Visuais, bacharelado e licenciatura, consulte o link: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/ 2009/rces001_09.pdf. Para acessar a Resolução CNE/CES nº 1, de 16 janeiro de 2009, que aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Artes Visuais e dá outras providências, consulte o link: http://portal.mec. gov.br/cne/arquivos/pdf/2009/rces001_09.pdf
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
Para acessar a Resolução geral das Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores, acesse: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_02.pdf Ao acessar os links indicados abaixo, no Portal do MEC, você encontrará os Parâmetros Curriculares Nacionais, que indicam a disciplina Arte no Ensino Fundamental e Médio. • • •
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro06.pdf http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/arte.pdf http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
UNIDADE 2 Formação docente em Artes visuais no Brasil: um retrato atualizado 2.1. PANORAMA DOS CURSOS SUPERIORES DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ARTES VISUAIS NO BRASIL Neste nosso estudo sobre os cursos superiores de formação de professores de artes visuais no Brasil, não analisaremos os currículos nem os cursos na modalidade a distância. Focaremos nos dados levantados relativos às nomenclaturas, distribuição, pelo território nacional, das instituições públicas e privadas, dos cursos na modalidade presencial. Nos dados coletados no sistema do INEP, alguns ajustes precisaram ser realizados. Por exemplo, alguns cursos que constam nos números totais do MEC são cursos em fase de extinção ou que ainda não iniciaram, como o caso da Universidade Salgado Filho, que tem cursos registrados em Goiás e Bahia, mas que ainda não se iniciaram. Esses casos foram desconsiderados na relação de cursos. No Quadro 2, apresentamos os cursos atuais que se encontram registrados pelo MEC. Alguns desses, iniciados no primeiro semestre de 2008. QUADRO 2 REGIÕES
PÚBLICA
PRIVADA
TOTAL
NORTE
5
2
7
NORDESTE
6
2
8
CENTRO-OESTE
3
6
9
SUDESTE
14
52
66
SUL
12
24
36
TOTAL
40
86
126
Fonte: INEP/SESu/MEC
Do total de 126 cursos em funcionamento, 102 cursos se concentram nas Regiões Sul e Sudeste e apenas 24 nas demais regiões do País. Essa desigualdade confirma os estudos sobre a expansão do setor privado aqui citados. Por meio de tais estudos, expõe-se a escassez de cursos de licenciatura em Artes Visuais no País e revela-se a carência total de cursos de formação de professores no centro-norte-nordeste. São dados alarmantes, se os compararmos com os números do Censo 2000 28
POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
sobre o número de pessoas que frequentavam as escolas de ensino fundamental e o alunado de graduação no País. QUADRO 3 PESSOAS QUE FREQUENTAVAM ESCOLA, POR NÍVEL DE ENSINO, SEGUNDO A REDE DE ENSINO – CENSO 2000 FUNDAMENTAL
GRADUAÇÃO
REGIÕES
PRIVADA
PÚBLICA
TOTAL
PRIVADA
PÚBLICA
TOTAL
NORTE
217589
2871242
3088831
55295
67741
123036
NORDESTE
1198265
10284333
11482598
212192
261610
473802
CENTRO-OESTE
286788
2079025
2335813
168331
86303
254634
SUDESTE
1595369
10914696
12510065
1143837
289973
1433810
SUL
414035
4024689
4438724
431384
147380
578764
TOTAL
3712046
30173985
3388031
2011039
853007
2864046
Fonte: IBGE
No Quadro 3, verificamos o número elevado do alunado na Região Sudeste e que não corresponde proporcionalmente à diferença do Quadro 2. Verifica-se, pela relação entre o Quadros 2 e 3, a carência dos cursos de formação de professores de Artes Visuais no País, principalmente no centro-norte-nordeste. No Nordeste, são 8 cursos que vêm formando professores para mais de onze milhões alunos, que, pela Lei, deveriam ter aulas de artes. Resta-nos saber se as escolas cumprem efetivamente a carga horária destinada às artes. A certeza comprovada pelo que é verificado no cotidiano escolar e nos números das Secretarias de Educação é que não são apenas os professores licenciados que ministram essas aulas. As Artes Visuais têm uma posição privilegiada se a compararmos com as demais linguagens (música, dança e artes cênicas), que formam muito menos professores que vão para as escolas fundamentais. Um estudo de Pena (2000) mostra que, nos últimos dez anos, na Universidade Federal da Paraíba, formaram-se 253 alunos em artes plásticas, 124 em artes cênicas e 50 em música. O mesmo estudo revela que, na rede pública de ensino fundamental da região metropolitana de João Pessoa (Paraíba), atuavam 102 professores com habilitação em artes visuais, 29 em artes cênicas e apenas 4 em música. PARA REFLETIR Uma vez que não estamos lidando com dados de correspondência direta, nos Quadros 2 e 3, o que propomos é um olhar livre, panorâmico e exploratório, mas que pode revelar fortes indícios de nossa realidade. Não temos, no Brasil, muitos dados disponíveis sobre ensino de Arte. Muito ainda há que ser pesquisado.
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
DISTRIBUIÇÃO DOS CURSOS POR REGIÕES EM INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS 55 50 45
INSTITUIÇÕES PÚBLICAS
40
INSTITUIÇÕES PRIVADAS
35 30 25 20 15 10 5 0
NORDESTE
NORTE
CENTRO-OESTE
SUDESTE
SUL
O gráfico correspondente ao Quadro 2 propicia a visualização do nível de desigualdade, na distribuição dos cursos por regiões, bem como a oferta nas instituições públicas e privadas, principalmente no Sudeste. Se olharmos mais detalhadamente as Regiões Sul e Sudeste, veremos também uma série de desigualdades. O Estado de São Paulo se diferencia totalmente dos outros estados da Federação: possui o maior número de cursos. São 48 cursos que correspondem a 37,2% do total existente no País. Desse total, 42 são em instituições privadas e apenas 6 em instituições públicas. É a maior oferta privada, correspondendo praticamente a 50% do total brasileiro. Ao passo que o Espírito Santo tem apenas 1 curso, que é público, oferecido pela Universidade Federal do Espírito Santo. Enquanto Minas Gerais tem mais cursos públicos que privados, no Rio e São Paulo, predomina a oferta privada. Já na Região Sul, há uma melhor distribuição entre os estados, como se pode observar no Quadro 4 e seus respectivos gráficos. QUADRO 4 REGIÃO SUDESTE ESTADOS
PÚBLICA
PRIVADA
TOTAL
ESPÍRITO SANTO
1
0
1
MINAS GERAIS
5
2
7
RIO DE JANEIRO
2
8
10
SÃO PAULO
6
42
48
TOTAL
14
52
26
ESTADOS
PÚBLICA
PRIVADA
TOTAL
PARANÁ
4
4
8
RIO GRANDE DO SUL
5
8
13
SANTA CATARINA
3
12
15
TOTAL
12
24
36
REGIÃO SUL
30
POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
REGIÃO SUDESTE – DISTRIBUIÇÃO DOS CURSOS E INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS 42,5 40 37,5 35 32,5 30 27,5 25 22,5 20 17,5 15 12,5 10 7,5 5 2,5 0
ESPÍRITO SANTO
MINAS GERAIS
RIO DE JANEIRO
SÃO PAULO
INSTITUIÇÕES PÚBLICAS INSTITUIÇÕES PRIVADAS
REGIÃO SUL – DISTRIBUIÇÃO DOS CURSOS E INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS
QUANTIDADE DE CURSOS
12
INSTITUIÇÕES PÚBLICAS
11
INSTITUIÇÕES PRIVADAS
10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0
PARANÁ
RIO GRANDE DO SUL
SANTA CATARINA
Fonte: INEP/SESu/MEC
Em seguida, apresentamos os números detalhados das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Neles podemos observar a predominância da rede pública, sendo que os cursos , à exceção do Ceará, estão nas Universidades Federais. Os Estados de Rondônia e Tocantins, até o presente momento, segundo o INEP, não possuem cursos de formação de professores de Artes (Visuais ou Plásticas). As iniciativas privadas aparecem em maior número no Centro-Oeste, sendo que são cursos criados a partir da década de 1980.
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
QUADRO 5 REGIÃO CENTRO-OESTE ESTADOS
PÚBLICA
PRIVADA
TOTAL
DISTRITO FEDERAL
1
2
3
GOIÁS
1
0
1
MATO GROSSO
0
1
1
MATO GROSSO DO SUL
1
3
4
TOTAL
3
6
9
ESTADOS
PÚBLICA
PRIVADA
TOTAL
ALAGOAS
0
1
1
BAHIA
0
1
1
CEARÁ
1
0
1
PARAÍBA
1
0
1
PERNAMBUCO
1
0
1
PIAUÍ
1
0
1
RIO GRANDE DO NORTE
1
0
1
SERGIPE
1
0
1
TOTAL
6
2
8
REGIÃO NORDESTE
Fonte: INEP/SESu/MEC
Pelos dados, fica visível o desinteresse do setor privado nessas regiões, em relação aos cursos de artes. A oferta existente está concentrada nas áreas administração, turismo, moda, direito, pedagogia, saúde e nos cursos tecnólogos de curta duração. A formação de professores especialistas praticamente só existe nas instituições públicas e em número reduzido. O Governo Federal, que nunca evidenciou um real interesse pela formação de professores, está em uma encruzilhada e está buscando resolver a carência de professores especialistas pelo ensino a distância. Se atualmente podemos dizer que há uma política do Governo Federal para a formação de professores, essa se baseia na educação a distância. Isso vem gerando duras críticas da área educacional, que desconfia da qualidade de cursos não presenciais para a formação inicial de professores. Estamos diante de uma nova realidade educacional, ainda não temos números oficiais totalizados, mas o quadro de cursos que estão sendo implantados de formação de professores a distância, em poucos anos, virá a superar o quadro de cursos presenciais. Ainda não temos dados concretos para aferir a diferença qualitativa da relação entre formação inicial presencial e não presencial, mas isso não impede que façamos nossas reflexões e projeções acerca dessa nova realidade. 32
POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
PROBLEMATIZANDO Você, aluno de um Curso em Artes Visuais, na modalidade a distância, qual a sua opinião sobre essa questão da formação inicial presencial e não presencial de professores? QUADRO 6 EDUCAÇÃO ARTÍSTICA HAB. ARTES PLÁSTICAS / LICENCIATURA PLENA
LICENCIATURA PLENA EM ARTES (PLÁSTICAS OU VISUAIS)
REGIÕES
PÚBLICA
PRIVADA
TOTAL
PÚBLICA
PRIVADA
TOTAL
TOTAL GERAL
NORTE
3
0
3
3
1
4
7
NORDESTE
2
2
4
4
0
4
8
CENTRO-OESTE
0
2
2
3
4
7
9
SUDESTE
3
28
31
11
25
36
67
SUL
2
5
7
10
19
29
36
TOTAL
10
37
47
31
49
80
127
PÚBLICA
PRIVADA
TOTAL
PÚBLICA
PRIVADA
TOTAL
TOTAL GERAL
ESPÍRITO SANTO
0
0
0
1
0
1
1
MINAS GERAIS
0
2
2
5
0
5
7
RIO DE JANEIRO
1
4
5
1
4
5
10
SÃO PAULO
2
20
22
4
22
26
48
TOTAL
3
26
29
11
26
37
66
ESTADOS
PÚBLICA
PRIVADA
TOTAL
PÚBLICA
TOTAL
TOTAL GERAL
PARANÁ
2
0
2
2
4
6
8
RIO GRANDE DO SUL
0
4
4
5
4
9
13
SANTA CATARINA
0
1
1
3
11
14
15
TOTAL
2
5
7
10
19
29
36
SUDESTE ESTADOS
SUL PRIVADA
Fonte: INEP/SESu/MEC
No Quadro 6, são apresentados os cursos atuais que ainda utilizam a nomenclatura Educação Artística e os nomeados como Licenciatura em Artes Visuais ou Plásticas. Os estados do Sul e Sudeste, com a concentração maior de cursos, estão em separado para melhor visualização. Como a legislação não possui uma regulamentação específica para as Licenciaturas em Artes Visuais, os cursos estão livres para optarem 33
POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
por Artes, Artes Visuais, Artes Plásticas e/ou Educação Artística. Pelos dados, observamos que há um equilíbrio entre as nomenclaturas Educação Artística e Licenciatura em Artes, mas as Regiões Centro-Oeste e Sul são as que mais estão se adequando ao novo nome (Licenciatura em Artes Visuais ou Plásticas). Santa Catarina é o estado mais atualizado, com 14 dos seus 15 cursos usando a nova nomenclatura. Apesar da ampla maioria dos cursos criados após a Lei n. 9.394/96 ter optado pela nomenclatura Licenciatura em Artes Visuais, no Estado de São Paulo, há 6 cursos que foram criados com o nome Educação Artística após 1996. Como ainda vamos fazer o levantamento dos currículos, não podemos afirmar, mas há a suposição de que alguns cursos criados nessa última década, como também muitos entre os mais antigos, ainda seguem uma orientação polivalente. Essa é uma questão que vem gerando polêmica e entraves. Alguns concursos públicos (municipais e estaduais) não colocam em seus editais as novas licenciaturas por área, como também realizam provas polivalentes. 2.2. EXPANSÃO BRASILEIRA DOS CURSOS SUPERIORES DE FORMAÇÃO DOCENTE EM ARTES VISUAIS Em todos os números apresentados até aqui, o que nos chama mais atenção é a distribuição desigual da oferta de cursos. Dos 44 cursos do Estado de São Paulo, só a capital paulista conta hoje com 13 cursos, sendo 11 em instituições privadas e 2 cursos em instituições públicas. É uma oferta altíssima e que teve sua explosão nessa última década, como podemos observar, no Quadro, referente à criação dos cursos, e, no Gráfico 7 correspondente. QUADRO 7 CRIAÇÃO DOS CURSOS DE LICENCIATURA (ARTES PLÁSTICAS E VISUAIS) 1970 / 1979
1980 / 1989
1990 / 1999
2000 / 2009
REGIÕES
PÚBLICA
PRIVADA
PÚBLICA
PRIVADA
PÚBLICA
PRIVADA
PÚBLICA
PRIVADA
TOTAL
NORTE
1
—
2
—
—
—
2
2
7
NORDESTE
4
2
—
—
1
—
1
—
8
CENTROOESTE SUDESTE
1
—
1
3
—
—
1
3
9
5
16
5
2
2
5
2
29
66
SUL
7
3
—
1
1
5
4
15
36
TOTAL
18
21
8
6
4
10
10
49
126
TOTAL GERAL
Fonte: INEP/SESu/MEC
34
36
14
14
59
POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
CRIAÇÃO DE CURSOS: COMPARAÇÃO ENTRE PÚBLICAS E PRIVADAS 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0
PÚBLICA
PRIVADA
1970 / 1979
PÚBLICA
PRIVADA
1980 / 1989
PÚBLICA
PRIVADA
1990 / 1999
PÚBLICA
PRIVADA
2000 / 2009
É muito interessante observarmos a curva que, indutivamente, o Gráfico 7 nos apresenta. A primeira expansão, com a criação dos cursos de Educação Artística na década de 1970, com a Lei 5.692/71, seguido de um severo declínio nas décadas de 1980 e 1990 até a promulgação da Lei 9.394/96, que retoma a curva ascendente, com uma elevação fortemente acentuada do setor privado. São dois os principais pontos a serem analisados nesse fenômeno e que estão interligados. De um lado, tem-se os dois grandes momentos de expansão da rede superior de ensino, em especial da privada, ocorridos após a Reforma de 1968 e, durante os Governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, já no final dos anos 90 do século XX e início do século XXI. A Reforma de 1968 e o final dos anos 90 do século XX e início do século XXI são dois períodos marcados pela forte relação do Governo com os organismos e agências internacionais e pelas transferências dos recursos públicos para o setor privado da educação. Segundo Siqueira (2004:47-51), nas últimas décadas, os interesses econômicos e comerciais vêm dominando as políticas públicas para a educação. Essa situação se evidencia nos relatórios e nas ações do Banco Mundial, que desde 1960, atua na área educacional. A visão desse período “de educação como formadora de mão-de-obra especializada necessária ao processo de desenvolvimento” desdobra-se em discursos do final do século XX e início do XXI de “alívio da pobreza no mundo”, somando-se aos da “coesão social”, da “sociedade do conhecimento” e da “eficiência de gestão do Estado”. Na prática, segundo a autora, esses discursos só favoreceram e ainda favorecem os setores privados nacionais e, em especial, os internacionais ligados à educação, uma vez que predomina a ideia de educação como uma importante e estratégica área de serviços e comércio, para o desenvolvimento e competitividade das nações. No Brasil, essas políticas refletiram na opção do Estado em passar à iniciativa privada recursos e a ocupação do setor educacional superior, mas sem abrir mão de algumas áreas consideradas estratégicas, como também dos cursos que precisariam existir, mas que não teriam interesse 35
POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
por parte do setor privado. Atualmente, com uma rede privada que representa mais de 80% do ensino superior brasileiro, fica claro que, se inicialmente o setor privado complementava o setor público, quem exerce esse papel complementar hoje é o Estado. O forte poder do setor privado, ao longo do século XX, teve inúmeras conquistas legais relativas à expansão, autonomias administrativa e acadêmica, liberdade na criação e abertura de cursos e de instituições isoladas, fixação de números de vagas e dissociabilidade entre ensino, extensão e pesquisa. Para Sampaio (2000, p. 155), essa crescente liberalidade levou o Estado a condição atual em que o foco maior é na avaliação dos cursos e de seu desempenho na qualidade formativa a fim de credenciálos e validá-los, ou não. “Hoje, o controle do governo federal sobre o ensino superior, ainda que traga algumas marcas da continuidade histórica, como a organização do sistema e sua subordinação a um orgão central de controle, articula novos elementos e apresenta a contemporaneidade dos problemas e desafios que a interação entre Estado e sistema de ensino superior envolve”. Mas no caso da formação de professores de Artes Visuais, não são somente esses os fatores que determinam a curva induzida do gráfico correspondente ao Quadro 7. Um outro ponto relevante para analisarmos e que se reflete no gráfico é a mudança paradigmática do ensino e aprendizagem em arte, ocorrida nas últimas décadas. O declínio do gráfico, nos anos 1980, revela a perda de identidade dos cursos de formação de professores de Arte promovida pela criação e implantação dos modelos formativos (MEC/USAID), na década de 1970. A arte passa a ser obrigatória na lei escolar, mas, nos contextos social, escolar e cultural, passa a ser controlada, cerceada e modelada. Com a abertura política e o reaprendizado dos convívios político, social e cultural, nos anos 1980/1990, mediado por conhecimentos forjados nas pesquisas, houve uma retradução do sentido da Arte para a Educação. Esse movimento possibilitou a criação de uma nova identidade para o ensino de arte, a chamada Arte-educação, e realizou uma grande proeza em convencer a Educação de que esta não pode mais existir sem a Arte. Esse processo abriu um campo profissional vastíssimo para os professores de arte, dentro e fora das escolas. Os centros culturais mais desenvolvidos se tornaram o foco da criação das licenciaturas em artes. Dessa reflexão, podemos compreender então o “boom” dos cursos em São Paulo, uma vez que ali foi o epicentro desse fenômeno. O setor privado, como hábil leitor das realidades e tendências, não poderia deixar passar esse filão. Mas fica uma dúvida sobre a qualidade dos cursos de formação de professores. Será que vamos repetir a velha história? Pois as considerações apresentadas, nesse estudo, dão-nos motivos suficientes para pesarmos negativamente a qualidade dos cursos de formação docente em artes surgidos na década de 1970. Mais grave ainda 36
POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
era (e ainda é) o descompromisso com a qualidade de ensino e a pesquisa nas grande maioria das instituições privadas. É claro que os dias são outros, mas é preciso compreender que os problemas perduraram pelas décadas seguintes e, em grande parte, ainda não foram superados. Mesmo com o fim das licenciaturas curtas polivalentes, nos anos 1980, e com o crescimento das pesquisas em Ensino de Artes e a Lei 9.394/96, os reflexos desse início complexo e descompassado da formação de professores de nossa área, ainda estão fortemente presentes nas salas de aulas de artes em todo o território nacional. Segundo Santos (2000, p. 31), a irradiação do meio técnico-científico-institucional, em especial no Sul-Sudeste e em pontos do território nacional “é a cara geográfica da globalização”. Por um lado, aumenta-se a integração, mas também, por outro, acentuam-se as graves diferenças e distorções nos âmbitos sociais, econômicos, produtivos, educacionais e culturais. Os números apresentados por esse estudo, que revelam a desigualdade na distribuição territorial dos cursos de formação de professores de artes, alertam-nos para o longo caminho a ser percorrido e ocupado. PARA REFLETIR Volte seus olhos para o mapeamento do contexto educacional que foi feito anteriormente e reflita sobre como essas políticas de formação de professores no Brasil se relacionam com o contexto mapeado.
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CANDAU, V. M. F. (coord.). O caminho percorrido: dos primeiros cursos de nível superior de formação de professores à situação atual. In: Novos rumos da licenciatura. Brasília: INEP, Rio de Janeiro: PUCRJ, 1987. CASTRO, CLÁUDIO DE MOURA. A difícil escalada no rumo da universidade. Planejamento e desenvolvimento. Brasília: v. 1, n. 10, p.12-15, abr.1974. MARTINS, Carlos Benedito. O novo ensino superior privado no Brasil (19641980). In: MARTINS, C.B. (org). Ensino superior brasileiro: transformações e perspectivas. São Paulo: Brasiliense, 1988. PENNA, M. Professores de música nas escolas públicas de ensino fundamental e médio:uma ausência significativa. In: Revista da ABEM. n. 7. Porto Alegre: ABEM, 2002. SAMPAIO, Heloisa. Evolução do ensino superior brasileiro, 1908-990. NUPES, USP, 1991. _____________. Ensino superior brasileiro: o setor privado. São Paulo: FAPESP, 2000. SANTOS, M. E SILVEIRA, M.L. Ensino superior público e particular e o território brasileiro. Brasília: AMBES, 2000. SCEA. Arte e Cultura da América Latina. Sociedade Científica de Estudos da Arte.V. 18 (2º sem. 2007). São Paulo: Terceira Margem, 2007. SIQUEIRA, Angela C. de. Organismos internacionais, gastos sociais e reforma universitária do Governo Lula. In: Reforma Universitária do Governo Lula: reflexões para o debate. São Paulo: Ed. Xamã, 2004. SUCUPIRA, N. Da Faculdade de Filosofia à Faculdade de Educação. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.5 n. 114, p. 261-276, abr./ jun.,1969. Sites Consultados: http://portal.mec.gov.br/
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE ARTES NO BRASIL
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AteliĂŞ de Arte e Tecnologia I: Fotografia e VĂdeo Professoras autoras: Dra. Rosa Maria Berardo e MSc. Ana Rita Vidica
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA I: FOTOGRAFIA E VÍDEO
APRESENTAÇÃO Prezado(a) aluno(a), Chegou o momento da Fotografia e do Vídeo! Imagens fixas e em movimento iniciam um diálogo com você. E como as imagens falam? Esse é o enfoque principal deste módulo, entender a fala, a linguagem das imagens, da fotografia ao vídeo, mesclando a teoria e a prática. O primeiro assunto abordado faz um retorno aos primórdios da fotografia, relembrando e aprofundando o item “O Surgimento da Fotografia” dado no módulo “Do Romantismo ao Impressionismo”. Além disso, você poderá construir a sua própria câmera fotográfica artesanal, desvendando como se fotografava no século XIX. A partir disso, poderá descobrir o funcionamento de uma câmera fotográfica de filme e de uma digital. Assim, você poderá tirar a sua câmera do armário e tirar fotos, sabendo o que está fazendo e por quê. Nesse sentido, serão valiosos os conhecimentos de composição fotográfica. Depois que estiver “craque” na linguagem fotográfica, é hora de refletir sobre as imagens em movimento, entender o que são planos, sequência, ângulos e outros termos do cinema que são apropriados em vídeo. Assim, poderá criar as suas primeiras narrativas videográficas. DADOS DA DISCIPLINA EMENTA Aspectos históricos da fotografia: séculos XIX e XX. Do Pinhole à imagem digital. Princípios básicos (físico, químico, teórico, estético) da fotografia. A fotografia e o vídeo, como meios de expressão e representação, como linguagem e meio de comunicação.
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA I: FOTOGRAFIA E VÍDEO
UNIDADE 1: HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA 1.1. A PRÉ-HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA 1.2. OS INVENTORES DA FOTOGRAFIA 1.3. FOTOGRAFIA PINHOLE UNIDADE 2: FOTOGRAFIAS: COMO SÃO FEITAS, PARA QUEM E POR QUÊ? 2.1. FOTOGRAFIA COMO DOCUMENTO 2.2. A ILUSTRAÇÃO DOS JORNAIS A PARTIR DAS FOTOGRAFIAS DOCUMENTAIS 2.3. FOTOGRAFIA E CULTURA 2.4. FOTOGRAFIA E IMAGEM EM MOVIMENTO — PARTE 1 UNIDADE 3: FOTOGRAFIA E ARTE 3.1. MOVIMENTO PICTORIALISTA 3.2. A FOTOGRAFIA NA ARTE MODERNA UNIDADE 4: TÉCNICA E ESTÉTICA FOTOGRÁFICA 4.1. CÂMERAS FOTOGRÁFICAS 4.2. TIPOS DE OBJETIVAS E SEUS RESULTADOS ÓPTICOS NA FOTOGRAFIA 4.3. COMPOSIÇÃO E ENQUADRAMENTOS NA FOTOGRAFIA 4.5. LUZ E ILUMINAÇÃO NA FOTOGRAFIA 4.6. FOTOGRAFIA E IMAGEM EM MOVIMENTO — PARTE II
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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA I: FOTOGRAFIA E VÍDEO
UNIDADE 1 História da Fotografia 1.1. A PRÉ-HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA É preciso voltar a Aristóteles (384-322 a.C.) para encontrarmos as primeiras referências a uma curiosa caixa escura perfurada, que, por um pequeno buraco, permitia visualizar, na sua parede oposta, a projeção inversa da realidade exterior (estenoscópio). Em 1559, Jerônimo Cardan, matemático e filósofo italiano, melhora esse procedimento por meio da adição de uma lente de vidro e, assim, oferece aos pintores um instrumento que lhes possibilita representar o mundo em três dimensões: a câmera obscura. Leonardo da Vinci foi um dos primeiros pintores a usar esse instrumento para realizar sua pintura. Ele utilizava a câmera escura para captar a imagem dos objetos ou paisagens que queria desenhar. A imagem, ao entrar pelo orifício da câmera, era projetada de maneira inversa no fundo da mesma, e o artista desenhava por cima daquilo que via. Um espelho foi colocado para receber a luz, e então a imagem que antes era invertida chegava ao fundo da caixa na posição correta.
FIGURA 1 – Princípio da câmera escura. Desenho de A. Kircher, Amsterdan, 1671, Biblioteca Nacional, Madrid
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA I: FOTOGRAFIA E VÍDEO
FIGURA 2 – Câmera escura portátil para desenho de natureza, desenho do físico Brisson, Paris, 1781
Observe que, no desenho de Kircher (Figura 1), um artista posiciona-se dentro da câmera escura capturando os traços luminosos de uma paisagem projetados em sua tela pelo fenômeno óptico da entrada de luz pelo orifício da caixa. Essa era uma técnica utilizada por vários pintores na época. Na câmera escura portátil desenhada por Brisson (Figura 2), podemos acompanhar o processo de inversão da imagem, quando ela entra na câmera, e sua reinversão quando é refletida pelo espelho. Nas Figuras 1 e 2, é mostrada a operação, em forma de ilustração, de uma câmera escura. Essa se configura em um compartimento fechado, pode ser um quarto inteiro, como na Figura 1, ou uma pequena caixa, como na Figura 2. O importante é que nesse compartimento (quarto ou caixa, por exemplo) haja um orifício, por onde passa a luz, entrando os raios luminosos que estavam em contato com o objeto. A partir do momento que esses raios entram no compartimento, formam a imagem, no seu lado oposto, de maneira invertida. O importante é que esse compartimento esteja totalmente vedado à luz, permitindo a sua entrada somente pelo orifício. Com a câmera escura, tinha-se o princípio da formação da imagem. O passo posterior foi a busca pela fixação das imagens formadas no interior da câmera escura, que se deu pela confluência de vários pesquisadores, que trabalhavam de maneira independente (BENJAMIN, 1994, p. 91). No que se refere ao processo químico, a ação da luz sobre certas superfícies já era conhecida há muitos séculos, antes de Cristo, pelos pintores que tinham problemas com a fixação das cores. No início do século XVIII, Johann Heinrich Schulze (1687-1744) demonstra que os sais de prata reagem à ação da luz. Se o século XIX é considerado o século de inúmeras invenções que estabelecem nossas condições de vida, é porque nele houve o advento da industrialização. Os artesãos deixam de fabricar, eles mesmos, seus objetos para a venda, para ingressar, como assalariados, em cujo sistema a invenção de máquinas permite a fabricação em grande escala. O nascimento do capitalismo e da economia de mercado implica a concorrência competitiva: trata-se de produzir a um custo menor. Nesse 45
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA I: FOTOGRAFIA E VÍDEO
contexto, vão ocorrer turbulências sociais: o crescimento da burguesia (classe que tem dinheiro) e a proletarização dos artesãos, que deixam suas comunidades para se instalar nas cidades, perto das indústrias. A pintura havia, até então, suprido à necessidade de representação da realidade. As novas exigências, tanto do ponto de vista econômico quanto do social, eram produzir, em menor tempo e com menor custo, os objetos de uma maneira idêntica e perfeita. Logo, a fotografia responde a todas essas exigências. Sabemos que as invenções são fruto de conhecimentos acumulados em várias áreas e, com a fotografia, esse processo não foi diferente. Os conhecimentos ópticos e químicos existiam há muito tempo, mas foi preciso agrupá-los num mesmo fim para que, em 1839, fosse realizada uma das maiores invenções do século XIX. Toda invenção é condicionada às necessidades da sociedade, e como o século XIX necessitava de uma ruptura na ordem das representações, inventou-se a fotografia. Conheça algumas datas e inventores importantes, anteriores ao que se considerou, oficialmente, a descoberta da fotografia. • 1725 — Johann Heinrich Schulze descobriu que o escurecimento dos sais de prata ocorria devido à luz e não ao calor. • 1757 — John Dollond — óptico inglês — construiu as primeiras lentes para telescópio adaptadas à câmera escura. • 1777 — Karl Scheele descobriu que o amoníaco atua como fixador de imagens. • 1802 — Thomas Wedgwood obteve imagens mediante a ação da luz sobre o couro branco impregnado de nitrato de prata. SABIA MAIS Reveja o filme “Moça com Brinco de Pérola” (Girl with a Pearl Earring) do diretor Peter Webber, lançado em 2003. Perceba o uso de uma câmera escura, como auxiliar para a pintura, feito pelo pintor holandês Joahannes Vermmer, no século XVII.
PROBLEMATIZANDO Como criar uma câmera escura? Criar uma câmera escura é bem simples. Basta pegar um recipiente que possa ser totalmente vedado à luz (exemplo: caixa, lata), pinte o interior todo de preto (com spray ou papel, ambos de cor preta).Você retira um dos lados do recipiente e o cobre com um papel vegetal. No lado oposto você faz um furo com uma agulha.
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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA I: FOTOGRAFIA E VÍDEO
FIGURA 3 – Modelos de recipientes para a construção de uma câmera escura.
FIGURA 4 – Câmera escura artesanal, por dentro e por fora.
Para ver a imagem de um objeto através da sua câmera escura, escolha um dia bem ensolarado. Ao ar livre, cubra-se com um pano preto, de maneira que o lado do recipiente com o furo fique para o lado de fora, apontando para um objeto que esteja bem iluminado. Você verá a imagem invertida do objeto que está a sua frente, tanto de cabeça para baixo como da esquerda para a direita. Essa imagem será vista da mesma maneira que os nossos olhos enxergam. Contudo, não “vemos” de fato assim, pois o cérebro faz a conversão para vermos “tudo como é”. A fabricação de uma câmera escura caseira pode ser utilizada como instrumento de aprendizado em sala de aula, para que o aluno entenda melhor a relação das imagens na nossa sociedade e veja de fato como se dá a formação da imagem, mesmo nas câmeras fotográficas modernas.
FIGURA 5 – Utilização da câmera escura na prática.
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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA I: FOTOGRAFIA E VÍDEO
1.2. OS INVENTORES DA FOTOGRAFIA Podemos dizer que dois homens foram responsáveis pela invenção da fotografia: Nièpce e Daguerre. Foi em Chalon-sur-Saône, na França, que Nicéphore Nièpce (1765-1833) começa a pesquisar uma maneira de fixar as imagens obtidas através da câmera escura. Em uma de suas experiências, Nièpce utiliza uma camada fotossensível de betume da Judeia, sobre uma placa exposta ao sol, obtendo assim os seus primeiros resultados, batizados de heliografia (escrita do sol). Calcula-se que a exposição durou cerca de oito horas em um dia de verão, com uma câmera fabricada pela casa de óptica de Vicent e Charles Chevalier. Esse processo tinha o inconveniente da baixa velocidade e pouca qualidade da imagem. Em 1829, ele se associa a um decorador de teatro parisiense, Jacques Louis Mandè Daguerre (1787-1851), que buscava realizar imagens para seus espetáculos a partir da câmera obscura. Nièpce morre em 1833 e, a partir de suas pesquisas, surge em 1839 a invenção do primeiro procedimento fotográfico: o daguerreótipo. Esse procedimento consiste em uma aplicação de emulsão de sais de prata sobre uma placa polida de cobre, que é exposta à luz dentro da câmera escura. Depois, a placa é revelada nos vapores de mercúrio. A técnica permitia realizar imagens de boa qualidade, mas não era possível a sua reprodução, pois ainda não havia o negativo. Com essa sequência técnica já desenvolvida, era possível capturar, revelar e fixar traços de uma imagem sobre uma superfície fotossensível. Em 03 de julho de 1839, a Daguerreotipia foi apresentada na Academia Francesa de Ciência e Belas Artes pelo astrônomo e deputado François Arago para que a sua patente pertencesse ao governo francês. A câmara dos deputados e a câmara dos pares adotaram por lei a compra da patente da invenção do daguerreótipo. Confira um trecho do discurso proferido por Arago, membro da câmara e deputados da França, em defesa da daguerreotipia a partir de um elogio ao domínio das novas técnicas, da astrofísica à filologia.
FIGURA 6 – Vista da janela na cidade Le Gras, heliografia de Nicéphore Nièpce, 1826-1827.
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FIGURA 7 – Slogan da Kodak.
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA I: FOTOGRAFIA E VÍDEO
Quando os inventores de um novo instrumento o aplicam à observação da natureza, o que eles esperavam da descoberta é sempre uma pequena fração das descobertas sucessivas, em cuja origem está o instrumento. (BENJAMIN, 1994, p. 93).
A invenção do negativo ocorreu em 1839 por Hippolyte Bayard, que conseguiu imagens sobre papel diretamente positivas, mas a qualidade era muito ruim e não convenceu as pessoas. O inglês William Henry Fox Talbot (1800-1877) misturou nitrato de prata com ácido gálico em cima de uma folha de papel e, dessa forma, obteve o primeiro negativo: o calótipo, que, com a prova-contato permite realizar uma série de imagens positivas. Melhorias na arte química são acompanhadas de tantas outras na área óptica e, assim, a fotografia conquista público e adeptos para essa nova forma de reprodução de imagens. Há um boom de vendas de máquinas de daguerreotipia, e o retrato de paisagens e portraits se populariza. Com o tempo, o processo de obtenção da imagem através do daguerreótipo decai em função do surgimento de novas técnicas mais eficazes. Em 1851, o inglês Frederic Scott Archer desenvolve a técnica de negativo de vidro que, por ser transparente, permite a ampliação de várias cópias da imagem obtida. Essa reprodutibilidade dá à fotografia seu caráter midiático, que seria o poder que a imagem fotográfica tem de reproduzir a informação e atingir um grande número de pessoas devido a essa reprodutibilidade técnica. Depois de Daguerre, com a descoberta, pelo menos oficial, da fotografia e do negativo por Talbot e a consequente possibilidade de reprodução do negativo, outros inventos foram importantes para diminuir o tempo de exposição e melhorar a qualidade da imagem, até chegar ao que conhecemos da fotografia analógica (de filme). São eles: • Niépce da Saint-Victor, em 1847, descobriu que a clara de ovo ou a albumina era uma solução adequada ao iodeto de prata. • Frederick Scott Archer, em 1851, desenvolve o processo do “colódio úmido”, solução de piroxilina em partes iguais de álcool e éter a fim de unir os sais de prata. • Richards Leach Madox, em 1871, desenvolveu as placas secas, emulsão à base de gelatina com brometo de prata (1/25s de exposição, fazendo do obturador uma necessidade). • Herman Vogel, em 1873, criou a primeira placa seca ortocromática. • Habbibal Goodwin, em 1888, inventou o filme à base de nitrocelulose, o qual veio a substituir o papel sensível. Com os processos descritos acima, a produção de fotografias era acessível a poucas pessoas, àquelas que possuíam conhecimentos de física e química. Contudo, em 1888, George Estman, um fabricante de placas secas para fotografia, cria a primeira câmera portátil, a Kodak número 1. 49
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA I: FOTOGRAFIA E VÍDEO
A Kodak número 1 era vendida por 25 dólares. Ela era uma câmera tipo caixão, usava uma filme de papel sensível com 608 x 7 cm, suficiente para tirar 100 negativos circulares de 3,8 cm de diâmetro. Com isso, qualquer pessoa poderia fotografar, bastando apertar o botão de disparo, o que seria semelhante às câmeras fotográficas digitais amadoras, chegando-se à popularização da fotografia. VOCÊ SABIA? Hippolyte Bayard, ao descobrir que a invenção da fotografia fora atribuída à Daguerre e que o seu nome não comporia o “hall” dos inventores, faz seu autorretrato (Figura 8) como se fosse um moribundo, atribuindo à fotografia a morte do seu invento.
FIGURA 8 – Autorretrato de Hippolyte Bayard (1801-1887)
DICA Em 1844, Talbot publicou o primeiro livro do mundo ilustrado com fotografia, “The pencil of nature”. Um trecho desse texto pode ser encontrado no livro “Estética Fotográfica”, de Joan Fontcuberta, da Editora Gustavo Gilli.
1.3 FOTOGRAFIA PINHOLE Etimologicamente, Fotografia é: Foto (Luz) e Grafia (Escrita), ou seja, escrita da luz. Logo, para se obter uma fotografia, é imprescindível a presença da luz, cujo contato com um material sensível possibilitará a fixação da imagem no mesmo. Com a câmera escura, o processo 50
ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA I: FOTOGRAFIA E VÍDEO
de formação da imagem fotográfica já estava posto, sendo, então, uma máquina de ver imagens. Contudo, só com a câmera fotográfica (daguerreótipo, talbótipo, calótipo) é possível fixar uma imagem. Logo, a diferença entre a câmera escura e a câmera a que se atribuiu a descoberta da fotografia — o daguerreótipo — é a utilização de materiais que em contato com a luz possibilitam a fixação de uma imagem. As câmeras fotográficas, como conhecemos hoje, frutos do avanço tecnológico, ganharam lentes para melhorar a nitidez da imagem, elementos para controlar a quantidade de luz que entra na câmera e atinge o material sensível, o diafragma e o obturador, que serão trabalhados adiante. Contudo, ainda é possível experienciar o modo de fotografar dos primórdios da fotografia, como visto no texto “História Resumida da História da Fotografia”, através da utilização de uma câmera de orifício ou uma câmera Pinhole.
FIGURA 9 – Momento da Fotografia. Criança faz experiência de pinhole em oficina
FIGURA 10 – Conjunto de Fotografias obtidas a partir de câmeras pinhole
O termo em inglês Pinhole significa “Buraco de Agulha”. O seu funcionamento segue o princípio da câmera escura, ou seja, a luz entra pelo orifício (buraco feito por uma agulha), formando a imagem na parede oposta, que, ao invés de ser simplesmente uma parede (pintada de branco ou feita com um papel vegetal), ela permanece preta; e ali é colocado um material sensível à luz, sendo capaz de fixar a imagem, assim como uma câmera fotográfica. Dessa maneira, há a “escrita da luz”. A entrada da luz se dá pelo orifício e a chegada no material sensível, “escrevendo”, assim, os traços imagéticos de um objeto real. Como os daguerreótipos, as Pinholes não possuem obturador para o controle do tempo de exposição. E, devido ao fato da entrada de luz se dar por um orifício muito pequeno, o diâmetro de uma agulha, o 51
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tempo de exposição deve ser longo e contado pelo fotógrafo. Como é simples e de custo baixo, o processo de construção de uma câmera artesanal torna-se um poderoso instrumento para uma possível pedagogia imagética, uma vez que pode ser feito por um fotógrafo experiente como também por uma criança em processo de aprendizagem. Como no Pinhole não existe um visor, elemento da câmera fotográfica em que se vê o que será fotografado, ou uma objetiva, que determina o que será captado pela câmera, as fotografias são sempre experiências únicas. Nesse sentido, “o fotógrafo não trabalha com o aparelho, mas brinca com ele. Sua atividade evoca a do enxadrista: este também procura lance ‘novo’ a fim de realizar uma das virtualidades ocultas no programa do jogo.“(FLUSSER, 2002, p. 23). Como mostram as fotografias, as imagens obtidas em câmeras pinhole aparecem invertidas (como nas câmeras escuras) e em negativo. Mas, podem ser escaneadas e transformadas em positivo.Como mostram as fotografias, as imagens obtidas em câmeras pinhole aparecem invertidas (como nas câmeras escuras) e em negativo. Mas, podem ser escaneadas e transformadas em positivo.
FIGURA 11 – Fotografia tirada mais distante do objeto
FIGURA 12 – Fotografia tirada mais próxima do objeto
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FIGURA 13 – Fotografia com uma pessoa em movimento
Como exposto, o fotógrafo não só fotografa com uma pinhole, como também produz a sua própria câmera, podendo adentrar no processo da fotografia desde a formação à fixação da imagem. “Com as pinholes, o fotógrafo passa a fazer parte da caixa preta, como se pudesse viver na câmera.” (GOUVEIA, Revista Studium, Edição 24). Assim, é possível estabelecer uma nova relação com as imagens e uma nova forma de compreensão do fazer fotográfico. SABIA MAIS Você pode transformar uma câmera fotográfica comum em uma câmera pinhole. Para isso, sua câmera precisa ter possibilidade de controle manual.Verifique e ajuste o tempo máximo de exposição manual da sua câmera. Depois, coloque um papel preto na frente da lente. Se a objetiva for cambiável, retire-a e coloque o papel preto na sua frente, furando-o com uma agulha. Neste tipo de experiência, assim como no pinhole digital, há a soma da técnica pinhole e o equipamento convencional.
A câmera pinhole adquire importância fundamental, hoje, pois desmistifica o imediatismo da fotografia dado pela câmera digital. Contudo, a fotografia digital também pode-se tornar uma pinhole. Basta retirar a objetiva e colocar uma papel preto com o furo de uma agulha no lugar. É necessário que a sua câmera digital tenha controle manual, para que possa controlar o tempo de exposição. Com a câmera no modo manual e o papel no lugar da objetiva (ou na frente dela, caso a objetiva não seja cambiável), é só fotografar. O processo é semelhante ao pinhole, 53
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contudo a captação da imagem se dá digitalmente. Com isso, a imagem não sairá invertida. Entretanto, as experimentações serão as mesmas; a diferença é que a imagem aparece na hora.
FIGURA 14 – Fotografia feita com um pinhole digital na Praça Cívica de Goiânia-GO
SAIBA MAIS O Pinhole é tão conhecido, que tem até um dia especial, o Pinhole Day (entre no site http://www.pinholeday.org e veja uma galeria de fotos), que é o último domingo do mês de abril de cada ano. Essa data é comemorada no mundo todo. Nesse dia, várias associações e grupos de fotógrafos (sejam profissionais ou não) se reúnem em suas cidades e tiram fotografias com câmeras pinhole. No Brasil, o Grupo Fotoativa, coordenado por Miguel Chikaoka, criou o Pinhole Day Belém. A partir da possibilidade de construção de câmeras pinhole e a produção de fotografias a partir delas, muitos fotógrafos e associações de fotógrafos se inspiraram a criar projetos que fomente a utilização destas câmeras. Alguns deles são: - Pinhole Day — Grupo Fotoativa — Belém, PA (http://www.fotoativa. org.br/pinholeday.html) - Escola do Olhar — Imagemágica — São Paulo. SP (http://www.imagemagica.org/projetos_escola.asp) - FotoLata — Imaginar Espaço Fotográfico — Brasília, DF (http://fotoclubef508.wordpress.com/2009/04/02/projeto-fotolata-pinhole-day/)
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Para saber mais, leia o artigo “A imagem pelo furo da agulha ”, breves pensamentos sobre pinhole” de Fábio Gouveia, publicado na Revista Studium, Edição 24, que pode ser acessado no site (http://www.studium.iar. unicamp.br/24/06.html).
PROBLEMATIZANDO Compreenda como é construída uma câmera pinhole. A construção de uma pinhole é bastante semelhante a de uma câmera escura. Logo, você deve pegar um recipiente que possa ser totalmente fechado, pinte o interior de preto e fure um dos lados com uma agulha. Do outro lado, será colocado o material sensível à luz: pode ser um filme ou papel fotográfico. Quando for construir a sua câmera, atente-se para os detalhes: • Quanto maior a câmera, maior o tempo de exposição porque a luz se “enfraquece” à medida que passa do furo ao lado do material sensível. • O tamanho e o formato das imagens dependem do tamanho e formato da câmera. Câmeras cilíndricas produzem imagens com mais elementos e, se próximas dos objetos, podem distorcê-los (como as objetivas grande-angulares); e, se forem câmeras quadradas, produzem imagens sem distorções (semelhantemente às objetivas normais). • Se o furo estiver longe do material sensível à luz, mais próxima fica a imagem (como se fosse uma teleobjetiva). E, quanto mais perto o furo, mais elementos entram na foto (como as objetivas grande-angulares). • Quanto maior o orifício, menor tem de ser o tempo de exposição à luz. Contudo, menos nitidez haverá na foto. • Ao colocar o material sensível à luz, lembre-se: se for um filme fotográfico, caso ele não esteja dentro de um recipiente vedado à luz, deve ser colocado no escuro, uma vez que o filme é pancromático, ou seja, é sensível a todas as cores do espectro. Caso escolha um papel fotográfico, coloque-o em uma sala vedada à luz, exceto luzes vermelhas, já que o papel é ortocromático, ou seja, sensível a todas as cores, exceto às vermelhas. Com a construção da câmera, saia pra fotografar. Mas, prefira fotografar ao ar livre. Se for um dia de sol, o furo fica destampado, em média, de 15 a 60 segundos. Se nublado, o tempo aumenta para 2 a 4 minutos. Lembre-se de que, como os tempos de exposição são longos, para a foto não sair tremida, apoie a câmera em uma superfície fixa.
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Depois de feitas as fotografias, é necessário revelá-las. Caso você tenha usado um filme comprado na loja, leve para revelar lá. Mas, se tiver comprado filme ou papel de revelação manual, você deve preparar os banhos reveladores e fixadores, para posterior lavagem e secagem do material. É interessante fazer dessa maneira, pois permite ver a “imagem” surgindo, como nas cenas de filmes. Para isso, monte um laboratório em casa, na escola. Basta vedar as janelas do local com plástico ou papel preto e montar as bacias com os químicos (verifique com o formador onde adquirir esses materiais). Após esse processo, coloque as fotografias para secar. E, posteriormente, você pode mostrar suas fotos através da montagem de um fotovaral.
FIGURA 15 – Processo de construção de uma pinhole
FIGURA 16 – Processo de Revelação e Fixação da imagem (revelador, água, fixador)
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FIGURA17 – Secagem das fotografias
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UNIDADE 2 Fotografias: Como são feitas, para quem e por quê? 2.1. FOTOGRAFIA COMO DOCUMENTO “Vivemos no século da imagem”. Acredito que a maioria de nós já ouviu essa frase em algum lugar, mas será que sabemos como as imagens nos afetam e sensibilizam, como vendem ideias, produtos, ilusões? A busca pela invenção da fotografia, como vimos na UNIDADE 1, deu-se pelo desejo de pesquisadores de reproduzirem a realidade da maneira mais fiel possível, sem a interferência da mão humana. A técnica de obtenção de uma imagem através da câmera fotográfica deixou por algum tempo a ingênua impressão de que a fotografia era uma cópia fiel da realidade, uma testemunha do real devido à semelhança que trazia entre a imagem obtida através da câmera e o objeto fotografado. Essa crença vinha do fato de que, para ser projetado e gravado no filme fotográfico, o objeto que aparecia na foto devia antes ter sido iluminado por uma fonte de luz para que a câmera capturasse os raios provenientes do seu corpo e os imprimisse na película que estava dentro da caixa preta. O teórico francês Philippe Dubois (1993:27 a 56), em seu livro O Ato Fotográfico, coloca que a maneira automática de funcionamento de uma câmera fotográfica e seu processo mecânico de captação da imagem é sim uma testemunha da existência do objeto fotografado (o referente), mas isso não implica, a princípio, que ela se pareça com ele. Podemos recortar um objeto em partes que o tornem abstratos ou fotografá-lo de ângulos (como vimos no item anterior) que desconfigurem fisicamente esse objeto. Apesar das discussões entre os limites daquilo que é credível ou não numa imagem fotográfica, esta serviu e ainda serve até hoje, mesmo no suporte digital, como um documento daquilo que foi e que agora não existe mais; tornou-se apenas um registro visual.
FIGURA 18 – Thibault, Barricadas na rua Saint-Maur, Paris
FIGURA 19 – Ilustração feita a partir da fotografia acima, publicada no jornal l´Illustration, 01 de julho 1848, Paris
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2.2. A ILUSTRAÇÃO DOS JORNAIS A PARTIR DAS FOTOGRAFIAS DOCUMENTAIS Desde a aparição do daguerreótipo, a fotografia, julgada mais objetiva que a obra do desenhista, era utilizada para ser reproduzida em jornais, como o jornal L´Illustration, que, em julho de 1848, publica uma gravura a partir de um daguerreótipo representando uma barricada (ver Figuras 18 e 19). A primeira reportagem de guerra foi realizada pelo fotógrafo Roger Fenton durante a guerra da Crimeia em 1856. Essa reportagem foi publicada em álbuns impressos, maneira utilizada para se difundir as fotoFIGURA 20 – Foto de Alexander Gardner — A Batalha de Antietan grafias de atualidades (FRIZOT, 1998, p. 360). Durante os anos de 1880, a fotografia tornou-se discreta devido a sua evolução tecnológica. As imagens eram obtidas em menos tempo de exposição, e as câmeras, em tamanho menor, eram mais discretas. Podemos ver acima, nas Figuras 20 e 21, que os jornais faziam suas ilustrações a partir de fotos, pois ainda não estavam equipados para a impressão de imagens a partir do negativo fotográfico. Quando o processo é inventado, a fotografia passar a ser impressa diretamente nos jornais, sem o uso da ilustração. Esses e outros fatores técnicos FIGURA 21 – Gravura feita a partir da fotografia acima e publicada no jornal ajudaram a fotografia a tornar-se um insHarper´s weekly, 18 de outubro de 1862 trumento de investigação e denúncia das desigualdades sociais. O jornalismo e as ciências emergentes, como a sociologia e etnologia, serviram para ajudar a coordenar textos e imagens nos processos de denúncias. Imagens sobre condições de vida e de trabalho da população foram os primeiros temas para essas fotografias de denúncia. O livro de Jacob Riis, How the other half lives (Como vive a outra metade ) (1890), é tido como o primeiro trabalho significativo de fotografia de documentação social. Nesse livro, ele descreve as condições de vida dos imigrantes no baixo oeste de Manhattan. (Ver figura 22). A fotografia torna-se a narradora dos grandes acontecimentos e, em 1910, aparece o jornal L´Excelsior, primeiro cotidiano ilustrado de fotografias. 58
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FIGURA 22 – Fotografia de Jacob August Riis, 1890, Casa de uma catadora de papel italiana
2.3. FOTOGRAFIA E CULTURA Se a fotografia pode ser definida como uma técnica, ela pode também ser definida como uma criação, um suporte, um meio de comunicação, uma escritura, como arte e, sobretudo, memória. Ela pode ter múltiplas funções, segundo o uso que se faz dela, segundo o tipo de pessoa que a produz e ainda o tipo de pessoa que a olha. O que é mais difícil de definir é o tipo de percepção da realidade que ela desperta. Muitos antropólogos utilizaram e ainda utilizam a fotografia como instrumento de ilustração para seus registros escritos sobre o grupo étnico que desejam estudar. As fotografias comprovam aquilo que foi descrito verbalmente, por isso a antropologia sempre lançou mão de registros visuais para representar a realidade social que investiga. Através da imagem fotográfica ou fílmica, os antropólogos ou etnógrafos podem documentar as características físicas de peças da cultura material de um grupo ou da maneira como se adornam e se posicionam participantes de um ritual. O célebre antropólogo Claude Lévi-Strauss citava o filme como uma maneira de registro etnográfico, mas utilizava muito a fotografia em suas viagens de pesquisa.
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FIGURA 23 – Xingu. Fotografia de Rosa Berardo, 1992. Nessa imagem vemos um grupo étnico indígena se aquecendo no calor do fogo. Esta prática é muito comum devido ao frio matinal, pois em geral este grupo tem o hábito de tomar banho no rio muito cedo, quando ainda faz frio. A imagem registra não apenas uma bela composição mas também um hábito cultural deste grupo. Para fazer esta imagem eu tive que colocar a câmera no modo manual e fazer a medida de luz atrás do personagem, na área iluminada fora da casa, onde está a arara. Depois voltei para o local de onde fiz o disparo e assim o corpo ficou escuro, em silhueta e a área externa ficou nítida com as cores equilibradas.
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FIGURA 24 – Foto Rosa Berardo, Xingu, 1992. Essa fotografia mostra informações sobre a estrutura arquitetônica e material utilizado para a construção da casa dos índios do Xingu. Objetiva 28 mm, grande angular, que permite incluir dentro do quadro vários elementos.
FIGURA 25 – Foto Rosa Berardo- Comunidade Kalunga, Vão de Almas, 2008. Essa imagem mostra como os moradores do grupo étnico Calunga transportam os doentes até a cidade. Durante três dias carregam a pessoa através das montanhas ( em trilhas cheias de pedras) nesta rede atada a um pedaço de madeira.
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Quando fotografamos nossa comunidade, nossos familiares, as feiras e festas tradicionais de nossa região, estamos fazendo registros da cultura do nosso meio, um pouco de etnografia se considerar que estamos registrando manifestações culturais de um grupo social. A fotografia registra seu tempo e a maneira como as pessoas vivem nele. É comum os historiadores fazerem pesquisas iconográficas através da observação e análise de fotos antigas referentes a um período histórico que lhes interesse como pesquisa. Nas fotos, eles vão encontrar informações que ajudam a entender os hábitos daquela época. Então, quando acompanhamos uma Folia de Reis, uma congada, Bumba-meu-boi, Círio de Nazaré ou outra manifestação cultural regional, podemos fazer registros fotográficos, pois esses podem servir não só como um suporte para a memória, mas também como uma maneira de apresentarmos nossa cultura a pessoas de outras regiões. Com o passar do tempo e a chegada dos meios de comunicação, muitas comunidades deixaram de realizar suas celebrações tradicionais, e parte da cultura se perdeu com a globalização. A fotografia pode servir como um registro, como a memória sobre determinada expressão cultural. SAIBA MAIS Que tal fotografar alguma festa tradicional de sua região e montar uma exposição com essas fotos? O material pode ficar muito bonito se você explorar as cores das roupas, os instrumentos musicais, as expressões dos participantes e todo detalhe que achar interessante.
2.4. FOTOGRAFIA E IMAGEM EM MOVIMENTO — PARTE 1 Vocês já ouviram falar em lanterna mágica? Pois bem, muito antes da invenção da fotografia, as pessoas já eram fascinadas por imagens que representassem a realidade e, preferencialmente, que tentassem reconstruir o movimento natural dos seres. Desde a época das cavernas, o movimento sempre fascinou os seres humanos, prova disso são os desenhos encontrados em cavernas (ver Figura 26), onde um artista anônimo representa um animal correndo através da sobreposição do desenho de suas patas. Já descrita em 1671 por A. Kircher, em seu tratado “Ars magna lucis et ombrae”, a Lanterna Mágica (ver Figura 27) é, segundo uma definição do séc. XVIII, uma pequena máquina que servia para projetar sobre uma superfície branca diferentes espectros e monstros horríveis, de forma que, aqueles que não conheciam o segredo da técnica 62
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empregada para as projeções acreditavam que era efeito de mágica. As imagens eram pintadas sobre placas de vidro e projetadas numa tela ou parede a partir da colocação de uma fonte de luz atrás da placa. No final do séc. XIX, as placas de vidro eram também cobertas com fotografia e depois projetadas. Depois de 1890, os brevets sobre registros de patente de FIGURA 26 – Pintura Rupestreincluir dentro do quadro vários elementos. máquinas de captação e de projeção de imagens animadas se multiplicam, mas alguns problemas ficaram sem solução. O cinema, por exemplo, só foi inventado devido ao avanço da técnica fotográfica. Após a invenção dos filmes em rolos, era possível realizar uma série de fotografias e projetá-las em sequência para reconstruir o movimento. Podemos dizer que o que distingue o cinema de todos os outros meios de expressões culturais é o poder que vem do fato de sua linguagem FIGURA 27 – Pintura represenfuncionar a partir da reprodução fotográfica da realidade. O cinema tando uma sessão de projeção trás a semelhança física do objeto que representa e ainda lhe reconstitui de lanterna mágica. o movimento. Étienne-Jules Marey (1830-1904), fisiologista francês, cujas pesquisas sobre o movimento animal acabaram-no conduzindo, de forma inesperada ao cinema, nunca entendeu exatamente para que poderia servir a síntese do movimento por meio do aparelho projetor. Marey e Londe, pesquisadores do movimento, só se interessavam pela primeira parte do processo cinematográfico, a análise/decomposição dos movimentos em instantes congelados, não vendo qualquer interesse científico no estágio seguinte, a síntese de reconstituição dos movimentos pela projeção das imagens na sala escura. Eadweard James Muybridge, era inglês, mas imigrou para os Estados Unidos. Em 1872, começa seus estudos sobre a locomoção animal, fotografando cavalos, a pedido de um senador que tinha um haras. Registrou pioneiramente o galope de um cavalo, colocando uma série de 12, depois 24, depois 40 câmeras fotográficas na chegada da linha de corrida. Projetando esses instantâneos, ele reconstitui o movimento. Em 1888, no meio de uma turnê com seu zoopraxinoscópio, dispositivo que expõe a locomoção animal e humana, Muybridge para em Orange, New Jersey. Encontra um jovem que já havia registrado uma centena de brevets e era conhecido pelas invenções do telégrafo, da lâmpada incandescente e o fonógrafo: Thomas Alva Edison. Logo após esse encontro, o inventor concebe o princípio do seu fonógrafo óptico. 63
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Edson confia a um de seus colaboradores, Willian Dickson a função de estudar dois aparelhos, um para registro de imagens, batizado de Kinetógrafo e outro para sua reconstituição, o Kinetoscópio. Em 1894, a sociedade Lumière e seus filhos emprega 300 empregados e produz 15 milhões de placas. Apesar da fortuna, os jovens continuam suas pesquisas sobre fotografia a cores e imagem animada. Eles se inspiram no Kinetoscópio de Edison para prosseguir suas pesquisas. Os irmãos Lumière conseguem aprimorar o avanço do filme e inventam o Cinematógrafo, que é mais leve e serve para captar e projetar as imagens, numa cadência de 16 imagens por segundo, que será utilizada até a chegada do cinema sonoro, em 1929, quando os aparelhos de gravação de imagens e de projeção passam a rodar 24 quadros por segundo. Nesta velocidade, temos a sensação óptica de ver as imagens como se elas se movimentassem no ritmo dos movimentos que vemos na vida real. Nos primeiros filmes de 12, 14, 16 quadros por segundo, sempre víamos as imagens dando pulinhos na tela... Essa ambiguidade da relação entre o real objetivo e sua imagem fílmica é uma das características fundamentais da expressão cinematográfica e determina, em grande parte, a relação do espectador com o filme, relação que vai da crença ingênua na realidade representada pela imagem fílmica.
FIGURA 28 – Imagens obtidas por Marey com uma câmera fotográfica em seus estudos sobre movimentos
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UNIDADE 3 Fotografia e Arte 3.1 MOVIMENTO PICTORIALISTA Fotografia é arte ou não é? Essa questão é tão antiga quanto a invenção da fotografia e, durante o séc. XIX, levou inúmeros artistas e fotógrafos a se gladiarem nesse dilema. Nesse período, surgiu “o movimento pictorialista” (1890-1914), manifestação cultura em que a fotografia pretendia representar a realidade como o fazia a pintura, utilizando técnicas que tentavam imitar os estilos utilizados por pintores nos movimentos artísticos das artes plásticas. Inicialmente, a discussão entre arte e fotografia se fixa no modo de produção manual, cuja prática acontece em decorrência da proliferação das câmeras portáteis Kodak, lançadas por George Eastman (18541932), nos Estados Unidos, em 1888, com o seguinte slogan: “Você aperta o botão e nós fazemos o resto.” Com a popularização da fotografia, surge o movimento fotoclubista, que se apoia no movimento pictorialista, constituindo-se em uma espécie de “frente” de reação à massificação da prática fotográfica (COSTA, 2004, p. 262). Nesse sentido, segundo Sontag (2004), somente com a industrialização, a fotografia alcançou o status de arte. Tudo isso reforçou a consciência da fotografia como arte (SONTAG, 2004, p.18). Assim como expõem Costa (2004) e Sontag (2004), o pictorialismo é visto na história da fotografia, na maioria das vezes, como um movimento de reação conservadora à industrialização e à massificação da fotografia. Para Walter Benjamin (1994, p. 167), o pictorialismo se configura na tentativa de criação da ilusão da Aura 101 na fotografia, através de todos os artifícios de retoque. Gisele Freund (2002, p. 82) associa a fotografia pictórica ao processo de decadência artística do retrato fotográfico. Enquanto que Philippe Dubois (1993, p. 254) conceitua esse movimento como a fotografia com um discurso de pintura, Boris Kossoy (1980, p. 82) critica o movimento devido ao caráter elitista de sua prática. Já Maria Teresa Bandeira de Melo (1998, p. 16) assume uma postura de compreensão do pictorialismo, a partir de seu contexto de surgimento, quando, segundo a autora, podem ser percebidas suas contribuições para a definição artística da fotografia. Com isso, o movimento em questão não mantém com a pintura uma relação de mera imitação, mas de correspondência no sentido de elevar a fotografia ao estatuto de arte.
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Com esse objetivo, o pictorialismo é fundado: um movimento internacional, coerente, autônomo e “sem precedentes na história da fotografia. Com a intenção de promover o reconhecimento da fotografia enquanto obra de arte, assumem o seu caráter de técnica, mas adotando uma atitude interpretativa e teórica na produção da expressão artística (MELO, 1998, p. 32). Para melhor esclarecimento sobre as críticas e elogios ao movimento pictorialista, a partir dos posicionamentos dos autores citados, faz-se necessário entender algumas das características do pictorialismo. Esse movimento era composto, principalmente, por fotógrafos amadores e membros de uma classe burguesa emergente, visando a fazer da fotografia uma atividade artística, em que se cultuava a estética acadêmica e sobrevalorizava-se a técnica fotográfica, em caráter internacional, com a troca de fotografias entre os fotoclubes e criando, assim, uniformidade de técnicas e estilos. Para Benjamin (1994, p. 170) aura “é uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja.”. O movimento pictorialista surge, então, em oposição à conceituação e valorização da fotografia exclusivamente como técnica, afastada do seu sentido estético. Para isso, afirma o caráter artístico da fotografia, propondo um estatuto distinto para a fotografia, ligado não só à pura técnica, produto do automatismo e da objetividade da câmera, mas também à arte, através da valorização do ato fotográfico. Buscou-se com isso fundar uma estética original que superasse o caráter empírico da prática documental, com técnicas baseadas em intervenções na cópia fotográfica com a utilização de múltiplos processos, para conquistar um lugar no mundo das belas-artes. Para isso, o movimento define a imagem fotográfica como “resultado da interpretação do sujeito-fotógrafo, que atua como um intermediário entre o tema/objeto e o médium.” (MELO, 1998, p. 14). PARA REFLETIR Em sua cidade existe ou já existiu um fotoclube? Caso sua resposta seja positiva, compartilhe a história dele com seu grupo de estudo.
SAIBA MAIS As primeiras manifestações do movimento pictorialista aconteceram em Viena, Londres e Paris, com a posterior proliferação de associações fotográficas. Em 1853, surge a primeira associação de fotógrafos, a Photographic Society of London, fundada por Roger Fenton e presidida por Sir Charles Eastlake, também presidente da Royal Academy. Logo, a associação seguia as mesmas propostas de uma academia de arte: rea-
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lização de exposições anuais, estímulo à apresentação das fotografias em público e à obediência a certos padrões estéticos (GERNSHEIM, 1986, p.74). Como as academias de arte ditavam os padrões estéticos, os fotógrafos buscavam os valores da pintura. As soluções estéticas eram também produto das restrições técnicas, como a combinação de negativos, cópias recortadas, retocadas e depois reproduzidas. Nessa fotografia de Robinson, foram combinados cinco negativos. Em 1869, Robinson publica o livro Pictorial effect in Photography, um manual ilustrado e baseado em regras acadêmicas de composição e em muitos conselhos que encorajavam montagens artificiais e cópias de pinturas. Robinson aconselhava também a produção de um esboço da composição a lápis ou a carvão antes de se começar a fotografia a fim de adaptar o material a seus desejos. A fotografia reproduzida na Figura 30 é de João Nogueira Borges, membro do primeiro fotoclube formado de maneira sistemática, o Photo Club Brasileiro, criado em meados do século XX. Você pode ler mais sobre esse fotoclube no livro “Arte e fotografia: o movimento fotoclubista no Brasil”, de Maria Tereza Bandeira de Melo. Goiânia também tem um fotoclube, chamado Clube da Objetiva. Ele foi fundada em 16 de dezembro de 1970, em reunião que aconteceu na casa de Rosary e Rui Esteves, à Rua 10, nº 250, Setor Oeste, tendo como sócios-fundadores Décio Marmo de Assis, José Amaury Menezes, Elder Rocha Lima, Beatriz Rocha Lima, Marilda Bastos de Assis, Rosary Caldas Esteves Pereira, Ruy Esteves Pereira, Lurdinha Pacheco, Joacy Eneida Côrtes,Antônio Martins Sobrinho, Fausto Rodrigues Valle, José Francisco Braga, Luiz Mauro Vasconcellos e Gratuli Nóbrega. Atualmente, ele funciona na Casa da Fotografia Rosary Esteves, com reuniões quinzenais.
FIGURA 29 – H. P. Robinson — Fading Away/1858. Nessa fotografia de Robinson, foram combinados cinco negativos. Em 1869, Robinson publica o livro “Pictorial effect in Photography”, um manual ilustrado e baseado em regras acadêmicas de composição e em muitos conselhos que encorajavam montagens artificiais e cópias de pinturas. Robinson aconselhava também a produção de um esboço da composição a lápis ou a carvão antes de se começar a fotografia a fim de adaptar o material a seus desejos.
FIGURA 30 – João Nogueira Borges (PCB) – Começando a faina/1937
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3.2. A FOTOGRAFIA NA ARTE MODERNA A proposta de arte fotográfica ligada ao pictorialismo começa a ser questionada no início do século XX, em âmbito internacional. Um dos expoentes desse questionamento é o fotógrafo Paul Strand, na época integrante do Grupo Photo Secession. Em decorrência disso, em 1917, escreve em um dos últimos artigos da Revista Camera Work: O poder potencial de todo meio é dependente da pureza de seu uso, e toda tentativa de mistura termina na morte de algumas coisas, como o colorir, tornando a fotografia em pintura fotográfica, a goma-bicromatada, etc., em que a introdução do trabalho manual e manipulações escondem a expressão em um impotente desejo de pintar (STRAND, 1917, p. 780).
Nesse sentido, Sontag (2004, p. 143) recupera Strand, quando escreve na década de 1920 que o fato de “os produtos de uma câmera se enquadrarem na categoria de Arte é irrelevante”. Logo, a autora vê a herança modernista avessa à preocupação de ser vista como arte, diferente de sua colocação no pictorialismo. Então, a sua cognição passa a ser feita pela forma e não pelo objeto em si, propiciando uma nova maneira de conceber o fazer fotográfico, que não está necessariamente no processo (como no pictorialismo), mas na sua visualidade. Assim, a fotografia moderna surge em resposta às novas concepções de uso da câmera fotográfica, buscando uma formalização visual voltada para a utilização dos meios fotográficos como expressão autônoma (STRAND, 2003, p. 105-108). Nessa fotografia de Strand (Figura 31), pode-se perceber a utilização de características próprias à fotográfica e materialização da estética funcional. Há uma valorização das formas em detrimento da referência a objetos, com o uso de valores tonais, texturas e linhas, sem o aparecimento do objeto como um todo. Diferente dessa produção moderna iniciada pela crítica ao pictorialismo, Man Ray, artista norte-americano, se alia às vanguardas europeias, como o dadaísmo e o surrealismo, com uma produção também essencialmente fotográfica e sem a preocupação de estar fazendo arte ou não. Além dos experimentos ópticos e químicos, Man Ray propunha experimentos visuais, compreendidos em três fases: os fotogramas e rayogramas (na década de 1920); as solarizações dos anos 1930 e os desenquadramentos, com a inversão do ângulo de tomada (FATORELLI, 2003, p. 111). FIGURA 31 – Paul Strand - Shadow pattern/1915. Fonte: Gernsheim, 1986, p. 86 68
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A fotografia reproduzida na Figura 32 foi feita a partir do rayograma, técnica desenvolvida por Man Ray, que seguia o princípio do fotograma, mas era realizada com o emprego de objetos reflexivos como espelhos, vidros, primas e cristais. Como se vê na imagem, o objeto perde sua referência e ganha a visualidade pela sua geometria. Outra experimentação em laboratório, realizada por esse fotógrafo foi a utilização de outra técnica, a solarização. Esse procedimento “consistia em acender e imediatamente desligar a luz do laboratório durante a revelação do negativo ou da cópia fotográfica” (FATORELLI, 2003, p. 115). Como exemplo dessa técnica, tem-se a fotografia Anatomies (Figura 33), que, assim como o rayograma, cria um deslocamento do referente da fotografia. Longe das experimentações no laboratório fotográfico, mas ainda ligado ao propósito de distanciamento do referente, Man Ray trabalha com a fotografia direta, a partir da inversão dos ângulos de tomada. Na fotografia Anatomies (Figura 33), de 1936, pode-se perceber isso com a geometrização do assunto. Além disso, o ângulo de tomada incomum cria uma nova percepção do objeto, tirando o caráter de objetividade do referente.
FIGURA 32 – Man Ray – Sem título/1922. Fonte: Fatorelli, 2003, p. 114
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ATELIÊ DE ARTE E TECNOLOGIA I: FOTOGRAFIA E VÍDEO
FIGURA 33 – Man Ray – Anatomies / 1936. Fonte: Fatorelli, 2003, p. 117
GLOSSÁRIO O Fotograma é uma técnica fotográfica feita no laboratório sem a utilização da câmera. A técnica consiste na colocação de objetos sobre um material sensível à luz e que, em contado com a mesma, forma uma imagem.
Diante das relações existentes entre arte e fotografia, é importante questionar “A fotografia é arte?”. Como colocado no item 3.1 dessa Unidade, a fotografia não foi inventada com o intuito de ser arte, e houve bastante resistência para ser aceita como tal e a tentativa de alçar a fotografia à condição de arte, inicia-se com o movimento pictorialista. Contudo, nesse momento, essa pergunta será discutida a partir do momento que essa questão deixa de ser colocada e de ter um sentido e com isso perceber se não foi antes a arte (contemporânea) que se tornou fotográfica (DUBOIS, 1993, p. 253). Portanto, ao longo do século XX, “a arte insistirá em se impregnar de certas lógicas (formais, conceituais, perceptivas, ideológicas ou outras) próprias da fotografia” (op cit). Cabe aqui apresentar artistas que trabalham fotograficamente. O primeiro desses artistas seria Duchamp, depois os pioneiros da “abstração” (El Lissitsky e Malevitch), dadaístas e surrealistas. Nesse sentido, é possível dizer que as vanguardas artísticas tiveram grande influência da fotografia. Tanto na fotografia quanto em algumas obras de Duchamp (ver Figuras 34 e 36), é possível perceber que a constituição da imagem se dá, muitas vezes, buscando a impressão de uma marca, um sinal, do que propriamente de uma relação de semelhança com o objeto. Nesse sen70
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tido, a obra desse artista é trabalhada pela lógica do índice, como expõe Dubois, ou seja, “do signo fisicamente ligado a seu referente antes de ser mimético”. Isso pode ser visto nas suas obras de sombras transportadas, moldagens, decalques, transportes, depósitos, fixações e ready-made. A fotografia também serviu de base para o Suprematismo (Ver Trama 05 – Disciplina Arte Moderna: Vanguardas Artísticas - Unidade 2). Nas obras de El Lissitisky e Malevitch (ver Figura 37), em que a representação imagética se dá por formas geométricas, muda-se a percepção do objeto. A criação dessa outra visualidade foi impulsionada pelas fotografias áreas. Nessas, há o achatamento dos objetos, perda da espacialidade e de, um ponto de vista fixo, afastamento do referente. Assim, existe uma ruptura entre o ângulo da tomada fotográfica e de como ela é vista.
FIGURA 34 – Obra Criação de Poeira (1920) — Marcel Duchamp
FIGURA 37 – Obra “Quadrado Negro” — Kazimir Malevich, 1913
FIGURA 35 – Nu descendo a escada n. 2 (1912-6); aquarela, tinta, lápis e pastel sobre papel fotográfico (1,470,89 m) Filadélfia, Museum of Art
FIGURA 38 – Fotografia “Mulher no telefone” de Alexander Rodchenko, 1928
FIGURA 36 – Marcel Duchamp descendo uma escada. Foto de estúdio que serviu de referência para a criação da obra Nu descendo uma escada (1912).
FIGURA 39 – Fotografia “Balcões Bauhaus” de Lazlo Moholy-Nagy, 1936
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A fotografia aérea também influenciou a arte construtivista (Ver Trama 05 – Disciplina Arte Moderna: Vanguardas Artísticas - Unidade 2) e na escola da Bauhaus, a partir do que se chamou de “contracomposição oblíqua”, cuja origem estão nas tomadas fotográficas em plongée (de cima pra baixo) e contraplongée (de baixo pra cima) — tão comuns nas fotografias de Alexander Rodtchenko (Figura 38) e Laszlo Moholy-Nagy (Figura 39). A extensão da influência da fotografia aérea se dá também na Action Painting na arte americana após 1945, como pode ser visto na obra de Jackson Polock (Figura 40). Suas telas são pintadas “de cima”. Rosalind Krauss coloca que a obra desse artista se fundamenta na fotografia aérea, pois há a flutuação do ponto de vista, perda de qualquer quadro de referência preestabelecido (as ortogonais), deslocamentos multidirecionais, sentimento físico de liberdade, indecifração aparente do “solo”, transformado em estrutura formal abstrata, superfície com manchas, esteiras multicores e multiformes, que se tornam traços de uma passagem, movimento, gesto de um corpo em ação.
FIGURA 40 – Jackson Polock trabalhando em seu ateliê/Foto de Hans Nanuth
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Dadaísmo e Surrealismo se relacionam com a fotografia no que tange à prática do associacionismo (metáfora, colagem, agrupamento, montagem). A fotomontagem é a forma mais clara dessa relação, como se percebe nas fotomontagens de Raoul Hausmann ou Max Ernst. As sobreposições fotográficas estão presentes nas obras de Rauschenberg (Figura 41). Além dessas relações utilitárias ou estético-formal, a Pop Art, estabelece um vínculo ontológico com a fotografia, uma vez que a primeira exprime a “filosofia” da segunda, sendo chamada por Dubois de “Polaroide da pintura”(1993, p. 273). Isso faz sentindo à medida que a Pop Art, com o seu culto da impersonalidade, produz obras que mostram imagens repetidas, relacionando-se com a reprodutibilidade fotográfica, como na obra “Suicídio” de Andy Warhol (Figura 42).
FIGURA 41 – Obra “Persimmon” (1964) de Robert Rauschenberg — Técnica Combine-painting
FIGURA 43 – Obra Yamaha de David Parrish, 1973
FIGURA 42 – Repetição fotográfica na obra “Suicídio” de Andy Warhol, 1936
FIGURA 44 – “Uma e Três cadeiras” de Joseph Kosuth, 1965
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Nessa mesma direção, foram produzidas as obras do hiper-realismo (Figura 43), através da representação imagética pelo corte, cuja visão é possível pelo enquadramento fotográfico, ou pelo excesso de mimetismo. E a produção da tela é feita a partir da produção da imagem fotográfica na tela, que é posteriormente pintada. Assim, ocorre o oposto do pictorialismo: “aqui a pintura se esforça por tornar-se mais fotográfica que a própria foto” (ibidem, p. 274). A fotografia passa a ser utilizada como a própria obra ou nela, principalmente, a partir da Arte Conceitual dos anos 1960 e 1970, como na obra clássica “Uma e Três Cadeiras” de Joseph Kossuth (Figura 44), em que coloca, lado a lado, três ordens de representação, a cadeira (objeto), a cadeira (significado) e a cadeira (fotografia). Com os happenings e performances e a Arte Ambiental — Land Art (Figura 45), a fotografia passa a criar a memória daquela obra, configurando-se, posteriormente, na própria obra. Com isso, a fotografia não tem uma função meramente documental, mas faz parte da própria concepção do projeto artístico. Por último, é necessário apresentar a escultura fotográfica. A fotografia é, de fato, apropriada pelo artista (ver Figura 46), como parte integrante da obra, sendo inserta no espaço da mesma, formando um conjunto complexo. Logo, a foto não é simplesmente uma imagem, mas um objeto, uma realidade física que pode ser tridimensional, que tem consistência, densidade, matéria, volume, podendo ser encarada como uma escultura. Com isso, arte e fotografia passam a ser uma só, e a sua discussão enquanto dúvida perde, totalmente, o sentido. E é viável pensar não só em um fotógrafo-artista, mas também em um artista-fotógrafo, “ou mesmo, artistas que manipulam o processo e o registro fotográfico, contaminando-os com sentidos e práticas oriundas de suas vivências e de uso de outros meios expressivos” (CHIARELLI, 2002, p. 115).
FIGURA 45 – “Spiral Jetty” (1970) de Robert Smithson — Grande Lago Salgado. Utah (Foto Gianfranco, Gorgoni)
FIGURA 46 – Escultura fotográfica “Biblioteca” de 2002 da Artista Brasileira Rosângela Rennó (www.rosangelarenno.com.br)
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PROBLEMATIZANDO Consulte catálogos, livro e sites de arte contemporânea. Faça um levantamento de artistas que fazem uso da fotografia para documentar suas experimentações. Faça um álbum digital com obras dos artistas pesquisados. Divulgue sua pesquisa para seu grupo de estudo.
PARA REFLETIR Fotografia e Cidade — Uma experiência fotográfica Por Ana Rita Vidica A cidade sempre foi foco das lentes dos fotógrafos. Desde o princípio, a fotografia fora utilizada para descobrir e entender o mundo que está à nossa volta. Em um primeiro momento, a câmera fotográfica simplesmente registra, mas depois passa a significar a própria cidade. Nesse sentido, busca-se lançar “no corpo da cidade interrogações subjetivas para compreender um mundo contemporâneo também ele subjetivo e complexo. E da cidade como signo — ou resposta — passa-se à cidade como suporte — ou pergunta.” (SANTOS, 2004, p. 58). Essa pergunta se torna plausível à medida que se pensam as manifestações artísticas e as imagens componentes do ambiente urbano (publicitárias ou não), como participantes que constituem, constroem e transformam as paisagens urbanas e, consequentemente, inserem-se no cotidiano da cidade, possibilitando uma nova formação da identidade dos contextos urbanos. Isso ganha sentido, no tocante à grande profusão de imagens que permeia a urbe, gerando uma espécie de anestesia visual, como aponta Brissac: “A metrópole é o paradigma da saturação. Contemplá-la leva à cegueira. Um olhar que não pode mais ver, colado contra o muro, deslocando-se pela sua superfície, submerso em seus despojos. Visão sem olhar, tátil, ocupada com os materiais, debatendo-se com o peso e a inércia das coisas. Olhos que não vêem.” (Brissac, 2004, p. 175).
Com isso, a paisagem urbana pode ser colocada em discussão pela fotografia, suas construções, seus fluxos em trânsito permanente e a relação que trava com os indivíduos que por ela passam. Assim, é possível pensar, também, a cidade como “não-lugar” (AUGÉ, 1994), pelo fato de se encontrar em duas realidades complementares, contudo distintas. Ela é um espaço objetivo, uma vez que é constituída para certos fins (transporte, trânsito) e também subjetiva, à medida que propicia relações diferentes com cada indivíduo.
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Essa segunda realidade esboçada por Augé não é, na maioria das vezes, suficientemente vivenciada no cotidiano. Isso se deve ao grande número de estímulos urbanos a que as pessoas estão submetidas, tornando esta discussão central no âmbito da arte contemporânea. “Nessa perspectiva, os não lugares passam a ser lugares privilegiados da reflexão artística.” (SANTOS, 2004, p. 44). Na tentativa de pensar a cidade com um não lugar, de 2005 a 2009, eu, Ana Rita, desenvolvi o Projeto “Obra Marginal”, cuja ideia era pensar o espaço da Marginal Botafogo, uma via rápida da cidade de Goiânia-GO, como um “não lugar”. Assim, a Marginal Botafogo fora fotografada criando duas possibilidades poéticas tendo como “recorte espaço-temporal” (DUBOIS, 1993) o próprio espaço da Marginal, ou seja, fragmentos do córrego, do asfalto, dos muros, da vegetação, possibilitando reflexões em torno de dicotomias como (limpo, sujo), (belo, feio), (agradável, desagradável), (alegre, triste), (reconhecimento, estranhamento). A primeira possibilidade poética constitui-se de fotografias sem manipulação de cores, mostrando a sujeira da Marginal, tal qual ela é, apresentada por meio de recortes, tendo como suporte os outdoors (9 x 3m). Com isso, utiliza-se o meio da comunicação visual urbana, criando um confronto com as imagens publicitárias, trazendo à tona a oposição entre os contrários (limpo, sujo), (belo, feio), (agradável, desagradável), (alegre, triste), (reconhecimento, estranhamento). A utilização do suporte do outdoor parte da ideia de se utilizar o próprio espaço da Marginal para a exposição fotográfica a céu aberto. Além, de se pensar em uma refuncionalização para o outdoor, uma vez que, originalmente, é utilizado como mídia de apoio às campanhas publicitárias. Na exposição fotográfica, ele é o meio principal e não foi utilizado para a venda de ideias ou produtos, apenas fora colocado na via. Assim, suscitam-se, então, questionamentos no espectador, como: É possível reconhecer a Marginal com essas imagens? Ou haverá um estranhamento total? De onde vêm, então, essas imagens “sujas”? Por que estão colocadas ali?
FIGURA 47 – Fragmento da Marginal Botafogo sem manipulação de imagem, parte da exposição “Obra Marginal”, colocado em um outdoor da vi a. Foto: Ana Rita Vidica
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FIGURA 48 – Conjunto de fragmentos da Marginal Botafogo com manipulação de imagem, parte da exposição “Obra Marginal”, colocados nos muros de pedra da via. Foto: Ana Rita Vidica
A segunda possibilidade poética constitui-se de fotografias com manipulação de cores, mostrando a sujeira transfigurada, levando a outras sensações. Aqui o confronto se dá de maneira inversa, uma vez que as imagens foram impressas em painéis (300 x 70 cm) colocadas em muros de pedras presentes na Marginal, sujas e opacas, trazendo também à tona a oposição entre os contrários; (limpo, sujo), (belo, feio), (agradável, desagradável), (alegre, triste), (reconhecimento, estranhamento). Logo, os questionamentos da poética anterior serão colocados também, contudo, de forma inversa. Mostra-se, então, que o meio de veiculação das fotografias não é o primordial, como na publicidade, mas o contraste gerado e o confronto das imagens ao olhar do transeunte.
FIGURA 49 – Fotografia exposta na rua. Foto: Ana Rita Vidica
Enquanto a primeira possibilidade poética traz à tona a imagem da Marginal tal qual ela é, fixada em outdoors, a publicidade é o foco do contraste, no que tange a estética da imagem, que mostra algo feio e opaco e no uso do meio, que passa a veicular imagens não vendáveis. Já a segunda possibilidade poética, dialoga, esteticamente, com a Pop Art, fenômeno que, segundo Argan (p. 575, 1992), expressa a não criatividade da mas-
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sa e a uniformidade da sociedade de consumo. Por isso, a repetição das imagens da Marginal, coloridas artificialmente, assim como as Sopas Campbell de Andy Warhol. A partir dessas duas possibilidades poéticas, o espaço da Marginal Botafogo passa a ser o espaço de exposição dela mesma, estimulando o fomento da segunda realidade como não lugar. Logo, essa paisagem urbana é transfigurada com o intuito de gerar uma reflexão sobre a sua própria configuração. Ao andar pela sua cidade, da sua casa ao seu trabalho, quais imagens compõem esse trajeto? Você consegue se lembrar como são, as casas, ruas, árvores? Existem outdoors, grafites e outras intervenções visuais? Faça esse trajeto novamente e fotografe-o a fim de estabelecer uma nova relação com o seu espaço cotidiano. Enfim, faça da cidade uma grande pergunta.
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UNIDADE 4 Técnica e Estética Fotográfica 4.1 CÂMERAS FOTOGRÁFICAS O importante, na hora de adquirir seu equipamento fotográfico, é saber escolher uma câmera profissional que aceite ajustes de iluminação, nos modos manual e automático, e também que permita a troca de objetivas. O fotógrafo precisa ter controle da iluminação, e a câmera que possui apenas o modo automático não lhe dá essa autonomia. Decidir a proximidade do enquadramento é fundamental, e, para isso, precisamos poder escolher e trocar lentes, se necessário. Aconselho a aquisição de uma câmera com lentes zoom 70 x 200 mm, uma grande angular 28 mm e uma normal 50 mm. Com esse equipamento, você pode realizar fotos de paisagens, arquitetura e ainda aproximar assuntos que estejam longe e dos quais você não pode se aproximar. As outras lentes você pode adquirir com o tempo, pois esses equipamentos exigem um alto investimento. Chamamos de câmeras profissionais aquelas que os fotógrafos podem trocar as objetivas e também fazer a medida de luz de forma manual. Essas câmeras podem ser analógicas (que usam negativo) ou digitais (sem negativo). Poder medir e determinar a luz que vai entrar na sua câmera de forma manual é importante para controlar as áreas da fotografia onde o fotógrafo deseja que tenha mais ou menos luz. Se a câmera estiver no modo automático, essa medida de luz e ajuste da câmera será feita de forma automática, e o fotógrafo não poderá decidir aquilo que deseja, a câmera toma a decisão sozinha. Por esse motivo, é importante que o fotógrafo tenha uma câmera que permita fazer esse ajuste no modo manual. É importante frisar que o uso de câmeras analógicas também oferece os mesmos resultados que as câmeras digitais; a única diferença é a instantaneidade da imagem digital, que permite ao fotógrafo ver a fotografia no momento do clique. Quem ainda não tem uma câmera digital profissional e não pode adquirir o equipamento agora, pode iniciar os exercícios com uma câmera analógica antiga ou utilizar as câmeras digitais compactas, dessas que quase toda família tem para registro de viagens e festas familiares. Os resultados serão os mesmos, basta esperar a revelação.
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FIGURA 50 – Câmera compacta da marca norte-americana Kodak
FIGURA 51 – Câmera analógica (Pequeno Formato) da marca japonesa Nikon
FIGURA 52 – Câmera Digital (Pequeno Formato) da marca japonesa Nikon
FIGURA 55 – Câmera Digital (Médio Formato) da Marca Sueca Hasselblad
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Existem três tipos de câmera, classificadas a partir do seu formato da câmera. Por isso, tanto as câmeras analógicas quanto as digitais são assim classificadas: compactas, pequeno formato, médio formato e grande formato. As câmeras compactas (Figura 50) são essas que, geralmente, temos em casa. Elas têm visor direto independente da objetiva, causando erros de paralaxe, ou seja, o que você vê no visor não corresponde, necessariamente, o que aparece na foto. Além disso, o foco é automático, nas analógicas o avanço e retrocesso do filme também é automático, dispensam controles de abertura e velocidade. Nas câmeras digitais o zoom, na maioria das vezes, é digital, não faz grandes ampliações e são utilizadas por amadores. As câmeras de pequeno formato (Figuras 51 e 52) são as mais utilizadas profissionalmente, por terem todos os controles de iluminação, serem mais leves e mais baratas. As câmeras mais comuns são as 35 mm, produzem fotogramas 24 x 36 mm (8,6 cm2), são mono-reflex (SLR), ou seja, têm apenas uma objetiva, têm vasta possibilidade de acessórios e lentes, controle de exposição e enquadramento perfeitos, utilização do CMOS ou CCD de 11 a 14 megapixels (full frame), possibilidade de armazenamento no formato RAW (TIFF, JPG), podem fazer fotos em sequência e têm controle de diafragma e obturador. As câmeras de médio formato (Figuras 53 e 54), com filmes de 120 ou 220 mm produzem fotogramas (4,5x6 cm, 6x6 cm, 6x7 cm [42 cm2], 6x9 cm), ampliações com maior qualidade e resolução Antes de haver as câmeras digitais de médio formato, utilizava-se um elemento chamado Back Digital, para digitalizar a imagem. Contudo, já existem câmeras digitais médio formato. As marcas mais conhecidas são: Hasselblad, Pentax 6x7, Mamya RZ 6x7 e Rolleiflex. As câmeras grande formato (Figura 55) são muito caras e ainda não foram produzidas câmeras digitais. Nelas, se utilizam chapas de 4x5, 5x7, 8x10, 11x14 polegadas e por isso, apresentam melhor qualidade da imagem. Elas são volumosas e pesadas, têm recursos de correção de perspectivas através de básculas. É possível gerar cromos de médio formato (adição de chassi). Na maioria das vezes, realizam-se fotos dentro de estúdio.
FIGURA 53 – Câmera Analógica(Médio Formato) da Marca Sueca Hasselblad
FIGURA 54 – wCâmera Digital (Médio Formato) da Marca Sueca Hasselblad
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VOCÊ SABIA? Ansel Adams (1902-1984) utilizava câmeras de grande formato para fazer fotografias de natureza, saindo, então do estúdio. Ele acreditava que a fotografia deveria ser bastante nítida, por isso a escolha desse formato de câmera. Conheça um pouco do trabalho fotográfico dele no site www.anseladams.com.
Depois de conhecer os tipos de câmera, é importante aprender também os seus principais elementos. A câmera fotográfica tem, basicamente, dois grandes elementos: corpo e objetiva. O corpo da câmera carrega o material sensível (filme ou CCD). Nele você pré-visualiza a foto pelo visor. E é no corpo que você dispara a foto, através do botão de disparo. O elemento mais importante dessa parte é o obturador, pois controla a quantidade de luz que entra na câmera fotográfica. A objetiva é o “olho da câmera”, ou seja, ela que determina o que é visto pela câmera, por isso o tema será detalhado mais adiante. Outro elemento muito importante, localizado na objetiva, é o diafragma, que, junto com a objetiva, controla a quantidade de luz que entra na câmera fotográfica e atinge o material sensível. E, também, o foco, elemento em que se consegue a nitidez da imagem se encontra também na objetiva. O obturador é um anel cheio de números, cuja unidade de medida é o segundo. Esses números marcam a quantidade de tempo que a janela ou cortina do obturador permanece aberta e, consequentemente, permite a chegada de luz no material sensível. Além dessa função de controle da quantidade de luz que entra na câmera, é também o elemento responsável pela captação de objetos em movimento, a qual gera a formação de linhas móveis como o panning ou o congelamento do objeto. O diafragma, como dito, fica localizado na objetiva. É uma abertura que permite a entrada de muita luz, quando está bem aberta e a entrada de pouca luz quando está mais fechada. O mecanismo de abertura obedece a uma numeração que, em geral, é: 2, 3.5, 5.6, 8, 11, 16, 22, 32. A unidade de medida é o f. Essa numeração é inversamente proporcional ao tamanho da abertura, ou seja, se você colocar o diafragma 2, terá uma grande abertura, se colocar 32, uma pequena abertura. É importante ressaltar que o diafragma trabalha conjuntamente com o obturador no que tange à medição da luz, já que ambos controlam a quantidade de luz que entra na câmera fotográfica. Assim como o obturador, o diafragma tem outra função, que é o controle da profundidade de campo na fotografia. Uma imagem é composta por planos. Se você consegue dizer que dada imagem tem mais de um plano, essa imagem tem muita profundi81
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dade de campo. Se há uma espécie de achatamento dos planos, é como se você visse o primeiro plano nítido e o fundo “embaçado”.
FIGURA 56 – Fotografia Congelada. Diz-se que foi utili- FIGURA 57 – Fotografia em Panning 1. Diz-se que foi zada uma velocidade alta. Foto: Ana Rita Vidica utilizada uma velocidade baixa e a câmera fica fixa. Foto: Ana Rita Vidica
FIGURA 58 – Fotografia em Panning 2. Diz-se que foi utilizada uma velocidade baixa e a câmera se movimenta junto com o objeto. Foto: Ana Rita Vidica
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FIGURA 59 – Foto com muita profundidade de Campo. Você consegue essa foto deixando o diafragma bem fechado. Foto: Ana Rita Vidica
FIGURA 60 – Foto com pouca profundidade de Campo. Você consegue essa foto deixando o diafragma bem aberto. Foto: Ana Rita Vidica.
OLHO VIVO Para se publicar uma fotografia em suporte impresso (revistas, jornais), é necessário ter uma câmera com, pelo menos, 6 megapixels de definição ou um arquivo com 300 DPI. No mercado, tem-se uma grande variedade de câmeras de 6 a 30 ou mais megapixels. Esses valores vão aumentar a cada ano, o que não quer dizer que tenhamos que trocar de equipamento a cada vez que a indústria lança um modelo mais potente. A aquisição do material vai depender de quanto o fotógrafo pode investir no equipamento. Aqui temos uma mostra de fotografias feitas com uma Cânon D 300, de 6 megapixels, que era muito utilizada em 2004, mas que saiu de linha há muito tempo. É um modelo semiprofissional já fora de linha, mas, na época da execução destas fotos, apresentava bons resultados. A marca Nikon também possui modelos de câmeras excelentes, mas os modelos mudam a cada mês, por isso é importante consultar revistas especializadas que trazem testes com esses tipos de câmeras e ver quanto você pode investir em equipamento. Nessa disciplina, não vamos indicar um determinado tipo de câmera pelo fato de as mudanças acontecerem muito rapidamente e de qualquer modelo indicado aqui ficará defasado em poucos meses. Podemos dizer também que há muitas câmeras digitais compactas que podem ser utilizadas para fotos profissionais. Tudo vai depender da criatividade, técnica de iluminação e enquadramento por parte do fotógrafo. Para comprar, procure uma loja especializada que ofereça garantia técnica do equipamento.
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4.2. TIPOS DE OBJETIVAS E SEUS RESULTADOS ÓPTICOS NA FOTOGRAFIA A construção da imagem fotográfica depende de como cada lente é fabricada. As lentes são feitas através de polimentos de cristais e vidros que são encaixados de forma a criarem imagens próximas, distantes, microscópicas, etc. Essa parte da fotografia é do domínio da óptica — um ramo da Física que estuda a luz —, e nessa disciplina não vamos nos ater a esses detalhes técnicos de construção das lentes, apenas exemplificaremos o tipo de imagem que obtemos com cada uma delas. Por planos entendemos as camadas da imagem que nos trazem informações, ou seja, o primeiro plano é o assunto que está logo na frente na imagem, o segundo plano, vem atrás do primeiro e o terceiro, ainda mais atrás. Dependendo do tipo de objetivas que utilizamos, podemos ver os três planos (a grande angular, por exemplo). Observe abaixo as principais objetivas e o resultado conseguido ao utilizar cada uma delas OBJETIVA GRANDE ANGULAR 28 MM Na Figura 61 com o uso da grande angular 28 mm, podemos identificar os três planos na imagem fotográfica. Observe a nitidez dos planos, nele podemos ver e identificar todos os objetos que aparecem no quadro, desde a estrada de terra que está no primeiro plano, depois a nitidez dos cavaleiros até a nitidez dos bezerros, que estão no terceiro plano, bem distantes.
FIGURA 61 – Foto de Rosa Berardo — Terra Ronca, Norte do Estado de Goiás — feita com lente grande angular 28 mm.
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TELEOBJETIVA 70 — 300 MM A Figura 62 apresenta uma fotografia construída com a lente zoom 70 — 300 mm. Nessa fotografia, observamos que apenas o primeiro plano está nítido, o rosto da modelo tem muita nitidez, mas a mão dela, que está perto do rosto, a alguns centímetros atrás, perdeu a nitidez. Esse tipo de objetiva tem o foco muito sensível e só pode dar nitidez em um plano; o que estiver no plano de trás fica desfocado. A objetiva 70 — 300 mm aproxima e destaca o rosto da modelo e borra o fundo. Essa objetiva é importante para fotografar animais, aves ou assuntos dos quais não conseguimos nos aproximar. É importante ressaltar, que no uso dessa objetiva o primeiro plano fica nítido e o fundo, borrado (Figuras 63 e 64).
FIGURA 62 – Foto de Rosa Berardo — Lente zoom 300 mm — Índia, 1993
FIGURA 63 – Foto de Rosa Berardo — Lente zoom 300 mm — Canadá, 2006
FIGURA 64 – Foto- Rosa Berardo — Lente zoom 300 mm — Canadá, 2006
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FIGURA 66 – Foto de Rosa Berardo — Objetiva zoom 70 x 300 mm. A cor do fundo é neutra, e o movimento das folhas em direção ao exterior do quadro cria uma sensação visual de movimentação na imagem. Essa foto foi realizada com a luz do dia, num jardim público de Goiânia para uma campanha publicitária de um bar.
FIGURA 66 – Foto Rosa Berardo — O fundo azul destaca as cores das flores — Objetiva grande angular 28 mm na posição de contramergulho.
FIGURA 67 – Foto Rosa Berardo — Os pássaros negros têm sua cor, silhueta (forma) ressaltadas pela coloração uniforme e chapada do azul do céu.
OLHO VIVO Quando vemos algo que nos chama a atenção e nos encanta por suas formas, beleza ou mesmo nos emociona, temos vontade de registrá-la numa fotografia. Ao pegar a câmera, só temos em mente fazer o clique do registro e, poucas vezes, vamos pensar que esse assunto que se quer registrar deve ter destaque na imagem fotográfica. Geralmente, a pressa e a falta de técnica não nos deixa prestar atenção no fundo da foto, ou
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seja, naquilo que está atrás do objeto que tanto nos chamou a atenção. É importante observar que aquilo que está por detrás da pessoa ou objeto fotografado não pode chamar mais a atenção do que ele, senão quem ver a foto não vai entender qual foi sua intenção ao fazer-se o registro. Por isso, é sempre importante estar atento ao tamanho do espaço que o objeto principal ocupa no quadro e também as tonalidades das cores do fundo.
FIGURA 68 – Foto Rosa Berardo — A repetição de cores, iluminação sem grandes contrastes e formas circulares criando composições interessantes.
FIGURA 70 – Foto de Rosa Berardo. Objetiva 300 mm usada para fechar o enquadramento nos peixes e aproximá-los. As cores, em tons dégradés, do fundo, dos peixes e das pedras.
LENTE MACRO A lente macro é usada para registro de assuntos pequenos e detalhes. Uma lente comum não vai conseguir captar os detalhes das nervuras de uma folha, por exemplo, nem mesmo nossos olhos são capazes de ver isso. Mas com o uso da lente MACRO de 60 mm ou 100 mm, o fotógrafo pode registrar até os olhos pequenos de insetos, como um mosquito ou uma formiga. Essas objetivas precisam de mais luz na hora de fotografar; então, o ambiente deve ser bem iluminado, ou o fotógrafo precisará de um flash especial para esse tipo de lente. Tanto a lente como o flash custam muito caro: uma objetiva macro custa em torno de 800 a 1000 dólares. Observe, na Figura 70, como a composição explora as linhas que saem do vértice esquerdo e vão até um ponto de interesse do olhar (se pensarmos nas linhas imaginárias da regra dos terços). Observe, na Figura 71, os detalhes que compõem a imagem de registro do miolo de uma orquídea. 87
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FIGURA 70 – Objetiva macro 60 mm — nervuras de uma folhagem
FIGURA 71 – Miolo de uma orquídea. Foto Rosa Berardo. Lente macro 60 mm.
4.3. COMPOSIÇÃO E ENQUADRAMENTOS NA FOTOGRAFIA O que queremos dizer quando falamos que uma imagem fotográfica tem uma boa composição? Para melhor entendermos esse conceito estético, vamos voltar à origem dessa palavra. Ela é derivada do latin positio, ato de colocar junto, criação de uma obra. O termo composição é atribuído às atividades artísticas desde o século XVI e, em particular, 88
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à música e às obras literárias. A composição é um componente plástico de toda imagem e está ligada diretamente ao quadro e ao enquadramento. Compor um quadro é distribuir os elementos a serem fotografados dentro do espaço visível que temos no visor da câmera. Os visores, segundo cada câmera, têm seu formato preciso. A maioria das câmeras tem um visor com formato retangular, e a imagem final vai ter também esse formato; mas existem câmeras de formato quadrado, como as antigas câmeras que usavam filme negativo 6 x 6 cm. Vamos falar aqui do formato retangular, mais comum nos aparelhos atuais. Na fotografia, as regras de composição foram herdadas da regra dos terços na pintura, que assegura o equilíbrio e a harmonia visual. Essa regra determina os pontos mais fortes da visão do espectador, em que o olhar será direcionado pela composição. Uma composição que siga as normas dos terços vai respeitar a varredura que fazemos num quadro, sempre entrando com nosso olhar da esquerda para a direita (ocidentais), no sentido que fazemos as leituras das linhas dos objetos fotografados, de sua textura, sombra, volumes e dos níveis de informação de temos nos planos da imagem.
FIGURA 72 – Foto Rosa Berardo — (Tagines, Marrocos). Nessa foto, exploro as linhas diagonais que dão movimentação à imagem. A iluminação dourada é devido ao horário em que a foto foi feita, no final da tarde, quando a luz do sol está mais avermelhada. Objetiva utilizada: lente 300 mm para fechar o quadro e recortar o assunto eliminando o fundo e as bordas.
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FIGURA 73 – Composição com as linhas marcadas pela margem do rio saindo do vértice esquerdo e cortando a imagem em diagonal. Essas linhas dão movimentação ao quadro.
FIGURA 74 – Foto Rosa Berardo — Reflexos — RJ, 2009. Observe a composição da imagem e a distribuição dos pontos de interesse dentro da regra dos terços.
VOCÊ SABIA? A regra do terços é utilizada na pintura clássica e também na fotografia e significa, tecnicamente, que o artista, antes de posicionar os elementos dentro do quadro da câmera ou de uma tela, deve dividir esse espaço de enquadramento em nove quadros, traçando duas linhas horizontais e duas verticais imaginárias e posicionando, nos pontos de cruzamento, o assunto que se deseja destacar para se obter uma imagem equilibrada. Podemos observar que, seguindo essa regra, os pontos de interesse principal do olhar do espectador vão ficar posicionados nas intersecções dos quadros imaginários. Veja a Figura 74. Observe que a escultura pequena de dois anjos e as partes da outra escultura estão no vértice de dois quadros.
Quando vemos algo de algum lugar, de um ponto de vista específico, em geral as pessoas medem entre 1,60 m a 1,80 m, os olhos estão habituados a ver o mundo a de determinado ponto de vista relativo ao corpo do observador. Quando estamos caminhando numa rua, por exemplo, vemos objetos, prédios, pessoas a partir do ponto de vista dito normal, pois nunca nos agachamos na rua para observar um carro de baixo para cima, ou então subimos numa árvore da calçada pra ver as pessoas que passam de cima para baixo... Esses diferentes lugares em que podemos nos posicionar para observar o mundo e fotografá-lo são chamados de pontos de vista e fazem uma grande diferença na formação da imagem no quadro e no modo de ver e de interpretar do espectador. Para ter uma ideia dos possíveis efeitos psicológicos dos pontos de vista basta lembrarmo-nos de nossa infância. 90
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Quando éramos pequenos e víamos o mundo de baixo para cima, os objetos e as pessoas pareciam muito grandes e ameaçadores. Lembro-me de que a geladeira da minha casa era extremamente alta e grande, e eu mal alcançava a maçaneta da porta para abri-la. Hoje observo que esse ponto de vista, que nos permite olhar o mundo de baixo para cima, faz os objetos observados a partir desse ângulo parecerem maiores e, consequentemente, mais poderosos e fortes. Esse ângulo de câmera é chamado, no cinema e na fotografia, de contramergulho. O cinema e a publicidade valem-se muito desse recurso visual para valorizar um personagem ou atribuir-lhe poder. Veja exemplos de imagens a seguir:
FIGURA 75 – Foto Rosa Berardo — Essa fotografia foi feita com uma lente grande angular 28 mm, de baixo para cima. Para enquadrar o músico, eu me abaixei na sua diagonal esquerda, assim pude valorizar o instrumento musical e o músico e fazer o enquadramento explorando os vértices do quadro. Tudo isso provê mais movimento à imagem. (Foto de Rosa Berardo — México, 2008) 91
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FIGURA 76 – Foto Rosa Berardo — Foto Rosa Berardo — Imagem feita com lente grande angular 28 mm. O prédio parece gigantesco visto de baixo para cima. Se a foto fosse feita de um ângulo frontal e o fotógrafo se encontrasse longe do prédio, essa sensação de grandeza não seria tão acentuada. Da mesma maneira, quando olhamos uma rua do alto de um prédio ou de uma montanha as pessoas e carros lá em baixo se parecem a pequenas formigas, ficam minimizados e insignificantes e este ponto de vista da câmera é chamado de mergulho.
FIGURA 77 – Foto de Rosa Berardo — Marrocos, 2009. Essa fotografia foi feita de cima para baixo, com uma lente (objetiva), zoom 70-300 mm. O homem parece pequeno em relação ao meio e também oprimido contra o solo. 92
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4.4. LUZ E ILUMINAÇÃO NA FOTOGRAFIA A origem da palavra fotografia é latina, é usada em países ocidentais e surgiu na França (foto = luz, grafia = escrita). Por isso, para se fotografar, o elemento essencial é a luz. E, consequentemente, o equipamento fotográfico, como visto na Unidade 1, foi preparado para receber luz, que entra por um orifício, denominado diafragma, e atinge um material sensível. Nas câmeras analógicas, o material é o filme fotográfico, e a reação é química. E, na câmera digital, o material mais usado é o CCD (ver Figura 78), e a reação é eletrônica. A palavra fotografia também tem origem oriental. No Japão fotografia é sha-shin, cujo significado literal é “reflexo da realidade”. Com isso, a fotografia é uma forma de expressão visual e não simplesmente escrita, como na origem ocidental. GLOSSÁRIO Charged Coupled Device – Dispositivo de Carga Acoplada, um componente sensível a luz. Eletronicamente permite a conversão da luz em cargas elétricas, transformando a informação analógica em digital, sendo armazenada em disquetes ou cartões de memória.
É muito importante entender um pouco do comportamento da luz e da iluminação, pois como percebido pela etimologia da palavra fotografia (FOTO = LUZ / GRAFIA = ESCRITA), não é possível ter fotografia sem luz. Fisicamente, a luz sempre “caminha” em linha e para todas as direções. Para entender a luz, é preciso entender o seu oposto, a sombra. Por isso, suas características, Qualidade e Direção, são assim caracterizadas devido à relação luz e sombra. • Qualidade: A luz pode ser dura ou suave. Luz dura apresenta sombras bem demarcadas. Luz suave apresenta luzes suaves. • Direção: É de onde vem a luz. A direção pode ser: lateral, de cima, de baixo, frontal ou atrás (chamamos de contraluz). Quase nunca observamos como os objetos ou as pessoas estão iluminados no dia-a-dia. Se consideramos que o sol (fonte de luz natural) se desloca no céu fazendo uma curva de um lado para outro, será fácil concluir que durante esse deslocamento diário, ele ilumina de maneiras diferentes os mesmos locais, pessoas ou objetos. Se
FIGURA 78 – Formação e Fixação da imagem fotográfica. Fonte: Guia National Geographic 93
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considerarmos que o planeta Terra se desloca no céu fazendo uma curva, ao redor do sol (fonte de luz natural), será fácil concluir que durante esse deslocamento diário os mesmos locais pessoas ou objetos recebem diferentes incidências de luz. A luz tem a capacidade de moldar os objetos que ilumina, dando-lhes mais ou menos volume através das sombras que cria e também destacando ou não partes do objeto iluminado. Podemos observar que uma iluminação inclinada num ângulo de FIGURA 79 – A fonte de luz chega ao tronco da árvore 45º, por exemplo, é capaz de criar sombras intensas em objetos e também salienta texturas, pois à da esquerda para a direita e faz as sombras medida que cria sombras fortes nos sulcos de sucausadas por esses raios inclinados darem volume perfícies irregulares, ressalta a textura da mesma. à casca da árvore. Observe as Figuras 79 e 80 e analise a posição da fonte de luz em relação às mesmas. Trabalhar com a luz do sol é muito interessante e exige do fotógrafo uma disciplina com os horários, pois o sol muda de posição a cada instante, e assim as formas, reflexos e sombras também vão-se transformando. Com um estudo de observação, você poderá ver as horas mais interessantes de sol no local onde se pretende fotografar as zonas mais ou menos iluminadas e onde será necessário o uso de luz artificial para compensar a falta FIGURA 80 – Fotografia realizada com a fonte de luz no de luz natural. Também é importante lembrar que ângulo de 90º, luz incidente direta na textura da casca das 7 às 9 horas e das 17 às 18 horas (Figura 80), a luz é melhor e mais suave para fotos e cria somda árvore. Podemos observar que as saliências ficam bras alongadas no objeto fotografado. Nesse homenos volumosas com esse tipo de iluminação frontal rário, há menos incidência de raios ultravioletas, responsáveis pela coloração desbotada das fotos. Figura 81 - As sombras alongadas e a luz amarelada indicam que o horário da foto foi ao final da tarde, quando o sol está bastante inclinado e forma sombras longas. Foto: Rosa Berardo — Plantação de Tâmaras, Marrocos. Para uma pessoa leiga em fotografia, não tem importância se a luz do sol está iluminando o rosto ou se está por trás da cabeça, causando uma sombra no rosto da pessoa a ser fotografada. Já para um fotógrafo, o fato de a fonte de luz (sol) estar atrás do objeto fotografado vai resultar numa imagem escura desse objeto (o rosto iluminado por trás sairia escuro se fosse fotografado, pois a câmera fotográfica faria a medida de luz na fonte luminosa que vem por detrás do modelo). 94
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FIGURA 81 – Foto Rosa Berardo — Silhueta de árvores. A medida de luz foi feita com a câmera direcionada para o céu no modo manual (câmeras automáticas não permitem esse ajuste manual) e depois o foco foi feito nas árvores. Técnica para obtenção de silhueta.
Se quisermos ter o rosto do modelo nítido, é importante observar de onde vem a fonte de luz e fazer o modelo ficar com o rosto numa posição frontal a essa fonte, recebendo no rosto os raios luminosos. A medida de luz de uma câmera é feita por fotocélulas que medem a intensidade de luz emitida pelo objeto fotografado. Nesse caso, a tendência da câmera é medir a luz na fonte luminosa que está por detrás do objeto, deixando-o com as tonalidades equilibradas e escurecendo o assunto principal, que é o modelo. Esse tipo de foto em que o modelo fica escuro e o fundo equilibrado se chama silhueta (Figuras 82) e é muito usado por fotógrafos amadores para fazer imagens de alguém no primeiro plano e no fundo o pôr do sol. Se sua câmera é automática, basta colocar o modelo na frente de uma cena de pôr do sol, abrir a lente para grande angular e fotografar. Como a área de maior espaço no enquadramento é a paisagem com sol, a câmera vai medir a luz na fonte luminosa e deixar o modelo escuro. 95
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FIGURA 82 – Foto Rosa Berardo — Criança indígena em silhueta. Para fazer essa imagem, eu tive que colocar a câmera no modo manual e fazer a medida de luz atrás do personagem, na área iluminada fora da casa, onde está a arara. Depois voltei para o local de onde fiz o disparo, e assim o corpo ficou escuro, em silhueta, e a área externa ficou nítida com as cores equilibradas.
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4.5 FOTOGRAFIA E IMAGEM EM MOVIMENTO — PARTE II A imagem fotográfica constitui o elemento de base da linguagem cinematográfica. A linguagem cinematográfica obedece aos mesmos princípios de captura de imagens da câmera fotográfica, com a diferença de que vamos gravar vinte e quatro quadros por segundo em lugar de um. Dentre os elementos dessa linguagem, estão os princípios de composição que dependem do tipo de enquadramento que o cinegrafista vai fazer com a câmera. A composição e os ângulos em que colocamos a câmera para filmar determinam e podem forçar o espectador a determinadas interpretações psicológicas e subjetivas da cena. Os enquadramentos constituem o primeiro aspecto da participação criadora da câmera no registro que faz da realidade exterior para transformá-la em matéria artística. Trata-se aqui da composição do conteúdo da imagem, isto é, da maneira como o diretor recorta e eventualmente organiza o fragmento de realidade apresentado à objetiva de sua câmera. Com o passar do tempo e o uso da imagem em movimento, percebeu-se que era possível: 1- Deixar certos elementos da ação fora do enquadramento; 2- Mostrar apenas um detalhe significativo ou simbólico que permita ao espectador compreender, a partir do detalhe, o que acontece no todo. (Algo equivalente à sinédoque). Alguns tipos de enquadramentos de câmera ou modo de colocar os assuntos dentro do quadro: Apresentaremos, na sequência, alguns exemplos de enquadramentos e ângulos de câmeras utilizados no cinema clássico para forçar determinadas interpretações pelo espectador. ENQUADRAMENTOS Primeiríssimo primeiro plano — PPP: É uma tomada de cena feita bem próxima de um objeto, mostrando detalhes em destaque. A imagem focalizada ocupa toda a área do quadro. Esses planos geralmente são utilizados para esclarecer certos aspectos de uma cena ou revelar os sentimentos íntimos de um personagem, suas emoções e seu aspecto psicológico. Veja abaixo exemplos de primeiríssimo primeiro plano. Plano Geral: Como o próprio nome já exprime, o plano geral mostra o cenário em seu aspecto mais geral, com o máximo de detalhes possível. Para dar essa amplitude de espaço, vamos utilizar uma objetiva que utilizamos na fotografia para fazer imagens amplas, a grande angular. Esse tipo de objetiva vai dar mais ênfase ao ambiente: logo o personagem que estiver no quadro vai ficar diminuído em relação a paisagem. 97
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O plano geral faz concorre para que as coisas “devorem o personagem diminuído”, daí uma tonalidade psicológica bastante pessimista, uma ambiência moral um tanto negativa, mas às vezes também uma dominante dramática de exaltação, lírica ou mesmo épica. O plano geral tem uso mais frequente para exprimir a solidão. ANGULAÇÕES NO CINEMA Ângulo dramático: Esse tipo de ângulo extremo tem influência sobre o impacto emocional de uma cena “A contraplongée — contramergulho (o tema é fotografado de baixo para cima, ficando a objetiva abaixo do nível normal do olhar) — dá, geralmente, uma impressão de superioridade, exaltação e triunfo, pois faz crescer os indivíduos e tende a torná-los poderosos. Se, ao contrário, forem filmados em mergulho, vão parecer pequenos e oprimidos.
FIGURA 83 – Ilustração indicando o PPP 98
FIGURA 84 – Ilustração o ângulo dramático e o contramergulho
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Caros alunos(as), chegamos ao fim da disciplina de Fotografia e Vídeo. Esperamos que vocês tenham desvendado o universo da fotografia e gostado de adentrar nele. Continuem experimentando. Essa é a chave pra se aprender fotografia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas: Papirus, 1994. BARTHES, Roland. A câmera clara: nota sobre fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. BENJAMIN, Walter. A pequena história da fotografia. In: _________ (Org.) Obras Escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1994. BRISSAC, Nelson. Paisagens urbanas. São Paulo: Editora Senac. São Paulo, 2004. CAMERA WORK. Number 49/50. New York, June 1917. CHIARELLI, Tadeu. A fotografia contaminada. In: Arte internacional brasileira. São Paulo: Lemos Editorial, 2002. COSTA, Helouise & SILVA, Renato Rodrigues da. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: COSAC&NAIFY, 2004. DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1993. FATORELLI, Antonio. Fotografia e viagem – entre a natureza e o artifício. Rio de Janeiro: Mauad Editora, 2003. FONTCUBERTA, Joan (Org.). Estética fotográfica. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2003. FLUSSER, Vilém. A filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. FREUND, Gisele. La fotografia como documento social / Gisele Freund. 10. ed. Barcelona : G. Gili, 2002. FRIZOT, Michel. A new history of photography. Editions Adam Biro, 1998. GERNSHEIM, Helmut. A Concise History of Photography. Mineola: Dover Publications, 1986. GOUVEIA, Fábio. A imagem pelo furo da agulha: breves pensamentos sobre pinhole. Revista Studium: Edição 24. Studium (revista eletrônica: www.studium.iar.unicamp.br) KOSSOY, Boris. Origens e expansão da fotografia no Brasil: Século XIX. Rio de Janeiro: MEC/Funarte, 1980. __________. Dicionário histórico-fotográfico brasileiro. São Paulo: Instituto MAGALHÃES, Ângela; PEREGRINO, Nadja. Fotografia no Brasil: um olhar das
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origens ao contemporâneo. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2004. MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. São Paulo: Brasiliense, 2005. MELO, Maria Teresa Bandeira de. Arte e fotografia: o movimento pictorialista no Brasil. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1998. RIIS. Jacob. How the other half lives. New York City: W.W. Norton, 2007. SANTOS, Alexandre. Da cidade como resposta à cidade como pergunta: a fotografia como dispositivo de representação / apresentação do espaço urbano. In: A fotografia nos processos artísticos contemporâneos. Alexandre Santos e Maria Ivone dos Santos, Org. Porto Alegre: Unidade Editorial da Secretaria Municipal da Cultura: Editora da UFRGS, 2004. SENAC. DN. Fotógrafo: o olhar, a técnica e o trabalho. Rose Zuanetti; Elizabeth Real, Nelson Martins et al. Rio de Janeiro: Ed. Senac Nacional, 2002. SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. STRAND, Paul. La motivación artística em fotografía (1923). In: WESTON, Edward. Viendo fotograficamente (1943). In: FONTCUBERTA, Joan (Org.). Estética fotográfica. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2003.
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Estรกgio Supervisionado II Professores autores: Dra. Leda Maria de Barros Guimarรฃes e Dr. Ronaldo Alexandre de Oliveira
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APRESENTAÇÃO Caros alunos, As disciplinas de estágio curricular obrigatório foram desenhadas para se desenvolver de forma processual e dialógica, ou seja, o trabalho de uma é a base da próxima e assim por diante. Seguimos adiante também com a parceria dos dois professores-autores que lidam, pesquisam e refletem sobre prática pedagógica a partir das suas vivências com formação de professores nas suas respectivas instituições — UFG e UEL (Universidade Estadual de Londrina). A disciplina Estágio Supervisionado II dará continuidade ao exercício etnográfico iniciado no Estágio Supervisionado I ajustando as lentes para focar no espaço da sala de aula. Usaremos de metáforas para explicitar a necessidade de conexão entre essa disciplina e o contexto geral da vida escolar. Na segunda parte da nossa disciplina, vivenciaremos uma pequena prática pedagógica, que será elaborada processualmente dialogando com os professores (orientador e formador) e os diversos atores da escola campo de estágio. Vivenciaremos essa experiência passando por três momentos: planejamento, aplicação e avaliação. Cada etapa deverá ser discutida nos fóruns, onde o compartilhamento das experiências enriquece o processo de formação de todos pela diversidade que caracteriza o contexto dos cursos na modalidade a distância. Teremos como apoio as disciplinas de Metodologias para o Ensino de Artes Visuais e o Ateliê de Arte e Tecnologia I: Fotografia e Vídeo. Lembrem-se: as disciplinas de estágio curricular obrigatório constituem-se o nosso ateliê, no qual o processo de criação e recriação docente é sempre inacabado. A forma de estruturação do estágio curricular obrigatório favorece o confronto com a diversidade das práticas culturais com as dificuldades históricas do campo e com os desafios institucionais, fazendo do estágio um laboratório de descoberta de possibilidades de superação e avanços metodológicos. Portanto, vamos ao trabalho na perspectiva de que o “caminho se faz ao caminhar”.
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DADOS DA DISCIPLINA EMENTA Revisão e aprofundamento do processo da etnografia do campo escolar. Metáforas de conexão da experiência etnográfica. A sala de aula como reflexo da imersão nos conteúdos e nas rotinas e conflitos pedagógicos no espaço da sala de aula. Discussão de abordagens pedagógicas para o ensino de artes visuais correlacionadas ao contexto do estágio. Planejamento, desenvolvimento e avaliação de proposta de intervenção em artes visuais.alismo e o realismo mágico. Arte conceitual brasileira. A arte performática, o ideário construtivo e procedimentos tecnológicos. Geração 80 e a descentralização do mercado das artes. OBJETIVOS • Aprofundar competências etnográficas para a investigação e imersão do contexto escolar e de outros campos de estágio. • Imersão na sala de aula como foco das investigações sobre a ação docente. • Reconhecimento da atuação e interação dos diversos atores (discentes e docentes) na construção do conhecimento. • Mapear possibilidades e multiplicidade na construção de propostas pedagógicas para artes visuais. • Elaboração de relatório final. UNIDADE 1: RETOMANDO ROTAS E (RE)DESENHANDO TRAJETOS 1.1. AS PISTAS DE UM TRAJETO – ESTÁGIO SUPERVISIONADO I UNIDADE 2: TRILHAS ETNOGRÁFICAS I – METÁFORAS PARA O CAMPO DE ESTÁGIO 2.1. METÁFORAS PARA O CAMPO DE ESTÁGIO UNIDADE 3: TRILHAS ETNOGRÁFICAS II – O ESPAÇO DA SALA DE AULA 3.1. A SALA DE AULA COMO AMBIENTE DE IMERSÃO 3.2. FOCOS DE IMERSÃO – CORPOS DOCENTE E DISCENTE UNIDADE 4: TRILHAS ETNOGRÁFICAS III – PLANEJAMENTO DA AÇÃO DIDÁTICA 4.1. PLANEJAMENTO 4.2. AVALIAÇÃO
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UNIDADE 1 Retomando Rotas e (Re)desenhando Trajetos 1.1. AS PISTAS DE UM TRAJETO – ESTÁGIO SUPERVISIONADO I Aqui estamos nós iniciando a disciplina Estágio Supervisionado II. Se você resgatar o texto que abre a disciplina de Estágio Supervisionado I, impresso no livro Trama 5 da coleção de estudo do nosso curso, poderá ver que já acreditávamos e prevíamos as dificuldades e que também o tempo para o desenvolvimento do processo do estágio não seria uniforme. Sozinhos ou em grupo, anunciamos que seria cada um a seu tempo que estaria construindo esse conhecimento no campo do estágio. Um processo difícil (...) “mas nem por isso menos dinâmico, prazeroso, denso, curioso. Aceitando assim os nossos desajeitos”(...). Esses “desajeitos” foram-se mostrando, aparecendo, desvelando, de ambos os lados — nós, enquanto gestores desse processo, e vocês, assim quanto nós, ávidos por fazer, descobrir, interagir. As dificuldades foram aparecendo, seja na compreensão e dowmínio dos novos códigos, seja no manuseio da “máquina”, nos difíceis acessos e links que não conseguíamos fazer. Outras vezes, fomos aturdidos pela falta de um sentido de comunicação que realmente atendesse àquilo que nos parecia complexo ou muito difícil, sem saber qual a melhor decisão a tomar. Estivemos juntos a vocês pensando esse sentido e a operacionalização do ensino a distância. Nós também nos encontramos, muitas vezes, em dúvida, porque este é um tempo de incertezas, embora seja um tempo tão rico em aprendizagem e parcerias, rico, sobretudo, em um sentido de grupo. Aqui não foi diferente, também estamos caminhando; e que bom que as dúvidas, os medos não nos paralisaram. Seguimos adiante e aqui estamos. Ao revisitar os ricos e intensos diálogos que aconteceram nas salas, nos fóruns, podemos ver como essa caminhada foi-se dando. Muitas foram as falas em que cada um ia dando sentido a seu processo e buscando maneiras outras de aprender. Com isso, outros também passaram a compreender e aprender o sentido de parceria, de comunhão, tão caro a todos nós. Tivemos diálogos animadores, de convencimento, de ajuda, de cooperação, de esperança, de conquistas, seja quando se reportavam às experiências do estágio na vida de cada um, seja quando se reportavam às dificuldades com os meios, com as tecnologias, com as ativida106
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des. Nesse processo, houve uma predisposição em ajudar o outro a ver, a fazer aquilo que parecia já tranquilo para si. Do Ambiente Virtual de Aprendizagem do EAD-FAV extraímos agora algumas falas e as trazemos aqui, para que possamos nos certificar por meio de nossas próprias escritas a materialização de nossos pensamentos, das nossas ideias, dos nossos posicionamentos. Colocamos apenas as iniciais do nome para preservar a identidade dos depoentes. (...) S., você não conseguiu trabalhar com o mapa do google, é isso? Não ‘tem problema, você pode trabalhar com o mapeamento que achar melhor. No meu estágio trabalhei com o mapa da lista telefônica (arranquei as páginas e fui colando, montando a região toda) e você pode fazer o seu próprio mapa, desenhar em um papel, ir montando, colando, etc... (...) A maior importância de trabalhar em grupo é que um membro socorre o outro. Foi isso que aconteceu, H,R. e eu, nos encontramos no domingo último e foi maravilhoso porque tiramos muitas dúvidas, tiramos fotos e fizemos o mapeamento do bairro. Portanto, é muito gratificante o trabalho em grupo. (...) Professora, vou ter que encontrar outro meio de fazer o mapa de minha cidade, pois não tem o mapa dela. Olhos Dágua município de Alexânia-Go (...) consegui abrir o link “satélite” e já localizei diversos pontos da minha cidade através dele, tais como, fórum, rodoviária, escolas, mercados, etc., porém não consigo agora é abrir o documento que explica o que fazer nesta atividade;(...) Já enviei uma mensagem para o suporte e ainda não obtive resposta, estou no aguardo.(...) S.D. (...) Professora, tive que fazer o mapa desenhado, pois a minha cidade está sem visualização devido a defeitos nas fotos de satélite. Já está pronto, agora falta levantar os dados culturais existentes. Já fizemos uma entrevista com o Professor Armando, residente aqui há muitos anos, ele nos falou sobre a criação da Feira de Troca-Troca, é tipo uma feira que os artesões trocam seus trabalhos com as pessoas, roupas calçados, os mais valiosos são vendidos a dinheiro. Muito difícil este trabalho. Meu grupo é integrado por mim, a Camelia e a Érica. (...) resolvi meu problema, eu não conseguia abrir meu arquivo. (...) Oi! Estou com o V. e a C. no grupo, como o colega disse não esta sendo fácil, mas enriquecedor pra todos nós... Até o termino do trabalho tenho certeza que aprenderemos muito e iremos passar tudo que aprendemos com muito prazer! Até lá! É interessante olharmos para esses diálogos estabelecidos nesse ambiente de educação a distância. Aqui percebemos o quanto o sentido de colaboração esteve presente e o quanto essa iniciativa nos colocou frente a um posicionamento tão importante na educação contemporânea, que é do aprender em parceria, aprender com o outro, aprender a aprender. Essa prática que se vai tornando teoria mostra o quanto se 107
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pode contribuir para que o outro veja, faça, inicie outros processos de trabalho a partir de cada experiência individual. Essa questão nos coloca frente ao conceito de “inacabamento” tão enfatizado por Paulo Freire ao longo de sua obra, cujo pensamento também afirma que A educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo. Mundo que impressiona e de safia a uns e a outros, originando visões ou pontos de vista sobre ele. Visões impregnadas de anseios, de dúvidas, de esperanças ou desesperanças que implicitam temas significativos, à base dos quais se constituirá o conteúdo programático da educação. (FREIRE, 1987, p.84) Vale ressaltar as diferentes maneiras que cada um encontrou para resolver os problemas ligados às atividades — fazer o seu mapeamento, por exemplo. Lançando mão de catálogos telefônicos, colagens, tesouras, colas e mesmo de outros materiais, cada um foi dando forma para suas ideias. Esse mapeamento foi colocando cada um à frente das instituições educacionais, formais e não formais, instituídas e instituidoras, sejam elas ONGs, associações de amigos de bairro, grêmios recreativos, quadras de escolas de samba, centros de artesanatos. Porém, esse mapeamento foi colocando também cada um à frente de sua cidade, seus bairros, sua arquitetura, seus parques, jardins, suas feiras livres, como a Feira do Troca-Troca na cidade de Alexânia. Essa experiência chamou o olhar para os meios de transporte, ruas, sinaleiros, moradores, para aqueles que vivem na cidade há muito tempo e aqueles que acabaram de chegar; aqueles que vêm e ficam e aqueles que passam, mas, ainda assim, são tocados pela cidade, afetam-na e são afetados por ela, pelos seus cheiros, cores, odores, sabores. Acreditamos que esse olhar tenha contribuído para desvelar por outros ângulos a cidade de cada um que se foi revelando. Imaginamos que muitas descobertas tenham sido feitas nesse mapear. Aqui há um olho que olha para outras coisas e de outras maneiras; olhar atento, observador, olhar de quem busca, de quem pesquisa, olhar investigativo, indagativo. (...) Professora, no trabalho com o mapa identifiquei toda educação do município, como escolas particulares, municipais, estaduais, centros de culturas, ONGs, Eja, educação integral e outras como escolas rurais preciso falar apenas de educação ou ainda sobre artistas do município? S.B. É interessante o quanto esse aluno conseguiu mapear, e, ao mesmo tempo, o quanto se mostra preocupado e em dúvida com relação ao mapeamento dos artistas locais. S. sinaliza e nos alerta a respeito da importância de sabermos quais são os produtores culturais do nosso lugar, o que eles fazem? De onde vem? Aquilo que eles fabricam/constroem, se guardam relações ou não com as tradições familiares ou com a ances108
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tralidade do lugar? Essas conexões serão aprofundadas na disciplina de Estágio Supervisionado III quando buscaremos saber sobre os saberes da cidade para que possamos levar esses saberes para os diferentes espaços onde iremos estagiar. Os depoimentos apresentados a seguir dimensionam essas possibilidades e descobertas: (...) Oi professora o bairro que estamos mapeando é bem pequeno, mas achamos aqui um bom artista e fotografamos alguns de seus trabalhos no bairro, devemos também marcar a localização destes trabalhos dele no nosso mapa? (...) Olá, L.! Estou cá sozinha a fazer o mapeamento de minha área residencial (no DF). É pequeno local, mas tem centro cultural, tem a Delegacia Regional de Educação e os trabalhos do grupo que divulga Africanidade e Afro Religiosidade nas escolas públicas. Inclusive filmei o trabalho e vou colocar no Youtube para vcs darem uma olhada.(...) Veja que importante papel pode ter cada um na difusão desse conhecimento em relação a seu aluno! Ao conhecer os produtores de sua cidade, os bens simbólicos e culturais de seu espaço, você poderá estabelecer relações entre o próximo e o distante junto a seus alunos, de modo a encontrar as similaridades, as diferenças. Poderá inserir essa produção no currículo que você irá construir enquanto estagiário, enquanto futuro profissional do ensino da arte — um profissional que estabelece relações, que conhece aquilo que é próprio do seu lugar e que busca conexões com outras culturas, outros modos de saber e de apreender o mundo e a si mesmo. A mesma aluna nos fala acima sobre as descobertas da Africanidade na sua região. Fala-nos de outras iniciativas voltadas para o estágio. Conta-nos da construção de uma maquete, das fases do estágio. Falanos ainda das dificuldades enfrentadas e que mesmo assim fará seu estágio em Alexânia. Fala-nos que pode aprender com outros grupos. Parece até um tanto banal enfatizar essas questões, mas esse processo é de grande riqueza. É tudo aquilo que muitas vezes ouvimos em uma palestra ou conferência sobre os pressupostos de uma educação contemporânea. Essa aluna, mobilizada pela área de conhecimento em arte, a partir dos saberes apreendidos, vai colocando em ação e, ao mesmo tempo, teorizando, de modo a construir um rico e intrincado caminho. E ela sabe que não está sozinha. Estamos juntos na construção dessa jornada. É interessante ressaltar o quanto o novo ainda nos pega de surpresa. Aquilo que sai das regras preestabelecidas, como nos assusta! Se nos apegarmos ao que é estabelecido, fica difícil vislumbrar outros caminhos. A ideia do ensino a distância traz consigo a ideia de autoformação — nesse processo, está implícita a noção de que vou- me responsabilizando por mim mesmo, pelas minhas escolhas, pelos recortes que faço. 109
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Sou responsável por aquilo que incluo e aquilo que vou deixando de fora. Tal processo traz também o medo, às vezes, a sensação de impotência, de não saber se vamos conseguir, como podemos ver nessa fala que segue: (...) acho que todos os estágios são complicados, mas esse de artes será uma coisa quase impossível de realizar, já estou super preocupada... afffffffff nunca pensei que iria ser tão restrito assim somente em Alexania..........RL. Apesar de toda a incerteza, nessas lacunas reside a aventura de aprender e de ensinar! É importante a humildade em aceitar as nossas limitações, ainda que momentâneas, para avançarmos nos processos de aprendizagem e formação. Os momentos de incerteza podem dar lugar a outras elaborações, à medida que também nos empenhamos para que isso aconteça: (...) Olá, pessoal, meu nome é A.A. de S., estou gostando muito do curso, gostando dos meus colegas e professores e de toda a equipe da FAV. Tenho aprendido muito e sei que continuarei enriquecendo meus conhecimentos, espero concluir esse curso com bom desempenho. OLHO VIVO Revisando a prática etnográfica: 1. Num primeiro momento da prática etnográfica, lembre-se de que deverá existir a articulação da descrição: as perguntas devem ser coladas na prática das pessoas. A partir de um certo amadurecimento do que se está descrevendo, começa-se a entender determinadas organizações e relações (hierarquizações, distribuições, etc.). No contexto da observação, tentar-se explicar porque as coisas devem ser assim, qual a lógica subjacente àquilo, quais as regras de conduta, quais os princípios operativos da relação do trabalho pedagógico, dos rituais, etc. 2. Num segundo momento, procure analisar as relações anotadas num momento posterior. Aquilo que foi anotado descritivamente no “caderno de campo” será transcrito reflexivamente para outro espaço. Ou seja, transcrever tentando explicar, tentando articular o material, os dados coletados. Ainda não é uma análise teórica, mas uma organização mais compreensiva da pesquisa. 3. Num terceiro momento, volte a campo com os dados organizados (transcrições, imagens, etc.) e peça às pessoas que reflitam sobre sua prática, que interpretem aquilo que elas estão fazendo e se interpretem através daquilo que estão fazendo. Peça às pessoas que falem sobre suas práticas.
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UNIDADE 2 Trilhas Etnográficas I Metáforas para o Campo de Estágio 2.1. METÁFORAS PARA O CAMPO DE ESTÁGIO À medida que avançamos as discussões e os exercícios vivenciados no estágio anterior, vão-se tornando mais claros. Se pudéssemos colocar nosso percurso numa linha reta, teríamos o seguinte desenho:
Mas sabemos que não é bem assim (ainda bem). Cada um vive essa aprendizagem à sua maneira, tem suas apreensões, ritmo, intensidade, etc. Enfatizar a “irregularidade” desse processo é importante para a compreensão do momento que vamos propor, que desfaz a concepção e a prática de como os cursos de formação de professores tem trabalhado com o estágio obrigatório (disciplina) e, consequentemente, como as escolas entendem estágio/estagiário adentrando no seu contexto. Chamamos a essa concepção de TRADICIONAL. Mas, o que entendemos por concepçãotradicional de estágio curricular obrigatório? Na disciplina Cultura, Currículo e Avaliação (Ver o livro Trama 4), a profa. Irene Tourinho (2009) chama atenção a que estudar currículo: Significa aproximar-se de uma ampla paisagem onde as ideias que se têm de educação e de escola, apesar de fundamentais, representam apenas uma parte daquilo que a paisagem maior pode mostrar. Isso porque a educação se dá de muitas maneiras, e a escola é apenas um dos lugares onde podemos aprender e, também, um espaço onde coisas imprevisíveis acontecem (TOURINHO, 2009, p. 52.). É com o mesmo objetivo que estamos propondo as disciplinas de estágio curricular obrigatório como espaço formativo. Essa ida a campo de forma investigativa favorece essa paisagem com ideias mais amplas de educação e de escola. Vamos tentar representar essa ampliação com alguns esquemas visuais e metáforas. Observe a figura a seguir: 111
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FIGURA 1
Tentamos representar a situação do estágio numa proposta tradicional: a escola igual ao retângulo maior com muros bem definidos. Dentro desses muros, temos um cotidiano que contém diversas culturas (escolar, cultura juvenil, cultura da comunidade). Temos diversos atores que mantêm, entre si, variadas relações de poder que desenvolvem e estabelecem dinâmicas e rituais. Apesar desse cenário complexo, o estagiário é “confinado” ao retângulo menor, onde irá “observar” de forma “neutra” o que acontece ali naquele espaço sem conexões com esse mundo “lá fora”. Será que o aluno dentro da sala de aula é o mesmo fora dela? E os professores? Não estamos dizendo que nessa “nova” ou “outra” maneira de propor o estágio, a sala de aula não seja importante. Ela sempre vai sê-lo, mas de forma menos isolada, entendendo as dinâmicas, rituais e performances que acontecem ali dentro de forma conectada com o que acontece fora dela; isto é, na vida, na comunidade, fora dos muros escolares, existe uma vida que pulsa e que o aluno não a abandona quando adentra na instituição escolar. Precisamos restituir ou construir elos que liguem a escola e a vida literalmente. Observe este outro esquema:
FIGURA 2
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O movimento pode ser do âmbito global para o âmbito local ou vice-versa. Por isso, a ideia de jogo é importante. No lugar do formato retangular, propomos um formato circular em forma de ondas que se propagam e se interconectam. Percebam que os círculos são tracejados indicando a possibilidade de diálogos entre as diversas instâncias. Assim, a sala de aula no estágio curricular obrigatório em espaços de educação formal é apenas mais um espaço, não O ESPAÇO da nossa imersão pedagógica. Para reforçar ainda mais essa ideia, vamos nos valer de outras imagens. Você alguma vez já jogou uma pedra na água? Que desenhos formam?
FIGURA 3
Repare como os círculos formados na água vão-se ampliando, interconectando-se e se desmancham. Essa é uma ótima metáfora para nosso trabalho. A dissipação de fronteiras rígidas para fronteiras intercambiáveis. Uma outra metáfora que trazemos para o nosso trabalho de estágio é a mola maluca. Você já brincou com a mola maluca? Você já brincou com a mola maluca?
FIGURA 4
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O que acontece com o círculo que está na frente quando movimentamos a mola? Os desenhos que surgirão dependem da forma, intensidade com que movimentamos a mola. Essa também é outra metáfora para a forma como entendemos o espaço de estágio para o nosso curso. Com o movimento da mola, as posições de hierarquia, as divisões entre espaços pedagógicos (ensinar/aprender), espaços de administração (funcionários), espaços de gestão (direção, coordenação), espaços de lazer (pátio, recreio), espaços culturais, espaços de controle (bedel, porteiro/a, supervisores, etc.) e muitas outros, alteram-se, intercalamse, dialogam. Todos esses espaços são potencializados pedagogicamente em nossa experiência do estágio, e isso altera de forma significativa a formação identitária docente para campos que relacionam o ensino de arte na perspectiva da cultura. Veja, estamos muito acostumados aos espaços de educação formal; mas, se, de repente, você for estagiar numa escola de circo? Ou de bonecos? Como fica essa sala de aula? Que outros formatos se adquirem? São perguntas muito pertinente para a formação de arte-educadores para os tempos atuais. Lembre-se de que, no livro Trama 1 (da sua coleção de estudo), na disciplina Princípios Norteadores da Educação, sobretudo, no Projeto Pedagógico do Curso, estudamos os objetivos do nosso curso. As dificuldades da disciplina Estágio Supervisionado I provocaram mudanças de sentido. Nosso primeiro passo foi dado: entender que a mudança da proposta de estágio está conectada com a mudança de concepção de formação docente! Mas é importante entender que, se não nos colocarmos como agentes de transformação dentro dessa proposta, dificilmente conseguiremos superar as dificuldades que irão surgir na execução dela. Por isso mesmo é que instigamos os estagiários a que se entendam como investigadores. E o que isso implica? Vamos refletir juntos: • Por que será que começamos a disciplina de Estágio Supervisionado I com um mapeamento. • Por que realizamos a cartografia? • O que isso trouxe para você, que se encontra dentro de um processo para o exercício docente?
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Observe a ilustração dessa mola em forma de cone. Vamos usá-la para entender esse percurso: num primeiro momento, começamos com a abertura maior, investigando o contexto, buscando relações com a nossa história de vida para ir afunilando e chegar a uma escola. (no Estágio Supervisionado I). Chegando à escola (rever as Figuras 1 e 2), mergulhamos no contexto geral, no cotidiano (Lembre-se de que no Quadro 1 todo esse cotidiano fica de fora do estágio que se detém apenas na sala de aula). Na Figura 2, vemos como os contextos podem ser vistos de formas interdependentes e perceber que essa interdependência é vital para a formação de arte-educadores para tempos complexos, híbridos, onde as áreas de conhecimento se interpenetram: o contexto social, econômico, habitacional, as condições de trabalho, os diferentes modos de viver e conviver estão cada vez mais interconectados. Não podemos nos furtar desse contexto. Ao sair do círculo expandido para um mais específico, podemos desenhar um novo círculo onde a mola maior passa a ser o contexto da escola, e a menor, da sala de aula. Esperamos que as metáforas da “mola maluca” e dos círculos de água sirvam para a compreensão de que a nossa trajetória não é uniforme. Vamos continuar caminhando nas curvas da mola que está servindo como metáfora para nossa proposta de estágio. Se já fizemos um mapeamento do contexto, fizemos um mapeamento da escola e agora chegou a hora de mapearmos uma sala de aula na escola que vocês escolheram para estagiar. Esses mapeamentos fazem parte da pesquisa de caráter etnográfico. (...) Por entender que nosso trabalho é uma adaptação da Etnografia à Educação, através da apropriação do sistema de referências da Antropologia Social, desvendando dimensões e conceitos que orientam o trabalho de campo e inspiram o olhar antropológico. Este olhar deve permitir a desconstrução de certos estereótipos, pensados a partir de modelos deterministas, e proporcionar uma “leitura social” do espaço escolar pelos nossos alunos-estagiários.(...) 115
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Se você já fez um bom levantamento da escola em que já iniciou o estágio, a essa altura já deve conhecer sua estrutura, dinâmica e funcionamento. Com base nesse conhecimento, converse com a coordenação e supervisão para ajudar na escolha de uma sala a ser observada. Levante as seguintes situações e observe as etapas seguintes: 1. A escola tem a disciplina de artes, e o professor ou professora tem formação na área específica. 2. A escola tem a disciplina de artes, mas o professor ou professora não tem a formação na área. 3. A escola não tem a disciplina de artes. • Tanto na situação 1 como na 2, a escolha do estágio deverá ser pela observação das aulas de artes. • Na situação 3, recomendamos que o estagiário escolha (com o apoio da supervisão da escola) a sala de aula de uma disciplina de área afim (Literatura, História, etc.) ou outra área. O importante é que o(a) professor(a) esteja disposto a receber estagiários na sala de aula e que desejem desenvolver um trabalho interdisciplinar com artes visuais. • Marque uma conversa prévia com o(a) professor(a) para explicar como vai funcionar essa etapa de observação de sala de aula. Saber do conteúdo a ser trabalhado. Em todas as três situações, chegue até os professores com um olhar sem preconceitos, deixe-se levar pelas suas impressões, pela sua intuição, lembre-se de que estamos indo à escola é para ver como é o cotidiano dela, como todos os seus protagonistas atuam nesse campo de trabalho, como cada um, no seu ofício, contribui para formar o todo da escola; como se procede ao Ensinar e o Aprender, que, em última instância, é esse o seu objetivo, e esse aprendizado envolve todos que fazem da escola ser o que é. Portanto, vá com um olhar atento, critico, mas nem por isso sisudo, evite imagens preconcebidas, deixe as coisas fluírem e registre tudo, mesmo que posteriormente (ao sair da escola), pois o registro, a escrita, materializa os nossos pensamentos, dá consistência à nossas ideias, e sãsso esses registros que possibilitarão organização dos projetos posteriores. São diversos os procedimentos e ferramentas que você poderá utilizar nesse exercício do trabalho etnográfico, a sua perspicácia lhe conduzirá para a melhor maneira de colher as informações, pois cada dado ou informação irá exigir uma melhor maneira de colhê-lo. Portanto, essa observação poderá e deverá ser construída numa dinâmica participativa. Poderá ser uma entrevista narrativa, o responder a um questionário; em outros momentos, poderá ser análise de documentos, o registro do espaço físico e das ações que acontecem na escola. 116
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OLHO VIVO Tenha sempre um diário ou caderno de campo para que você possa fazer suas anotações. Fique atento para ”não constranger ninguém nesse espaço”, por exemplo, fazendo questões fora de hora, registros fotográficos não autorizados, interrompendo a dinâmica da sala de aula, entrar sem ser convidado, etc. O bom senso deverá prevalecer o tempo todo, e ele será determinante nesse momento do trabalho.
Lembre-se de que os procedimentos de observação serão os mesmos utilizados no Estágio Supervisionado I quando observamos a escola como um todo! Por isso, faz-se necessário o primeiro contato, deixar claro o que vamos fazer e estar no dia e horário combinado. Como já dissemos, é muito mais que a descrição do espaço físico da sala de aula e da ação de alunos e professores. Essa descrição de espaços e condições nos servem para pensarmos as potencialidades do lugar, as lacunas existentes e perceber como a escola se organiza enquanto organismo vivo e as formas como as relações vão sendo estabelecidas no seu interior, o que possibilita maneiras eficazes de trabalhar a construção de conhecimento. Elaboramos algumas questões que compõem os roteiros de observação, que serão apresentados na Unidade 3. Os mesmos não devem ser tomados como perguntas e respostas (do tipo sim ou não) (tem ou não tem), mas sim enquanto espaços de direcionamento para o olhar de vocês para a escola e a cultura ali instalada. Organize-se, sozinho ou em grupo. É necessário que todos estejam afinados com aquilo que irá ser observado. Evite improvisos, organize com tempo as atividades, veja o que irá fazer a cada dia e não esqueça de levar as ferramentas necessárias!
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UNIDADE 3 Trilhas Etnográficas II O Espaço da Sala de Aula 3.1. A SALA DE AULA COMO AMBIENTE IMERSIVO Para esse mergulho na sala de aula, lembre-se do movimento da mola espiral usada aqui como metáfora para dar visibilidade ao “vai-e-vem” do nosso caminhar no processo de construção das nossas identidades docentes. Dentro do contexto geral da escola, a sala de aula é um espaço importante onde as intenções são postas em ação. Onde o previsto, o pensado, elaborado vira encontro, e a qualidade do encontro dependerá de como a escola se organiza, como ela concebe os processos de ensino e de aprendizagem. É ali que professor e aluno se encontram e constroem conhecimento nas concepções que estão postas e refletidas em todas as ações da escola. “Há lugares onde habitam os pensamentos? Se houver... serão lugares em que nosso corpo entenda de muitas relações. Penso nas relações que tecem fios entre pessoas, objetos e símbolos; relações de sentidos. Sim. Através de nossos corpos compreendedores a gente vai se ver, possuídos pelas palavras, pelos objetos e pelos símbolos. Lugares. A gente precisa deles, cercando os nossos encontros. Começo o meu fio-da-meada por um lugar: sala de aula. Ela ocupa, em nossa tradição escolar, o lugar onde se desenvolve a escolaridade. Frequentando um série de salas de aula é que o educando pode ser considerado: - escolarizado. Sala de aula tem um sinônimo de instrução. Será que a sala de aula, é um dos lugares onde habita o pensamento? Se for... quero procurar pelas relações que nela acontecem. Procurar pelos sentidos, esses tecelões que relacionam pessoas, objetos e símbolos”. (TAVEIRA, 1996, p. 51) Sendo assim, a sala de aula pode ser observada desde a sua configuração espacial, a disposição das cadeiras, a mesa do(a) professor(a), quadro de giz ou outros mecanismos. Deve-se prestar atenção ao que se tem nas paredes, as condições ergonômicas de conforto — tipo de carteiras, a iluminação da sala de aula? A ventilação: janelas/ventiladores? Se é um local agradável ou não? Como se encontra a manutenção das paredes, janelas, carteiras, quadro, portas, equipamentos, pintura do espaço? Qual o número de alunos por sala de aula? 118
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E ainda se o espaço comporta bem o número de alunos? Se possui espaço para uso de outros materiais didáticos? Retroprojetor? Televisão? Vídeo? DVD? Se tiver esses recursos, eles são utilizados? O que os alunos acham dos equipamentos? O professor os utiliza? Com que frequência? Além destas questões de ordem físico-material, observemos também a maneira como as relações ali são estabelecidas entre alunos, alunos e professores; elas devem ser observadas, pois elas dizem muito sobre esse processo. Outro ponto a que vocês devem estar atentos diz respeito a como os professores trabalham os conteúdos: • • • • •
Escrevem no quadro, e os alunos copiam? Fazem explanação oral? Promovem pesquisa? Dão retorno das atividades pedidas? Que estratégias de avaliação usam?
Como identificar posturas de participação e interesse dos alunos? • • • •
Como se sentam? Como a sala de aula se divide em territórios de diferentes grupos? Que grupos são esses? Como se identificam visualmente? PROBLEMATIZANDO (...) A mensagem que nossos alunos estão diariamente recebendo em seu ambiente escolar é a de exaltação ao lixo e à fealdade, à insensibilidade e ao entorpecimento dos sentidos. Como se ali, afim de se “aprender o que realmente interessa” (conceitos e cálculos abstratos), a realidade concreta ao redor necessitasse ser colocada entre parênteses: feche os olhos à sujeira espalhada, às paredes imundas e mal-conservadas, tape o nariz ao mau cheiro dos banheiros e apenas pense — talvez num platônico mundo das formas perfeitas! Situação que só pode gerar um circulo vicioso, na medida em que para todos, alunos, funcionários e professores, viver num local feio e agressor aos sentidos torna-se algo “natural”, produzindo, mais e mais, uma dessensibilização e uma agressão de sua dimensão sensível. (DUARTE Jr., 2002, p. 186) Você concorda com a fala desse autor? Você já vivenciou uma situação dessas no ambiente escolar?
Madalena Freire (1996), no seu texto Espaço e Vida, refletindo acerca da sala de aula, vai tecendo e definindo esse lugar como fruto da relação pedagógica. Fala de um espaço que vai colorindo a partir das experiên119
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cias que são ali estabelecidas, das procuras e dos encontros de educador e educando, dos achados que irão dar vida e conferir beleza ao lugar Compreendo a sala de aula como um espaço. Neste espaço e em relação com o Ser–Humano-Criança acontecem algumas atividades de trabalho pedagógico; são rotinas, como também frutos de procuras e de experiências. São, também, descobertas por através destas atividades. Educador e educando vão conferindo seus alcances, seus achados. A partir do relacionamento desses dois é que o espaço vai sendo colorido e povoado. Comentar sobre as expressões humanas do espaço é uma forma de contar um pouco da experiência que comigo vive e atua, apaixonadamente. O espaço é retrato da relação pedagógica. Nele é que o nosso conviver vai sendo registrado, marcando nossas descobertas, nosso crescimento, nossas dúvidas. O espaço é retrato da relação pedagógica porque registra, concretamente, através de sua arrumação (dos móveis...) e organização (dos materiais...) a nossa maneira de viver esta relação. (FREIRE, 1996, p. 96) E você, já pensou no espaço da sala de aula em que está estagiando? Essa ideia de Madalena Freire, da relação pedagógica poder conferir beleza ao lugar, faz-nos pensar nas relações autoritárias em que o conhecimento é construído dentro de uma concepção bancária, como dizia Paulo Freire, e que ainda existem em muitas das nossas escolas. Pensemos então que esse lugar será desprovido de cor, de vida, de plasticidade, de beleza, e a estética que ele irá nos revelar será algo sombrio, sem a dinâmica possível do diálogo e do encontro, pois será uma relação de mão única, em que a construção é feita apenas de cima para baixo, de fora para dentro. Madalena Freire (1996) mostra que, dentro de uma concepção educacional em que se vive a relação pedagógica como mera transmissão de conhecimentos, em que o educando é mero receptor passivo, o espaço é ocupado por mesas, que ali estão enfileiradas por alunos que não necessitam ver uns aos outros (basta olhar para a nuca do companheiro da frente...), mas, principalmente, deve-se olhar para o professor que, lá na frente, dá a sua aula. Dentro de uma outra concepção de educação, o professor instrumentaliza a busca do conhecimento própria a seus alunos; essa relação professor-aluno instrumentaliza algumas situações (ou atividades) significativas, carregadas de interesse e curiosidade em conhecer-aprender. Esse educador é uma figura relevante, pois, no processo instrumentalizador de aprender-conhecer, ele interage todo o tempo nessa construção do processo de conhecimento. Ensinando ao mesmo tempo em que aprende e aprendendo ao mesmo tempo em que ensina. Tais atividades, tais 120
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conquistas vão tomando formas e cores que deverão povoar o espaço vivido pelo educador e suas crianças. E, dentro dessa concepção, tudo é construção, tudo é processo e, também, tudo é produto, tudo é conteúdo. (FREIRE, 1996, pp. 96 e 97) Olhar para a escola, fazer uma imersão nesse espaço, atentando para as suas sutilezas, é pensar num projeto de escola e de educação que ali está instalado. Nada é gratuito, nada é assim ingenuamente configurado. Temos que pensar na tradição e nos ritos que a instituição escolar traz de muito tempo na sua história. Pensemos aqui na própria arquitetura sob a qual as escolas foram e continuam sendo concebidas, construídas e concretizadas; uma forma física que continua a se refletir nas ações ali desencadeadas. A arquitetura nos envolve por inteiro, ativando todos os nossos sentidos, tátil, olfativo, sinestésico. Os lugares possuem aura, clima e podem ser acolhedores, tranquilos, inquietantes, lugares que estimulam a curiosidade, a alegria, como podem ser também sombrios, castradores, escuros, apertados e que em nada estimulam a aprendizagem e a curiosidade. Continuando com as nossas conversas e refletindo sobre as observações da instituição escolar, encontramos ainda em França (1994) a ideia de que a repetição que está dentro do contexto escolar não se resume unicamente na repetição de um conteúdo, através de exercícios de memorização, mas também a repetição de uma forma, que está presente na sala de aula e de todo ambiente escolar, ajudando a garantir o controle e a disciplina. A autora nos chama atenção para as questões relacionadas aos espaços “sociofugidios”, que no seu entender, as escolas se enquadram neste sistema, onde o objetivo é o de manter as pessoas afastadas umas das outras. Sendo as escolas portadoras de uma estrutura de características semi-fixas, projetando a imagem da arquitetura e do ambiente, este acaba por influir no comportamento das pessoas que tendem a se isolar. Um modelo padrão de escola, com salas de aula extremamente parecidas contribui para afetar a função comunicativa do ambiente. Sendo a sala de aula um arranjo criado pelo homem, podemos caracterizá-la como um ambiente artificial. Portador de uma formação híbrida, o suporte físico da educação formal deveria ser capaz de interagir mais significativamente, na medida que suas delimitações não são absolutamente fixas, mas podem se estender por áreas afins, permitindo uma pratica mais diversificada e menos repetitiva. (FRANÇA, 1994, p. 73) França (1994) diz ainda que a forma das salas de aula, ao longo da história, confundiu-se com a hierarquia dos templos, com o ritual de celebração, onde um mestre assumia a posição central, como detentor 121
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de uma verdade única, e os fieis sentavam-se para aceitar passivamente os conhecimentos apresentados. Segundo França, essa hierarquia está muito presente ainda hoje nas práticas e nos espaços escolares. Ainda hoje podemos notar que a mesa do professor é sempre maior, algumas vezes disposta sobre um tablado, elevado em relação aos demais. Nas mais tradicionais escolas, o professor lança mão de um púlpito, de onde faz sua pregação. (FRANÇA, 1994, p. 62) As constatações desses autores chamam atenção para o quanto esse espaço escolar é culturalmente e historicamente definido. Observar, repensar os espaços escolares, a disposição dos móveis, das cadeiras, das imagens que compõem o ambiente educativo é, em última instância, repensar o lugar, o papel e a educação de que precisamos e que estamos construindo nesses nossos tempos. Com relação à questão apontada anteriormente, encontramos ressonância no pensamento de João Francisco Duarte Jr., quando, no seu livro Fundamentos Estéticos da Educação (DUARTE, 1988), vai conceituando o processo educacional e estabelecendo relações da Educação com a Estética. Para Duarte Jr. (1988), educar significa, basicamente, permitir ao indivíduo a eleição de um sentido que norteie sua existência. Significa permitir que ele conheça as múltiplas significações e as compreenda a partir de suas vivências. O autor esclarece ainda que a imposição de significados está mais para o adestramento do que para a aprendizagem. Relaciona essa prática com a educação bancária cunhada por Paulo Freire, em que os educandos são vistos como meros recipientes, onde se procura depositar informações, valores e significados como se essa prática fosse capaz de dar novo significado aos sentidos de suas vidas. Quando a educação se fundamenta na realidade existencial dos educandos, a aprendizagem significativa tem maior possibilidade de ocorrência [...]. Assim, na multiplicidade de sentidos de nossa cultura, o educando somente pode apreender e aprender aqueles que auxiliem-no a compreender-se. Em contato com os sentidos em circulação, a capacidade crítica para compreendê-los e selecioná-los é o fator central para que a aprendizagem ocorra. E nisto reside a capacidade criadora: construir, a partir do existente, um sentido que norteie nossa ação enquanto indivíduos. Ou seja: reside na busca de nossos valores, dentre os inúmeros provenientes da estrutura cultural. “Educação que pura e simplesmente transmite valores asfixia a valoração como ato”. (DUARTE, 1988, p. 61)
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PROBLEMATIZANDO Colocamos a seguir vários trechos de autores que discutem e se posicionam a respeito dos conflitos e possibilidades da sala de aula como espaço da ação formativa. Ao escolher um dos trechos, reflita sobre as questões abaixo: • O que você pensa da questão colocada pelo(a) autor(a)? • Com base na questão apresentada, como você vê suas experiências na escola?
TRECHO 01
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CITAÇÃO “Símbolos desconectados de experiências são vazios, são insignificantes para o indivíduo. Quando a educação não leva o sujeito a criar significações fundadas em sua vida, ela se torna simples adestramento: um condicionamento a partir de meros sinais”. (DUARTE, 1988, p. 61). Devemos entender a aula como o conjunto dos meios e condições pelos quais o professor dirige e estimula o processo de ensino em função da atividade própria do aluno no processo da aprendizagem escolar, ou seja, a assimilação consciente e ativa dos conteúdos. Em outras palavras, o processo de ensino, através das aulas, possibilita o encontro entre os alunos e a matéria de ensino, preparada didaticamente no plano de ensino e nos planos de aula. (LIBÂNEO, 1990, pp. 177, 178). A sala de aula para mim, portanto, é o meu desafio cotidiano porque ao mascaramento desejado, viso construir o desmascaramento possível; à reprodução exigida, oponho a fermentação já em desenvolvimento histórico e à ideologia hegemônica contraponho a visão de mundo que me parece interessar à maioria dos homens. Puro voluntarismo? Pareceme evidente que não. Como todo e qualquer docente sou também um agente social e minha maneira imediata de intervir no real é construindo o pedagógico concreto da sala de aula onde atuo. O pedagógico concreto que realizo, por sua vez, não sendo individual, mas social, á a forma mediadora da formação e da atuação de outros agentes sociais. (SANFELICE, 1996, p. 93).
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A ênfase no contexto e no processo devem substituir os velhos esquemas das escolas. Uma educação flexível, não autoritária, participativa, integrada em grupos de idades diferentes para maior troca de experiências. A educação como processo criativo e integral, não apenas livresco ou explanado em salas, mas vivido pela vida afora, além dos muros das escolas, não desprezando contudo seus bancos e professores. (TRIGO, 1996, p. 81). É na sala de aula, no contato direto com os alunos, que o educador joga o “jogo da verdade”. Os cursos, os debates, as pesquisas, as teses só têm sentido se considerados em sua finalidade: a ação educativa. E, embora levando em conta as relações com a Escola, enquanto instituição e com a sociedade de modo geral, o educador tem na sala de aula o seu espaço de atuação privilegiado, tendo consciência de que, como todos os espaços, esse também é histórico e político e que, portanto, sua ação é limitada”. (MARCELINO, 1996, p. 68). A sala de aula é o destino primeiro de todas as propostas pedagógicas, planos de governos, delírio e concretude do processo educacional. Se ela é o espaço democrático e que tem a função de abrigar as propostas/intenções pedagógicas, ela também acolhe os sujeitos principais desta ação, isto é, professor e aluno. Sendo este espaço de concretização ele irá revelar as concepções que trazem e que irão compor o processo educacional. Pensar a sala de aula a partir desta dimensão é não perder de vista esta força determinadora que irá definir a qualidade desta relação; que poderá ou não ser estabelecida neste espaço. O professor poderá ser nesta relação de ensino e aprendizagem um mediador, se assim acreditarmos que de fato conhecimento se constrói, como inversamente ser um mero “doador” de informações. Ser esse doador de informação denota uma concepção passiva do ato de educar, tão discutida na obra de Paulo Freire, principalmente quando se reporta a educação bancária, onde a função do professor se resume a do transmissor da informação e o aluno assume o papel de agente passivo receptor destas informações, nada garantindo que essas informações irão se transformar em conhecimento, pois nesse caso, as informações chegam muitas vezes sem significado, portanto não são resignificadas”. (MAIA, 2002, p. 66).
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Não podemos esquecer, então, que a formação de uma educação de boa qualidade a que todos nós almejamos tem um endereço, e esse é a sala de aula, que pode ter diferentes configurações, que está carregada de subjetividade, intencionalidade, sentidos, sensações, que andam tão esquecidos no nosso contexto educacional. Essas informações servirão para organizar um relatório com todos esses dados, que alimentarão a construção de propostas de ações pedagógicas indicando possibilidades para a implementação ou a melhoria do ensino de artes visuais naquele contexto. 3.2. FOCOS DE IMERSÃO – CORPOS DOCENTE E DISCENTE No processo de imersão na sala de aula (e demais espaços da escola), pode surgir alguma informação que precise de um tipo de documentação, por exemplo: currículo de épocas passadas, documentos de leis e normatizações e outros documentos que podem ser explorados pelos estagiários para uma compreensão mais ampla daquele contexto. Fontes imagéticas podem estar arquivadas e seriam de uma riqueza enorme nesse processo de imersão. Semelhantemente, também o seriam fotos antigas, registros da escola, vídeos importantes guardados no arquivo ou que foram guardados por professores e alunos. Por exemplo, tanto podemos ver fotografias de aulas de educação artística das décadas passadas ou de festividades promovidas pela escola quanto vídeos realizados por alunos como parte de um projeto que o professor de história realizou num passado recente. Os estagiários não precisam levantar todos os registros e documentos; a pesquisa vai mostrar quais documentos e fontes serão importantes de ser investigados. Por isso, faz-se importante conhecer esse arquivo e ver como são organizados os documentos, memorandos, ofícios, ordem de serviço, fichas de chamada, diários de classe, boletins, relatórios, fotografias da escola, seja das turmas que ali já se formaram ou dos profissionais, seja dos antigos professores. 3.2.1. CORPO DOCENTE Os professores têm uma história pessoal e profissional construída num lugar. Precisamos atentar para vermos onde eles se inserem; talvez essa sua história veio de muito longe ou pode ser que tenha acabado de iniciar.Qual a característica do corpo docente da escola campo de estágio? Como convivem os professores mais velhos ao lado dos iniciantes? Quais os territórios de poder estabelecidos entre os docentes? Campos de conhecimento mais fortes? Campos de conhecimento menos prestigiados? Mais docentes mulheres? Mais docentes homens? Com certeza, o tempo dos Estágios Supervisionados I e II não será suficien125
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te para todas essas informações. Dados mais quantitativos podem ser conseguidos na secretaria da escola. Outros dados serão trabalhados por amostragem, digamos, a entrevista com dois a quatro professores de diferentes áreas já vai nos trazer muitas informações sobre o contexto. Podemos pensar também uma entrevista com um professor que trabalha com a disciplina de arte na escola; a seguir, dispomos de um roteiro orientador. Como já dissemos, os roteiros que trouxemos aqui são norteadores, e não nos interessa somente os dados, mas sim como as “coisas” se articulam na escola para o seu andamento. ROTEIRO 1 — proposta de entrevista para ser desenvolvida com a professora ou professor que trabalha com a disciplina Arte ou Educação Artística (ou áreas afins, na ausência de uma das citadas) na escola escolhida para campo de estágio.
Questionário Professora ou Professor que trabalha com arte na escola (ou áreas afins). 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.
Nome; Qual a sua formação? Ano? Instituição? Pós-Graduação? Quanto tempo trabalha com a regência de Artes? Carga horária semanal voltada para área de artes? Trabalha com outra disciplina? Em caso afirmativo, qual? Trabalha em outra escola? Em caso de trabalhar em outra instituição, como organiza seu tempo? Quais as dificuldades que implica trabalhar em mais de uma escola? 9. Você conhece os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de arte? Como os utiliza para organizar suas aulas? 10. Você conhece e utiliza algum outro referencial (estadual ou municipal) voltado para o ensino de Arte? Se utiliza, qual é, e qual sua opinião sobre o mesmo? 11. Com qual série/conteúdo você mais se identifica? 12. Você participa da decoração do colégio em datas festivas? O que você acha dessa atuação? 13. Desenvolve projetos em conjunto com outros professores? Quais? 14. Você participa de projetos ou grupos de estudo fora ou dentro da escola? Qual? 15. Como se atualiza profissionalmente? 16. Você tem produção no campo das artes? Em que linguagem?
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17. A equipe pedagógica verifica o cumprimento dos conteúdos/planejamento? 18. Que tipo de trabalho a Secretaria de Educação vem fazendo com os professores? Como se caracteriza a relação entre sua escola e a Secretaria de Educação?
PROBLEMATIZANDO Partindo das observações na escola campo, analise as citações apresentadas abaixo. “O educador lida com a arte de educar. O instrumento de sua arte é a pedagogia. Ciência da educação, do ensinar. É no seu ensinar que se dá o seu aprendizado de artista. Toda pedagogia sedimenta-se num método. Maneira de ordenar, organizar com disciplina, a ação pedagógica segundo certos pressupostos teóricos.Toda pedagogia está sempre engajada a uma concepção de sociedade, política. Faz política quando alicerça seu fazer pedagógico a favor ou contra uma classe social determinada”. (FREIRE, 1996, p. 5). (...) O Professor deve ver sua aula também como um encontro de gente com gente; de outro lado, entretanto, é preciso proteger essa idéia contra reducionismos prematuros. É perigoso reduzir as situações da vida a uma coisa só, pois isso nos acua a posições insustentáveis. Reduzir a sala de aula a um espaço ou tempo em que a aprendizagem do humano afloraria de modo límpido e sereno é adotar posições com laivos de quixotesca. Insustentável, portanto. Todas as vicissitudes humanas perpassam de ponta a ponta esse espaço ou tempo, vicissitudes que podem ser traduzidas em conflitos, alegrias, expectativas mal ou nunca satisfeitas, recalques, exibicionismo, esperanças, avanços e retrocessos. Enfim, tudo o que é humano. (NOVASKI, 1996, p. 14). “São tantas as questões que o professor tem de resolver rapidamente, sem dispor do tempo nem dos meios para pesar os prós e os contras, com o sentimento freqüente de que poderia ter escolhido outra opção. Hesitar, temporizar, deixar correr as coisas significa também decidir. A sala de aula é um local onde a resolução dos problemas não tem prazos. Só se pode, excepcionalmente, decretar um ”tempo morto“. O médico ou o advogado pode, perante um caso difícil, não se pronunciar, pedir outros exames, seguir o conselho de um colega, recorrer às suas obras de referência, refletir tranquilamente. É evidente que o professor pode fazer a mesma coisa quando se confronta com problemas duráveis, por exemplo, com dificuldades escolares graves ou com um aluno mal integrado na turma. Mas o seu dia a dia passa pela resolução de muitos ”pequenos problemas“. São raras as decisões de importância capital. Mas a sua acumulação acaba por manifestar uma prática e por desviar as aprendizagens e as atitudes dos alunos”. (PERRENOUD, 1993, p. 108)
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3.2.2. CORPO DISCENTE O corpo discente é um universo complexo a ser levado em consideração no momento de elaborarmos propostas para o ensino de artes visuais para um determinado contexto. Por isso é interessante que conversemos com os alunos. Investigar junto aos mesmos os seus cotidianos. Se possível conversar em grupos separados (homens/mulheres) e depois em grupos mistos. Buscar investigar as características comuns e diferenças, pensar no contexto socioeconômico dos alunos, sondar suas atividades fora da escola, seus sonhos e desejos, mapear comportamentos, perceber peculiaridades de faixa etária, formas de autoidentificação estética e cultural — roupas, acessórios, os saberes construídos a partir dos meios de comunicação ou na família, etc. Muitos entraves podem acontecer por falta desse cuidado, por exemplo: um professor que aprendeu, no seu curso universitário, que o desenho figurativo é ultrapassado. Ele chega à escola e propõe formas abstratas para uma turma de adolescentes que está ligada aos mangás, sem levar em consideração que já existe ali um movimento em torno de copiar desenhos animados ou revistas de HQ. O professor muito preocupado com a criatividade dos seus alunos, irá censurar a atividade da cópia tentando trazer seus alunos para aulas nas quais eles não estão absolutamente motivados. Esse professor poderá ter sérios problemas em conseguir o interesse da turma para a “arte abstrata”. Conhecer a turma pode ajudar ao professor a potencializar as formas artísticas e estéticas que são referências para aquele grupo avançando na pesquisa para outros estilos, construindo e ampliando um conhecimento de artes visuais. Poderíamos citar mais exemplos, mas no momento o importante é levar a compreensão de que a proposta que estamos trabalhando para os estágios curriculares obrigatórios tem uma fundamentação em pesquisas sobre prática docente com bases em Dewey, Paulo Freire, Moacir Gadotti, Ana Mae Barbosa, Fernando Hernandez e outros estudiosos da educação e arte-educação que levam em conta o contexto como base para a aprendizagem. É importante observar que, nesse tipo de trabalho etnográfico, há “(...) uma preocupação com o significado, com a maneira própria que as pessoas veem a si mesmas, as suas experiências e mundo que as cerca”. (ANDRÉ, 1995, p. 29). Para isso, as entrevistas não são formuladas para obter respostas “sim” ou “não”, mas para obter-se a noção de como diferentes atores daquele contexto educativo vivenciam sua experiência e como interagem com a dos outros. ROTEIRO 2 — proposta de entrevista para ser desenvolvida com estudantes da escola escolhida para campo de estágio.
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1. Como é a relação da escola com a família? É presente? A escola chama a família ou a comunidade para participar da gestão da escola, seja em qualquer grau? Como? 2. A escola já enfrentou algum caso que pode ser considerado gravíssimo envolvendo alunos da escola? Qual? 3. A cultura da comunidade se faz presente na escola? 4. Os alunos enxergam a escola como construção de conhecimento/ experiência ou como obrigação? 5. Qual a visão dos alunos em relação à estrutura oferecida pela escola? 6. O conteúdo das matérias podem e são aplicados na vida cotidiana, fora da escola? 7. Há alunos portadores de NEE (necessidades educacionais especiais)? Em caso afirmativo, como são atendidos? A Secretaria Municipal de Educação ou Secretaria Estadual de Educação oferece capacitações para alunos, professores, funcionários, inspetoras, diretoras, pedagogas, orientadoras educacionais? 8. Procure buscar informações sobre a infraestrutura da qual o aluno desfruta em seu bairro e em sua casa.
PARA REFLETIR (...) A mensagem que nossos alunos estão diariamente recebendo em seu(...) Precisamos aprender a ler as comunicações silenciosas com tanta facilidade quanto as comunicações impressas e faladas. Esse argumento ajuda-me a perceber que há outros canais de comunicação operando de maneira não evidente, mas interferindo significativamente nas relações humanas estabelecidas. (...)
OLHO VIVO Sabemos que nem todas as escolas têm a disciplina de artes ou educação artística. Então, nessa situação, vocês poderão escolher outras áreas, outras disciplinas. O importante, nesse momento, é observar as dinâmicas da escola refletidas nas aulas, nos jeitos de conduzir conteúdos, nas maneiras de conceber o processo educacional.
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UNIDADE 4 Trilhas Etnográficas III Planejamento da Ação Didática 4.1. PLANEJAMENTO Continuemos com a metáfora da mola. Olhem retrospectivamente: quantas coisas já vivenciaram nesse estágio. Vocês devem ter-se perguntado muitas vezes: a que horas começa o estágio? Essa inquietação tem sua razão de ser, mas, esperamos que já tenham percebido a importância de passar pelo exercício etnográfico para finalmente chegar ao planejamento de ações didáticas. Pensar a estrutura da escola, seus espaços, as diferentes maneiras pelas quais as pessoas ocupam e dão vida aos ambientes é de extrema importância para que pensemos planejamento, para que elaboremos atividades para as pessoas que se encontram naquele lugar e não em outro. O planejamento é uma necessidade humana e se faz necessário em todas as ações que vamos realizar. É por meio dele que vamos conjecturando, imaginando caminhos mais felizes e seguros para que possamos tornar um projeto realizável, concreto, pensar e elaborar com os pés no chão. Precisamos conhecer o lugar e as pessoas com as quais iremos trabalhar, pois será o conhecimento que tivermos delas que possibilitará planejar ações e atividades mais certeiras, eficazes, mais condizentes com o ambiente e as pessoas. Madalena Freire nos fala de um sonhar na ação de planejar. Para ela: Todo fazer pedagógico nasce de um sonho. Sonho que emerge de necessidade, de uma falha que nos impulsiona na busca de um fazer. Sonhamos porque vivemos alimentados por nossas faltas... Num primeiro movimento desse sonhar pedagógico o ingrediente básico – porque ainda não iniciamos o fazer – é a idealização: Capacidade de imaginar, idear, projetar fantasias, planejar idéias a serem executadas. Ou seja, faz parte do planejar a ação de sonhar que, neste primeiro movimento, ainda não está no plano das idéias, das hipóteses que estruturarão a ação pedagógica. (FREIRE, 1997, p. 54) Ainda segundo Madalena, é no contato com a realidade pedagógica que o mundo do sonho planejado, idealizado, pode sofrer cortes (grandes ou pequenos, fracos ou fortes, em sintonia ou dessintonias), onde emerge um segundo movimento, que é o desilusionamento. Para ela, 130
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podemos ter duas possíveis reações no contato com esse movimento: ou caímos numa atitude pessimista, desesperançosa, fatalista, ou incorporamos esse movimento como elemento constituidor do sonhar. Isso porque é do sonho que construímos um fazer, “chegamos” à realidade; e é, na realidade, tendo nosso sonho como parâmetro, que poderemos trabalhar o enfrentamento do idealizado, do fantasiado, do imaginado com o real. Então, qual é o desafio? 1. Planejar levando em consideração o contexto escolar, o contexto da sala de aula, as especificidades dos alunos em questão e buscando a interação com os professores regentes da sala de aula. 2. Você deverá lançar mão dos conhecimentos construídos ao longo da sua trajetória no curso. Ou seja, a proposta da ação pedagógica deve demonstrar o que você tem aprendido no campo das artes visuais. 3. Como ainda é um ensaio, o planejamento deve ser para uma oficina, que tenha no máximo quatro encontros de forma que se tenha tempo suficiente para o processo de avaliação. 4. O tema deverá ser construído por meio de problematizações surgidas com base na imersão do contexto da escola e/ou da sala de aula. 5. A construção da proposta será discutida com seu(sua) professor(a) orientador(a) e formador(a) da disciplina. Um planejamento sério sempre passa por reformulações; não é a primeira proposta de planejamento que deve ser executada. A escrita do planejamento, a sua configuração formal pela escrita, materializa nossas ideias e intenções, ainda que não seja garantia de que tudo que foi planejado sairá da forma como pensamos, mas temos que ter certeza de que o plano é guia; é com ele que trilhamos e vamos construindo nossas aulas/encontros, pois é no encontro de professor e aluno que construímos a aula, tudo que vem antes é preparação, é planejamento, e só o fazemos se temos conhecimento da realidade do lugar e para quem se está planejando. Na sequência, apresentamos um breve roteiro sobre o que é preciso pensar para planejar. ROTEIRO PARA PLANEJAMENTO Ao planejar preciso pensar em: 1. Planejar o quê? Tenho que pensar num Tema, Assunto ou Conteúdo. 2. Justificativa: Por que trabalhar com o tema escolhido? Que importância tem para as pessoas para as quais você está planejando? Lembre-se de que esse assunto ou tema tem que ter uma relevância para aquelas pessoas, seu público-alvo.
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3. Público-alvo: Para quem irei ensinar? Em que série? De que idade? Quais suas necessidades? 4. Objetivo: Para que vou ensinar? O que isso acrescerá no conhecimento daqueles para quem eu irei planejar? 5. Conteúdos: O que irei ensinar efetivamente? Os conteúdos têm a ver com aquilo que eu objetivo, com aquilo que eu percebi que falta àqueles para os quais eu estarei planejamento; 6. Metodologia: Como vou ensinar? Aqui preciso pensar em recursos, formas, materiais que irei utilizar para trabalhar aqueles conteúdos, para que eu possa alcançar os objetivos propostos. 7. Qual duração do trabalho? Serão quantos encontros? Quantas aulas? 8. Registro: Preciso pensar no registro das aulas, sejam eles escritos, fotográficos, vídeo ou outras formas de documentação. 9. Avaliação: Precisamos pensar a avaliação enquanto um processo de trabalho, pois cada etapa é muito importante na construção do conhecimento. Nesse sentido o portfólio é uma maneira pela qual cada estudante poderá registrar seu percurso de trabalho.
Será no fazer desse processo de sonhar, planejar, idealizar, desilusionar-se e reconstruir o sonho mais perto do possível, do realizável, nos limites que a realidade nos impõe, que poderemos agilizar-nos. Você não deve pensar: Eu não consigo, pois sonhar é fácil, mas exige o exercício constante da persistência, da perseverança para a construção do rigor na ação do refletir, estudar, planejar, avaliar, na recriação permanente do sonho desejado: para que seu planejamento seja produto final conquistado. O ato de planejar instrumentaliza o aprendizado do prever que desafios propor. Nesse sentido, qualquer planejamento tem como objetivos trabalhar a zona proximal partindo da zona real dos sujeitos. O planejamento é um instrumento fundamental do educador. É preciso saber o que meus alunos já sabem, o que eles necessitam, para que eu possa elaborar atividades mais condizentes com a realidade, pois será a partir dessas questões que poderei saber o que devo ensinar, o como ensinar. Quando ensinar e o onde ensinar? Vamos a alguns pontos que orientam o planejamento.
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ORIENTAÇÃO DO PLANEJAMENTO
OPÇÃO A: ENSINO COMO FATO
OPÇÃO B: ENSINO COMO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO (APROPRIAÇÃO ) DO CONHECIMENTO
Posicionamento Político
Neutralidade: educação é um fato natural — processo individual ou de relação entre individualidades.
Compromisso social: educação é uma prática social — processo individual condicionado pelo coletivo.
Projeto Pedagógico
Proposto pelo sistema de ensino ou pelo livro didático: conhecer para ajustar.
Construído a partir da realidade concreta: conhecer para transformar.
Conhecimento
Conceitos: definições regras => produção individual.
Investigação: crítica construção => produção social.
Metodologia de Trabalho
Técnicas de ensino voltadas para a reprodução/assimilação. Questões práticas ou teóricas.
Criada e recriada a partir das condições concretas da sala de aula e voltada para a construção apropriação do conhecimento
Avaliação
Somativa: comprovação de rendimento, classificação.
Processual: verificação dos resultados para redefinição das ações no processo de trabalho, promoção.
Componentes do Planejamento
Plano decenal. Plano setorial. Currículo escolar. Livro didático. Estágio de desenvolvimento dos alunos. (Sistema de ensino) Plano de um colega.
Condições de trabalho e opção político-pedagógica do professor. Condições materiais e intelectuais dos alunos. Organização didática da escola. Planos e programas institucionais. Bibliografia atualizada (realidade concreta).
A profa. Antônia Osima Lopez questiona a prática do planejamento/preenchimento de formulários, desvinculado do contexto social em que a escola está inserta. Sugere que o planejamento participativo envolva todos os setores dos processos educativos — escola democrática. Propõe um relacionamento mais próximo da formação de professores 133
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em ciências como História, Antropologia, Sociologia, Filosofia e Psicologia, tendo foco na cultura e nas representações que o ser humano faz de si, dos outros e do espaço. 4.2. AVALIAÇÃO A questão de como avaliar na disciplina “artes” ou educação artística tem sido o calcanhar de Aquiles especialmente para aqueles professores que trabalham na educação formal. Entre o tecnicismo dos resultados que aferem mecanicamente conhecimentos tais como datas, nomes, etc. e o laisse fair, em que tudo é lindo e maravilhoso, o arte-educador se sente à deriva nesse processo. Como realizar uma avaliação satisfatória do processo e dos resultados tanto para a construção do conhecimento teórico quanto do conhecimento prático da área de artes visuais? Avalia-se o processo ou o resultado? Ou ambos? Sistematizar formas de avaliação é talvez nosso maior desafio enquanto professores de artes visuais. Concepções que deixam tudo solto são baseadas na ideia de talento, espontaneidade, gosto ou dom e não levam a uma aprendizagem efetiva. Também aquelas provas nas quais são cobradas informações que não fazem o menor sentido para a vida do estudante se situam no extremo oposto e também não ultrapassam a “decoreba” habitual das outras disciplinas. Analise abaixo os importantes pontos para sistematizações metodológicas: 1. 2. 3. 4. 5.
Ter claro que ênfase será buscada no processo. Fomentar repertório: (técnico, conceitual, imagético, etc.). Incorporação de diversidade cultural. Incorporação de diferentes níveis sensoriais. Promover no aluno habilidades para definir e resolver problemas artísticos através de compreensão ou proficiência técnica. 6. Identificar contexto sociocultural dos sujeitos com os quais se está interagindo. 7. Flexibilidade na articulação de etapas. 8. Considerar a realidade própria onde se atua. 9. Compreensão da arte como linguagem representacional e não apenas como veículo de emoções ou atividades de entretenimento. 10. Estabelecer critérios de avaliação do processo e informar aos alunos sobre esses critérios. Estabelecer critérios é um exercício árduo que exige a coerência entre o que foi proposto e as formas de avaliação. Ao se propor uma atividade de construção em equipe, uma dos quesitos a ser levado em considerações é como o grupo trabalhou junto na busca de soluções e como cada participante contribuiu para a resolução dos desafios propostos. Vamos analisar alguns critérios e possíveis itens de avaliação. 134
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1. Aquisição de competência técnica. 2. Por exemplo, se o objetivo da proposta é levar a aprendizagem de lidar e diferenciar os procedimentos necessários para o trabalho com madeira, como na xilogravura, a avaliação deverá eleger expectativas de resultados coerentes com o que se espera que o aluno aprenda. 3. Aquisição e ampliação de repertórios: os repertórios podem ser de várias ordens, como exemplo, repertório de termos ou de conceitos. 4. Autonomia gradual de soluções de problemas. 5. Capacidade crítica, perceptiva, investigativa, reflexiva. 6. Desenvolvimento individual ou em grupo. PROBLEMATIZANDO Para pensar o processo de avaliação, é necessário refletirmos em algumas questões: 1. De onde partimos?Quais eram os nossos objetivos? O que queríamos que nossos alunos aprendessem ou mesmo compreendessem? 2. Qual foi a questão central do planejamento? 3. Para atingirmos a questão central, quais conteúdos foram trabalhados? 4. Quais dificuldades enfrentamos para colocar o planejamento em ação? 5. O que fizemos para superá-las? 6. Como registramos o processo de trabalho? 7. Como os alunos registraram os seus processos individuais? 8. Quais questões ampliamos a partir da concretização do planejamento? 9. A questão ou assunto trabalhado dá margem para outras questões ou assuntos/temáticas a serem trabalhadas? Quais?
A avaliação precisa ser realizada com base nos conteúdos, objetivos e orientação do projeto educativo em Arte e tem três momentos para sua concretização: (Fonte: SEEMG – Proposta Curricular – CBC – ARTE. Ensino Fundamental e Médio). Nesse sentido, a avaliação pode: 1. Diagnosticar o nível de conhecimento dos alunos. Nesse caso, a avaliação costuma ser prévia a uma atividade. 2. Ser realizada durante a própria situação de aprendizagem, quando o professor identifica como o aluno interage com os conteúdos. 3. Ser realizada ao término de um conjunto de atividades que compõem uma unidade didática para analisar como a aprendizagem ocorreu. A literatura também nos informa sobre especificidades de tipos de avaliação que podem nos ajudar a entender quando usamos ou devemos usar cada uma: 135
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Avaliação formativa: propõe uma interação entre professor, aluno e comunidade escolar, visando à construção do conhecimento através de suas equidades. Nesse contexto, poderão ser obtidos re sultados qualitativos e não somente quantitativos. Na avaliação formativa, professor e aluno são agentes efetivos do processo educativo em seus vários aspectos: Avaliação comportamental: refere-se à transformação que fatos e conceitos podem acarretar no comportamento do aluno. O que define sua aprendizagem não é o conhecimento que se tem dele, mas o domínio de transferi-lo para a prática. Avaliação factual: refere-se aos fatos aprendidos. Uma aprendizagem significativa de fatos envolve sempre associação dos fatos aos conceitos que permitem transformar conhecimento em instrumento para a concepção e interpretação das situações ou fenômenos que se explicam. Avaliação conceitual: refere-se aos conceitos construídos. Resolução de conflitos ou problemas a partir do uso dos conceitos; exercícios que obriguem os alunos a usarem o conceito. Cada uma dessas avaliações pedem um momento e podem serem aplicadas numa relação dialógica em que o objetivo maior é o processo de aprendizagem global dos nossos educandos. A maioria dos relatórios que vocês nos trazem apresenta a realidade de escola com péssimas condições físicas, alunos mal acomodados em salas pequenas e outras deficiências do nosso contexto escolar. No entanto, uma forma de combater essas dificuldades é termos professores melhores preparados numa perspectiva mais contemporânea de educação. Faz parte dessa preparação vivenciar questionamentos sobre nossa própria ação, tais como: 1. Como proponho avaliações? 2. Tenho claro que aspectos quero avaliar? 3. Os critérios que utilizo para avaliar são coerentes com a proposição? 4. Deixo claro que critérios serão utilizados? 5. Eu, como propositor(a), tenho condições de responder ao desafio proposto? A proposição é passível de execução? OLHO VIVO Analisem, na tabela abaixo, algumas estratégias de avaliação em Arte. Para complementar, consulte o Módulo 4 de sua coleção de estudo e releia a Unidade 2 — Revisitando Ênfases do Currículo em Arte, da disciplina Cultura, Currículo e Avaliação.
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RECURSO
ESTRATÉGIA
PASTA/PORTFÓLIO
O portfólio permite, ainda, que o professor tenha um registro constante do processo de aprendizagem do aluno, pois nele ficam praticamente todos os materiais que lhe proporcionem interesse e que tenham sido resultado do trabalho em Arte.
DIÁRIO DE BORDO
Caderno de anotações, gravador ou câmera em que o aluno registra acontecimentos, seus pensamentos, seus sentimentos, o que aprendeu, suas facilidades, dificuldades, etc. No diário de bordo, o professor verificará todo o caminho que o aluno percorreu para realização de determinadas atividades, seus sentimentos, suas emoções individuais. Isso oferece respaldo significativo para a aprendizagem e para o professor, que pode ter uma atitude reflexiva em relação ao próprio trabalho. O uso das tecnologias (orkuts, blogs, facebook) pela maioria da população juvenil favorece esse tipo de acompanhamento.
AUTOAVALIAÇÃO
Pode ser oral ou escrita, individual ou em grupo. Ocorre quando o aluno relata o que aprendeu, seu comportamento e suas atitudes em relação às aulas de Arte. No entanto, a autoavaliação não pode ser vaga com apenas uma proposta do tipo “avalie seu desempenho” ou “que nota ou conceito você acha que merece?”. Em ambas situações, é preciso estabelecer critérios e escores.
ENTREVISTA
Pode ser feita pelo professor ao longo do ano. Deve ser preferencialmente gravada, sendo registradas as observações dos alunos durante o período. Através da entrevista, professor e aluno estarão obtendo informações sobre o andamento do processo educativo em Arte.
AFERIÇÕES CONCEITUAIS E DE TERMOS TÉCNICOS
São questionários e testes que, aplicados de tempos em tempos, contribuem para a avaliação do domínio do vocabulário próprio de referências técnica e conceitual de Arte.
RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
Desafios tais como jogos.
Enfim, o que essa proposta almeja é formar um professor investigador, que seja ativo e produza conhecimento em artes visuais, não apenas reproduza o que existe. Para tanto, precisamos investir na formação processual, em que nossos alunos estagiários vivenciem não só as dificuldades, mas também os resultados transformadores desse processo. Precisamos combinar o conhecimento da epistemologia da arte e da cultura e na investigação de como esse conhecimento se retraduz na docência de arte e cultura para produzir um conhecimento crítico. Isso não se alcança por meio de fórmulas mágicas; se não houver o desejo dessa busca, a repetição de fórmulas e a imposição de metodologias desconectadas da vida e do contexto educativo (seja formal ou não formal) certamente será o caminho mais fácil a ser seguido. 137
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MORAIS, Regis. Sala de Aula: Que espaço é esse? (Org.) Campinas: Papirus, 1996. MORETTO, Vasco Pedro. Planejamento. 3ª edição, Petrópolis – RJ: Editora Vozes, 2008. NACARATO, Adair Mendes et al. O cotidiano do Trabalho Docente: Palco, bastidores e Trabalho Invisível... Abrindo as Cortinas. In: GERALDI, Corinta Maria Grisolia et al (Orgs.)Cartografias do Trabalho Docente: Professor(a) – Pesquisador(a). Campinas, Mercado das Letras: Associação de Leitura do Brasil,1998. NOGUEIRA, Monique Andries. Formação cultural de professores ou a Arte da Fuga. Goiânia: Editora UFG, 2008. NOVASKI, Augusto João Crema. Sala de aula: Uma aprendizagem do Humano. In: Sala de Aula: Que Espaço é Esse? Regis de Morais(Org.). Campinas: Papirus, 1996. PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas formação docente e formação: Perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom Quixote, 1993. PIMENTA, Selma Garrido & Maria Socorro Lucena Lima. Estágio e docência. 3ª edição. São Paulo: Cortez, 2008 (Coleção docência em formação. Série Saberes pedagógicos). PIMENTA, Selma Garrido. O estágio na formação de professores – Unidade teoria e prática? 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. SANFELICE, José Luís. Sala de Aula: Intervenção no Real. In: Sala de Aula: Que Espaço é Esse? Regis de Morais(Org.). Campinas: Papirus, 1996. SANTOMÉ, Jurjo Torres. As Culturas Negadas e Silenciadas no Currículo. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. Alienígenas na Sala de Aula: Uma introdução aos estudos Culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 2001. TARDIFF, Maurice. Saberes docentes & formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. TAVEIRA, Adriano Salmar Nogueira. A Sala de Aula — O Lugar da Vida? In: Sala de Aula: Que Espaço é Esse? Regis de Morais(Org.). Campinas: Papirus, 1996. TOURINHO. Irene. Cultura, currículo e avaliação. In: LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS: módulo 4/Universidade Federal de Goiás. Faculdade de Artes Visuais. Goiânia: Editora da UFG, FUNAPE, CIAR, 2009. TRIGO, Luiz Gonzaga Godoi. Salas de aulas. In: Sala de Aula: Que Espaço é Esse? Regis de Morais(Org.). Campinas: Papirus, 1996.
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Hist처ria da Arte Brasileira: Quest천es Contempor창neas Professora autora: Dra. Maria Elizia Borges
HISTÓRIA DA ARTE BRASILEIRA: QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS
APRESENTAÇÃO Caro estudante, Na disciplina História da Arte Brasileira: Questões Contemporâneas, nosso diálogo se aproxima do contexto artístico do século XXI, apresentando artistas e movimentos que alicerçaram os princípios conceituais e construtivos do que chamamos de arte contemporânea brasileira. Aqui apresento um recorte do período que envolve a década de 60 a 90 do século XX do contexto das Artes Visuais brasileiras. Nesse estudo, refaça percursos, releia os módulos anteriores, conecte-se a outros espaços de informação e de pesquisa ampliando as informações aqui apresentadas. Bom estudo! DADOS DA DISCIPLINA EMENTA Realismo versus Abstracionismo. Arte concreta e neoconcreta. Anos 1960 e 1970 e a nova figuração na arte brasileira — pop art, o novo realismo e o realismo mágico. Arte conceitual brasileira. A arte performática, o ideário construtivo e procedimentos tecnológicos. Geração 80 e a descentralização do mercado das artes.
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HISTÓRIA DA ARTE BRASILEIRA: QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS
UNIDADE 1: MULTIPLICAM-SE OS PROCEDIMENTOS ARTÍSTICOS 1.1. REALISMO VERSUS ABSTRACIONISMO 1.2. A VANGUARDA FIGURATIVA NO BRASIL UNIDADE 2: A MULTIPLICAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS ARTÍSTICOS 2.1. DESMATERIALIZAÇÃO DA ARTE 2.2. IDEÁRIO CONSTRUTIVO 2.3. ALGUNS PROCEDIMENTOS ARTÍSTICOS TECNOLÓGICOS UNIDADE 3: ESSA NOVA GERAÇÃO 3.1. O ARTISTA BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO 3.2. O MERCADO DAS ARTES 3.3. O PROCESSO ARTÍSTICO 3.4. DESCENTRALIZAÇÃO DO EIXO EXPOSITIVO – DE NORTE A SUL
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HISTÓRIA DA ARTE BRASILEIRA: QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS
UNIDADE 1 Multiplicam-se os Procedimentos Artísticos 1.1. REALISMO VERSUS ABSTRACIONISMO
FIGURA 1 – Max Bill. Unidade Tripartida. 1948–1949. Aço inoxidável.
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A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi um marco que levou o homem a modificar o seu modo de pensar e viver. A passagem do figurativismo para o abstracionismo não ocorreu em função da vontade isolada de um artista ou de um grupo, mas sim do peso desse fato histórico, que levou os homens a modificarem o modo de ver e de fazer. Assim como a arte moderna, o abstracionismo internacional chega ao Brasil com uma defasagem de anos. A polêmica realismo versus abstracionismo, desencadeada a partir de 1948, consolida-se na 1a Bienal de São Paulo (1951), com a obra Unidade Tripartida (Figura 1) do escultor suíço Max Bill é um exemplo clássico de arte concreta, uma expressão cunhada pelo holandês Theo Van Doesburg, em 1930. Ela surgiu como uma tentativa de redefinição da pintura não figurativa (abstrata). Para o argentino Tomás Maldonado, citado por Ferreira Gular (1985), “o processo criador da arte concreta inicia-se na imagemideia e culmina na imagem-objeto”. Isto é, o significado da obra reside na sua estrutura. Há um senso de equilíbrio, proporção e ritmos contínuos nas formas de Bill, comunicando-nos uma beleza advinda de uma nova linguagem visual à sombra projetada da obra e seu suporte quase imperceptível. Em sua obra, Mário Pedrosa foi um defensor da arte abstrata, uma corrente da arte moderna que se caracteriza pela representação não objetiva da realidade, que é construída por meio de manchas, cores e formas geométricas. A Bienal de São Paulo é de grande importância. Ela foi criada nos moldes da Bienal de Veneza pelo empresário Francisco Matarazzo Sobrinho, homem de visão e sempre vinculado às causas culturais do País. Trata-se de uma megaexposição periódica, de caráter internacional, que oferece um rico e atual material para a discussão das questões que envolvem a arte contemporânea. Na época, ampliou os horizontes da arte brasileira, facultando encontros internacionais, numa cidade da América Latina, e proporcionando aos artistas e ao público um contato direto com o que se fazia de mais “novo” e audacioso nas grandes metrópoles do mundo.
HISTÓRIA DA ARTE BRASILEIRA: QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS
Passou por diversas fases e teve períodos de boicote e de exaltação, transformando-se cada vez mais em um evento institucional complexo. Ela ainda existe e continua a propiciar o intercâmbio artístico internacional. Todavia, não tem mais o impacto de outrora, porque mudaram as circunstâncias e a maneira de se relacionar com as artes visuais. Os jovens artistas dos grupos Ruptura (SP) e Frente (RJ) foram os que enfrentaram a hostilidade do meio artístico, ao experimentarem as artes concreta e neoconcreta. O primeiro grupo servia os introdutores da arte concreta. Iniciado por Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Luís Sacilotto, Hermelindo Fiaminghi, Lothar Charoux e outros, pregava-se a dinâmica visual, com efeitos de construção seriada, a ideia rítmica linear do movimento, um fundo plano onde a forma se desenvolve, a eliminação dos vestígios da subjetividade, enfim, uma obra de arte como produto. Formaram o Grupo Frente os pioneiros da arte neoconcreta. Agruparam-se os artistas Ivan Serpa, Abraão Palatnik, Franz Weissmann, Lígia Clark, Hélio Oiticica e outros. Acreditavam na arte como uma atividade autônoma, vital e de elevada missão social. Tendo em vista a necessidade de educar os homens para conhecer suas emoções plenas, a linguagem geométrica apresenta-se como um campo aberto para alcançar essas experiências e indagações (Ferreira Gullar, 1985). Havia divergências teóricas entre os dois grupos. Enquanto o primeiro propunha a arte como processo de informação e elemento de inserção na sociedade, o segundo concebia a arte como processo revitalizador do relacionamento do sujeito com o trabalho. O artista Waldemar Cordeiro, autor de Movimento (Figura 2) é considerado “o barroco da bidimensionalidade”. Pode-se observar que a superfície da tela está trabalhada com cores primárias e complementares, apresentando um movimento linear horizontal contínuo. Essa rigorosa estruturação das cores alinhadas é construída segundo os preceitos matemáticos que se reportam às sociedades tecnológicas. Você tem preferência por algumas dessas cores? Luís Sacilotto, autor de Concreção 5629 (Figura 3), sempre esteve preocupado com a organização serial das formas. Para tanto, exerce a função de desenhista técnico, ao compor os triângulos de forma binária — brancos ou pretos —, provocando um ritmo cinético, desfazendo totalmente a relação entre figura e fundo. É interessante olhar primeiramente apenas os triângulos brancos e a seguir os pretos. Franz Weissmann, autor de Torre Neoconcreta (Figura 4) é um escultor de grandes dimensões. Para ele a “arte deve ser posta na rua, nas praças, para o povo participar”, e “a escultura deve nascer do chão como uma árvore” (Ferreira Gular, 1985). Assim, a obra transforma-se em linhas rítmicas leves que funcionam como anotações no espaço, isto é, no espaço vazio. Destaca-se a leveza estrutural dessa obra.
FIGURA 2 – Waldemar Cordeiro. Movimento, 1951. Têmpera sobre tela, 90,2 cm x 95,0 cm. Museu de Arte Contemporânea – USP.
FIGURA 3 – Luís Sacilotto. Concreção 5629, 1956. Esmalte sobre alumínio, 60 cm x 80 cm. Museu de Arte Contemporânea – USP.
FIGURA 4 – Franz Weissmann. Torre neoconcreta, 1958. Ferro Pintado (preto), 140 cm x 55 cm x 55 cm. Museu Nacional de Belas Artes – RJ.
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HISTÓRIA DA ARTE BRASILEIRA: QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS
FIGURA 5 – Lygia Clark. Série Bichos – 1960/1961. Alumínio anodizado. Coleções particularese acervo de museus – RJ e SP.
FIGURA 9 – Milton da Costa. Em vermelho. 1958. Óleo sobre tela, 73 cm x 92 cm. Coleção particular – São Paulo.
Lígia Clark, na Série Bichos (Figura 5), rompe com o conceito tradicional de quadro e escultura e propõe uma obra — “não objetos móveis” — sem base e sem moldura. Os bichos são chapas de alumínio que se articulam por dobradiças e funcionam como a espinha dorsal da estrutura. Cabe ao espectador manipulá-los e transformá-los em um processo contínuo de recriação da obra num espaço tridimensional. Assim, a artista está provocando novas relações entre o homem e a obra, criando novo vocabulário visual. Para Hélio Oiticica, autor de Bilateral (Figura 6), a forma é um elemento importante ao qual se pode dar um sentido espacial através da cor. Nessa obra, o cromatismo varia em torno do branco, na textura e na intensidade. E assim ela pode ser contemplada de uma maneira silenciosa e ascética. Essa nova experiência estética está calcada nas relações espaçotemporais, em que as superfícies sem fim indicam múltiplas direções do espaço. Você gostaria de passar por entre esses espaços? Tocá-los? Outros artistas foram, aos poucos, aderindo às formulações abstratas, cada um a seu modo, como foi o caso de Amílcar de Castro (Figura 7), Sérgio Camargo (Figura 8), Milton da Costa (Figura 9), Mary Vieira (Figura 10). Todos estavam preocupados em promover novo intercâmbio cultural entre o artista e o público. Deve-se pensar para ver a importância da linguagem geométrica para essas experiências e indagações.
FIGURA 7 – Amílcar de Castro. Sem título. 1970. Ferro, 350 cm x 300 cm x 250 cm x 5 cm. Praça da Sé – SP.
FIGURA 8 – Sérgio Camargo. Sem título. 1978. Mármore, 83 cm x 83 cm x 55 cm. Coleção do artista.
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FIGURA 6 – Hélio Oiticica. Bilateral. 1959. Têmpera sobre madeira.
FIGURA 10 – Mary Vieira. Polivolume: disco plástico. 1953-1962. Alumínio amonizado, 37 cm x 37 cm x 4 cm. Coleção MAC – USP.
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SAIBA MAIS Plano-piloto para Poesia Concreta. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 403-405. Manifesto Neoconcreto. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro. Petrópolis:Vozes, 1983, p. 406-411. O que ver: • MARTINELLI, Mirella. Novos Rumos. O pós guerra (vídeo). Instituto Cultural Itaú. São Paulo, 1991. (19 min) • Produção START Studio de Arte Eletrônica. Memória do corpo: Lígia Clark (vídeo). Rio de Janeiro, 1989. (28 min). • MOREIRA, Roberto; CARVALHO, Guto. Caminhos da Abstração (Vídeo). Instituto Cultural Itaú. São Paulo, 1993. (13 min.)
1.2. A VANGUARDA FIGURATIVA NO BRASIL Quando alguém se refere à década de 1960, imediatamente, são lembrados alguns fatos gravados na nossa memória, pela vivência ou por informação posterior: a música contagiante dos Beatles; o olhar crítico das imagens de consumo apropriadas por Andy Warhol; a busca de liberdade política e sexual do movimento hippie, baseada no pensamento de Marcuse e de Macluhan, preocupação com a utilização dos recursos mecânicos e eletrônicos, cada vez mais sofisticados. No Brasil, iniciou-se, em 1964, um período de domínio militar. A cultura ressentiu-se das limitações impostas pela censura que norteou a política brasileira. Mesmo assim, a década de 1960 foi um período de intensa efervescência artística. Os artistas procuraram novas estratégias para se comunicarem. Fortaleceu-se, no meio jovem e estudantil, a ideia de uma produção artística mais engajada em questões políticas. Muitos artistas dedicaram suas pesquisas na criação de uma arte participante e denunciadora, conforme a realidade social do País. A partir das primeiras bienais de arte, os artistas começaram a “acertar os ponteiros da arte brasileira de acordo com o relógio da arte internacional” (Morais, 1997), fato consolidado nas décadas de 1960 e 1970. Eles recebem definitivamente, nesse período, a denominação de artistas de vanguarda — aqueles com ideias avançadas que questionam: a instituição artística burguesa; o circuito artístico como produção, crítica e processo de distribuição da obra de arte; os suportes tradicionais da obra, substituindo-os por conceitos, objetos e/ou ações. Segundo Andreas Huyssen (Ribeiro, 1997), existe uma diferença entre “ser modernista” e “ser vanguarda”. O modernismo, dentro da modernidade, foi um projeto elitista que pregou um distanciamento entre 147
HISTÓRIA DA ARTE BRASILEIRA: QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS
a cultura erudita e a cultura de massa, dado seu preconceito contra a produção industrial. A vanguarda foi um estágio subsequente na trajetória da modernidade, que buscou inserir a prática da vida na arte, transformando-a em instrumento de construção utópica de uma nova ordem social. A cidade de Nova Iorque tornou-se o centro produtor e o centro consumidor da arte de vanguarda. Para São Paulo e Rio de Janeiro continuavam a convergir os artistas de outros estados do País. Houve, a partir da década de 1960, uma fase de explosão criativa. Conheça a expansão das entidades culturais nos anos de 1960 e 1970. • Criou-se o Museu de Arte Contemporânea da USP (1963). • Proliferaram as galerias de arte (São Paulo e Rio de Janeiro). • Iniciaram-se os Festivais de Música Popular Brasileira (1965). • O Teatro de Arena e o Grupo Opinião iniciaram espetáculos musicais que defendiam a liberdade de pensamento e de criação artística (1965). • Bienal da Bahia (1966). • Implantaram-se os MIS (Museu de Imagem e Som) no Rio de Janeiro e em São Paulo. • Os Centros Populares de Cultura (CPCs) promoviam espetáculos revolucionários nas ruas, sindicatos e com populações rurais (teatrólogos — Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Viana Filho e Augusto Boal). • Início do Cinema Novo no Brasil com Nélson Pereira dos Santos, Roberto Santos, Glauber Rocha, Luís Sérgio Person e outros. • Bienal de São Paulo (da VI à XV). Períodos de crise política, gerando boicote internacional. • Exposição no MAM, RJ – Nova Objetividade Brasileira (1967). Primeiro marco da arte brasileira de vanguarda. • Lançamento do disco Tropicália (1968). Contém poemas musicais de Caetano Veloso e de Gilberto Gil; arranjos experimentais da música concreta e aleatória de Rogério Duprat e de Júlio Medaglia. • Fundação da Escola Brasil (1970). • Evento: “Domingos da Criação” – MAM, RJ – (1971). • Criação da Fundação Nacional de Arte – FUNARTE (1975). • Departamento de Informação e Documentação Artística – IDART (1975). • Fundação da Associação Brasileira de Críticos de Arte – ABCA. • Fundação do Comitê Brasileiro de História da Arte – CBHA. • Manifestações multimídia e mail art no País – MAC/USP (1974-1977). Houve uma convivência sincrônica entre vários procedimentos artísticos. Esses movimentos foram ambíguos, pois, ao mesmo tempo em que assimilavam técnicas, informações e comportamentos dos mo148
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vimentos internacionais, situavam-se no limiar entre os pensamentos moderno e pós-moderno, devido às peculiaridades históricas do País. Assim, criou-se um processo de desconstrução e construção de várias linguagens artísticas. A arte foi usada como forma de protesto, atuando também nos limites da denúncia, seja na forma de experimentação, no retorno à figuração, ou na participação ativa do espectador. As correntes artísticas foram muitas, cada qual se ramificando em várias vertentes, e os artistas tiveram a liberdade de transitar entre os vários movimentos. Todos contribuíram para uma ruptura com os valores artísticos vigentes, ocasionando uma série de surpresas e escândalos. As vertentes das correntes artísticas mais relevantes do período foram a pop art, o novo realismo e o realismo mágico, ambos da chamada Nova Figuração. Tal vertente contempla as correntes artísticas que buscam trazer o retorno da figuração através de uma nova mensagem estética: a pop art, o novo realismo e o realismo mágico. A pop art — movimento artístico originário da Inglaterra (1950), amplamente difundido nos Estados Unidos (1960) e no Brasil (1965) — influenciou alguns artistas como Rubens Gerchman, José Roberto Aguilar e Nelson Leirner. Suas pinturas apropriaram-se dos signos emblemáticos da cultura de massa e da sociedade de consumo, que permeiam o imaginário cotidiano do homem urbano. Nesse processo mental, reduzem a arte a imagens míticas do cotidiano, dos meios de comunicação e da publicidade, vinculadas a materiais pré-codificados como a fotografia, os outdoors e as histórias em quadrinhos. Em Lindonéia, a Gioconda do Subúrbio (Figura 11), Rubens Gerchman busca o significado social desse ser anônimo que habita as grandes cidades. A ironia do título está associada aos suportes utilizados pelo artista. Já em Made in São Paulo (pesquisar na internet), José Roberto Aguilar expõe sua criatividade vulcânica e dionisíaca. Na tela — “campo de ação” —, codifica carros, pirâmides, bandeiras, aviões, palavras, etc. Enfim, expressa uma visão expressionista e lúdica daquilo que se consome na cidade de São Paulo. O novo realismo, movimento artístico que emergiu em Paris, no final da década de 1950, propunha uma nova figuração para a natureza moderna, isto é, para a cidade, a cultura de massa e a ciência. No Brasil, o novo realismo emergiu como uma crítica voltada para a realidade política e social do país. Coube a Pierre Restany e Mário Schemberg congregar os jovens artistas, como Antônio Dias, Carlos Vergara, Flávio Império e Frans Krajcberg. Na obra O Carrasco (Figura 12), Antônio Dias ordena um mundo dilacerado através de uma narrativa que envolve sexo, tortura e morte fortalecidos pela ideia de uma cultura engajada na política vigente. Há uma valorização de materiais industrializados e uma superação do quadro de cavalete.
FIGURA 11 – Rubens Gerchman. Lindonéia, a Gioconda do subúrbio. 1966. Serigrafia ecolagem com vidro metal sobre madeira, 60 cm x 60 cm. Coleção Gilberto Chateaubriand, Rio de Janeiro, RJ.
FIGURA 12 – Antônio Dias. O Carrasco. 1965. Massa vinílica e tinta acrílica sobre madeira, 123 cm x 133 cm. Coleção Luisa Strina, São Paulo, SP.
FIGURA 13 – Glauco Rodrigues. A primeira missa no Brasil.
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HISTÓRIA DA ARTE BRASILEIRA: QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS
FIGURA 14 – Wesley Duke Lee. A zona (considerações – Retrato de Assis Chateaubriand). 1968. Ambiente pintura de telas com móveis, 2 m x 2 m x 2 m. Coleção Gilberto Chateaubriand, Rio de Janeiro, RJ.
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Em Primeira Missa no Brasil (Figura 13), Glauco Rodrigues aproxima-se do hiper-realismo (imagem-foto) ao propor um novo realismo para um tema histórico grandiloquente, retratado de maneira folclorizante. Atente-se para alguns personagens à direita do quadro, como o banhista e a porta-bandeira. O Realismo mágico, termo cunhado pelo crítico Pedro Manuel, em 1963, para caracterizar obras de Wesley Duke Lee, do fotógrafo Otto Stupakoff, Luiz Paulo Baravelli, Maria Cecília e outros, que procuravam retomar as raízes do surrealismo fantástico para uma transfiguração da realidade cotidiana, por meio de relações intuitivas e inesperadas. Wesley Duke Lee veio da prática publicitária, foi estimulado pela pop art e mostra-se sempre envolvido em sua mitologia pessoal. Ao retratar Assis Chateaubriand (Figura 14), compõe uma ressonância mágica inspirada no cotidiano irreverente desse grande empresário e na mass média. As suas criações ambientais tornaram-se referências de renovações estéticas. Luiz Paulo Baravelli também é um artista pesquisador de múltiplas técnicas e materiais. Em O Viajante, busca a associação ambígua do plano à vivência do espaço repleto de humor e lirismo. Farnese de Andrade, por sua vez, reordena fragmentos de materiais, propiciando uma recontextualização dos objetos, como se pode observar na obra Formação de um Pensamento.
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UNIDADE 2 A Multiplicação dos Procedimentos Artísticos 2.1. DESMATERIALIZAÇÃO DA ARTE A desmaterialização da arte propiciou novas formulações para o conceito de arte, como, por exemplo, reintegrar a arte com a vida. Para isso, o artista propõe ao espectador ver as experimentações e também participar delas. São exemplos dessa vertente a arte conceitual e a arte performática (body art, happenings e outros). A Arte conceitual teve sua primeira mostra, em Berna (1969), quando artistas reuniram informações, documentos e processos para que os espectadores refletissem sobre o que estavam vendo e imaginassem. Segundo Abraham Moles, “o artista não luta mais com a matéria, mas com a ideia. Não faz mais obras, propõe ideias para fazer obras” (Morais, 1989). Essa nova maneira de conceber o objeto artístico — como objeto conceitual e auto-reflexivo — causou grande estranhamento, como se pode observar em obras de Cildo Meireles, Waltércio Caldas, Artur Barrio e Antônio Henrique Amaral. Na obra Campo de Batalha III (Figura 15), de Antônio Henrique Amaral, o componente conceitual está na metáfora da “banana” (o homem latino-americano) espetada pelo “garfo” (metal da repressão), fato corriqueiro na época. Barrio, por sua vez, recorre ao Livro de carne (Figura 16) para expressar sua solidariedade com as vítimas da repressão política. Já em Missão, Missões, Cildo Meireles (Figura 17) faz referências ao genocídio dos índios dos territórios administrados pelas missões jesuíticas. Outro exemplo é a obra Lugar para uma pedra mole, de Waltércio Caldas (Figura 18), que simboliza a imensa e incomensurável Amazônia. O artista entalha e agrupa duzentas vezes o algarismo zero em diferentes madeiras da região. Em todas as obras analisadas, vê-se que o material empregado está em conformidade com a ideia proposta. A exposição Nova Objetividade Brasileira, realizada no museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1967, foi considerada o primeiro marco da arte brasileira de vanguarda. Contou com críticas de Frederico Morais e propostas performáticas significativas de Lygia Clark e Hélio Oiticica, além da participação de outros artistas ligados à Nova Figuração.
FIGURA 15 – Antônio Henrique Amaral. Campos de Batalha III, 1973. Óleo sobre tela, 153 cm x 183 cm. Coleção do artista, São Paulo.
FIGURA 16 – Artur Barrio. Livro de Carne. 1979.
FIGURA 17 – Cildo Meireles. Missão, Missões. Instalação com 2.000 ossos, 700 hóstias, 600.000 moedas e filó, 1987.
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HISTÓRIA DA ARTE BRASILEIRA: QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS
Arte performática — O corpo humano torna-se material e o elemento energético da obra, isto é, o objeto experimental. As maneiras de conduzir e explorar o potencial humano são inúmeras. Na body art, o artista usa o próprio corpo como suporte para uma criação artística, utilizando-se da expressão corporal, do procedimento ritualístico e teatral. As experiências de “corpo e tato” de Lygia Clark em O eu e o tu (Figura 19), são exercícios sensoriais que buscam, no gestual, a liberação da imaginação criativa. A efemeridade do ato é entendida como única realidade existencial. FIGURA 19 – Lygia Clark. O eu e o tu. 1967. Roupas de plástico.
FIGURA 18 – Wesley Duke Lee. A zona (considerações – Retrato de Assis Chateaubriand). 1968. Ambiente pintura de telas com móveis, 2 m x 2 m x 2 m. Coleção Gilberto Chateaubriand, Rio de Janeiro, RJ.
FIGURA 20 – Hélio Oiticica. Parangolé P8. 1965. Vários materiais.
FIGURA 21 – Hélio Oiticica. B8 Bólide vidro 2, 1963-1964. Madeira, vidro e pigmento rosa.
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Já, os Parangolés (Figura 20), de Hélio Oiticica, convidam o expectador a participar da arte performática, vestindo as CAPAS, fazendo-o senti-las como parte integrante do corpo e assim podendo expressar a sensação de liberdade do movimento, ao andar e dançar. Enfim, é um processo de “transmutação expressiva-corporal” — meta corpus. Hélio Oiticica também explora experiências do toque em suas Bólides (Figura 21) — “espaços poético-tácteis”. São caixas (de madeira, vidro, plástico ou cimento), sacos, latas e bacias que contêm materiais (areia, terra, carvão, anilina, água, etc.) para serem manipulados e vistos por dentro e por fora. Assim, o espectador é conduzido a uma desconstrução do objeto-obra e à articulação de um novo sentido da construção, por meio da transformação material obtida no ato da experimentação tátil e sensorial. A cor-luz torna-se focos de energia que transcendem o objeto (Favaretto, 1992). Há também a Bolha Amarela (Figura 22), de Marcelo Nitsche, dotada de uma beleza plástica incomum. Ali, o público vê o objeto inflável que tem seu ciclo de vida próprio — “em repouso”, um “crescendo”, um “morrendo” — acompanha-o inicialmente com espanto; a seguir, deseja tocá-lo, empurrá-lo, dominá-lo e, por último, há o sentimento da perda do gozo lúdico (Amaral, 1983).
HISTÓRIA DA ARTE BRASILEIRA: QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS
O Happening é um acontecimento que ocorre uma única vez, entre o artista espectador e o objeto, como na obra de Flávio de Carvalho. Para Alan Kaprow, o happening também é uma crítica aos valores de consumo, pois não é comercializável. Um dos primeiros happenings do Brasil foi a exposição Ligas Encarnadas, de Wesley Duke Lee, no João Sebastião Bar, em São Paulo, em 1963. Houve também a Exposição-não-Exposição (1967), que contribuiu para o encerramento das atividades do Grupo Rex, uma vez que todas as obras expostas foram destruídas. A tônica da desmaterialização artística, pelos exemplos acima citados, foi uma busca de liberdade da forma e o rompimento com os referenciais então definidos como escultura e pintura. O artista, nessa sua nova percepção, dependia da participação ativa do público, que passou a ser atuante. Juntos, artista e público procuravam adquirir, através de um comportamento inusitado, a construção e a condução de impulsos advindos do imaginário coletivo do homem.
FIGURA 22 – Marcelo Nitsch Bolha Amarela. 1968. Nylon, Exaustor e Capa Galvanizada, 700 cm altura.
OLHO VIVO Para relembrar o significado do termo Happening e a obra do artista Flávio de Carvalho, consulte o Módulo 5 de seu livro Licenciatura em Arte Visuais e releia a Unidade 2 — Desafio dos Modernistas, inserido no capítulo História da Arte Brasileira — Século XX.
SAIBA MAIS O que ver: • Barreto, Flávio. O que é isso Companheiro. (filme), 1998. (105 min.) • Santos, Nelson Pereira dos.Vidas Secas. (filme), 1962. (103 min.) • Rocha, Glauber. Deus e o Diabo na Terra do Sol (filme), 1963-1964. (125 mim.) • Gomes, Dias. O pagador de Promessas. (filme), 1960. (95 min.) • Capelato, Daniela e Barbosa, Andréa. Baravelli (vídeo). Instituto Cultural Itaú – SP. (12 min.) O que ler: • Holanda, Chico Buarque. Roda Viva (peça teatral), 1968. • Marcos, Plínio. Navalha na Carne (peça teatral), 1968. Aonde ir: • Museu de Arte Contemporânea (MAC) — São Paulo, SP. • Museu de Arte Moderna (MAM) — São Paulo, SP. • Museu de Arte Moderna (MAM) — Rio de Janeiro, RJ. O que pesquisar: • História do Grupo Opinião e do Teatro de Arena • O Tropicalismo
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HISTÓRIA DA ARTE BRASILEIRA: QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS
2.2. IDEÁRIO CONSTRUTIVO
FIGURA 23 – Leon Ferrari. Lembranças de Meu Pai. 1977. Aço inox, 100 cm x 50 cm x 50 cm. Coleção MAC/USP.
FIGURA 24 – Paulo Roberto Leal. Desmoven. 1970. Acrílico e papel, 50 cm x 50 cm x 50 cm coleção particular, Rio de Janeiro, RJ.
FIGURA 25 – Mira Schendel. Relevo. 1954. Madeira pintada, 51 cm x 66 cm. Coleção Adolfho Leirner, São Paulo, SP.
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Muitos artistas, no fim da década de 1960, persistiram no cultivo das linguagens construtivas, tão polemizadas no início da década de 1950. Procurava-se, então, uma dialética em cada espaço selecionado, como exemplificam as esculturas públicas de Amílcar de Castro (Figura 7) e de Frans Weissmann (Figura 4); as esculturas de Leon Ferrari (Figura 23) e de Paulo Roberto Leal (Figura 24); as pinturas de Mira Schendel (Figura 25) e Maria Leontina (Figura 26) e na forma do “livro de artista” de Lygia Pape. Na obra Lembranças de Meu Pai (Figura 23), Leon Ferrari utiliza fios metálicos que sugerem visionários espaços fractais, equilibrados e tensos ao mesmo tempo. Paulo Roberto Leal, no Desmoven (Figura 24) propicia ao espectador o manuseio de caixas que contêm formas em papéis. Em ambas as obras, prevalece a maneira sutil da ocupação geométrico-espacial dos elementos. Mira Schendel, em Relevo (Figura 25), conduz sua experiência gráfico-geométrica por meio de signos representados, no caso, por relevos de materiais variados, desvelando a existência do espaço e da textura. Maria Leontina, por sua vez, constrói linhas, formas e planos de cores, como na obra Os Jogos e os Enigmass (Figura 26). Estas são propostas plásticas com organização espacial, em que o enigma da comunicação ocorre dentro de um processo de interpretação intuitiva. Alguns artistas passaram a se expressar através do Livro de artista — uma arte conceitual que fica “na fronteira da leitura e da sugestão visual”, segundo Jorge Glusberg (Morais, 1989). Annateresa Fabris e Cacilda Teixeira da Costa realizaram a mostra Tendências do livro de artista no Brasil, no Centro Cultural de São Paulo, em 1985. O Livro do Tempo, obra de Lygia Pape, faz uma relação dialética entre fundo e forma, cheios e vazios, luz e sombra; enfim, intenções geométricas que se apresentam visualmente anticonvencionais. 2.3. ALGUNS PROCEDIMENTOS ARTÍSTICOS TECNOLÓGICOS A década de 1970 foi um período em que artistas brasileiros de vanguarda vincularam-se a processos avançados da tecnologia, como já ocorrera anteriormente em outros países. Tinha-se como intuito a geração de novas linguagens artísticas, favorecendo, assim, a exploração da imagem por outras formas de conhecimento e de percepção do mundo. Para tanto, utilizaram fotografia, xerox, vídeo, cinema, correio, heliografia, holograma, raios laser, etc. Esses novos meios foram pesquisados de maneira seletiva e surpreendente, propiciando um relacionamento artístico-tecnológico complexo e rico de possibilidades criativas. Para a maioria das pessoas, esse
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tipo de produção artística é inusitado, uma vez que a maioria das “ferramentas” empregadas faz parte do cotidiano e do trabalho no mundo do homem contemporâneo. Essa proposta de criação artística, segundo Júlio Plaza, privilegia um tipo de produção coletiva, em que o artista não pode mais criar sem a ajuda do engenheiro, do matemático e do programador de dados (Morais, 1989). Percebe-se, então, que a produção individual pode ser substituída pela coletiva, sem, com isso, perder o seu valor plástico, perceptivo e comunicativo na produção da imagem. Mostra Arteônica (São Paulo, SP, 1972) — Imagens tratadas por computadores. Waldemar Cordeiro, organizador do evento, afirma: “Se os problemas artísticos puderem ser tratados por máquinas ou por equipes que incluam o partner computador, poderemos saber mais a respeito de como o homem trata os problemas artísticos”. É interessante fazer uma análise comparativa entre O Homem Amarelo (Figura 27), de Anita Malfatti, e a obra Portrait of Fabiana (Figura 28), de Waldemar Cordeiro, feita no computador IBM 360, em 1970. Mostra Expoprojeção (São Paulo, SP, 1973) — Reuniu audiovisuais, filmes “super 8” e discos de 42 artistas, sob a curadoria de Aracy Amaral. Participaram Antônio Dias, Décio Pignatari, Olívio Tavares de Araújo, Rubens Gerchman, Iole de Freitas e outros. O principal núcleo audiovisualista no Brasil surgiu em Belo Horizonte, onde se destacam os registros das imagens de Maurício Andrés, Paulo Emílio Lemos e Beatriz Dantas. Ela procura, através da figuração, desvendar o cotidiano de um Matadouro. Recorde-se que era ainda o período de regime militar, em que a censura persistia no País. Xerografia — implica usar a cópia xerox como forma de arte. O artista Bené Fonteles, o “Rei do Xerox” no Brasil, iniciou em 1974 um trabalho de desfazer e de recriar imagens pelo processo de xerocopiar o mesmo papel continuamente (Figura 29). Videoarte — Emprega o vídeo como forma de arte em si, diferente da TV comercial. Os primeiros vídeos de arte brasileiros surgiram com Anna Bella Geiger, Ivens Olinto Machado, Fernando Cocchiarale, seguidos por Júlio Plaza, Regina Silveira e outros, culminando no I Encontro Internacional de Vídeo no Brasil, em 1978, no Museu da Imagem do Som-MIS, em São Paulo. Como exemplos, podem ser citados o videopoema O Arco-íris no Ar Curvo, de Júlio Plaza, e o vídeo Morfas (Figura 30), de Regina Silveira. No último vídeo, a imagem do objeto altera-se pelo uso de close-up da câmara. Regina Silveira questiona os códigos de visão: modos de representação das imagens e suas percepções. Por meio de um processo construtivo rigoroso, a artista distorce os cânones clássicos da perspectiva — anamorfose —, alterando formas e sombras dos objetos, transformando-os em anomalias visuais, como se pode verificar em Projectio 2.
FIGURA 26 – Maria Leontina. Os jogos e os enigmas. 1958. Oléo sobre tela, 73 cm x 92 cm. Coleção José Paulo Gandra Martins .
FIGURA 27 – Anita Malfatti. O Homem Amarelo. 1917. Óleo sobre tela, 61 cm x 51 cm. Instituto de Estudos Brasileiros da USP, São Paulo, SP.
FIGURA 28 – Waldemar Cordeiro. Portrait of Fabiana. 1970, out put, list. 32,7 cm x 48 cm, computador IBM 360. Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.
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FIGURA 30 – Bené Fonteles. Xerografia. 1980.
FIGURA 30 – Regina Silveira. Morfas, 1981. VT, cor 7.
Arte postal — Para Walter Zanini, a arte postal ou mail art é uma atividade processual que evidencia o fenômeno de desmaterialização da arte (Morais, 1989). O artista desenha cartas ou interfere em cartões postais e envia-os pelo correio. A XVI Bienal de São Paulo (1981) fez uma mostra bastante representativa da arte postal (Figura 31). Anna Bella Geiger (Figura 32), numa série de cartões postais, problematiza questões ideológicas que envolvem os significantes de brasilidade. Os artistas brasileiros de vanguarda também exploraram outros processos de intermediação nessa fase de produção eclética. Dentro de uma cultura afirmativa, que procurou integrar arte e cultura de massa, destacam-se ainda obras que utilizaram na expressão matéria os seguintes suportes: a fotografia (Vera Barcellos), materiais industriais (Iole de Freitas, Nelson Leirner e Tunga) e materiais naturais (Frans Krajcberge). Vera Barcellos apresenta uma instalação — Exposição e exibição de objetos a partir de uma ideia ou conceito — sobre as Missões Jesuíticas do Rio Grande do Sul. A imagem da santa barroca, sem cabeça, reproduzida em cores, e os fragmentos da imagem reaparecem na parte inferior, entre pedaços de carvão mineral, isto é, no fogo sacrificatório, segundo Frederico Morais (1986). Iole de Freitas compõe suas esculturas apenas com elementos necessários para mantê-las “de pé” (Figura 33). A estrutura do trabalho parece expandir-se além do limite espaço-temporal com volumes flexíveis e levess. São dignas de contemplação as formas espiraladas na transparência metálica das telas, a leveza e imobilidade da pedra abrigada no interior da Coluna tripartida.
FIGURA 32 – Anna Bella Geiger. Brasil nativo. Brasil alienígena. 1977.cartões postais, 10 cm x 15 cm.
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FIGURA 31 – Vários artistas. Arte Postal. 1981. XVI Bienal de São Paulo.
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Nelson Leirner, ao recorrer ao objet-trouvé — objeto já pronto — no caso, o porco empalhado (Figura 34), teve como objetivo a contestação das estruturas da criação artística e do establishment que os sustenta. A aceitação dessa obra no Salão de Arte Moderna de Brasília, em 1967, causou grande polêmica no ambiente artístico brasileiro da época. Tunga vale-se da ciência física para relacionar materiais diversos como ferro, cobre, ímã, feltro, borracha e outros. Eles passam por uma estranha transformação de identidade, como na obra Escalpo, composta por pente e cabelos gigantes, que intrigam o espectador pelo seu caráter surrealista. Frans Krajcberg pesquisa a tridimensionalidade com materiais naturais, como raízes, troncos e solos. Diante dessa relação entre beleza e caos, explicita que a destruição do meio ambiente ameaça também as relações estéticas entre o homem e a natureza (Verâncio Filho, 1997). Ao rever os inúmeros procedimentos artísticos gerados a partir da década de 1960 — nova figuração, desmaterialização da arte, ideário construtivo, arte tecnológica, processos intermediários — vê-se que foram propostas estéticas geradas dentro de um contexto histórico singular: vivia-se a repressão do regime militar. O impulso vanguardista, inicialmente questionador e inovador, foi aos poucos tornando-se autorreflexivo e coerente nas suas diversidades e nas suas diferenças. O conjunto dessas experimentações não constituiu uma unidade, foi apenas uma aglutinação de pensamentos e conceitos. Foram questionados os suportes tradicionais, o consumo de massa, o ideário político e social, o plano pictórico e a figura do artista. Propôs-se uma arte inovadora e participante, explorando o aleatório, o eventual, o comportamental e o gestual. A arte resultante gerou rupturas, protestos, inconformismo, ironia, humor, sarcasmo e o prazer lúdico. Finalmente, instalou-se uma arte multidisciplinar.
FIGURA 33 – Iole de Freitas. Sem Titulo, 1997. Albita com mica, aço inox, latão, chumbo e cobre. 320 x 280 x 380 cm.
FIGURA 34 – Nelson Leirner. Porco empalhado. 1967. Porco empalhado em engradado de madeira, 83 cm x 159 cm x 62 cm. Coleção Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, SP.
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SAIBA MAIS O que ver: • Produção START. Studio de Arte Eletrônica. Iole de Freitas (vídeo). Rio de Janeiro, 1989. (4 min). • Produção START. Studio de Arte Eletrônica. Lygia Pape (vídeo). Rio de Janeiro, 1999. (43 min). • Produção START. Studio de Arte Eletrônica. Perfil da Linha — Amilcar de Castro (vídeo). Rio de Janeiro, 1989. (8 min). • Lima Jr., Walter. Brasil Ano 2000 (filme). 1968. • Santos, Nelson Pereira dos. O amuleto de Ogum, 1975 (filme). O que ler: • Guarnieri, Gianfrancesco. Um grito parado no ar, 1973 (peça teatral).
PARA REFLETIR “Ai de quem não fizer uma visão global do conjunto do fenômeno artístico da época, ou não se armar de uma concepção filosófica, científica, sociológica, estética e histórica para enfrentar o caleidoscópio dos ismos, sem faniquitos de impaciência, sem timidez, sem seguismo acrílico ou bocó, sem frustrações de incompreensão, nem negativismos, mas aberto, aberto e crítico.” (Pedrosa, Mário. CATÁLOGO da Primeira Bienal de Artes Visuais do Mercosul, 1997).
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UNIDADE 3 Essa Nova Geração 3.1. O ARTISTA BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO Há um senso comum sobre a transformação do mundo em uma “aldeia global”, com uma universalidade de linguagens. De fato, a partir da década de 1980, a complexidade e a abrangência dos veículos de telecomunicações permeiam ostensivamente a maneira de as pessoas relacionarem entre si e com os objetos. Os programas de TV e os computadores on-line colocam todos em contato com todos — os indivíduos, as culturas, as nações —, percebendo-se o rompimento de fronteiras. De casa, todos, de todos os lugares, assistimos ao enfraquecimento de governos militares; à morte de personalidades; aos acidentes ecológicos, às catástrofes de todas as dimensões; ao movimento das organizações em prol dos direitos humanos; à fragmentação e união de países e à interculturalização dos hemisférios ocidental e oriental. Em oposição a essa globalização, perduram manifestações culturais que procuram manter o seu caráter regional e particular, propagando-se inclusive através dos meios de comunicação. Todos esses processos de comunicação influenciam significativamente a produção artística contemporânea (década 1980 e 1990), caracterizada por uma arte multidisciplinar. As expressões figurativistas e abstracionistas convivem lado a lado; as linguagens artísticas vão do intimismo suave à extroversão gestual; as mensagens podem ser ou não de cunho político; a história da arte não mais se processa de maneira linear, mas simultânea, e os suportes das obras variam do mais simples ao mais sofisticado (Costa, 1991). Diante de tamanha diversidade surgem questões: qual a formação e a transformação do artista contemporâneo? Como entender o seu processo artístico? Como ele se relaciona com o público e o mercado de arte? A partir da década de 1980, os artistas, na maioria dos casos, tiveram sua formação artística em escolas de arte, como a Escola de Artes Visuais do Parque Lage (Rio de Janeiro, RJ), a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP, São Paulo, SP), a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP, São Paulo, SP) e a Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP, São Paulo, SP). Essas escolas contaram com a participação de alguns artistas-mes159
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FIGURA 35 – Iberê Camargo. Núcleo em expansão. 1965. Óleo obre s/ tela, 130 cm x 225 cm. Coleção particular, Rio de Janeiro, RJ.
tres: Regina Silveira, Júlio Plaza, Carmella Gross, Amílcar de Castro e outros. A nova geração foi também influenciada por artistas como Lygia Clark, Hélio Oiticica, Waltércio Caldas, Iberê Camargo (Figura 35), Antônio Bandeira e por movimentos artísticos significativos, como o neodadaísmo e o neoexpressionismo. De forma gradual, os artistas brasileiros foram-se inserindo no plano internacional das artes. Um exemplo disso é que a Revista Internacional de Arte LAPIZ dedicou, em 1997, os números 134 e 135 à índole construtiva de uma nova vanguarda especificamente brasileira, voltada também para a cultura de massa, as novas tecnologias e o mercado de arte. Para caracterizar o artista brasileiro contemporâneo, pode-se dizer que ele desenvolveu o hábito de reunir-se em ateliês coletivos, tidos como locais de trabalho e de discussão; está sempre em busca de novos materiais, interessado em apurar técnicas pictóricas, discutir questões de ordem estética e conceitual e de relacionar-se com a arte internacional. 3.2. O MERCADO DAS ARTES Desde sempre, no curso de sua história, mercado de artes impulsionou o meio artístico em formação. A partir dos anos 1960, fatores socioeconômicos singulares contribuíram para a ampliação profissional no campo cultural e para o crescimento do mercado de bens de consumo, como a obra de arte. Entre as muitas mudanças verificadas no contexto social, as que mais interferiram na circulação da produção artística foram: o grande crescimento da população universitária; a elevação do consumo de serviços culturais pela mulher, agora, incorporada ao mercado de trabalho; a inclusão rotineira de exercícios “artísticos” na educação pré-escolar; a obrigatoriedade da disciplina Educação Artística no ensino secundário oficial; um ensino universitário voltado para a formação de professores de Educação Artística (Durand, 1989). De forma geral, em decorrência dessas transformações, todo o mercado cultural expandiu seus mecanismos de divulgação para atender esse consumidor, agora mais exigente. Assim, desenvolveu-se, nesse sentido, grande movimentação em todos os setores: O mercado editorial — Dedica-se ao produto cultural impresso, colocando-o à disposição da sociedade, em bancas e em livrarias: fascículos específicos como Gênios da pintura, editados pela Abril Cultural, a partir 1967; revistas de arte como Arte Hoje, editada pela Rio Gráfica Editora, na década de 1970; livros como o Projeto Arte Brasileira , da FUNARTE, na década de 1980 e a Série de Artistas Brasileiros, da EDUSP, na década de 1990, além dos excelentes catálogos produzidos por galerias, museus e centros culturais como Panorama de Arte Atual Brasileira – 97, do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1997.
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O mercado das galerias — Torna-se cada vez mais profissional, especializado em um gênero de produção artística específica. Há também uma supervalorização de obras criadas por jovens artistas. Das inúmeras galerias voltadas para esse público, podem ser destacadas, a título de exemplo: Luísa Strina, em São Paulo, Thomas Cohn, no Rio de Janeiro, Gesto Gráfico, em Belo Horizonte, Pasárgada, no Recife e Tina Presser, em Porto Alegre. O mercado dos leilões — Categoriza e amplia o número de obras de arte oferecidas ao mercado. Ao longo do tempo, criou-se uma hierarquização entre as casas de leilões, as “de categoria” e aquelas voltados para um público menos exigente, pois seu poder é de comercialização de peças de arte. As megaexposições — São realizadas para atender a uma grande massa de espectadores. Empresas e governos têm interesse em investir nesse tipo de evento, fazendo marketing indireto. A 1ª Bienal de Artes do Mercosul, realizada em Porto Alegre, em 1997, foi a maior mostra de arte latino-americana já feita no País, com estimativa de um milhão de visitantes. Quatorze diferentes espaços de exposição da capital gaúcha abrigaram 866 obras, além das diversas atividades artísticas paralelas que foram promovidas. Essa megaexposição necessitou de um curador, seis subcuradores, órgãos de promoção e de apoio, além de grandes patrocinadores devido à complexidade da montagem da mostra, bem como seus elevados custos. Os museus de arte — São instituições cuja função é colecionar, selecionar, preservar e restaurar obras de arte (documentos artísticos) dos seus acervos, as quais são expostas, de modo planejado, ao público. A sua responsabilidade educacional e social advém do fato de efetivar a preservação da memória artística e de nortear a compreensão da leitura visual da obra de arte. O museu também reforça a “aura” e a “fetichização” do documento artístico exposto. Os centros culturais — Propiciam programações culturais contínuas e diversificadas. Alguns são vinculados a órgãos governamentais, como o Centro Cultural Vergueiro, em São Paulo, e outros são mantidos por empresas e fundações, como o Instituto Cultural Itaú, em São Paulo; Centro Cultural do Banco do Brasil, em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Brasília e o Museu Lasar Segall, em São Paulo. Órgãos culturais oficiais — O Ministério da Cultura promoveu uma campanha intitulada “Viva melhor, viva a cultura”. Seu objetivo era sensibilizar pessoas físicas e jurídicas para que investissem em projetos culturais, valendo-se da Lei de Incentivo à Cultura, Lei 8.313/91. As secretarias de cultura de estados e municípios são também geradoras de projetos culturais. O mercado virtual — A Internet permite o acesso nas 24 horas do dia, aos acervos dos maiores e melhores museus do mundo. Aliás, hoje 161
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os eventos artísticos, na maioria dos casos, são formatados em CD-ROM para serem vistos no computador. Um exemplo é o CD-ROM Intervenções Urbanas 1.0, que registra a exposição de obras instaladas em vários pontos estratégicos da cidade de São Paulo, em 1997. O mercado das artes tem-se expandido em várias direções. Uma delas é a crescente absorção de profissionais com conhecimento artístico, a saber: historiadores da arte, marchands, mecenas, críticos de arte, agentes culturais, curadores, cenógrafos, leiloeiros, restauradores, designers gráficos e outros colecionadores. A difusão da imagem da obra de arte tornou-se, indiscutivelmente, mais acessível. Todavia, é necessário criar condições para que o público possa ver a arte e inteirar-se do que está vendo. Às vezes, o marketing de um evento artístico transcende a importância da arte propriamente dita. Há necessidade de diferenciar claramente ao espectador valores artísticos inerentes de um determinado artista dentro do seu período histórico. 3.3. O PROCESSO ARTÍSTICO Num primeiro momento, a Geração 80 retoma a pintura e redescobre o prazer de pintar. Para o crítico Achille Bonito Oliva, a tela tornouse um depósito de energias, transpondo as barreiras entre a cultura popular e a alta cultura (Farias, 1994). Valorizam-se o uso experimental de materiais como cera, pigmentos, objetos diversos e fragmentos do universo industrializado. Há, enfim, uma ausência da composição formal, que leva a valorizar a poesia matérica por um vigor agressivo, ampliado no agigantamento das telas sem moldura e chassis. O entendimento da pintura produzida pela Geração 80 teve um marco polêmico na megaexposição denominada A Grande Tela, ocorrida na XVIII Bienal de São Paulo, em 1985, sob a curadoria de Sheila Leirner. Criou-se um longo e estreito corredor onde foram fixadas pinturas, lado a lado, de artistas nacionais e internacionais. Para Agnaldo Farias (1994), isso resultou em uma cacofonia visual, num nivelamento arbitrário de obras com diversos graus de maturidade. Tal provocação alertava para um entendimento da pintura como algo espontâneo, que necessitava de refinamento técnico e de interpretar questões estéticas da época. Destacam-se, como exemplo, alguns pintores representativos: Jorge Guinle (1947-1987) — Artista autodidata, professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro, e com uma vasta vivência artística internacional, de uma maneira gestual, costumava utilizar-se dos dedos para pintar, tendo assim uma relação mais íntima com a tinta. Segundo seu depoimento, “queria colocar tudo dentro do quadro até que ele caísse como um fruto podre no chão” (Morais, 1991). Na Figura 36, pode-se observar o abstracionismo expressionista da composição. 162
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José Leonilson Dias (1957-1993) — Aluno da FAAP, São Paulo, utilizava pincéis para a composição de imagens simplificadas no espaço da tela. Pesquisar na internet. Daniel Senise — Frequentou a Escola de Artes Visuais do Parque Lage. O artista faz emergir da tela imagens estranhas e enormes. Como se vê, em O beijo do elo perdido (Figura 37), a cor soturna e densa, cria uma atmosfera que é fruto de uma imaginação contemplativa e inquietante. Num segundo momento, muitos artistas da Geração 80, que iniciaram sua produção dentro de um processo “pictórico”, desenvolveram também trabalhos tridimensionais e/ou apropriam-se de objetos de diferentes procedências, desvinculados do universo canônico da arte (Chiarelli, 1997). O parâmetro do artista é a sua própria obra, desenvolvida e exposta de várias maneiras propondo experiências espaçotemporais, multissensoriais e interativas. O importante é que haja uma comunicação da obra com o espectador dentro de uma relação analógica. Para Robert Hugres (1998), “a arte não é capaz de nos libertar. Mas há uma coisa que se pode fazer contra a pressão da cultura da mídia. Pode nos induzir a olhar as coisas com atenção e refletir sobre elas, em silêncio. Arte é algo muito específico e consegue limpar as engrenagens da mente”. Algumas obras são destacadas e comentadas aqui com o propósito de atestar o quanto elas contribuem para que se compreenda a autonomia da arte como geradora de objetos indissociáveis a vida do homem. Chica, a gata, e Jonas, o gato (Figura 38). Lêda Catunda (FAAP- São Paulo) explora o universo matérico feminino, ao costurar e bordar almofadas, colchas e toalhas. Suas peças (almofadas) são híbridas, pois são objetos do cotidiano e, ao mesmo tempo, fornecem um novo código de visualização estética. Os Cem. Jac Leirner (FAAP-São Paulo) propõe a ordenação de universos caóticos quando recicla os materiais, revalorizando o descartável. Aqui, o dinheiro é paralisado, retirado de seu uso original, assumindo uma outra função: de ser um elemento compositivo da forma elaborada. Fachadas e Caatingas. Ana Mariani (fotógrafa) retrata o nordeste brasileiro em busca de uma imagem sintética. Ela percebe a fachada da casa, com simplicidade compositiva. A caatinga, por sua vez, é fotografada em ritmos de linhas emaranhadas. • As afinidades eletivas. Rosângela Rennó (Escola Guignard, Belo Horizonte) propõe resgatar aspectos da identidade cultural da sociedade brasileira através de fotos antigas. Chama à atenção a “fotografia bidimensional”, que são retículas fotográficas de imagens de casamento. Vê-se, através da redoma com óleo mineral, uma superposição de imagens que propiciam a leitura simultânea dos fatos. É um exemplo de obra que rompe de vez com as fronteiras anteriormente existentes entre fotografia e artes visuais. Instalações 111. Nuno Ramos (Ateliê Casa 7 – São Paulo) associa em seu campo poético cósmico, pinturas e objetos. As telas contêm vaseli-
FIGURA 36 – Jorge Guinle. Listen To The Blues. (Díptico) 1986. Óleo sobre tela, 150 cm x 300 cm. Coleção Galeria Luísa Strina, São Paulo, SP.
FIGURA 37 – 1992. Técnica mista sobre tela, 273 cm x 157 cm. Coleção Thomas Cohn, Rio de Janeiro, RJ.
FIGURA 38 – Lêda Catunda. Chica, a gata, e Jonas, o gato (díptico). 1985. Acrílico sobre pelúcia e veludo, 150 cm de diâmetro. Coleção Gilberto Chateaubriand, Rio de Janeiro, RJ.
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na, parafina, cera, linhaça e esmalte sintético. Os objetos são iluminados de formas inusitadas. Sem título. Ester Grinspun (arquiteta) desenha uma nova gramática caligráfica: delicada, tímida, frágil e ilusória. As imagens arriscam e prometem simetria; todavia, isso não se cumpre, criando, assim, um efeito de desvanecimento da forma. A arte contemporânea, pelos exemplos aqui selecionados, mantémse como expressão através do trabalho de artefato — colar, pintar, costurar, montar, etc. Muitas dessas obras causam repulsa e escândalo? Sim. Pois bem, é parte do processo. Esse direito deve ser estimulado e garantido ao artista e a sua obra. A arte continua promovendo uma expressividade ilimitada; logo, compreendê-la é complexo e exige reflexão. Hoje, a chamada arte contemporânea continua representando os diferentes extratos multiculturais, mas de maneira fragmentada — o cotidiano, a política, a família, os sentimentos mais intrínsecos do homem. Assim, a arte contemporânea também abre caminhos para o desenvolvimento da sensibilidade das pessoas, não deixando que elas sucumbam ao mito da aldeia global, propiciadora de uma comunicabilidade ideal e não perceptiva e real. SAIBA MAIS O que ver: • MOREIRA, Roberto. BR/80. Pintura Brasil década 80. São Paulo; Instituto Cultural Itaú, 1991 vídeo. (10 min). • MOREIRA, Roberto. Nuno Ramos. São Paulo: Instituto Cultural Itaú, 1991.Vídeo. (13 min). Aonde ir: • Instituto Cultural Itaú – São Paulo; • Centro Cultural Banco do Brasil – Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. • Centro Cultural Vergueiro – São Paulo; • Museu da Escultura – São Paulo. O que acessar: Sites de Museus da Internet • http://www.memorial.org.br/ • http://www.macnit.com.br/ • http://www.usp.br/mac/ • http://www.visualnet.com.br/cmaya/cc-pr-00.htm • http://www.mam.ba.gov.br/ • http://www.mamrio.com.br/ • http://www.visualnet.com.br/cmaya/
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HISTÓRIA DA ARTE BRASILEIRA: QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS
3.4. DESCENTRALIZAÇÃO DO EIXO EXPOSITIVO – DE NORTE A SUL As cidades do Rio de Janeiro e São Paulo continuam promovendo os maiores eventos artísticos do País. Ao mesmo tempo, as capitais dos demais estados e outras cidades de grande porte, propiciam programas que refletem certo nível de descentralização das artes no Brasil. Pode-se fazer, então, um mapeamento da produção artística generalizada, levando em consideração as peculiaridades da criatividade plástica de cada região e local. A introdução da arte moderna, que se desdobra até a arte contemporânea, nas cidades tidas como “periféricas”, seguem um percurso similar, de acordo com cada contexto histórico: • Normalmente, no primeiro momento, radicaliza-se na cidade um artista moderno, com formação em centros cosmopolitas (décadas de 1930, 1940 e 1950). • Criam-se escolas de arte particulares, que, com o passar dos anos, agregam-se ao ensino universitário local (década de 1960). • Alguns artistas locais exercem o papel de líderes, com uma produção artística significativa, exposta inclusive em grandes eventos nacionais, como as Bienais de São Paulo (décadas de 1950 e 1960). • As universidades estaduais e federais investem no ensino de graduação e pós-graduação em artes (a partir da década de 1970). Houve grande expansão dos cursos de pós-graduação nas universidades públicas (USP, UNICAMP, UFRJ, UFMG, UFRS, UNESP, UnB, UFB e outras); • As universidades mais recentes compõem o seu quadro de docentes, inicialmente, com artistas de outras localidades, com experiência já consolidada. Este foi o caso da Universidade Federal de Uberlândia, MG, Universidade Estadual de Londrina, PR, Universidade de Brasília, DF e Universidade Federal de Goiás, GO. • Constroem-se locais propícios para investimentos em programações artísticas, como o Museu de Arte Moderna de Salvador, o Museu de Arte da Universidade do Ceará, o Núcleo da Arte Contemporânea da Universidade Federal da Paraíba e o Museu de Arte e de Cultura Popular da Universidade Federal de Cuiabá. • Alguns eventos artísticos tornaram-se marcantes, pois propiciaram um intercâmbio entre a arte regionalista e a nacional: o evento de vanguarda Do Corpo à Terra (Belo Horizonte, 1970), a I e II Bienal Nacional de Artes Plásticas (Salvador, década 1960). • Muitas cidades centralizam eventos tradicionais e de repercussão nacional, como as edições da Exposição Internacional de Esculturas Efêmeras (Fortaleza, CE), a Bienal da Gravura (Curitiba, PR), o Salão do Humor (Piracicaba, SP), o Festival de Inverno (Ouro Preto, MG) e o Festival de Verão (Nova Almeida, ES). • Os críticos de arte pesquisam, cada vez mais, as cidades periféricas 165
HISTÓRIA DA ARTE BRASILEIRA: QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS
FIGURA 39 – Emzmanuel Nassar. Serra. 1990. Objeto em madeira e lata pintada, 40 cm (diâmetro). Coleção do artista.
FIGURA 40 – José Rufino. Sem Título. 1997. Livro, madeira e folha de ouro sobre calcário, 23cm x 19 cm x 20 cm. Coleção do artista.
FIGURA 41 – Francisco Brennard. Fachada do ateliê. Recife, PE.
FIGURA 42 – Rubem Valentim. Emblema. Década de 1980. zMadeira, 100 cm de altura. Coleção particular
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brasileiras em busca de jovens artistas com uma produção contemporânea, integrando-os aos circuitos dos centros cosmopolitas. A produção artística nacional prolifera em todas as regiões, incrementando assim o caráter descentralizador das artes. Selecionamos no presente texto, alguns artistas que nos ajudam a vivenciar uma produção artística produzida de norte a sul do País. • Emmanuel Nassar (Capanema, PA, 1949). Procura manter quase intacta a identidade dos elementos que recolhe. A Serra (Figura 39) perdeu sua função, ao ser recontextualizada em forma. • José Rufino ( João Pessoa, PB, 1965). Partindo do universo familiar, procura chegar a um universalismo desenraizado. Suas correspondências-objeto, na obra Sem título (Figura 40), estabelecem um canal de comunicação entre os elementos da obra, propiciando um diálogo entre o tempo e a memória. • João Câmara Filho ( João Pessoa, PB, 1944). Em Olinda (PE), dedica-se à pintura neofigurativa. Ao fazer a apologia da ditadura getulista, transforma a história do fato num jogo plástico-político, em que estranhos objetos, corpos e ambientes transformam o conceito de verdade e veracidade dos fatos num blefe assimilado pela imaginação do artista. • Francisco Brennard (Recife, PE, 1927) também adota a figuratividade nas cerâmicas. Seu ateliê (Figura 41) remete a um museu a céu aberto, composto por um conjunto escultórico de homens, mulheres e animais exóticos. • Juraci Dórea (Feira de Santana, BA, 1944). No sertão nordestino, o artista, que é arquiteto, formado pela Universidade Federal da Bahia, fincou estacas toscas, amarrou-as e cobriu-as com couro. Uma obra de arte para o itinerante anônimo, para que dela faça uso conforme lhe convier: amarrar animais, recostar-se, servir como marco, enfim, um objeto a mercê do tempo e de quantos por lá transitem. • Rubem Valentim (Salvador, BA, 1922 – São Paulo, SP, 1991). Fixou-se em Brasília por um longo tempo. Pesquisou a simbologia mística afro-brasileira, um dos valores culturais de maior alcance mágico, transfigurando-a em formas pictóricas abstratas universais (Figura 42). • Bia Medeiros (Rio de Janeiro, RJ, 1955). É professora do departamento de artes da Universidade de Brasília. Para os artistas envolvidos com arte tecnológica, o computador não é apenas uma nova ferramenta, os seus dispositivos causam efeitos sobre o pensamento, o processo e a realização artística. Essa nova prática estética incentiva a revisar os processos contemporâneos de criação artística e refletir acerca de suas potencialidades. É imprescindível manter-se atualizado para acompanhar e perceber as novas produções, conforme sugere o livro A arte no século XXI: a humanização das tecnologias (Domingues, 1997). • Siron Franco (Goiás, GO, 1947). Demonstra grande afinidade com os aspectos naturais. Assim, está sempre alerta para denunciar questões
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sociais que afligem o homem no contexto goiano brasileiro. A linguagem plástica da Série Césio é vigorosa e alucinante. Pintada com tinta automotiva prateada e fosforescente azul, segue as pegadas da arte fantástica. • Antônio Poteiro (Portugal, 1925). Está radicado em Goiânia. Também abarca, em “sua narrativa espontânea”, temas regionais e religiosos. Seus Deuses são representados de maneira simples, mas irreverente, em face da visão peculiar que o artista tem do mundo. • Humberto Espíndola (Campo Grande, MS, 1943). A poética da sua arte está centrada na bovinocultura, que simboliza a força econômica, social e política de sua região. É digna de nota, a síntese das formas com o apropriamento das cores da Bandeira Nacional e o seu vínculo com a estrutura da pop art (Figura 66), que dá ao produto regional uma amplitude nacional, com agudo sentimento crítico. • Shirley Paes Leme (Cachoeira Dourada, GO, 1956), foi professora da Universidade Federal de Uberlândia, MG. Procura adaptar o processo de construção artesanal a uma concepção plástica construtiva, em que a essência matérica da obra se expressa na simplicidade da massa formal. • Lucimar Bello (Itajubá, MG) também foi professora da UFU, MG. Capta a essência do instinto feminino e materializa-o na forma de desenho. A artista afirma: “o desenho, para mim, independe do material e da técnica. É uma estrutura espacial, são espaços gráficos físicos e poéticos transcendentais em si mesmos”. Em Cidades utópicas, há uma sensualidade sugerida na relação dos materiais (borracha e couro), uma proposta de desenho escultórico. • Marcos Coelho Benjamim (Nanuque, MG, 1952) reside em Belo Horizonte desde 1969. Suas peças são objetos artesanais elaborados. Observe o procedimento construtivo das formas no espaço, sua projeção sobre o chão, sua policromia e textura. • Bernardo Caro (Itatiba, SP, 1931) foi professor da UNICAMP. Mantém um diálogo contínuo com o processo histórico contemporâneo. Na Série Magia, a “sua imaginação trabalha no sentido da energia, da força e da alucinação contidas no ato do pedir” (Catálogo Bernardo Caro, proposições 1964-1984, UNICAMP, 1984). • Marta Strambi (Ribeirão Preto, SP, 1960) vive e trabalha em Campinas. Emprega silicone, matéria dúctil e maleável para modelagem do corpo. É difícil resistir ao desejo de tocar a obra (Figura 43). Nela, a artista questiona a sua genealogia. • Bassano Vaccarini (Itália, 1913) foi professor na Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Suas esculturas partem de uma figuração expressionista, como se pode observar no grupo dedicado às mulheres. • Eliane Prolik (Curitiba, PR, 1960). Graduou-se em pintura na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Os objetos familiares, como os sinos são remetidos a um outro território, o da arte, no qual as formas curvas e volumosas insinuam o reconhecimento do banal, mas de uma maneira minimalista.
FIGURA 43 – Marta Strambi. Uno. 1996. Silicone e maquiagem, 61 cm x 157 cm.
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• Francisco Stockinger (Áustria, 1919) vive em Porto Alegre. Ele cria uma iconografia representativa da gente e das lendas do Rio Grande do Sul. Ao representar os Gabirus — homens nanicos, em consequência da desnutrição crônica — ele está denunciando as profundas desigualdades sociais do País. A variedade de obras aqui mencionadas, a título de ilustração, permite detectar pontos comuns da arte brasileira contemporânea: a obra de arte não tem mais fronteiras; dogmas e regras da forma deixam de prevalecer; tudo se compõe e se recompõe; o sacro e o profano convivem no mesmo espaço; as opções vão do artesanal ao tecnológico, e o geométrico e o figurativo reciclam-se. Persiste o gesto criador do artista e a necessidade premente da interpretação da obra de arte pelo espectador. O valor da educação visual faz-se essencial, para que se descubram outros aspectos estéticos que envolvem o fim deste milênio.
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OLHO VIVO
A Galeria da FAV, espaço Prof. Antônio Henrique Péclat, foi inaugurada em 21 de maio de 2002. É o núcleo responsável pela guarda, catalogação e conservação das obras integrantes do acervo artístico da Faculdade de Artes Visuais, FAV/UFG. Tem sob seu cuidado um conjunto de obras de artistas brasileiros, nas categorias de desenho, pintura, gravura, escultura, objeto, vídeo e fotografia, abrigando um patrimônio formado por cinco coleções distintas. Sua missão é atuar como um laboratório estético que promove o diálogo entre a Faculdade de Artes Visuais, outras instituições de ensino e a comunidade em geral. A instituição tem investido no processo contínuo de aquisição de novas peças para o acervo, procurando criar uma identidade pautada a partir da arte contemporânea, uma vez que pretende transformar-se em Museu Universitário de Arte Contemporânea. Sua programação anual é através do edital de seleção, discutido pelo Conselho Consultivo e Curatorial da Galeria da FAV, formado por professores da Faculdade de Artes Visuais, que analisa e seleciona, entre as propostas enviadas à Galeria, quais devem ser exibidas, responsabilizando-se pela manutenção da qualidade da programação. A Galeria da FAV teve, de 2002 a início de 2007, o professor e artista plástico Carlos Sena como coordenador desse espaço, e Selma Parreira, artista plástica e professora da FAV, assumiu a coordenação da Galeria desde então. Para saber mais visite o site da galeria: <http://www.fav.ufg.br/galeriadafav/>
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Paulo Mendes de. De Anita ao Museu. São Paulo: Perspectiva, 1976. AMARAL,Araci Abreu. Artes plásticas na Semana de 22: subsídios para uma história das artes no Brasil. São Paulo: Perspectiva-EDUSP, 1972. ________. Arte e meio artístico (1961-1981): entre a feijoada e o x-burguer. São Paulo: Nobel, 1983. ________. Mario Pedrosa, dos murais de Portinari aos espaços de Brasília. São Paulo: Perspectiva, 1981. A ARTE BRASILEIRA. Luiz Gonzaga Duque Estrada: Introdução e notas de Tadeu Chiarelli. — Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995. BORGES, Maria Elizia. A Pintura na “Capital do Café: sua história e evolução no período da primeira República”. São Paulo: Dissertação de Mestrado, Fundação Escola de Sociologia e Política, 1983. _______ Arte funerária no Brasil (1890-1930) ofício de marmoristas italianos em Ribeirão Preto = Funerary Art in Brazil (1890-1930): italian marble carver craft in Ribeirão Preto. Belo Horizonte: Editora C/ Arte, 2002. BR 80, PINTURA BRASIL DÉCADA 80. Instituto Cultural Itaú. São Paulo, 1991. DURAND, José Carlos. Arte, privilégio e distinção. São Paulo: EDUSP, Perspectiva, 1989. CHIARELLI, Tadeu. Arte Internacional Brasileira. São Paulo: Lemos — Editorial, 1999. CHIARELLI, Tadeu. Um jeca nos Vernissages : Monteiro Lobato e o desejo de uma Arte Nacional no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1995. CHRISTO, Maraliz de Castro V.”’Algumas observações sobre a pintura em áreas cafeeiras: Juiz de Fora (MG), 1850-1930”’ IN: LOCUS, Revista de História, Juiz de Fora: NHR/EDUFJF, 1995. ABRIS, Annateresa. Cândido Portinari. São Paulo: EDUSP, 1996. FABRIS, Annateresa (org.). Ecletismo na Arquitetura Brasileira. São Paulo: Nobel;USP, 1987. FAVARETTO, Celso Fernando. A invenção de Hélio Oiticica. São Paulo: EDUSP, 1992. FROTA, Lélia. Mitopoética de 9 artistas brasileiros Vida, verdade e obra. Rio de Janeiro: Fontana Ltda., 1975. GULLAR, Ferreira. Etapas da arte contemporânea : do cubismo ao neoconcretismo. São Paulo: Nobel, 1985. LOPES, Almerinda da Silva. Arte no Espírito Santo do Século XIX a primeira República.Vitória: Ed. do Autor, 1997. MORAIS, Frederico (Cur.). Missões 300 Anos. A visão do artista, Catálogo. Porto Alegre: Projeto Cultural IOCHPE/Ministério da Cultura, SPHAN e Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 1987.
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RIBEIRO, Marília Andrés. Neovanguardas : Belo Horizonte — anos 60. Belo Horizonte: C/Arte, 1997. TRIDIMENSIONALIDADE NA ARTE BRASILEIRA DO SÉCULO XX. Instituto Cultural Itaú. São Paulo: 1997. ZANINI, Walter. (Coord.) História Geral da Arte no Brasil, 2 Vol. São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983. ZILIO, Carlos. A querela do Brazil: a questão da identidade da arte brasileira: a obra de Tarsila, Di Cavalcanti e Portinari, 1992-1945. Rio de Janeiro: Relume-Dumara, 1997.
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Matrizes Culturais da Arte no Brasil Professores autores: Dra. Cecテュlia Noriko Ito Saito, Cテゥlia Mari Gondo e Eduardo Araテコjo de テ」ila
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APRESENTAÇÃO Saudações! Daremos início às discussões sobre estéticas visuais e matrizes culturais de África e Ásia, nos contextos mundial e nacional. Antecipadamente, é importe enfatizar que este texto compreende os conteúdos das seguintes unidades curriculares: Estéticas Afro-asiátias e Matrizes Culturais da Arte no Brasil, sendo que esta última dá nome à disciplina em questão. Desse modo, iremos discutir aspectos estéticos, artísticos e culturais sobre a produção realizada por artistas africanos, asiáticos e por brasileiros com ascendência africana e asiática. Desejamos que, durante o percurso desta disciplina — feita ao navegar por sites de museus e galerias e na leitura dos textos propostos —, possamos observar, refletir e contextualizar nossos saberes, assim como analisar as visualidades orientais sob uma nova óptica. No contexto brasileiro, consideramos importante ressaltar que a perspectiva ocidental, predominantemente europeia, ainda conduz os estudos sobre arte. Entretanto, devemos nos lembrar que o Brasil é um país miscigenado, pois acolhe diversos povos que carregam consigo traços de suas culturas e regiões de origem. Os desdobramentos desses encontros de povos em um grande território como o Brasil permitem ampliar, não só olhares, mas também as possibilidades criativas no âmbito artístico. Esperamos que as reflexões iniciadas aqui auxiliem na construção de um olhar crítico sobre o tema. Desejamos bons estudos e boas reflexões! DADOS DA DISCIPLINA EMENTA Apontamentos sobre os estudos orientais (afro-asiáticos), na perspectiva da produção visual contemporânea; Panorama das visualidades produzidas por artistas africanos e asiáticos, no contexto de suas manifestações socioculturais; Matrizes culturais de África e Ásia na produção artística brasileira.
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OBJETIVOS • Analisar a produção artística africana e asiática, discutindo as relações entre tradição e pós-modernidade; • Conhecer elementos da produção desenvolvida por artistas dos continentes africano e asiático, mesmo fora de seus países de origem; • Discutir particularidades da produção artística brasileira, a partir de aspectos das matrizes culturais africanas e asiáticas. UNIDADE 1: SOBRE TRADIÇÕES E TRADUÇÕES ESTÉTICAS 1.1. PASSAGENS E RETORNOS: DA TRADIÇÃO À TRADUÇÃO 1.2. O CONTEXTO ESTÉTICO NO ORIENTE UNIDADE 2: SOBRE TERRITORIALIDADES E FRONTEIRAS 2.1. TRÂNSITOS DA PRODUÇÃO ARTÍSTICA ORIENTE-OCIDENTE 2.2. POÉTICAS VISUAIS AFRO-ASIÁTICAS: TERRITORIALIDADES E FRONTEIRAS UNIDADE 3: SOBRE IDENTIDADES DE OUTROS BRASIS 3.1. A ARTE BRASILEIRA E SUAS MATRIZES CULTURAIS 3.2. HISTORICIDADES E VISUALIDADES QUE CARREGAMOS
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UNIDADE 1 Sobre Tradições e Traduções Estéticas 1.1. PASSAGENS E RETORNOS: DA TRADIÇÃO À TRADUÇÃO
1. Encaminhar para o norte. 2. Determinar ou estabelecer em relação ao Oriente, a posição de.
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Antes de iniciarmos a discussão sobre matrizes culturais, se faz necessária uma contextualização sobre a produção visual de algumas das culturas com as quais o Brasil mantém contato há mais de cinco séculos. Comecemos nosso diálogo, partindo de questionamentos que nortearão¹ ou, em termos não hegemônicos, orientarão² nossas primeiras reflexões sobre esta Unidade: na contemporaneidade, como a tradição no Oriente vem se mantendo com as fortes influências provocadas pelo Ocidente? E como essa tradição se incumbe ainda de perpetuar os valores e as características ancestrais para as atuais gerações? Ao se examinarem estudos históricos sobre as relações entre Oriente e Ocidente, verifica-se que a tradição artística ocidental, na Europa particularmente, estabeleceu relações com a arte produzida tanto na Ásia como na África, mas evidentemente, proporcionou um terreno especificamente norteado, ao invés de oferecer uma base igualitária para o intercâmbio acadêmico. Na perspectiva da globalização, existem dois contrapontos que explicam as dificuldades de manter-se a linearidade da tradição oriental nos tempos atuais: de um lado, existem as possibilidades de interconexão entre as diversas regiões do planeta, e de outro, as consequências da homogeneização cultural, com tradições locais suprimidas ou submetidas à cultura hegemônica. Podemos perceber essa homogeneização cultural nas mudanças de estrutura social e de sistemas de valores provocados pela aceleração da economia em alguns países africanos e asiáticos, como a África do Sul, a Índia, a China e os Emirados Árabes, por exemplo. Levando-se em consideração esses aspectos, os artistas desses e de outros países passaram a dedicar atenção especial às questões sociais, revelando outras facetas de África e Ásia. Desse modo, a arte contemporânea nos dois continentes tem sido analisada a partir de questões e temas chave, como a relação da arte com a história e a tradição, a arte e seu envolvimento com a política, a sociedade e com o ambiente urbano, e a exploração do consumismo e da cultura popular.
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Moacir dos Anjos, em Local/global: arte em trânsito (2005) nos revela que as trocas culturais resultantes do contato proporcionado pela globalização são assimétricas, isto é, há um desequilíbrio dessas trocas culturais em decorrência do controle das redes de comunicação. Essa assimetria é maior no sentido do “centro” para a “periferia”, pois quanto maior o controle exercido sobre a legitimação do que é produzido em arte, mais o centro se constitui no papel de formular os “sentidos globais” para essa produção. Em vista disso, compete às regiões periféricas se posicionarem frente à resistência do domínio hegemônico. Dentro desse campo de ação, desde a década de 1990, a arte produzida na África e na Ásia ou por artistas procedentes desses continentes tem sido universalmente reconhecida e apreciada por colecionadores, críticos e curadores, principalmente na Europa e nos Estados Unidos da América. Nesses continentes, sobretudo no Oriente Médio e no Extremo Oriente, as práticas e linguagens artísticas que remontam às antigas tradições — como a caligrafia, a pintura e a escultura — estão hoje em constante diálogo com os temas comuns à nossa época, assim como outros processos e linguagens com a fotografia, a performance, a instalação, a vídeoarte e a webarte. Essa é a marca dos mais jovens artistas africanos e asiáticos: aliar as ideias do passado às tecnologias modernas e seguir as tendências determinadas pelos centros hegemônicos, sem descartar o potencial criativo das antigas tradições. A seguir, veremos alguns exemplos nesse sentido. Recentemente, jovens designers do Oriente Médio iniciaram um movimento de modernização das caligrafias árabe e persa³. Embora envolvidos por ideologias ocidentais, designers gráficos como o libanês Pascal Zoghbi, o sírio Mouneer El Shaarani e o iraniano Mehdi Saeedi utilizam referências de suas culturais locais como base para as novas composições, e ultrapassam os limites convencionais da produção caligráfica propondo outras práticas como o grafite, a tipografia e a produção de cartazes (Figuras 01 a 03). Historicamente, os chineses consideram a sociedade como um grande clã que tem a unidade familiar como base. Na Série Genealogia (Figura 04), Zhang Xiaogang (1958–) questiona o posicionamento do indivíduo numa cultura que privilegia as necessidades da sociedade. Zhang criou esta série inspirado pelos retratos familiares de estúdio tirados durante o período de transformações políticas e sociais da
FIGURA 1 – Pascal Zoghbi. Grafite, 2008.
FIGURA 2 – Mouneer El Shaarani. Caligrafia, s/d.
FIGURA 3 – Mouneer El Shaarani. Caligrafia, s/d.
3. O persa é o idioma amplamente falado no Irã, assim como no Afeganistão, Tajiquistão, Paquistão, Uzbequistão e, em menor escala, na Armênia, Turcomenistão, Azerbaijão e no Barein.
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China, conhecido como Revolução Cultural (1966–1976). Essas fotografias se caracterizavam por uma uniformidade extrema. Zhang também cria seus retratos familiares com base nos antigos retratos pintados que eram planejados para registrar o indivíduo ou unidade familiar para a posteridade. Nesses retratos (Figura 05), os indivíduos são mostrados imóveis, em posições simétricas e frontais. Ao basear seus retratos nesses referenciais visuais, Zhang evoca os temas da tradição cultural, da identidade e da continuidade.
FIGURA 4 – Zhang Xiaogang. Genealogia, 1997. Óleo sobre tela. 1,48 × 1,88 cm. Acervo particular
FIGURA 5 – Retrato do Imperador Qianlong. Rolo vertical, tinta sobre seda. Final do Século XVII.
A artista sul-coreana Kimsooja (1957–) trabalha com várias linguagens, como vídeo, instalações, performances, e fotografia. Seu trabalho se concentra no nomadismo, no papel das mulheres na sociedade coreana e na relação do indivíduo com a sociedade e consigo mesmo. Ela cita o cristianismo, o budismo zen, o confucionismo, o xamanismo, e a filosofia tao na tentativa de destacar as semelhanças e as diferenças entre as várias culturas e suas crenças espirituais. Na performance Cidades em movimento – 2.727 km Caminhão Bottari (Figura 06), Kimsooja sentou-se num monte de bottari (“trouxas”, em coreano) coloridos amarrados na carroceria de um caminhão. Os bottari são usados pelo povo coreano para levar coisas em viagens, mas em coreano a expressão “amarrar um bottari” significa que uma mulher deve empacotar seus pertences por ter sido expulsa de casa. Silenciosa, imóvel e solitária, Kimsooja percorreu 2.727 km pela Coreia do Sul durante onze dias em novembro de 1997. Nesse trabalho a artista também 178
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reviveu o estilo de vida nômade de sua infância e encenou a existência itinerante do artista que viaja pelo mundo revivendo lembranças e colhendo novas experiências. Na produção artística japonesa, o trabalho de Ikenaga Yasunari (1965–) resgata o estilo clássico das pinturas japonesas por meio de temáticas contemporâneas. Os princípios da estética artística japonesa, como o miyabi (elegância refinada) e wabi-sabi (tranquilidade e simplicidade), estão presentes em suas obras. Mesmo utilizando as técnicas tradicionais da pintura japonesa, Yasunari compõe retratos de mulheres atuais, acrescentando toques sutis de sensualidade (Figura 07). Ainda no circuito instaurado por pela discussão sobre trocas culturais, a linguística contribui com a ideia de tradução, onde os sentidos de uma “cultura original” são apreendidos para depois serem recriados num outro contexto (ANJOS, 2005, pp. 20-22). Como não há uma relação homogênea entre os sistemas culturais, o confronto entre esses sistemas sempre resultará num aspecto intraduzível, ou seja, não negociável. Nesse aspecto, a ambiguidade das relações transculturais reforça os ganhos e as perdas simbólicas desse processo de negociação, entre elas, a perda de significado do que se procura transmitir, resultando, assim, em algo novo. Como exemplos disso, as fontes de experiências visuais hoje, no Japão, são: a televisão e o computador; e o novo desenvolvimento figurativo da pintura surge do mundo das novas mídias, do mangá e do animê. Nesse sentido, o cotidiano torna-se código que expressa tanto a condição social como a orientação visual (BREHM, 2002, p.8). Nesse contexto, após a derrota do Japão, na Segunda Guerra Mundial, inicia-se a retomada do crescimento econômico e a aceleração no desenvolvimento da indústria cultural. O Ocidente passa a conviver com novas linguagens e diversidades de gêneros no cinema, nas revistas em quadrinhos, nos mangás (MOLINÉ, 2004; LUYTEN, 2000), nos jogos de videogame e, mais tarde, no computador. Surgem os filmes de monstros e criaturas gigantes, bizarras, que transportam traduções do Japão ao Ocidente, contaminando, de maneira irreversivelmente veloz, através dos jogos de imagens, à medida que crescem os meios de comunicação
FIGURA 6 – Kimsooja. Cidades em movimento – 2.727km Caminhão Bottari, 1997. Fotografia da performance.
FIGURA 7 – Ikenaga Yasunari. Amai Kaze Makiko, 2011. 80 × 40 cm. Pigmento mineral, cola gelatinosa, fuligem e pó de ouro sobre linho.
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de massa, a exemplo dos filmes Godzilla (1954); Robô Gigante (1967), Ultra-Man (1960) e muitos outros. (Figuras 08 a 10)
FIGURA 8 – Godzilla, 1954.
FIGURA 9 – Robô Gigante, 1967.
FIGURA 10 – Ultraman, 1960.
Alguns artistas japoneses contemporâneos pertencentes a uma geração cuja infância e adolescência foram marcadas pelo consumismo e pela influência da mídia pertencem também ao mundo chamado J-Pop ou New-Pop. O J-Pop tornou-se um exemplo do fenômeno midiático, cujo foco é inventar novas imagens que tenham função de “imagem-mídia”, transformando a estética do cotidiano em arte. É um movimento de arte que se desenvolveu no Japão, por volta dos anos 1990, reorientando não somente a arte japonesa, mas também a sua recepção no Ocidente. “O trivial é adaptado e modificado e como citação da arte tradicional serve como material de avaliação pelo qual gerou um processo de amostra individual, imagens que estão contemporaneamente em sua artificialidade” (op.cit). Takashi Murakami (1962–) em sua estratégia artística cria o Superflat (Superplano), inserindo uma teoria que lembra as análises das estruturas complexas, as ligações entre arte e sociedade, a tradição e o presente. Influenciado pelas figuras do mangá de sua própria infância com suas obras “Mr. DOB” (Figura 11), “Flowers” e mais recentemente “Kaikai” e “Kiki” desenvolve um idioma pictórico próprio em pinturas, esculturas e balões, cujas dimensões estão constantemente aumentando. São figuras achatadas, lisas e lixadas para tomar um aspecto de perfeição industrial. Murakami é o idealizador do Hiropon Factory (agora chamado Kaikai Kiki Co. Ltd.), um novo tipo de produção de arte em workshop. Como um artista curador de exibições, ele também oferece aos colaboradores uma forma de trabalhar suas próprias criações. 180
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FIGURA 11 – Takashi Murakami, “And then, and then, and then”. 2006. 19,6 × 19,8 cm, Litografia. AW Massey Fine Art.
TEORIA DO SUPER PLANO Conhecendo bem o achatamento da pintura nihonga e com um interesse especial por obras da subcultura como Expresso Galático 999, de 1979, produzido pelo desenhista Yoshinori Kanada (1952–2009), Murakami afirma que a arte japonesa se caracteriza por seu nivelamento. Essa observação estética fez com que ele visse a cultura contemporânea japonesa como algo “superplano” (superflat), numa mistura de influências culturais tradicionais do Japão e do Ocidente, com a obsessão moderna otaku por mangá, animê e videogames. Ele usa aspectos da estética japonesa do J-Pop como ferramenta crítica quanto aos valores artísticos ocidentais e para criar uma arte que diverte e ao mesmo tempo incomoda. Sua “teoria do superplano” legitima o uso da cultura pop japonesa para produzir obras que interessam aos consumidores da “alta cultura” do Ocidente, e que preenche com sucesso a lacuna entre o tradicional e o contemporâneo.
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SAIBA MAIS Acesse, para saber mais sobre, os seguintes sites de referência: Takashi Murakami: <www.kaikaikiki.co.jp/c-murakami> Yoshitomo Nara: <www.stephenfriedman.com/index.php?pid=11&aid=15> Grupo Kaikai Kiki: <http://english.kaikaikiki.co.jp/>
Outro artista de grande representatividade no atual cenário artístico japonês, Yoshitomo Nara (1959–), tornou-se o ídolo de uma geração, abordando questões poeticamente subjetivas, que tem a ver com o seu estado pessoal ou sua condição social. As figuras são pintadas ou esculpidas em fibra de vidro, e suas personagens despertam emoções pela esperteza, embora camuflando as frequentes agressividades. (Figura 12)
FIGURA 12 – Yoshitomo Nara. “The Little Pilgrims (Night Walking)”, 1999. Fibra de vidro, acrílico e algodão; dimensões variáveis. Blum & Poe Gallery, Los Angeles.
FIGURA 13 – Utagawa Kuniyoshi. “Honjo Shigenaga defendendo-se de explosão”, s/d.
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Em maio de 2009, Paul Gravett, diretor da Comica (London’s International Comics Festival), proferiu uma palestra na Royal Academy of Arts de Londres, por ocasião da exposição de Utagawa Kuniyoshi (1797– 1861), intitulada “Mangaísmo, o novo Japonismo?” Tal questionamento traz de volta um passado de similaridades entre a obra de Kuniyoshi e o mangá contemporâneo, por exemplo, quando os traços das faixas e cortes procuram expressar a velocidade da espada ou a explosão no escudo. (Figura 13) Nesse cenário, o mangá tem-se expandido internacionalmente reforçando seus motivos e técnicas que dialogam com as raízes do ukiyoe, afetando o novo movimento gráfico no próprio Japão. Paul Gravett (2004) observou que, em várias gravuras de Utagawa Kuniyoshi, há uma “antropomorfização” das criaturas (Figura 14), particularmente os gatos que acenam, usam lenços amarrados ao pescoço e estabelecem relações de similaridade com o gato robô, Doraemon (Figura 15), de Fujiko Fujio.
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FIGURA 14 – Utagawa Kuniyoshi. “Provérbios ilustrados pelos gatos”.
FIGURA 15 – Doraemon (divulgação). TV Asahi, 2005.
Existem inúmeras evidências gráficas de similaridades entre a xilogravura japonesa e o mangá em seus padrões e texturas, causando efeitos tonais variados, mas, conforme lembrou Gravett (2004), o mais importante é observar que existem algumas características marcantes, ambas são mídias baratas, produtos de massa, de visualidade de entretenimento, que iluminam os caracteres e histórias e divertem com gigantesca popularidade. Conforme se leva em conta a onda internacional de aclamação e imitação do mangá fora do Japão, poderíamos refletir acerca da sugestão de Paul Gravett quando classifica o novo fenômeno como “Mangaísmo” destacando a estética do cotidiano através do mangá. Essas evidências apontam para a presença do antigo no novo, borrando fronteiras e dialogando incessantemente tanto com o mundo flutuante (ukiyo-e) como com o mundo do mangá japonês em constante repercussão mundial. Em suma, para que a tradição continue com sua razão de ser e existir, devemos traduzir e repensar coletivamente essa tradição. Nesse contexto de ressignificações, em decorrência da assimetria no fluxo de informações e no poder de “autolegitimação”, os grupos devem manter um “autoquestionamento” constante do que entendem por comunidade, para que consigam manter sua integridade.
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GLOSSÁRIO Otaku: é um termo japonês usado para se referir a pessoas com interesses obsessivos. O otaku geralmente é um entusiasta de algum tema em particular, hobby, ou qualquer outra forma de entretenimento. Ukiyo-e: literalmente “retratos do mundo flutuante”, é um gênero de xilogravuras e pinturas japonesas produzidas entre os XVII e os séculos XX, referindo-se a uma concepção de um mundo evanescente, belo, fugaz e impermanente.
1.2. O CONTEXTO ESTÉTICO NO ORIENTE
4. O sentido de Oriente neste contexto inclui também países do continente africano como parte dessa região. Portanto, admite-se que a noção de Oriente neste caso possui um caráter meramente simbólico.
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Neste tópico, propomos a você observar os elementos que compõem esses sistemas de arte que, geralmente, são desconhecidos para nós. Durante o percurso, analisaremos as visualidades do imenso continente africano e perceberemos que determinados povos que compõem a África possuem uma produção muito particular. Iremos até o Oriente Médio e examinaremos características das estéticas visuais islâmicas, como sendo algo distinto dos fundamentalismos, aos quais são frequentemente associados aos muçulmanos. Vejamos também a Índia como um país cujo patrimônio estético e artístico influenciou boa parte do território asiático. E, num exercício de sensibilidade e percepção, veremos não somente traços de semelhança, mas também as diferenças entre as estéticas chinesa, coreana e japonesa, facilmente confundidas pelos olhares convencionados de nossa sociedade. Em 1978, o estudioso palestino-americano Edward Said publicou Orientalismo, livro influente e controverso, cujo termo utiliza para descrever a tradição ocidental — tanto acadêmica quanto artística — e suas interpretações preconceituosas fora do Oriente. Segundo Said, o termo foi moldado a partir das atitudes imperialistas dos europeus entre os séculos XVIII e XIX. Nesse mesmo período, vários artistas foram descritos como “orientalistas”, bem como estudiosos em antropologia, sociologia e história. Veremos, portanto, que “o Oriente4 não é apenas adjacente à Europa; é também o lugar das maiores, mais ricas e mais antigas colônias europeias, a fonte de suas civilizações e línguas, seu rival cultural e uma de suas imagens mais profundas e mais recorrentes do Outro” (SAID, 1995, pp.27-28). Nesta nossa viagem pela estética e cultura material de parte dos povos que vivem na África e na Ásia, comecemos pela “arte africana”, pois embora esse termo pareça muito redutor, para a imensa produção artística do continente africano, é assim que, predominantemente, ela é rotulada. É realmente cruel amalgamar todas as artes de inúmeros
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povos de uma imensidão geográfica, que outrora haviam sido tratadas de “arte primitiva”, mas aqui a expressão “arte africana” é utilizada, em muitas partes, pela simples razão de, nesse momento, faltar-nos uma expressão que possa dar conta dessa pluralidade artística, que é singular e que foi “traduzida”, ou seja, recriada sob uma visão unicamente ocidental, durante muitos anos. No entanto, acompanhamos a definição do professor e pesquisador da UnB, Nelson Inocêncio: “por estéticas negras entendemos todas as expressões corporais, rítmicas, visuais, vocais, escritas e demais que nos seduzam pelos sentidos, tomando como referência tais cânones”. Pois assim como existem os cânones estéticos europeus, existem os cânones africanos e suas ressonâncias nas Américas. (INOCÊNCIO, 2008, p. 11) Recentes pesquisas, como as de Iracy Carise e Marta Heloísa Salum, sobre as visualidades no continente africano revelam que a arte, nesse continente, é percebida como forma de transmissão dos valores entre gerações. As práticas artísticas no continente, de maneira geral, estão associadas ao cotidiano das pessoas. A apreciação estética é assim parte do dia-a-dia, não apenas com uma estética planejada para um único fim, mas ela se interliga a todos os momentos em meio às sociedades locais. Por isso, analisar as artes das sociedades africanas sob o mesmo prisma que analisamos as artes ocidentais pode gerar, não só um equívoco de interpretação, mas, sobretudo, um ato de desconsideração à forma de sensação-cognição estética de centenas de diferentes povos. Desse modo, Inocêncio considera, que “transcender sobre estereótipos tornou-se uma tarefa emergencial no empenho de começarmos a desconstruir as imagens que sempre fizeram das culturas negras um misto de elementos risíveis, exóticos, grotescos ou medonhos.” (INOCÊNCIO, 2008, p. 8) PARA REFLETIR Iracy Carise, autora do livro A Arte Negra na Cultura Brasileira, afirma que a arte africana foi fonte inesgotável de tendências, ideias, sugestões e temas para inúmeros movimentos culturais e artísticos, pois as grandes novidades da Arte Moderna eram tradições seculares na velha África. As obras de Pablo Picasso, inspiradas claramente na estética da “arte africana”, são apenas uma amostra da força que a arte desse imenso continente teve nesse período e nos pós-impressionistas. A arte africana não é cópia, reprodução da natureza; nela, o artista exprime suas ideias, imaginário simbólico. Nesse sentido, a Arte Moderna, de maneira geral, acompanhou tendências da estética visual africana. Para compreendermos a “arte africana”, faz-se necessário conhecer melhor e valorizar essa apreensão formalística, que, por várias décadas, foi considerada primitiva e rudimentar.
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FIGURA 16 – Máscara Guedelê. Povo Yoruba. Século XIX. Nigéria. Museu Britânico.
FIGURA 17 – Máscara Muanapwo. Povo Chokwe. 1990. Angola. Coleção Tim Hamill Gallery of African Arts.
Dentre as obras que podem, de alguma forma, fornecer-nos elementos básicos para análise da arte de vários povos africanos, podemos citar as máscaras e a tecelagem. Vejamos algumas informações a seguir: Na África, a máscara possui diversos sentidos e atribuições e, por isso, formam um conjunto significativo, dentro de uma infinidade de povos, sob as mais diversas técnicas. A máscara gueledê (Figura 16), por exemplo, do grupo étnico Yoruba, Nigéria, simboliza o cotidiano. São pequenas, se parecem com tabuleiros e são carregadas sobre o busto. Outro exemplo são as máscaras muana-pwo (Figura 17), de Angola, feitas, geralmente, de madeira de tons avermelhados. A máscara, nas pequenas tribos da costa africana, numa concepção de estética local, está ligada à encenação e aos eventos ritualísticos, pois geralmente essas expressões de arte (plástica e cênica) no continente africano são praticadas conjuntamente. Em se tratando da máscara, essa serve como a materialidade do imaterial, das forças que tornam possíveis os rituais de cada sociedade. Por isso, sua plasticidade e concepção são erroneamente interpretadas em relação ao seu contexto de origem, sem a devida contextualização, e são anuladas, quando retiradas da sociedade em que foram produzidas, e analisadas em museus de quaisquer lugares do mundo. As máscaras são as peças mais conhecidas das artes plásticas africanas, justamente por terem influenciado o Ocidente e o surgimento, mesmo que oblíquo, do Modernismo. A tecelagem também é um gênero ou recurso de observação estética desenvolvida em várias regiões do continente africano e que foi muito apreciado durante os vários séculos em que o continente africano foi assolado pelo escravismo. Os “panos da costa” eram mercadorias que circulavam através dos navios negreiros por toda a Europa e América, valorizados por seus padrões visuais extravagantes. O sentido que esses tecidos adquiriram, com distintos padrões de urdira, tinham finalidades específicas, além de adornarem os corpos, representavam nascimentos, rituais fúnebres, matrimônios, etc. (Figuras 18 e 19)
FIGURA 18 – Tecido estampado feito por mulheres de Uganda. Foto: Andrew Beierle.
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FIGURA 19 – Mulheres Masai, Quênia. Foto: Cristiano Galbiati.
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Um dos maiores acervos em estamparia encontra-se na costa leste do continente africano, onde, durante milhares de anos, processos de produção em estampas nasceram ou foram assimilados de outros povos. Por sua grandiosidade continental, a África nos oferece uma diversidade em variações cromáticas e formalistas. No norte da África, árabe desde o século VII, a tradição de estampas está relacionada à tapeçaria (sobre esse tema versaremos mais no estudo da estética islâmica). PARA REFLETIR Para muitos povos africanos, os penteados sempre foram maneiras de manifestar beleza e identidade, isso porque indicavam sua procedência étnica (Figura 20). Cada penteado tem uma denominação, uma maneira especial de ser elaborado, com a utilização de diferentes arranjos, materiais e enfeites. Muitos desses penteados representam verdadeiras esculturas sobre a cabeça. As variações que compõem a estética dos penteados afros no Brasil, sempre foram encaradas como forma de resistência à dominação cultural europeia. Os penteados e adornos associados aos cabelos dos afro-descendentes (lembrando que não cabe criticar valor ou qualidade para o cabelo) tornaram-se símbolo da identidade negra de resistência, o elo com seus ancestrais e o vigor cultural e estético da África. Essa libertação dos cabelos dos afro-descendentes acontece, sobretudo, a partir da década de 1970 com a emergente descolonização dos países do continente africano, o fortalecimento do movimento negro nos Estados Unidos e Brasil. Rastafari, dreadlocks, tranças de raiz (Figuras 21 a 23), nagô, black power são penteados que reforçam o senso de “negritude”, mas é importante deixar claro que o penteado não define o negro, é o negro quem define o penteado. Fonte: Revista Gazeta de Cuba – Unión de escritores y Artista de Cuba, fev. 2005. Tradução do espanhol: Lia Maria dos Santos.
Daremos prosseguimento à nossa jornada e, a partir de então, vamos investigar os principais elementos que representam a estética visual nos países islâmicos. Podemos observar que a cultura islâmica corresponde a uma vasta área que vai desde a Ásia, passando pelo sul da Europa e indo até o norte do continente africano, tendo influência em diversas outras regiões do mundo. “Oriente Médio” é um termo que possui amplitude quando se refere aos países com semelhanças como clima, religião, etc. Segundo Karnal (1994), fazem parte do chamado Oriente Médio, na Ásia: Irã, Iraque, Arábia Saudita, Turquia, Afeganistão, Iêmen, Kuwait, Omã, Emirados Árabes Unidos, Barein, Catar, Jordânia, Israel, Síria e Líbano
FIGURA 20 – Penteado de mulher da etnia Himba, Namíbia.
FIGURA 21 – Penteado rastafari.
FIGURA 22 – Penteado dreadlocks. Knysna, África do Sul. Foto: Dominic Morel.
FIGURA 23 – Tranças de raiz. República Democrática do Congo. Foto: Will Hjelm.
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e, no continente africano: Egito, Líbia, Tunísia, Mauritânia, Argélia e Marrocos (ou Magreb), que por elementos culturais em comum estão muito mais ligados ao Oriente Médio do que ao próprio continente africano. Durante alguns séculos, parte da Península Ibérica também esteve inclusa na cultura islâmica, sendo que alguns estudiosos afirmam que, até o século XIV, o sul da Espanha estava muito mais próximo da África, culturalmente, do que ao norte do país devido à influência muçulmana na região. É importante observarmos que a expressão artística nos países islâmicos se organiza num sistema conceitual e simbólico, diferente dos países africanos e da Ásia Oriental, como na Índia, por exemplo, através do conceito rasa, ou como no Japão, por meio da valorização do espaço temporal (ma) ou dos conceitos de apreciação estéticos: sabi, wabi, shibumi — os quais estudaremos mais adiante. O senso estético caracteristicamente islâmico está intimamente ligado aos preceitos filosófico-religiosos do Islã, pois a religião ocupa grande parte da vida dos muçulmanos, assim como o Corão (Al-Qurān). O conteúdo do Alcorão fornece um guia para a vida. Nos pontos em que ele torna-se nebuloso, os muçulmanos podem recorrer aos sunnah do Profeta — suas palavras ou ações, distintas das revelações — que estão registrados nos hadith (GRUBE, 1978). Ainda hoje, os hadith (relatos sobre conduta que foram transmitidos oralmente) exercem autoridade e têm sido aceitos pela maioria da população, mesmo que tenham sido escritos séculos após a morte de Maomé (Mohammed). O Corão também estabelece um código abrangente de leis de comportamento e ética, conhecidas como shariah, cuja palavra traduz-se por “caminho”. É importante salientar que a arte tradicional islâmica é caracterizada por ser impessoal, não individualista e produzida em função de Allah. O senso de beleza e perfeição deve ser independente do modo de ver do artista (fannan), sendo a arte (Al-fan) testemunho da existência divina. Nesse contexto, não há distinção entre artesania e belas-artes, pois a obra deve conter sentidos prático, ético, religioso e/ou educativo. Para Grube (1978), a base para a unificação estilística, que transcende limites históricos e geográficos, é proporcionada por essa possibilidade de valorizar igualmente tudo o que se produz, ou seja, situar num mesmo nível de existência tudo que se encontra no domínio das artes visuais. É necessário recordar também que, o Oriente Médio representa uma miríade de culturas e de tradições, por ter sido berço de antigas civilizações como, por exemplo, Mesopotâmia, Babilônia, Pérsia e Fenícia. Podemos compreender então que a arte islâmica “desenvolveuse na base de tradições pré-islâmicas nos vários países conquistados, e uma síntese perfeitamente integrada de tradições árabes, turcas e persas, manifestou-se em todas as partes do novo império muçulmano” (GRUBE, 1978, p. 8). Assim, na visão de Grube, o princípio fundamen188
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tal desse estilo é o resultado de um mundo que não reproduz o objeto real, mas sim o elemento que transcende o momento efêmero, trazendo a obra para um status superior; para a existência divina e infinita. A arte islâmica possui uma vasta produção em cerâmica, estatutária, iluminura (miniatura), arquitetura, tapeçaria e em caligrafia. Como exemplo, discorreremos sobre as três últimas categorias, respectivamente. A arquitetura islâmica possui variações regionais. Contudo, percebe-se que há elementos que unificam o estilo. Para Grube (1978), essa ideia ganha destaque no modo como a decoração arquitetônica é usada. Sólidas paredes são dissimuladas atrás de decorações de gesso e azulejos. As abóbadas e arcos são cobertos com ornamentos florais e epigráficos (inscrições corânicas e poemas épicos) que dissolvem a solidez estrutural. (Figuras 24 e 25)
FIGURA 24 – Iwan da Mesquista Bukhara. Uzbequistão. Foto: Susanne Wunderlich.
FIGURA 25 – Vista interna da cúpula da Mesquita de Shaykh Luftallah, aprox. 1500–1600. Irã.
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FIGURA 26 – Tapete “jardim” do Noroeste do Irã. 1700. 6,7 × 2,4 m. Fogg Art Museum, Universidade de Harvard.
5. Denominações que fazem parte do conjunto dos noventa e nove Nomes de Deus. In: NINETY-NINE names of Allah. Sidney: Wildwood House, 1978. 127p. 6. ibid.
A tapeçaria no mundo islâmico é uma tradição muito antiga. Por essa prática estar ligada aos povos nômades dos desertos, com a obrigação das constantes mudanças, a tapeçaria tornou-se prática, providencial, além de harmonizar o ambiente, tornando as tendas mais acolhedoras. A tapeçaria para os muçulmanos é extremamente apreciada e parte indispensável do cotidiano, pois é ajoelhado em um tapete — o tapete de oração (Figura 26) — que geralmente o fiel islâmico ora, além de esse artefato têxtil cobrir e decorar as mesquitas e os mausoléus (darih). No mundo islâmico, a arte caligráfica é a própria encarnação do Verbo, e sua presença remete ao Eterno (Al-Samad 5 ), ao Oculto (Al-Batin 6 ). Para os muçulmanos, a escrita é a forma como Allah se revela, pois no Corão estão as suas palavras. A ordenação das 28 letras do alfabeto árabe (32 no alfabeto persa) é feita de acordo com duas disposições: a vertical, que conduz à ascese, evocando a transcendência e superioridade divina; e a horizontal, trazendo unidade e ritmo. Sobre a estrutura dos caracteres árabes e persas, Titus Burckhardt (2004, p. 187), comenta que “no simbolismo da tecelagem, as linhas verticais, análogas à ‘urdidura’ do tecido, correspondem às essências permanentes dos seres (...), enquanto que a horizontal, análoga à ‘trama’, expressa o devir, ou a matéria que liga as coisas entre si.” A arte caligráfica (fann al-khatt) ou “arte linear” é intrínseca à estética visual islâmica e, sem dúvida, a mais nobre das artes islâmicas. As letras dispostas harmoniosamente transmitem muito mais significados através das palavras do que as pinturas, pois a pintura é a imitação da realidade, e a caligrafia é a imortalizarão dessa realidade. (Figura 27)
FIGURA 27 – Caligrafia de Hassan Massoudy.
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ORNAMENTAÇÃO NO MUNDO ISLÂMICO Gabriele Mandel (1985) define a ornamentação como o verdadeiro motivo condutor da arte islâmica. Isso porque todas as peças de arte islâmica: construções, cerâmica, escultura, tapeçaria, metais ou caligrafia estão voltados para a abstração. Os artistas islâmicos desenvolveram padrões geométricos com um enorme grau de complexidade e sofisticação. Esses padrões geométricos são utilizados em infinitas repetições, formando um dos mais belos tipos de arabescos. Flores e árvores servem de referencial simbólico para a criação de motivos em têxteis, metais fundidos, entalhes e pinturas. O arabesco floral caracteriza-se por um elemento base, que é repetido continuamente até cobrir toda a superfície a ser decorada. No arabesco (Figura 28), talvez mais do que em qualquer outro projeto visual associado com o Islã, sofisticados efeitos tridimensionais são alcançados pelas diferenças em tamanho, cor e textura. Na concepção de Sylvia Leite (2006), a representação do mundo como linguagem, se estrutura num sistema de analogias e simetrias, que explica a vasta utilização de padrões geométricos na arte islâmica. Muito mais que alternativa à hostilidade ao uso de imagens figurativas pela shariah, esses padrões são imagens simbólicas que representam as transformações de tempo e/ou de espaço.
FIGURA 28 – Exemplo de arabesco (detalhe).
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GLOSSÁRIO Al-Quran (Alcorão; Corão): livro sagrado dos muçulmanos. Contém as revelações de Allah a Maomé e os ensinamentos dele. Arabesco: decoração em baixo relevo ou pintura tendo como base motivos geométricos ou fitofórmicos que se entrelaçam de forma complexa e diversa, podendo também ser encontrados com as diversas grafias árabes. Darih (mausoléu): construídos para abrigar os corpos dos líderes islâmicos, possuem torre sepulcral coberta por uma cúpula, e os mais imponentes são cercados por quatro minaretes.
No subcontinente indiano, a primeira marca ou sinal a ser observado nas visualidades indianas reside no pomposo caráter de suas produções pictóricas, escultóricas e, principalmente, nas antigas edificações, compostas por inúmeras figuras (Figura 29). A estética, na Índia, inclina-se ao ato narrativo, principalmente, quando é analisada através de antigas produções, entre 3500 e 1200 a.C. A veemência dos textos védicos torna absoluta a afirmação de que o artista desse período era obediente e imparcial aos cânones estéticos.
FIGURA 29 – Detalhe de um templo em Chennai Vengal, Mumbai, Índia Foto: Asif Akbar
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A Índia conseguiu preservar o filamento que liga incontáveis culturas na Ásia, tornando-as parte do referencial de civilização no Oriente. O mito mais antigo para o surgimento do povo indiano explica, de forma mais poética — e menos científica —, que o primeiro indivíduo surgiu de um ovo dourado, gerado pelo rei dos deuses e trazido pelas ondas do oceano cósmico. Interpretações simbólicas à parte, estudiosos indicam que os primeiros ancestrais do povo indiano vieram do continente africano, há cerca de 70 mil anos, seguindo a costa do Mar da Arábia, chegando ao sul da Índia (WOOD, 1996). Textos sagrados revelam que o artista, nas antigas tradições, buscava a vidência daquilo que estava oculto aos olhares terrenos e realizava suprema concentração no momento da criação artística. Esses princípios estão intimamente ligados ao conceito de yoga (unificação). Para Rivière (1978), do ato de “unir-se ao sobrenatural”, podemos estabelecer uma analogia com o surrealismo, no sentido de alcançar mundos secretos, o mundo dos sonhos, das visões, do campo mediúnico. Todavia, as técnicas utilizadas na prática yoga permitem atingir um campo espiritual superior que os artistas surrealistas não conseguiriam alcançar, através de sua mera curiosidade pelos fenômenos parapsicológicos. Outra característica bastante comum na tradicional estética visual dos indianos é o uso da geometrização. As formas geométricas formam um esboço entre o campo das ideias e o das manifestações visíveis. Esses esboços são praticados, principalmente, nos rituais tântricos que utilizam um conjunto bastante conhecido de figuras geométricas: os yantra7(Figura 30). A arte propriamente dita, nesse caso, significa “a imitação das manifestações de Deus na natureza”. Evidentemente, isso não quer dizer que a antiga arte hindu era apenas uma cópia da realidade física. A íntima relação com a essência natural perdura, mesmo nos grandes centros. Em Déli, por exemplo, cidadãos ainda cultuam imagens da “Grande Mãe”, produzidas com estrume, palha e terracota. Em Bombaim, bazares organizados nas ruas oferecem caprichosas reproduções de telas das divindades mais populares. Hoje, transversalmente, a arte popular indiana revela a atual criatividade dessa secular tradição. (COOMARASWAMY apud CRAVEN. 1987, p. 245) Até hoje, algumas normas provenientes da antiga filosofia hindu são os pilares que sustentam a existência humana e se confundem com as principais práticas filosófico-religiosas na região. O exemplo que denota isso é o trivarga e o conceito de moksha, conhecidos também como os quatro purushartha (propósitos). O trivarga é formado pelos princípios dharma, artha e kama. Resumidamente, dharma refere-se às atividades indispensáveis para vida mundana: a prática da ética e da boa conduta. Esse é o propósito essencial para se alcançar artha e kama. Em artha, os maiores intentos
FIGURA 30 – Yantra Bagla Mukhi.
7. Yantra literalmente significa “suporte” ou “instrumento”. São figuras geométricas reconhecidas como ferramentas altamente eficientes no momento do ato meditativo.
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são o desenvolvimento econômico e a aquisição de recursos materiais, assim como o sucesso profissional e/ou social. Dentre várias atribuições, kama diz respeito à apreciação das coisas e ao gozo dos sentidos. Kama corresponde também ao equilíbrio do desfrute material, através da dança, da música, da pintura, da escultura, etc. As artes visuais estão ligadas ao prazer dos sentidos e, consequentemente, ao kama. Moksha é interpretado como o maior dos quatro purushartha, pois representa, em termos gerais, a libertação do ciclo da transfiguração ou do fluxo incessante de renascimento e morte. Na beleza que permeia a arte indiana, há um senso de paz espiritual, de equilíbrio mental, fruto da realização humana através dos atributos e emoções divinas. Em vista disso, Rivière comenta que a emoção que permeia toda arte hindu é denominado rasa. Do conceito de rasa, três conceitos são estabelecidos: rasa-vant (a obra de arte; o sentimento materializado); rasika (o indivíduo/espectador que presencia o rasa); rasavadana (o ato de experimentar-se uma emoção estética). Por consequência, estabelece-se um movimento/ação que “aonde os olhares forem, a mente seguirá; aonde a mente for, a emoção seguirá; e, aonde a emoção for, ali estará o rasa”. (NANDIKESHVARA apud MARTINEZ. 2001, p.122) O termo rasa verteu-se num cânone estético na Índia. Esse conceito está relacionado ao soma — o néctar sagrado citado nas escrituras de Rigveda —, que traz o sentido de gosto, sabor; a mais fina ou a parte prima de alguma coisa; essência, medula, elixir, poção; o fluido seminal de Shiva 8. Logo, rasa constitui o sabor ou a essência a ser interpretada e desfrutada pelo espectador. De acordo com os antigos estetas indianos, o rasa é um dos componentes básicos da significação e da compreensão estética. No percurso da história do Subcontinente Indiano, o sistema varna ou sistemas de castas organizam as distintas (e complexas) camadas sociais que cultuam não somente as deidades como Shiva, Bhrama, Ganesha, mas também centenas de mitos locais, como Yaksas, Nāgas, etc., além de divindades femininas e maternas. De fato, as notáveis iconografias artísticas não poderiam ter sido concebidas sem as influências religiosas, principalmente, do hinduísmo, do bramanismo e do budismo. Assim sendo, à vista de uma história contínua de milhares anos, não é de se surpreender que a tradição estética na Índia se revigore a cada dia, indo ao encontro das ideias comuns ao século XXI. ARQUITETURA ISLÂMICA NA ÍNDIA 8. Dicionário Sânscrito-Inglês de Monier-Williams.
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Características elementares da estética islâmica na região, em especial no norte do subcontinente indiano, são observadas na fusão de tradi-
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ções locais pré-muçulmanas com as formas arquitetônicas importadas dos persas (dinastia dos sassânidas), dos macedônios, e, por fim, dos árabes, que introduziram o islamismo, a partir do Século VIII, separando a região, que hoje pertence ao Paquistão, da esfera de influência da estética hindu. A tendência mais marcante do universo islâmico na região é a profusa decoração de palácios, mesquitas e edificações, com abundante emprego de metais preciosos, ouro, prata e pedras preciosas, que fazem parte do acervo que caracteriza o Período Mughal (1526–1857). A edificação mais célebre que dignifica essa tendência é, sem dúvida, o Taj Mahal: o tesouro em mármore branco de Agra, no Norte da Índia (Figura 31). O Taj é a materialização do ideal arquitetônico islâmico, sendo uma dádiva do Xá Jahan à sua “mais bela jóia do palácio”, Mumtaz Mahal. Foi baseado nos princípios arquitetônicos do período Akbar, como o túmulo de Humayun, em Déli. (Figura 32)
FIGURA 31 – Final de tarde no Taj Mahal (vista lateral), Agra, Índia.
FIGURA 32 – Túmulo de Humayun, Déli, Índia. Foto: Vivek Chugh.
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FIGURA 33 – Ideograma chinês “wáng”.
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Na Ásia Oriental, grande parte das visualidades produzidas está intimamente ligada à cultura chinesa, pois ela tornou-se a maior referência na Ásia Central e no restante da Ásia Oriental, mais especificamente, Taiwan, Japão, Coreias do Sul e do Norte. Esses países, em algum momento da formação de sua história, utilizaram o sistema ideográfico chinês e foram introduzidos à filosofia das principais religiões em desenvolvimento: o budismo, o confucionismo e o taoísmo. É importante ressaltar que o Ocidente, especialmente a Europa, também se beneficiou, durante séculos, com aspectos das artes chinesa e japonesa. Quando estudamos o legado artístico-cultural da Ásia Oriental, percebemos que essas culturas estabeleceram-se ao longo de diferentes dinastias e eras e se caracterizam pela serenidade, harmonia e, sobretudo, pela austeridade de seus cânones estéticos. Os chineses sempre foram inclinados a conceber o mundo através de um sistema hierárquico. Apesar de um conjunto de classes e gêneros, todos os seres e elementos se resumem em três esferas, expressas pelos termos tiān, dì, rén (respectivamente, céu, terra e indivíduo). Fuxi, um dos primeiros soberanos a governar a China (aproximadamente 2852 a.C.), segundo relatos da cultura tradicional, menciona que um dos principais propósitos era “vivenciar as virtudes do mundo espiritual e classificar as características de todos os seres”. Posteriormente, Confúcio analisou o conceito da Grande Trindade (tiān-dì-rén) e promoveu entre seus discípulos os estudos da poesia como a melhor forma de compreender a classe das divindades e corpos celestes que pertencem ao céu (tiān), da classe na qual residem plantas, árvores, aves e outros animais, que fazem parte das características da terra (dì), para então fazer distinção das características inerentes à humanidade (rén). (SHAUGHNESSY. 2008, p. 120) Durante a Dinastia Han do Oeste, na regência do 6º imperador, Wudi (141-87 a.C.), o confucionismo foi estabelecido como ortodoxia oficial. Nessa época, um ensaio intitulado O Caminho do Rei une a Trindade foi escrito por Dong Zhongshu. Nesse ensaio, o ideograma wáng (rei, monarca) foi utilizado para ilustrar o ponto de vista etimológico, no qual o imperador unia o céu, a terra e a humanidade. O ideograma possui quatro traços: os três traços horizontais representam o céu, no topo; a humanidade, no meio e a terra, como a linha-base. O traço vertical que perpassa as linhas horizontais representa o monarca, que realiza a união do mundo. (Figura 33) A mitologia chinesa proporciona um contexto narrativo para vários fenômenos naturais. As noções de yīn e yáng, assim como o conceito de wu xìng, conhecido no ocidente como os cinco “elementos” ou “condutas” (wu = cinco; xìng = comportamento, conduta), representam boa parte do pensamento metafísico na China. A princípio, yīn e yáng significam, respectivamente, “escuridão” e “luz”, mas em sua acepção filosófica ampliam-se para incluir um amplo repertório de pares
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opostos: feminino e masculino, frágil e forte, negativo e positivo (esse último não se expressa, necessariamente, como mal e bom). No que diz respeito aos elementos ou condutas, esses são concebidos como energias em constante evolução e são considerados como a essência de toda matéria. Com o tempo, todos e cada um dos aspectos da vida se classificam de acordo com wu xìng. Para compreender melhor as correlações entre alguns desses elementos, observe a tabela a seguir: WU XING: TABELA DE CORRESPONDÊNCIAS MADEIRA
FOGO
TERRA
METAL
ÁGUA
DIREÇÕES
leste
sul
centro
oeste
norte
ESTAÇÕES
primavera
verão
—
outono
inverno
CORES
verde
vermelho
amarelo
branco
preto
NÚMEROS
oito
sete
cinco
nove
seis
ANIMAIS
peixes
aves
humanos
mamíferos
insetos
EMOÇÕES
raiva
alegria
desejo
tristeza
medo
PLANETAS
Júpiter
Marte
Saturno
Vênus
Mercúrio
Fonte: CHINNERY, John. Tesoros de China: Los Esplendores del Reino del Dragón. Barcelona: Blume, 2008.
OLHO VIVO O Dragão Celestial é, sem dúvida, um das mais antigas e populares figuras emblemáticas da China tradicional. O símbolo máximo do imperador é uma criatura celestial e benevolente, regente do tempo e da água, exprime os ideais de transformação e adaptação, além de caracterizar a resistência demonstrada pela civilização chinesa durante séculos. Observe algumas figuras que foram entalhas no “Muro dos Nove Dragões”, próximo ao palácio imperial, na Cidade Proibida. (Figura 34)
FIGURA 34 – Muro dos Nove Dragões. Parque Beihai, Pequim.
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VOCÊ SABIA? O conceito feng shui, que, literalmente, significa “vento e água”, é o processo de interpretação da terra com o propósito de selecionar os posicionamentos auspiciosos para edifícios e construções humanas. No Ocidente, é uma das expressões mais divulgadas, sobretudo na arquitetura, que tem origem na cultura tradicional chinesa. O feng shui constitui, em essência, outra manifestação da harmonia entre o céu, a terra e a humanidade, pois, nesse princípio, o mundo constitui-se do dossel (cobertura) do céu e do alicerce da terra.
FIGURA 35 – Jovem Kangxi. Rolo horizontal, tinta sobre seda. Reinado de Kanxi (1644-1735).
FIGURA 36 – Calígrafo chinês no pátio do Palácio de Verão, Pequim. Foto: Cecília Saito, 2004.
A arte caligráfica, de acordo com Chinnery (2008), representa os princípios artísticos básicos na China tradicional, o pincel, o papel (de amoreira, fibra de bambu ou juta), o pigmento e o tinteiro compõem “os quatro tesouros do estúdio do artista” (Figura 35). O domínio no movimento da pincelada é a essência do ofício do artista, que deve comunicar sua ideia de maneira sucinta, sem equívocos e em poucas linhas. Esse conceito também se revela na pintura, tornando-a verdadeiramente “a arte da essência”. Contudo, arte caligráfica é, sem dúvida, a expressão maior da estética tradicional chinesa e o legado mais significativo para todo o Extremo Oriente. Entretanto, existem normas específicas que regem essa produção caligráfica. O pincel é posicionado verticalmente entre os dedos e umedecido com a tinta, constituída por partículas de carvão suspensas em solução aquosa, o suficiente para apenas tingir a ponta. Em seguida, o gesto da mão e a movimentação suave do braço farão o resto, mantendo a todo o tempo o pincel na posição vertical. A brandura e a fluidez de cada pincelada darão o tom e a opacidade do traço. Esse processo, que envolve genuíno lirismo, constitui o verdadeiro tesouro, segundo as tradições artísticas na China. (Figura 36) Com o movimento budista que passou pela China, Coreia e seguiu para o Japão, vieram os caracteres, e as escrituras budistas passaram a ser registradas em escrita chinesa. No Japão, a caligrafia era executada pelos sacerdotes, que influenciaram os convertidos. Entre eles, incluíam-se os imperadores japoneses, que, voltados a essa nova fé, estimularam o movimento. A caligrafia de documentos religiosos foi adotada pelos sacerdotes de tendência zen que acrescentaram a sua própria característica aos trabalhos originais chineses. O CAMINHO DA ESCRITA A caligrafia japonesa (shodô), assim como a chinesa (shu-dào), possui três estilos básicos: kaisho, gyôsho e sôsho (em chinês: kai-shu,
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xíng-shu, cao-shu, respectivamente). Alguns consideram o kana (silabário fonético japonês, mais especificamente dividido em hiragana e katakana, cujo traço é baseado nos ideogtamas) como um quarto possível estilo. Os formatos mais antigos de caligrafia são: o tensho (zhuànshu), “estilo do selo”, e reisho (lì-shu). O estilo kaisho apresenta quebras e movimentos duros, também conhecidos como shinsho. O gyôsho é um
estilo mediano, de letra cursiva, que não se apresenta tão duro quanto o kaisho. O sôsho é um estilo fluido composto por cursos rápidos. Esses movimentos fizeram do sôsho o estilo mais popular entre os mestres da caligrafia. O sentido literal de shin-gyô-sô seria: “verdade, movimento e informalidade” ou “formal, semiformal e informal”. (Figura 37)
TENSHO
REISHO
KAISHO
GYÔSHO
SÔSHO
FIGURA 37 – A palavra “estética” escrita nos cinco estilos caligráficos.
Os estudos e a valorização da estética coreana ainda encontram-se numa fase formativa no Ocidente. Devido à posição entre China e Japão, a Coreia tem sido percebida há muito tempo como um mero canal de cultura chinesa para o Japão. No entanto, estudiosos contemporâneos justificam que os estudos sobre arte e cultura coreana possuem um papel importante para a compreensão da civilização do Extremo Oriente. Dessa forma, é injusto apenas imaginar a Coreia simplesmente por seus valores notadamente chineses, pois essa região (que hoje se divide em Coreias do Norte e do Sul) assimilou e criou durante séculos sua própria identidade cultural. Um dado importante sobre a produção cultural na Coreia foi a criação, em 1443, do alfabeto oficial conhecido como Hangul (ou Chosógul, na Coreia do Norte), desenvolvido sob supervisão do rei Sejong (1397–1450), o quarto rei da dinastia Chosón, em substituição aos ideogramas chineses, usados na península até o século XV. Quando o Hangul (Figuras 38 e 39) foi concebido, formava um conjunto de 28 caracteres fonéticos: 11 vogais e 17 consoantes. As vogais adquiriram as formas básicas que representam poeticamente a trindade: céu, terra e humanidade (Figura 40). O alfabeto coreano foi inspirado segundo a cosmologia neoconfuciana, ou seja, os princípios complementares do yin e do yang, os cinco elementos (água, fogo, terra, metal e madeira) e as cinco direções (norte, sul, leste, oeste e centro). 199
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FIGURA 40 – Vogais básicas do alfabeto Hangul. FIGURA 38 e 39 – Textos em Hangul do calígrafo Sim Eung-sub.
Apesar de o território nacional ter sido dividido em Sul e Norte e das divergências acarretadas por essa separação, a capacidade cultural coreana tem apresentado destaque, nos últimos 50 anos, e está se estendendo para o cenário mundial. Após o estabelecimento da República em 1948, as atividades artísticas e culturais foram instituídas novamente, ocasionando a valoração do idioma e da escrita coreana. Nesse restabelecimento dos preceitos culturais, desenrolou-se um movimento de propagação da arte tradicional e, ao mesmo tempo, de divulgação das modernas tendências, vindas da Europa e dos Estados Unidos. PARA REFLETIR A Coreia do Norte está longe de ser um lugar colorido. Porém, isso não significa que Kim Jong-Il (1942?–2011) — que era um grande aficionado pela própria imagem — tenha eliminado a criatividade como um todo. Para ver a arte norte-coreana em seu esplendor, o lugar ideal é o Pyongyang Art Studio, no centro de Pequim, fundado por Briton Nicholas Bonner em agosto 2004. Esse é o primeiro estúdio fora do “reino eremita” do ditador Kim, que trata exclusivamente de arte norte-coreana, e reproduz desde os mais kitsch cartões-postais e cartazes de propaganda às mais envolventes pinturas de paisagem dos melhores artistas do país. A pintura, de qualidade quase fotográfica, de Huang Byong Yon, intitulada “Intervalo no Trabalho Siderúrgico” (Figura 41), impressiona por sua qualidade técnica, pois descreve dois homens musculosos bebendo água em copos de latão, numa fundição cujo calor está escaldante. Na pintura
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“Nossa Mente”, de Jong Il Bong, feita com tinta negra (sumukhwa), crianças alegres retornam de um córrego na montanha, carregando trutas coloridas — um trabalho que aparentemente evoca inocência. A esse respeito, Bonner salienta que, na verdade, as crianças representam um ideal implícito, pois elas estão “libertando” os peixes trazidos da montanha onde, segundo uma lenda norte-coreana, o atual ditador, havia nascido. Entretanto, um ponto positivo em relação à clausura dos artistas nortecoreanos é a beleza da arte produzida no país, que, de acordo com Bonner, não sofreu com a excessiva influência das efêmeras tendências do cenário internacional. Na concepção de Bonner, as obras de arte tradicionais expostas no Pyongyang Art Studio são, na atualidade, o que há de mais purista em arte do Extremo Oriente. Bonner nega o fato de que é uma das poucas pessoas a promover relações amistosas com o “povo de Kim”, mas reconhece, modestamente, que seu trabalho favoreceu essas relações. (Adaptação de textos escritos por Craig Simons, e publicados entre os anos de 2004–2005 pela Newsweek e pelo The New York Times)
FIGURA 41 – Intervalo no Trabalho Siderúrgico. Huang Byong Yon. Pyongyang Art Studio, Pequim.
Na estética tradicional japonesa, há uma valorização da noção espaço-temporal que remete a intervalos entre duas entidades, destacando a singularidade do design japonês. Essa noção espaço-temporal denomina-se “ma” e está presente em várias manifestações artísticas japonesas, como, por exemplo, na cerimônia do chá, no jardim japonês ou nas artes marciais. O espaço para a apreciação do chá é conhecido como cha-no-ma e, além de ambiente para apreciação, estabelece relação espaço-temporal pela troca de gestos, silêncio, movimentos contidos e todas as ações envolvidas no processo de apreciação do chá. A arte da cerâmica também está presente na cerimônia do chá, principalmente no momento dedicado à apreciação de seus detalhes e sutilezas. As formas predominantes nos potes de cerâmica carregam consigo a concentração e a absorção do silêncio no objeto, ressaltando a estética wabi, o gosto pela simplicidade e o sabi, cujo sentido carrega, 201
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além da simplicidade, também a elegância, conhecida como a estética da aceitação da transitoriedade, representando a beleza do imperfeito, do incompleto, herdada dos ensinamentos budistas. Outra característica presente é o shibumi (substantivo) ou shibui (adjetivo), que transmite a ideia da despretensão do rústico, da qualidade bruta e da essência austera. A cerimônia do chá (Figura 42) é conhecida como um exemplo típico da autêntica manifestação estética japonesa. O recipiente para a água, o pote para o chá, a concha, a vasilha que guarda o chá, o tatami (esteira), o tokonoma (sala), o shodô (caligrafia), o mestre, o aprendiz e todo o ritual que acompanha a cerimônia, integram a harmonia da atmosfera.
FIGURA 42 – Geisha com instrumentos utilizados na cerimônia do chá. 1900. Créditos: Torin Boyd e Izakura Naomi (Asahi Sonorama, 2000).
A estética da arte do chá deu origem ao estilo Rikyu, cujo ideal era criar a beleza procurando evitá-la. O poeta Sen Rikyu (1522–1591), numa época de guerras e discórdias, fez da apreciação do chá um refúgio de tranquilidade e simplicidade. Com refinamento estético, apreciava poemas, que poderiam transmitir essa tranquilidade em seu estado de espírito, produzidos pela arte do shodô, para entender o significado de conceitos difíceis que eram ensinados pelas metáforas. Uma das particularidades do ma é suprimir todo e qualquer excesso, ressaltando a moderação. No jardim zen Ryoanji, em Kiyoto, percebese a presença da estética ma, pensada de modo que o ato da contemplação traga o espaço intervalar existente entre as pedras para fruição de seus observadores. (Figura 43) 202
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FIGURA 44 – Kitagawa Utamaro. Três belezas famosas, aprox. 1792–93. Formato Oban (39,0 × 25,8 cm). Editor: Tsutaya Jûzaburô FIGURA 43 – Jardim Zen Ryoanji. Foto: Dan Kite.
Na estética japonesa, observa-se, em contrapartida, o oposto ao conceito ma, denominado basara, cuja característica é o excesso ou o exagero, e um exemplo dessa manifestação pode ser observada no teatro kabuki. A adesão de um grande público a esse tipo de estética tornou a basara comum também nos festivais japoneses (matsuri). No Japão, ao final do século XIX, surge o Japonismo, encontro dos artistas ocidentais com a arte japonesa, desenvolvendo uma variedade de métodos que acrescentaram detalhes importantes aos estudos da composição, do princípio diagonal, da silhueta, da imposição do corte de um objeto posto em primeiro plano, do formato da vertical longa e, também, na elaboração do suporte em forma de biombo dobrável (WICHMANN, 1999). O fascínio pelas gravuras ukiyo-e levou Édouard Manet (1832–1883) a colecionar as embalagens dos produtos japoneses, compradas a baixo custo nas casas de chá, em Paris. Ao observar as gravuras, perceberam inúmeras particularidades que sugeriam a quebra da tradição sedimentada por regras e convenções que os artistas tanto tentavam abolir. Um dos artistas que marcou essa fase foi Kitagawa Utamaro (1753–1806), reconhecido por retratar as mulheres em cenas da vida cotidiana (Figura 44), conhecido pelo termo bijinga, traduzido como “pintura de figura-bonita” (HASHIMOTO, 2002), sempre vestindo seus kimonos.
FIGURA 45 – Edgar Degas. Dançarinas com double-bass, 1887. Óleo sobre tela. Coleção Particular, Nova York.
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Edgar Degas (1834–1917) procurou destacar as figuras captadas no espaço através de ângulos imprevisíveis e que sugeriam repensar a questão do movimento (Figura 45). Trabalhou a momentânea pausa no gesto e a imobilidade da figura em pé, como uma pincelada, ou o percurso da tinta, que, aos poucos, tornava-se independente, tal qual a arte da caligrafia japonesa. O diálogo entre o Ocidente e o Japão pode ser visto também nas obras de Gustav Klimt (1862–1918) e seus inúmeros desenhos de mulheres vestindo kimono ou mesmo na semelhança dos motivos pictóricos. (Figura 46) Entre outros exemplos de contaminações, percebe-se que Vincent Van Gogh (1853–1890) foi inspirado nas obras de Toyota Hokkei (1780–1850) pelas diferentes texturas e formas. (Figuras 47 e 48) FIGURA 46 – Gustav Klimt. Mulher com Kimono, 1918. Grafite sobre papel. 50,2 × 32,4 cm. Museu de Arte Moderna de Nova York.
FIGURA 47 – Vincent Van Gogh, 1888.
FIGURA 48 – Toyota Hokkei, 1856.
Toulouse-Lautrec (1864–1901) inspirou-se nas figuras do teatro kabuki, a exemplo da imagem de Yvette Guilbert (um gouache, de 1894) semelhante à xilogravura de Sharaku (1794) ilustrando o ator Ichikawa Ebizô interpretando Takemura Sadanoshin (WICHMAN, 1999, p. 66). (Figuras 49 e 50)
FIGURA 49 – Henri de Toulouse-Lautrec (Detalhe).
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FIGURA 50 – Tôshusai Sharaku (Detalhe).
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UNIDADE 2 Sobre Territorialidades e Fronteiras 2.1. TRÂNSITOS DA PRODUÇÃO ARTÍSTICA ORIENTE-OCIDENTE A partir da década de 1980, a visão dos processos de afirmação das culturas locais frente ao fluxo homogeneizante de informações tem dado margem a estudos acerca das dinâmicas de produção artística atual, especialmente na América Latina, África e Ásia. Na construção desse discurso, identificam-se narrativas que buscam a inserção de estéticas não europeias nos cânones ocidentais, como variações de uma “linguagem internacional”. Logo, o lugar dos discursos críticos e curatoriais tem se deslocado gradativamente, movendo, com isso, os critérios que configuram a produção artística. De acordo com Moacir dos Anjos, a partir da exposição das indefinições conceituais, os critérios de valoração estética foram sendo questionados e os processos de embate fronteiriço foram motivando mostras que os revelassem. Em outras palavras, buscou-se a visão local de curadores regionais, procurando, contudo, transcender o entendimento geográfico das questões para a ideia mais ampla de comunidade multicultural. Moacir dos Anjos, cita Arjun Apadurai, e propõe a identidade como “resultado de processos de expressão humana (discursiva e performativa) por meios dos quais são estabelecidas e continuamente reelaboradas diferenças entre grupos diversos” (ANJOS, 2005, p.12). As comunidades antes definidas por limites territoriais dão lugar, com a globalização, a outras, imaginadas a partir das trocas simbólicas compartilhadas por seus membros. Essa situação leva a um fazer e refazer de seus pontos de pertencimento, questionando continuamente o que seja natural, ou tradição. As identidades passam, assim, ter relação com as diversas maneiras como se dão o posicionamento das comunidades frente ao contexto do fluxo global de informações e ao outro, numa “negociação de diversidade”, da qual participam diversas instâncias. Compreender de que maneira as culturas locais articulam respostas à globalização nos permite entender essas novas identidades. Um dos mecanismos conhecidos é a aculturação, onde há uma recriação local de sistemas de representação da cultura dominante, numa relação definida de poder. Não é o caso da atualidade. Outro é a 205
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transculturação, onde a aproximação de diferentes expressões culturais cria uma condição de influências recíprocas, de negociações. Essas negociações não são harmoniosas, mas resultam de embates e desgastes nas zonas de contato entre as culturas que se contaminam mutuamente nesse processo de exposição das diferenças. PARA REFLETIR Procure se informar e faça o seguinte exercício de percepção: qual a posição que a produção cultural africana e asiática ocupa no “circuito internacional”? (o que você lê ou ouve falar a respeito?) Como você acha que os europeus e norte-americanos olham para a produção artística nesses continentes? Quais os adjetivos que, comumente, aparecem ao se referirem à arte “não-ocidental”?
A partir da década de 1990, as exposições procuraram enfatizar o caráter complexo das relações entre as culturas, exteriores aos limites territoriais. A mostra “Fault Lines: Contemporary Art and Shifting Landscapes”, integrante da 50ª Bienal de Veneza (2003), na Itália, buscou questionar os estereótipos ocidentais a cerca das culturas africanas, sua redução a mitos e etnias, articulando questões políticas e artísticas na construção de identidades cosmopolitas. Segundo Anjos, “em vez de oferecer respostas para o que seria a identidade cultural da África, optou por formular questões que testemunhavam a reinvenção simbólica de um continente”. (ANJOS, 2005, p.41) Essas questões se baseiam na ideia de uma cultura homogeneizante, se sobrepondo a outras indefesas culturas que a ela se submetem, e não considerando os complexos processos influência mútua. Desse modo, o global é definido pelos mecanismos de adaptação das culturas não hegemônicas às novas formas de pertencimento ao local dentro do novo fluxo de informações. Assim, visão essencialista e fixa de identidade está ligada às limitações geográficas e à territorialidade. OLHO VIVO Em filosofia, essencialismo é a visão de que, para qualquer tipo específico de entidade (por exemplo, pessoas, coisas, ideias) têm pelo menos algumas propriedades essencialmente inerentes. Essas propriedades são universais, e não dependentem do contexto. Por exemplo, a afirmação “todos os seres humanos são mortais” é essencialista.
Ainda na década de 1990, as mostras organizadas a partir do olhar asiático buscaram criticar as visões eurocêntricas e afirmar a ideia de um mundo cultural descentrado, através das escolhas dos trabalhos e 206
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das montagens que enfatizavam os processos de hibridização envolvidos nos trabalhos. Outras mostras, de curadoria latino-americana, se apoiaram na “desterritorialização” e buscaram enfatizar o intercâmbio entre as culturas, seus mecanismos e os processos de formação identitária. Assim, as diferentes exposições bienais ao redor do mundo colaboraram para colocar em questão o tema dos embates simbólicos. A Bienal de São Paulo de 1996, por exemplo, em sua 23ª edição elegeu o título “Univesalis”, perguntando como as produções contemporâneas das diversas partes do mundo tratavam a desmaterialização da arte. Sete curadores espalhados pelo mundo, coordenados pelo curador geral, Nelson Aguillar, selecionaram artistas em agrupamentos intitulados a partir de críticas às divisões geográficas definidas e afirmando as formas de pertencimento transitórias e negociadas. A Bienal seguinte escolheu o título “Roteiros…”, propondo uma visão da criação artística sob perspectivas geográficas, mas também políticas, culturais e econômicas. Na última Bienal, em 2010, foram apresentados vários artistas que, embora famosos, nunca expuseram na América do Sul, como o Ai Weiwei (1957–), um dos artistas chineses de maior destaque da atualidade. Ele trouxe para o Brasil uma instalação, uma representação de um zodíaco da cultura chinesa com forte componente político, montada na Europa (Figura 51). Já o artista indiano Amar Kanwar (1964–) mostrou uma videoinstalação impactante, sobre o abuso sexual de mulheres e crianças em situações de conflito, pela primeira vez por aqui.
FIGURA 51 – Ai Weiwei. Círculo de animais: cabeças do zodíaco.
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Procurando evitar a ingênua expectativa de retorno a um passado idealizado, e da mesma maneira, uma impossível identidade universal, as culturas locais submetidas ao fluxo homogeneizante de informações, decorrentes do processo de globalização, produzem hibridizações que aproximam e buscam traduzir formações culturais negociadas num espaço de embate com a cultura hegemônica eurocêntrica. Isso quer dizer que, essas culturas não querem mais se submeter ao estereótipo de exóticos nem de imitadores da cultura colonizadora. CONCEITOS DE MESTIÇAGEM, CRIOULIZAÇÃO E HIBRIDISMO
A Antropologia utiliza o conceito de mestiçagem, que traz uma ideia de harmonia na fusão de aspectos diferentes, não se encaixando na situação de reorganizações simbólicas propiciadas pelo processo de globalização. Outros termos oriundos pela antropologia são o sincretismo e a crioulização. O primeiro mecanismo corresponde à maneira como crenças religiosas de origem africana se adaptaram às europeias, buscando sobreviver no novo contexto. A crioulização, portanto, refere-se aos processos de recombinação de elementos étnicos africanos e europeus na região do Caribe, sob violentos conflitos entre os grupos envolvidos. Posteriormente, o termo passou a tratar de “processos contemporâneos de embate criativo entre diferentes culturas” (ANJOS, 2005, p.25). A antropofagia, mobilizada nos anos de 1920 pelos artistas modernistas brasileiros, consiste na prática de incorporar as influências culturais europeias numa nova elaboração a partir de pressupostos nacionais. A partir da ideia de intradutibilidade, os estudos culturais buscam, na biologia, o conceito de hibridismo, onde, em seu contexto de fusão, os elementos mantém suas características originais, pelas quais são reconhecidos e localizados. Tais estudos implicam na consideração da capacidade das culturas, não apenas em ressignificarem a cultura hegemônica sob sua perspectiva, como de reinserirem sua produção nos circuitos globais.
2.2. POÉTICAS VISUAIS AFRO-ASIÁTICAS: TERRITORIALIDADES E FRONTEIRAS Como conferimos anteriormente, a década de 1990 marcou uma época crucial para a arte africana e asiática, em conjunção com a globalização da economia mundial. Mudanças geopolíticas intensificaram as trocas artísticas ao redor do mundo e contribuíram para dar visibilidade aos artistas desses continentes, principalmente em bienais e trienais internacionais. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento das telecomunicações aumentou o contato desses artistas com institui208
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ções europeias e norte-americanas de arte e criou oportunidades de financiamento externo. Vejamos alguns exemplos de artistas africanos e asiáticos — com produções expostas fora de seus países de origem — que atravessaram os limites territoriais e propuseram pesquisas poéticas fronteiriças entre o imaginário e as histórias locais e os referenciais artísticos globais: Na África do Sul do século XX, o interesse em pintura, escultura, artes gráficas e instalações cresceu por todo o país. Sob o regime do apartheid, a arte não era considerada adequada para a educação dos sulafricanos negros, embora tenham se desenvolvido projetos artísticos como o Polly Street Recreational Centre (Centro Recreativo da Rua Polly), em Joanesburgo, na década de 1950, e o Rorke’s Drift Arts and Crafts Centre (Centro de Artes e Ofícios de Rorke’s Drift), em Natal, na década de 1960. Artistas brancos como Bill Ainslie (1934–1989) abriram seus ateliês para sul-africanos negros, como David Koloane (1938–). Esses e vários outros artistas, entre eles Penny Siopis (1953–) e Jane Alexander (1959–), expuseram os traumas do apartheid, enquanto as fotografias de Zwelethu Mthethwa (1960–) revelam o legado contínuo da desigualdade (Figura 52).
FIGURA 52 – Zwelethu Mthethwa. Sem título, da série Trabalhadores nos Canaviais, 2003. Impressão digital sobre papel fotográfico. 14,9 × 19,3 cm. Museu Nacional de Arte Moderna, Centro Pompidou. Paris, França.
Enquanto isso, na República do Benim, Romuald Hazoumè (1962–) chamou a atenção internacional pela primeira vez graças às máscaras que ele criou como latas plásticas de gasolina. Em Sénégauloise (Figura 53), por exemplo, o artista acrescentou um pedaço de tecido estampado com motivos africanos para representar um traje 209
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FIGURA 53 – Romuald Hazoumè. Sénégauloise, 2009. Objet trouvé (instalação). 33,0 × 22,0 × 25,0 cm.
tradicional. O curador e colecionador francês André Magnin comprou várias máscaras beninenses do artista e, mais tarde, as incluiu na mostra “Fora da África” em 1992. As máscaras não foram feitas para serem usadas; elas se concentravam apenas nas possibilidades antropomórficas dos recipientes de plástico descartados e ao mesmo tempo divulgavam a quantidade de lixo que se acumula em quase todas as cidades ou aldeias africanas. A cena urbana no Oriente Médio vivencia o desenvolvimento da poesia visual nas ruas das grandes cidades, a partir do pensamento de que a escrita árabe também se manifesta pela plasticidade do entrelaçamento das linhas verticais e horizontais dos caligramas. A produção poética dos artistas árabes tem sido desenvolvida, principalmente, no campo da caligrafia, no grafite e no uso das tecnologias digitais. Essas produções também estabelecem o trânsito em universos de ritmos visuais que clamam por comunicar e expressar intenção, opinião, personalidade. Alguns desses artistas árabes, como o sírio Mamoun Sakkal e o libanês Tarek Atrissi, têm seus trabalhos reconhecidos na Europa e nos Estados Unidos (Figura 54 e 55). Sakkal imigrou para os Estados Unidos em 1978 e hoje trabalha com arquitetura, design de interiores, design gráfico e caligrafia. Atrissi é designer gráfico e calígrafo, possui trabalhos que foram exibidos no Museu Guggenheim em Nova York e possui algumas obras na coleção permanente de design do Museu Affiche na Holanda.
FIGURA 54 – Mamoun Sakkal. Caligrama digital em estilo kufi com trançado, 2002. (www.sakkal.com)
FIGURA 55 – Tarek Atrissi. Cartaz.
Em vista disso, a nova geração de designers no Oriente Médio está se esforçando para dar forma à cultura visual, e representar, da melhor maneira possível, o Mundo Árabe atualmente. Esses designers estão adotando ideologias ocidentais, bem como subvertendo essas 210
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ideologias, para seus próprios objetivos e necessidades. Eles estão definindo a sua identidade cultural por meio dos trânsitos entre o Oriente e o Ocidente, entre o “antigo” e o “novo”, em busca de representações mais relevantes e inspiradoras de suas verdadeiras realidades sociais e profissionais. SAIBA MAIS A seguir, alguns sites de referência na Internet, para apreciação das imagens e dos projetos gráficos de designers árabes e suas respectivas nacionalidades: Ahmad Konash, Arábia Saudita: <http://www.konash.com/> Golnaz Fathi, Irã: <http://www.golnazfathi.com> Ihsan Al-Hammouri, Jordânia: <http://www.ihsandesign.com/> Mamoun Sakkal, Síria: <http://www.sakkal.com/> Mohamed Nabil, Egito: <http://www.mohamednabil.com/> Pascal Zoghbi, Líbano: <http://29letters.wordpress.com/> Tarek Atrissi, Líbano: <http://www.atrissi.com/>
Na Índia, a independência do domínio britânico, em 1947, criou um contexto favorável para a produção artística. Na década de 1950, a arte modernista indiana embarcava numa busca por novas concepções identitárias, sendo defendida pelas recém-criadas universidades e instituições de arte estatais, que posteriormente tornar-se-iam o centro de um mercado de arte emergente no país. Desde então, a arte contemporânea indiana compreende uma produção complexa, geralmente inspirada nas tradições da pintura e da escultura modernistas (FARTHING, 2010, p.562). Nesse período, artistas como os do grupo Raq Media fizeram experimentos com grandes composições espaciais, performances e novas tecnologias. A obra KD Vyasa Correspondência: vol. 1 (Figura 56) compreende 18 telas de vídeos, nove alto-falantes, escultura e narrativa, e representa uma série de 18 “cartas” trocas entre o grupo Raq Media e Krishna Dwaipayana Vyasa (KD Vyasa) — suposto autor e um dos principais personagens do poema épico hindu Mahābhārata. A instalação reflete a divisão do Mahābhārata em 18 livros ao usar 18 enigmas visuais, cada qual fazendo referência a uma “correspondência” em específico e intitulada de acordo com os livros. Além disso, a obra cria um diálogo com o texto de Mahābhārata e uma conexão entre questões antigas e contemporâneas e práticas midiáticas novas e velhas. Um dos pontos centrais do texto épico indiano é a questão do que constitui o dharma (visto anteriormente). 211
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FIGURA 56 – Raq Media. KD Vyasa Correspondência: vol. 1, 2006. Materiais diversos. Museu für Kommunikation. Frankfurt, Alemanha.
VOCÊ SABIA? Mahabharata é um dos mais extensos poemas épicos da antiguidade. O Mahabharata, cujo título pode ser traduzido como “Grande Bharata” — Bharat é também o nome oficial da Índia em língua hindi —,
consegue transitar entre o erudito e o popular. Esse grandioso relato é reconhecido como “a grande história de conflitos entre relacionamentos”. A versão completa contém mais de cem mil versos, sendo quatro vezes mais extenso que a Bíblia e maior que a Ilíada e a Odisseia juntas. A imortal epopeia foi adaptada para televisão indiana. A série televisiva consistia em 94 episódios, exibidos entre 1988 e 1990. Foi produzida por B.R. Chopra e dirigida por seu filho, Ravi Chopra. Para conferir essa pomposa produção, acesse o endereço: <http://www.hindilinks4u.net/2008/09/mahabharat-1988-all-episodes.html>
Na China, depois da repressão aos protestos da praça da Paz Celestial, em 1989, os artistas começaram a questionar a ideia de identidade cultural. Isso provocou o surgimento de uma “pop art política”. Artistas como Yue Minjun (1962–), começaram a entrar em confronto com o passado do país em obras como Execução (Figura 57). O rosto congelado numa risada com os olhos fechados (um autoretrato) é um tema recorrente na obra do artista e sugere a supressão das emoções. Além disso, a semelhança da obra com Três de maio de 1808, de Francisco Goya, ilustra a influência da iconografia ocidental sobre a arte da Ásia Oriental. 212
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FIGURA 57 – Yue Minjun. Execução, 1995. Óleo sobre tela. 1,50 × 3,0 cm. Acervo Particular.
A partir dos anos 90, o governo chinês passou a ver a arte contemporânea como uma manifestação potencialmente subversiva e proibiu os artistas de exibirem suas obras sem autorização prévia. Como consequência, artistas como Zhang Huan (1962–) migram para o ocidente e começam a realizar trabalhos que estabelecem reflexões sobre temas sociopolíticos. Para a performance Árvore Genealógica (Figura 58), realizada em Nova York, Zhang Huan convida três calígrafos para escrever textos chineses em seu rosto até que ele estivesse completamente preto. Entretanto, nos últimos anos vários artistas voltam à China, trazendo consigo novas influências e ideias. Eles estão descobrindo novas maneiras de interagir com a pintura tradicional e a caligrafia chinesa, dedicando-se à arte performática e usando novas tecnologias a fim de explorar temas diversos, entre eles a globalização e questões de identidade. FIGURA 58 – Zhang Huan. Performance de “Árvore Genealógica”, realizada em Nova York, em 2000.
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UNIDADE 3 Sobre Identidades de Outros Brasis 3.1. A ARTE BRASILEIRA E SUAS MATRIZES CULTURAIS Antes de iniciarmos o percurso sobre a produção artística brasileira, é importante consideramos o sentido da expressão “matrizes culturais”. Quando nos referimos à formação cultural do Brasil, ocasionalmente, vem à mente a referência das sociedades consideradas até hoje as formadoras de nossa cultura, ou seja, os povos ancestrais (ditos indígenas) que já viviam neste território na ocasião da chegada dos europeus; especialmente dos portugueses; e dos africanos que foram escravizados, trazidos para cá pelos europeus. Contudo, o pensamento da arte como uma construção reflexiva que ocasiona em registros visuais de nossa memória (considerando-a, pois, um elemento da memória coletiva nacional, portanto histórico), e, principalmente, focando os referenciais culturais brasileiros em apenas três matrizes: indígena, africana e europeia, não contempla a existência das várias especificidades culturais que o nosso país desenvolveu ao longo de mais de cinco séculos de história. Nesse contexto, o uso do termo “matriz” torna-se muito mais didático que conceitual, pois apenas ajuda a enfatizar nossas referências culturais, porém não define o conhecimento em questão. É necessário, entretanto, observar com mais atenção que os nossos códigos culturais são plurais. Um exemplo significativo é a nossa língua portuguesa, cujo vocabulário está repleto de palavras de origem estrangeira: azeite (do hebraico ha-zait), biombo (do japonês byô-bu), chá (do mandarim tchá), azulejo (do árabe al-zuleij), quitanda (do bantu kitandá), e assim por diante. A mesma coisa acontece com o nosso “vocabulário” de representações visuais: os grafismos de pintura corporal e os trabalhos de trançado dos povos indígenas (Figura 59); os padrões de tecelagem africanos (Figura 60), entre outros. DICA Sobre os primeiros registros de produção artística no Brasil, especialmente a indígena, faça uma nova leitura da Unidade I do texto da disciplina História da Arte Brasileira: do Descobrimento ao Século XIX (no livro Trama 4), e aproveite para conferir as imagens!
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Assim sendo, além de referenciais afro-brasileiros, europeus e indígenas, daremos ênfase aos registros culturais de outras regiões, tais como asiáticos, sobretudo japoneses, chineses e árabes. Desse modo, teremos um panorama de nossas referências culturais e artísticas provenientes de diferentes regiões do mundo, por meio dos sincretismos, das permanências e dos hibridismos que compõem a produção visual brasileira.
FIGURA 59 – Modelos do estilista Tufi Duek inspirados nos grafismos de pintura corporal e trançado indígena.
FIGURA 60 – Pintura corporal da banda Timbalada inspirada nos grafismos da tribo nendebelê, da África do Sul.
PARA REFLETIR “Existe um consenso de que a sociedade brasileira é formada por três matrizes culturais: a europeia, a indígena e a africana. No passado se usou o termo raça, e depois etnia – apesar de que tanto raça quanto etnia ainda freqüentarem o vocabulário televisivo, jornalístico, ativista e científico. Nos últimos anos, porém, optou-se pelo uso da ideia de matrizes culturais. A ideia mesma de que a sociedade brasileira e nossa cultura seriam definidas por estas três origens já é falsa. Sempre se esquece de que entre os povos africanos, ameríndios ou europeus não havia nenhum tipo de unidade cultural quando da conquista de uns por outros, e quando da escravidão de uns por outros. A África, a Europa e América eram um conglomerados de povos diferentes com culturas e práticas culturais, às vezes, totalmente estranhas entre si. Se não bastasse isso, pouco se fala do que poderia ser chamado de matriz asiática, afinal, japoneses e
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chineses têm uma história entre nós que não pode ser desconsiderada facilmente.” Extraído do texto “A falsa ideia de matrizes culturais”, escrito pelos professores Dernival Venâncio Ramos Júnior e Allysson García Fernandes. (RAMOS JUNIOR & FERNANDES, 2008, p.137) Após a leitura do trecho acima, reflita: além das matrizes mencionadas, quais outras referências culturais e artísticas você percebe atualmente? Observe em seus espaços cotidianos: em sua casa, em seu local de trabalho, e outros espaços de convívio coletivo.
FIGURA 61 – Aleijadinho. Profeta Ezequiel, 1795–1805. Pedra sabão.
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Mesmo com o acesso facilitado dos meios de comunicação, ainda hoje é comum algumas pessoas pensarem no continente Africano como país ou monobloco homogêneo, sem reconhecerem sua diversidade histórica e cultural. Para termos uma visão mais justa de África e de sua história é necessário considerarmos de que se trata de um continente que, ao concentrar 56 países e ilhas, revela-nos também uma miríade cultural, na qual estão presentes, diversas línguas, costumes, cultos, ritos etc. Embora a maior contribuição do negro africano na cultura brasileira prevalecera durante os séculos XVIII ao XIX, construída sob os padrões eurocêntricos, a relação entre a arte do negro e sua identidade podem determinar a valorização de certos grupos étnicos, apesar de que no passado, exigiam que o artista negro “esvaziasse” seu conteúdo de cultura africana e pintasse, nas igrejas católicas, santos e anjos “universais”, isto é, à maneira europeia e não, anjos negros. Recebendo forçosamente a ideológica de uma “civilização” dominante, os artistas afro-brasileiros criaram um legado de obras importantes. Entre os referenciais na história da arte brasileira, destaca-se Antonio Francisco Lisboa, nascido em Sabará, de mãe africana, e reconhecido como o Aleijadinho: escultor, pintor e arquiteto. Sua obra de mais representatividade são os Profetas em frente ao Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, Minas Gerais (Figura 61). A obra de Aleijadinho foi um marcador de divisas para a história das artes plásticas no Brasil e os sucessos da pintura e da escultura obtidos por artistas de origem africana não devem permanecer como um assunto específico, só conhecido dos especialistas de arte. Em geral, tanto a significação estética quanto os estilos e outros atributos implicados no acontecimento cultural africano continuam tão válidos hoje como ontem. No Brasil, a contribuição da cultura de países da África se inicia logo que os primeiros africanos chegam ao país, porém ainda há muito pouco registro sobre a produção artística realizada por esses africanos e seus descendentes. No entanto, podemos citar que autores como Walter Zanini, em seu livro “História Geral da Arte no Brasil”, Mariano Carnei-
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ro da Cunha, autor de “A Mão Afro-brasileira”, e Emanoel Araújo, com seus catálogos das exposições em comemoração aos 500 anos do descobrimento do Brasil, dedicam parte de sua obra à arte afro-brasileira. Em se tratando da obra de artistas negros no Brasil, apesar das notáveis diferenças no trabalho de cada um, o aspecto comum que possibilita abordá-las, dentro de um mesmo gênero, trata-se da questão das referências estéticas e culturais nas quais é pensada a criação. Esses trabalhos possuem uma poética que, por si só, é política. Pelo fato de serem artistas negros, trazem aspectos diferenciados em seu trabalho e rompem com a invisibilidade do artista negro em sua forma de expressão. Como exemplo pode-se considerar o trabalho de Abdias do Nascimento (Figura 62), Mestre Didi (Figura 63) e Rubem Valentim (Figura 64).
FIGURA 62 – Abdias do Nascimento. Exu Dambalah, 1973. Acrílica sobre tela, 102 × 51 cm.
FIGURA 63 – Mestre Didi. Pepeye – o grande pato, 2001. Técnica mista. 60 × 60 × 23 cm.
FIGURA 64 – Rubem Valentim. Emblemático 82, 1982. Acrílica sobre tela. 35 × 50 cm.
Contudo, onde estão as artistas negras que, nesse caso, sofrem de maneira assimétrica um reconhecimento de seus trabalhos? Como exemplo de algumas artistas negras, podemos citar o trabalho de Rosana Paulino (Figura 65), Yêda Maria (Figura 66), Niobe Xandó (Figura 67). Ao observarmos o trabalho dessas artistas podemos perceber que sua produção reflete um testemunho das suas convicções como artistas e como mulheres. Ainda hoje, o acesso às informações sobre as obras de artistas afro-brasileiros, homens ou mulheres, ainda é insuficiente.
FIGURA 65 – Rosana Paulino. Bastidores, 1990. Técnica mista.
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FIGURA 66 – Yêda Maria. Sem título, s/d. Colagem e acrílica sobre tela.
FIGURA 67 – Niobe Xandó. Máscara CCXXXVII, 1974. Acrílica sobre tela. 63 × 63 cm.
SAIBA MAIS Para saber mais sobre o trabalho dos artistas de expressão afro-brasileira, acesse o seguinte site: <http://www.museuafrobrasil.com.br>
As imagens estereotipadas que são usadas ao representar pessoas negras, fazem parte do repertório estético construído sobre bases de uma sociedade de mente colonizadora. A imagem artística que rompe com esta referência possui um aspecto político, à medida que oferece um novo prisma de compreensão e de aproximação dessas culturas. Para uma melhor compreensão sobre os olhares eurocêntricos e estigmatizantes sobre a cultura negra, observe o quadro Olympia (Figura 68), de Édouard Manet. A pesquisadora Ivaina de Fátima Oliveira (2008) observa que existe “a divisão de classe, ao retratar a mulher negra como a empregada doméstica que oferece um bouquet de flores a outra mulher (branca), supostamente sua patroa.” (OLIVEIRA, 2008, p. 119)
FIGURA 68 – Édouard Manet. Olympia, 1863. Óleo sobre tela. 130.5 cm × 190 cm. Musée d'Orsay, Paris – França.
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Embora muitas vezes não sejamos ativos no processo de reconhecimento desses artistas é necessário considerar que “a rigor, existe no Brasil um padrão estético que nega o perfil multirracial do país. Mais do que isso, a divulgação desse padrão condiciona a sociedade a pensar, a se comportar e almejar vitórias no campo simbólico e até material que esbarram nesse limite.” (INOCÊNCIO, 2001) Abdias do Nascimento em suas palavras revela o quanto se sentia exilado numa terra que não reconhece a cultura africana e afro-descendente na sua instância devida: “Hoje, mais do que nunca, compreendo que nasci exilado de pais que também nasceram no exílio, descendentes de gente africana trazida à força para as Américas”. Dessa maneira sua pintura é antes de tudo uma visão reduzida de mundo não ocidentalizada e, por isso, encontra na representação dos orixás, um modo de refazer o ori (cabeça) para repensar e reconstruir sua condição de exilado que é a condição do negro no Brasil. Abdias escreveu a obra “Genocídeo do negro no brasileiro” no qual trouxe quase que de maneira inovadora uma vertente de denúncia que contribui para avançar a premissa histórica de que no Brasil e na América Latina não havia um sistema de dominação econômica, política e social fundamentado, sobretudo na questão racial. REFLETINDO Se pensarmos no modo como o continente africano tem sido abordado pelos professores e livros didáticos, quais imagens vêm à nossa mente? Como é esse continente? Como são as pessoas de lá? Como elas se organizam? O que fazem? Elas têm religião, idioma? Quais?
Durante séculos recebemos, via os processos de colonização e imigração, uma ampla variedade de aspectos provenientes das culturas árabe, judaica, chinesa e japonesa, além de outros grupos vindos de países como a Índia e a Coreia do Sul. Esses grupos têm contribuído ao longo de gerações para constituir a formação do povo brasileiro. Seja por influência dos portugueses, há mais de cinco séculos, seja pelos movimentos de imigração — ocorridos na virada do século XX, com a chegada de sírios, libaneses e palestinos —, foi graças à cultura árabe que tivemos acesso às importantes técnicas agrícolas e de irrigação, à farmacologia e medicina, assim como contribuições linguísticas e no âmbito da culinária, música, arquitetura e decoração. Desde o início do século XX, sírios, libaneses e palestinos exercem suas técnicas comerciais em todo o país, principalmente pelo Nordeste e Sudeste brasileiros. A figura do “mascate”, cujo termo definia o vendedor ambulante de tecidos, exerceu influência nos contos de Cornélio Pires, nas poesias de Carlos Drummond de Andrade e nos romances de 219
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Jorge Amado (Figura 69). Um dos mascates mais famosos foi o libanês Benjamin Jafet. Em 1887, Jafet viajava pelas estradas do interior paulista para “mascatear” linhas, agulhas, tecidos e outros artigos de armarinho. Hoje, existem centros comerciais que homenageiam com monumentos esses trabalhadores viajantes e suas contribuições para o mercado e a indústria têxtil em nosso país. A saber, na região do SAARA, sigla da Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega (Rio de Janeiro), com “O Mascate” (Figura 70); e na área da Rua 25 de Março (São Paulo) com a “Amizade Sírio-libanesa” (Figura 71). De acordo com Oswaldo Truzzi (2009), foram os árabes que introduziram na Europa, a arte caligráfica, “pois encaravam a palavra como o meio por excelência da revelação divina.” (2009, p. 19) Na música, os árabes trouxeram alguns instrumentos, que hoje foram incorporados ao nosso meio musical. O alaúde, por exemplo, teve como descendentes o bandolim e o cavaquinho brasileiros, e o adufe foi o precursor do pandeiro. Na pintura de Pedro Américo, de 1884 (Figura 72), o musicista toca um dos instrumentos de origem árabe: a rabeca.
FIGURA 69 – Floriano Teixeira. O árabe Fadul Abdalla e a cabocla Jussara, personagens do livro Tocaia Grande, de Jorge Amado. Ilustração.
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FIGURA 70 – Monumento O Mascate. Rio de Janeiro
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FIGURA 71 – Ettore Ximenez. Monumento Amizade Sírio-Libanesa, localizado no Parque Dom Pedro II, no centro de São Paulo.
FIGURA 72 – Pedro Américo. A rabequista árabe, 1884. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro – Brasil.
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Por outro lado, ao tratarmos a presença judaica no Brasil, esta tem como fator principal o processo migratório, no qual os sefarditas (de sefarad, termo usual na Península Ibérica) procuraram refúgio em países próximos no Mediterrâneo, norte da África, Holanda e nas recémdescobertas terras das Américas, procurando escapar da Inquisição. No caso dos árabes, dos judeus (embora vindos principalmente da Europa), e de outras comunidades de origem asiática, as contribuições têm sido percebidas mais nos campos cultural, econômico, político e antropológico do que propriamente no artístico, visto que essas comunidades ainda possuem maior representatividade em outros setores da sociedade brasileira, entre eles o industrial e o comercial. 221
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Contudo, as comunidades que mais têm contribuído para a formação da história das artes visuais no Brasil são a japonesa e a chinesa. Dentre os representantes chineses em nosso país, destacam-se Sun Chia Chin (1930–), Chen Kong Fang (1931–) e Tai Hsuan-An (1950–) cuja atuação tem sido pautada na docência universitária e nas linguagens artísticas da pintura, arquitetura, gravura e ilustração (Figuras 73 a 75).
FIGURA 74 – Chen Kong Fang. O Menino, 1958. Óleo sobre tela. 41 × 33 cm
FIGURA 73 – Sun Chia Chin. Sem título.
FIGURA 75 – Tai Hsuan-An. Espera solitária, 1998. 55 × 40 cm
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Já os artistas japoneses naturalizados brasileiros, como Massuo Nakakubo (1938–), Tomie Ohtake (1913–), Massao Okinaka (1913– 2000), Tomoo Handa (1906–1996) e Manabu Mabe (1924–1997) dedicaram-se à produção artística, sobretudo pintura, gravura e desenho, na cidade de São Paulo, a partir da década de 1940 (Figuras 76 a 80). Alguns desses fizeram parte do Grupo Seibi, que reuniu artistas japoneses entre os anos de 1935 e 1972. No contexto das artes visuais, os estudos sobre cultura japonesa, no Brasil, concentram-se nas artes gráficas, nas gravuras e pinturas (especialmente as desenvolvidas entre os séculos XVII e XIX, que corresponde ao Período Edo da cronologia japonesa), na caligrafia e nas visualidades da cultura pop, com as animações (animê) e os quadrinhos (mangá). Em vista dos elementos e personagens apresentados neste tópico, podemos considerar que a diversidade da cultura brasileira — sob o efeito de mudanças, mestiçagens e ressignificações — também possui influências orientais, e que essa experiência mestiça, manifestada especialmente pela arte, nos conduzirá a tantos outros caminhos.
FIGURA 76 – Massuo Nakakubo. Serigrafia 3, 1970. Serigrafia. 48,3 × 40,2 cm
FIGURA 78 – Massao Okinaka. Draga, 1951. Óleo sobre tela.
FIGURA 79 – Tomoo Handa. Autoretrato, ca. 1945. Óleo sobre tela. Miliauskas
FIGURA 77 – Tomie Ohtake. Escultura no Auditório Ibirapuera, em São Paulo – Brasil. Foto: Lilian Miliauskas
FIGURA 80 – Manabu Mabe. Sem título, 1955. Óleo sobre tela.
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SAIBA MAIS Visite os sites a seguir, e conheça mais sobre a obra e a trajetória artística de dois dos maiores representantes nipônicos no Brasil. Instituto Tomie Ohtake: <www.institutotomieohtake.org.br> Instituto Manabu Mabe: <www.mabe.com.br/>
3.2. HISTORICIDADES E VISUALIDADES QUE CARREGAMOS No Brasil, na primeira metade do século XX, ocorre nos centros urbanos do Brasil uma série de movimentações artísticas e culturais que começam a abrir caminhos para novas discussões e possibilidades no campo das artes. Nessa época, na tentativa de estabelecer o entendimento do que seria visto como identidade nacional, a região Sudeste ficou convencionada como elite política, econômica e cultural do país. Os artistas modernistas, nas décadas de 1920, 1930 e 1940 colaboraram nessa construção, assim como os museus de arte moderna do Rio de Janeiro e de São Paulo, a criação da Bienal de São Paulo e os movimentos Concreto e Neoconcreto, posteriormente. Em contraste com esse contexto, as produções locais das demais regiões configuram pouco mais que afirmações de distinção identitária. Com a globalização, e o consequente descentramento, essa suposta hierarquia simbólica nacional é questionada relativizando tanto a ideia de coesão geral, como de distinções locais, regionais. A noção de Nordeste, como região característica, por exemplo, se constrói no século XIX, como reação à crise econômica açucareira e algodoeira, que destrói o sentido vigente de província, como afirmação sobre o outro “Sul” cafeeiro. Assim, nasce uma identidade cultural nordestina, num discurso que demarca um espaço físico, legitimando-o e representando-o. As artes concretizam essa representação através de músicas, pinturas, romances e ensaios, levando seus habitantes a articularem suas matrizes portuguesas, holandesas, africanas e indígenas, num conjunto de memórias, sentimentos, mitos e paisagens que os caracterizariam. Independente de habitarem locais diversos e distintos, os nordestinos, a partir de códigos de compreensão simbólica, configuram um caráter específico e constituem o pertencimento a uma mesma comunidade. Como precursora na consciência do processo de mistura e criação, a cultura nordestina se institui guardiã dessas matrizes culturais, que a constituem como berço da cultura brasileira. Gilberto Freire trabalhou para o fortalecimento desse sentimento de localização no mundo e de comunicação com os seus, resultando numa impermeabilidade ao que se opusesse ou questionasse essa cons224
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trução, configurando o tradicionalismo regional. Em oposição, configurou-se o modernismo da região Sudeste, em especial, de São Paulo, liderado por Mário de Andrade. Nas artes plásticas, o caráter nordestino foi construído figurativamente, numa catalogação de suas “paisagens, tipos e ícones” (ANJOS, 2005, p.59), abarcando os contrastes entre seus temas exuberantes e de denúncia de suas misérias. Em 1970, o Movimento Armorial, criado por Ariano Suassuna, buscava uma oposição à cultura hegemônica do Sudeste, coincidente com a cultura de massa de origem norte-americana, através de uma cultura brasileira autêntica, fusão das matrizes africana, indígena e europeia. Rejeitando, portanto, os processos de globalização, Suassuna entendia a cultura brasileira, como a cultura popular, ou a erudita que com ela se identificasse. As diversas regiões brasileiras tiveram reações conservadoras à globalização, entendendo-a como homogeneização da cultura local ante uma cultura universal dominante. Mas essa universalização se mostrou impossível e reações de afirmação identitária positivas demonstraram as possibilidades de diferentes modernismos, e mesmo de pós-modernismos. Nos anos 90, a metáfora da troca de matéria orgânica constante entre as águas doces do rio e salgadas do mar, nos mangues, deu origem a um movimento, Mangue Beat, que preconizava a intensificação de “trocas culturais entre as mais diversas tradições da vida” (ANJOS, 2005, p.61). O movimento procurou tornar contemporâneas, as tradições musicais, cruzando-as a ritmos e formas musicais de outras partes e inserindo essa produção na rede mundial. Sua proposta não se resume a uma renovação musical, mas um posicionamento criativo que implique na participação ativa nesse mundo globalizado. Sem abrir mão de seus códigos e produtos, a arte brasileira redefine modos de enunciar as questões vividas em ressignificações do que é o Nordeste e o Brasil sobre o tecido das influências mútuas entre as diferentes culturas. PARA REFLETIR Observando a cena cultural de sua cidade, você consegue observar e nomear algum tipo de influência vinda de fora? Qual a importância dada ao que é típico ou regional? Que outras informações você já ouviu ou leu a respeito de algum movimento artístico no Brasil?
Depois de ter trilhado alguns percursos históricos — baseados em povos que trouxeram contribuições para constituir nossa pluralidade, no que diz respeito à nossa produção artística e cultural —, propomos a você um exercício de percepção de códigos estéticos nos espaços urbanos, ou seja, pedimos que a partir de agora que você comece a ob225
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servar em sua cidade traços das possíveis matrizes culturais que nos formam. Em suma, nossas cidades e nosso cotidiano estão repletos de aspectos herdados desses povos que são tão diferentes, mas, ao mesmo tempo, tão próximos a nós, e que compõem o mosaico multicultural do qual fazemos parte. Este material é apenas um começo, com algumas indicações e um convite para que você possa buscar mais e se aprofundar sobre os temas aqui apresentados. Desejamos que aceite o convite, ou desafio e se aventure no universo das pesquisas sobre as visualidades que compõem nosso país. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADAMS, Edward B. Korea’s pottery heritage. Vol. 1. Seoul: Seoul International Publishing House, 1986. _________. Korean folk & art craft. Seoul: Seoul International, 1987. ANJOS, Moacir dos. Local/global: arte em trânsito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. AUBOYER, Jeannine et GOEPPER, Roger.“Índia e Sudeste Asiático”. In O mundo da arte: mundo oriental. São Paulo: Encyclopaedia Britannica, 1979. ÁVILA, Eduardo A. de; SAITO, Cecília Noriko Ito; TERTULIANO, Karla Alves. “Estéticas Afro-asiáticas”. In Licenciatura em Artes Visuais: módulo 6. Goiânia: FUNAPE, 2009. pp. 104-159. _________; PASSOS, Célia Mari Gondo. Visadas Estéticas de África[s] e Oriente[s]. In Anais do VII Seminário do Ensino de Arte do Estado de Goiás e CONFAEB 20 anos. Goiânia: FUNAPE, 2010. v. 01. p. 1372-1380. BELL, Julian. Uma nova história da arte. São Paulo: WMF/Martins Fontes, 2008. BOURQUIN, Nicolas;THOMA, Sascha;WITTNER, Ben. Arabesque: graphic design from the Arab World and Persia. Berlim: Gestalten, 2009. BURCKHARDT, Titus. “Fundamentos da arte islâmica”. In A arte sagrada no Oriente e no Ocidente. São Paulo: Attar Editorial, 2004, pp. 161-190. BREHM, Margrit. The Japanese Experience Inevitable. Htje Cantz Verlag, 2002. CARISE, Iracy. A arte negra na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Artenova, 1975. FARTHING, Stephen; CORK, Richard. Tudo sobre arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2010. GRAIG, Timothy J. Japan pop: Inside the world of Japanese popular culture. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. GRAVETT, Paul. Manga: 60 years of Japanese comics. London: Collins Design, 2004. GREINER, Christine. “Poéticas da brevidade: o pensamento japonês nas vanguardas brasileiras”. In Tokyogaqui, um Japão Imaginado. Organização
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Metodologias para o Ensino de Artes Visuais Professor autor: Dr. CĂŠsar Pereira Cola
METODOLOGIAS PARA O ENSINO DE ARTES VISUAIS
APRESENTAÇÃO Desejo, antes de tudo, bons estudos para todos nós. Este é um momento importante em minha carreira por estar envolvido em curso de formação de professores de Arte, modalidade EAD e ser responsável pelo material de Metodologias que, espero, seja muito útil para profissionais que atuarão na Educação. Além de muita dedicação, acho bom termos também prazer e responsabilidade com o que fazemos, já que envolve vida e formação de pessoas, coisas que ultrapassam os conteúdos disciplinares. A arte está na vivência de todos os seres humanos, mas em determinados casos tenho certeza de que ocupa um lugar especial. Assim me observo pensando: na vida de quem a arte é mais significativa e está mais presente? Vejo que isso acontece na vida de artistas, publicitários, ilustradores, editores de livros, jornal ou revista, pessoas que lidam com mídia de um modo geral, entre uma quantidade enorme de profissionais. Mas dentre esses, gostaria de acentuar você, estudante de arte e futuro professor, que estará (ou já está) falando de arte para um número enorme de pessoas. E no trabalho que amanhã será desenvolvido, é preciso ver até que ponto a arte é importante para você mesmo para que ela venha a ser significativa também para seus alunos, pois se a arte não fizer sentido para professores, ela também não fará para os alunos de arte. Uso tais palavras para falar sobre mim mesmo e o sentido da arte em minha vida. Quando decidi lidar com educação, tinha a certeza de a disciplina arte deveria ser trabalhada com muita dedicação, considerando sua importância para a vida. E sendo professor, torna-se necessário perceber em si mesmo encontros que acontecem com a arte. Assim, proponho que você tenham um monólogo constante e silencioso, trazendo questões como: 1) Eu gosto de pintura, escultura, desenho, fotografia, das Artes Visuais? 2) Minha vida é melhor, mais feliz porque existe o cinema, a dança, fotografia, a arte de um modo geral? 3) Eu tenho prazer em ver ao meu redor objetos interessantes não só por serem utilitários, mas pela forma como me seduzem pela cor, brilho, localização dentro do ambiente? Posto isso a proposta deste curso é introduzir você, estudante, a refletir sobre o que poderá ser feito em termos de ensino de Arte na Educação Básica. Sendo assim, priorizei uma abordagem geral sobre didática, pois ao longo do curso estaremos pensando sobre o ato de ensinar e projetando a atuação como professor de arte. Os conhecimentos que 232
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você possui de estudos anteriores serão agora muito significativos, pois eles a didática fica vazia. Esses estudos não são só as disciplinas do curso, mas também outros adquiridos em leituras, palestras e eventos. Vamos buscar conceitos que você possua sobre arte, temas e técnicas que gostam de lidar, pois ensinar pressupõe um trabalho de autoria. Espero que esta disciplina seja uma troca de ideias, que saibamos compartilhar os conhecimentos que já possuímos previamente e outros que vão sendo adquiridos durante o curso. Conforme esquema proposto no curso, à discussão sobre educação, pedagogia e didática marcam o início dos trabalhos. A didática está estreitamente relacionada com educação e pedagogia, considerada por muitos um subitem das mesmas. Dessa forma, a discussão na área se torna bastante necessária. A maioria dos autores, ao falar em didática não dispensa essas duas áreas maiores. UNIDADE 1: FUNDAMENTOS 1.1. EDUCAÇÃO 1.2. PEDAGOGIA 1.3. DIDÁTICA UNIDADE 2: CONSTRUÇÃO, TRANSFORMAÇÃO E INFLUÊNCIA NO COTIDIANO SOCIAL 2.1. A SOCIEDADE E SUA CARACTERÍSTICA MUTANTE 2.2. PERCURSO HISTÓRICO EM EDUCAÇÃO UNIDADE 3: ATORES NO ÂMBITO EDUCACIONAL 3.1. PROFESSOR 3.2. ALUNO 3.3. PEDAGOGO 3.4. PESQUISADOR 3.5. ARTISTA UNIDADE 4: PLANEJAMENTO 4.1. TIPOS OU NÍVEIS DE PLANEJAMENTO 4.2. PLANEJAMENTO DIDÁTICO OU DE ENSINO UNIDADE 5: OBJETIVOS E CONTEÚDOS 5.1. IMPORTÂNCIA DOS CONTEÚDOS PARA A AÇÃO PEDAGÓGICA 5.2. OBJETIVOS GERAIS 5.3. OBJETIVOS ESPECÍFICOS 5.4. IMPORTÂNCIA DOS CONTEÚDOS EM EDUCAÇÃO UNIDADE 6: PROCEDIMENTOS, RECURSOS E AVALIAÇÃO 6.1. CONCEITO DE PROCEDIMENTOS, RECURSOS E AVALIAÇÃO PARA A AÇÃO PEDAGÓGICA
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UNIDADE 1 Fundamentos 1.1. EDUCAÇÃO Todos têm muito a falar sobre educação. Mesmo em regiões longínquas, onde escolas muitas vezes não existem, vemos adultos referindose a crianças ou outros adultos como mal educados. O termo ‘sem educação’ é trivial, senso comum. Educação é um termo básico e enraizado onde quer que seja no mundo. Isso indica a dimensão global do que se possa denominar educação, um termo bastante difícil de ser encaixado em uma única definição. O senso comum costuma passar pelo fator de conservação dos costumes e hábitos necessários para a subsistência do ser humano. Reportando à Pré-história, vemos a necessidade real de serem transmitidas determinadas tarefas que garantam a subsistência do homem. Caçar, por exemplo, exige domínio de determinadas táticas (encurralar ou surpreender o animal), instrumentos e armas para abater o alvo. É possível que tenha havido um aprendizado com a prática: os mais jovens acompanhando os mais experientes, mas como não existem registros, a herança mais certa é a dúvida. De qualquer forma, as transmissões cognitivas guardam um teor materno ou paterno, ambiente local, necessidades sociais, hábitos culturais, linguagens que tal grupo de indivíduos costuma lidar. Sendo assim, transmissão, conservação parecem ser as palavras-chave quando se diz educação. Etimologicamente, segundo Morandi (2009), educação carrega uma forte tendência relacionada a cuidar e criar, geralmente uma criança. Provê-la de alimento, de condições para sobreviver por si, bem como de adquirir determinado domínio de conceitos fundamentais para vida em sociedade (educatio) ou fazer sair, tirar de uma pessoa o que existe de potencialidade inerente (educere). A mitologia fala em Eduque, deusa que regia a educação. E Durkheim (1978) fala sobre uma ação exercida, seja de uma pessoa ou grupo, sobre outro grupo. Considerando tais fatores, podemos afirmar que a educação é algo externo, ou seja, aprendido. Outra distinção significativa sobre e educação é classificá-la como sistemática e assistemática (HAYDT, 2006). Assistematicamente conhecimentos são adquiridos na vivência cotidiana, sem determinadas regras para se ensinar. As sociedades pré-letradas lançariam mão da edu234
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cação assistemática, na qual a educação acontece pela vivência entre as pessoas, de forma que os mais jovens partem para a experiência direta, aprendem e praticam as atividades dos adultos por meio da observação e fazer empírico (GARCIA, 1976). Ao observarmos uma pessoa em determinado afazer (pintando, cozinhando, utilizando o computador, lavando roupa, por exemplo) podemos aprender pela observação, ou seja, esse é um aprendizado assistemático. Libâneo (1991) prefere denominar a educação assistemática como não intencional e a educação sistemática como intencional. Assim se reporta o autor sobre o assunto: Os estudos que tratam das diversas modalidades de educação costumam caracterizar as influências educativas como não-intencionais e intencionais. A educação não intencional refere-se às influências do contexto social e do meio ambiente sobre os indivíduos. Tais influências, também denominadas de educação informal, correspondem aos processos e aquisição e conhecimentos, experiências, ideias, valores, práticas, que não estão ligados especificamente a uma instituição e nem são intencionais e conscientes. São situações e experiências, por assim dizer, casuais, espontâneas, não organizadas, embora influam na formação humana. É o caso, por exemplo, das formas econômicas e políticas de organização da sociedade, das relações humanas na família, no trabalho, na comunidade, dos grupos de convivência humana, do clima sócio-cultural da sociedade. A educação intencional refere-se a influências em que há intenções e objetivos definidos conscientemente, como é o caso de educação escolar e extra-escolar. Há uma intencionalidade, uma consciência por parte do educador quanto aos objetivos e tarefas que deve cumprir, seja ele o pai, o professor ou os adultos em geral — estes, muitas vezes, invisíveis atrás de um canal de televisão, do rádio, do cartaz de propaganda, do computador etc. (LIBÂNEO, 1991, p. 17-18) Intencional ou não intencional, devemos considerar que essas duas vertentes se interpenetram, formando um fenômeno único, um verdadeiro organismo ou sistema. Assim sendo, convém aos profissionais da escola estar conscientes que suas ações sofrem e também promovem influências em determinados conceitos, por exemplo, etnias, classes sociais, inclusão e exclusão, gênero, diferenças pessoais, opção sexual, preconceitos antigos e recentes, discriminação da faixa etária etc. Quem atua na escola deve ser consciente sobre a vertente ideológica que sua profissão carrega. Mesmo os profissionais que dizem “nada sei de política ou de preconceitos” apenas desconhecem que estão a favor ou contra determinadas posições. Essa relação entre educação e ideologia existe desde a Pré-história da humanidade. Historicamente os períodos foram constru-
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ídos, solidificados ou destruídos tendo como fator de mudança a educação, seja ela sistemática ou assistemática. Sendo assim, Libâneo é claro quando fala da importância do professor estar apto em transmitir conteúdos específicos da disciplina ao aluno, trabalhar para desenvolver no aluno suas capacidades intelectuais e seu entendimento crítico sobre os problemas pelos quais a sociedade está passando, para contribuir na construção de uma sociedade mais justa. Outra dimensão a ser lembrada é que a educação é singular e individual do homem. Assim, devem ser consideradas as potencialidades dos indivíduos, posto que o mundo é uma representação que cada pessoa, como sujeito, traz (SCHOPENHAUEr, s.d.; DELEUZE, 2007). Tais diferenças e potencialidades individuais necessitam estar cada vez mais presentes na educação, existindo pesquisas que consideram tal fator. Em arte, sabemos o quanto é relevante a expressão individual, considerando que existem muitos artistas denominados autodidatas, ou seja, que não frequentaram escola. Alguns adquiriram materiais artísticos, partindo para uma prática pessoal que pode ser classificada como assistemática, pois é fruto de um aprendizado individual e pessoal. Convém observar que o autodidatismo pode ser trabalhado com o objetivo é fazer arte, mas hoje a disciplina Arte ultrapassa o fazer, propondo também conhecimento, análise crítica, contextualização da arte. 1.2. PEDAGOGIA A pedagogia está relacionada a propostas educacionais, sendo uma ciência que sistematiza a educação de forma racional e intencional, para propor algo concreto e efetivo em determinada sociedade, em determinada época, possuindo como fundamentação orientações culturais que estão implicadas nesta sociedade. Sendo assim, aspectos econômicos, sociais, políticos, históricos, artísticos, estéticos, religiosos, entre outros, são a matéria prima de onde a pedagogia extrai elementos para sua efetivação. E a história está cheia de exemplos significativos no que diz respeito à função da pedagogia em determinada época: preservar costumes e evitar mudanças sociais, impor novos modelos políticos, sociais, econômicos, por exemplo. De qualquer forma, a implicação maior é a formação, instrução do sujeito, dos membros de uma sociedade. O olhar da pedagogia é amplo. Vê um todo contemplando e pensando ações que futuramente irão envolver uma quantidade significativa de indivíduos, provocando e sofrendo consequências na família, no ambiente, nas crenças religiosas, nas artes, na economia, na política etc. Tudo ocorre de maneira prevista, sendo analisadas situações que implicarão em consequências previamente desejadas. Dessa forma, pode-se pensar em termos de controle de práticas em diversas áreas. A ditadura militar imposta no Brasil na década de 1960, por exemplo, necessitou moldar a pedagogia 236
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escolar, para que pudesse ter seus desígnios alcançados, evitando que os militares perdessem controle sobre a política nacional. Podemos pensar assim em outras épocas, em outros países. Etimologicamente, pedagogo, o paidagôgo, é aquele que conduz, cuida, se encarrega da criança. Pode-se dizer tratar de uma pessoa que inspeciona o percurso de outra. Provavelmente daí provenha subáreas como supervisão, inspeção, coordenação, direção, característicos de alguns pedagogos. Como toda ciência, a pedagogia possui diferentes definições, mas de um modo geral, são canalizadas para um mesmo sentido. Vejamos os escritos de Morandi no que concerne ao significado de pedagogia: O estabelecimento do termo “pedagogia” e seu uso específico é relativamente recente. A enciclopédia lhe dá lugar na “lógica da ciência do homem” como “arte de comunicar ou transmitir os pensamentos”, e descreve que ela “trata da escolha de estudos e da maneira de ensinar”; indiretamente, no verbete educação, também considera pedagogia o sistema representado pelos conhecimentos humanos. [...] A história da pedagogia está até hoje associada aos grandes educadores, como Montaigne e Rousseau. Durkheim volta a dar à pedagogia uma função nobre, ligando-a à sociologia e atribuindo-lhe um estatuto de teoria. [...] A abordagem sociológica vê as práticas educativas como fatos não isolados, que, porém, contribuem para um sistema educativo de uma época e de um país. (MORANDI, 2008, p. 34-35) Convém atentar a dois aspectos da pedagogia: o pensar e o agir, ou seja, a ação e a reflexão. Tal nuance, porém, sempre relacionada ao processo educativo, à lógica que sustenta determinada ação/reflexão em educação, assim caracterizando uma atitude de observação da efetivação do que se pensou, bem como diferentes opções de modificar tal projeto quando em período de sua prática ou posterior a esta fase. Pensar na pedagogia como preparação otimizada dos indivíduos para ações adequadas em determinado ambiente social pode ser um excelente ponto de partida. Tal fator implica em estudos sociológicos, psicológicos, filosóficos por parte do pedagogo. Que tipo de indivíduo, de homem se pretende formar? O que se espera deste indivíduo? O que se pode oferecer ao mesmo? Essas questões podem ser interrogações constantes no processo pedagógico de construção de uma sociedade que possui determinados propósitos a alcançar. Muitos estudiosos estão preocupados com tais processos, podendo contribuir de forma consistente para estudos teóricos e práticos na área. Libâneo nos traz ideias. A pedagogia, sendo ciência da e para a educação, estuda a educação, a instrução e o ensino. Para tanto, compõe-se de ramos de estudo próprios, a Teoria da Educação, a Didática, a Organização Escolar, e a história da Educação e da Pedagogia. Ao mesmo tempo, busca em outras ciências 237
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os conhecimentos teóricos e práticos que concorrem para o esclarecimento do seu objeto, o fenômeno educativo. São elas a Filosofia da Educação, Sociologia da Educação, Biologia da Educação, Economia da Educação e outras. O conjunto desses estudos permite aos futuros professores uma compreensão global do fenômeno educativo, especialmente de suas manifestações no âmbito escolar. Essa compreensão diz respeito a aspectos sócio-políticos da escola na dinâmica das relações sociais, dimensões filosóficas da educação (natureza, significados e finalidades, em conexão com a totalidade da vida humana); relações entre a prática escolar e a sociedade no sentido de explicitar objetivos político-pedagogicos em condições históricas e sociais determinadas e as condições concretas do ensino; o processo do desenvolvimento humano e o processo da cognição; bases científicas para a seleção e organização dos conteúdos dos métodos e formas de organização do ensino; articulação entre e mediação escolar de objetivos/conteúdo/métodos e os processos internos atinentes ao ensino e à aprendizagem. (LIBÂNEO, 1991, p. 24-25) A pedagogia possui determinadas tendências que são relacionadas a determinadas épocas históricas. No entanto, sabemos que muitas tendências pedagógicas antigas continuam em prática mesmo após o período na qual ela foi predominante. Pode-se considerar que hoje somos uma somatória de todos os formatos propostos durante milênios. Num sentido benéfico, muitas vezes são guardadas influências desta ou daquela tendência para construir uma nova perspectiva educacional, pedagógica. A pedagogia tradicional, a pedagogia nova e a pedagogia histórico-social ou crítico social dos conteúdos são as três vertentes que se pretende trabalhar neste curso. Sobre pedagogia tradicional podemos falar em um ensinamento no qual o centro do conhecimento e o ponto de partida são o professor, seus enormes discursos, suas propostas específicas de trabalho. Nesta tendência, é valorizada a questão de memorização, também chamada de educação bancária, pois como em um banco, depositamos para depois sacar a mesma quantia depositada. A autoridade do professor é reforçada, está em suas mãos qualquer decisão em relação a resultados a serem obtidos. Se pensarmos em arte, veremos que o neoclassicismo foi um modelo altamente tradicional: o aluno deveria seguir regras rígidas de composição, perspectiva, claro-escuro, muitas vezes utilizando a cópia como aprendizagem mais significativa. Com a pedagogia nova o centro do conhecimento passa do professor para o aluno, propondo liberdade na busca dos interesses que lhe sejam mais significativos. A criança, o aprendiz passou a ser um ser com potencial, como caracterizado por Morandi (2008, p. 78) “como um ser novo, com sua natureza de ser em devir em seu desenvolvimento, destinado a um futuro”. Dewey (2008, p. 57), como expoente desta tendência, fala sobre a quantidade de riqueza que pode advir do inte238
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rior do indivíduo, sendo proposto ao aluno estar capacitado a buscar um conhecimento por si mesmo, introduzido, guiado aos interesses singulares, subjetivos latente em sua mente, em seu espírito. Trazendo para o campo da arte, vemos nítida influência do movimento expressionista, no qual utiliza materiais com bastante liberdade para produzir trabalhos inéditos, oriundos de um fazer e aprender por si. Tal vertente, quando mal utilizada, gera o laissez faire, expressão francesa para deixar fazer, entendendo que o aluno é deixado abandonado, faz o que bem entende sem o retorno do professor. Na pedagogia histórico-crítica ou crítico-social dos conteúdos alunos e professores devem estar atentos aos processos sociais, pois esta pedagogia acontece concomitante com os mesmos. A escola deve estar sintonizada com o que está se passando ao seu redor, pois os desdobramentos sociais irão determinar as possíveis ações no ambiente da educação escolar. O método tradicional e a escola nova são incorporados como atitude de estar além deles. Os melhores momentos e resultados de tais vertentes poderão estar presentes na escola, sendo que a problematização da prática social é fundamental. Interessa uma nova compreensão da sociedade por parte de todos e, com o objetivo de interagir reciprocamente com a sociedade, busca-se novas maneiras de compreendê-la, bem como transformá-la. 1.3. DIDÁTICA Inicialmente, cabe a definição de didática do dicionário: “1. A técnica de dirigir e orientar a aprendizagem; técnica de ensino. 2. Estudo dessa técnica” (FERREIRA, 1998, p. 221). Da palavra deriva didata que é aquele que ensina ou escreve obras sobre didática. Assim, estudar didática significa passar por um processo de aprendizagem, adquirir e utilizar conhecimentos para lançar mão desse ensino (de didática) e instruir alguém sobre algo. Existem em sala de aula duas posições: a do professor e a do aluno. Comumente, hoje muito se fala: quem aprende é o professor, quanto mais se ensina, mais se aprende. No entanto, é também senso comum concluir que os conteúdos, os objetivos, a metodologia etc, são propostas trazidas pelo professor. Na Escola Nova, como vimos anteriormente, o professor busca muitas vezes conteúdos que os alunos sugerem. O professor propôs escutar o aluno e sugerir o conteúdo. De qualquer forma, é lógica a conclusão de que estava na mão do professor decidir consultar o aluno sobre o que deverá ser trabalhado em sala de aula. Se um professor se diz ‘moderníssimo’ e não elabora os planejamentos, em nome de um livre-arbítrio do aprendiz, isso é também uma escolha didático-pedagó-
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gica. Convém lembrar que didática implica antes de tudo em seleção de quê e como fazer. No item Pedagogia, vimos algumas tendências pedagógicas. Para cada uma delas, existe uma didática que é mais adequada para promover o ensino pelo qual se optou. Sendo assim, didática é um subitem de pedagogia, bem como uma ciência estreitamente relacionada à educação, que convoca uma série de comportamentos que são selecionados para interagirem nessa espécie de matriz chamada professor – conteúdo – aluno. O professor Cordeiro (2009), citando o filósofo John Pasmore, assim nos fala sobre tal matriz: “Uma pessoa ensina quando transmite fatos, cultiva hábitos, treina habilidades, desenvolve capacidades, ensina alguém a nadar ou a apreciar música clássica, mostra como funciona um foguete lunar, ou que, e por que, os planetas se movem em volta do sol” (apud CORDEIRO, 2009, p.23). Para esse mesmo autor, o ensino pode ser entendido como uma relação triádica, isto é, que envolve três vértices e que pode ser expressa numa afirmação do tipo “x ensina algo a alguém” (o professor – o conteúdo do ensino – o aluno). No entanto, ao contrário do que acontece em outros tipos de relação, esse aspecto triádico pode ficar escondido no ensino, já que nem todos os elementos da relação precisam ser explicitados. Podemos dizer que a didática buscava muitos elementos na Filosofia antes do século XX. A educação no século XX esteve muito arraigada em teorias de Psicologia, da Biologia e da Sociologia. Assim, em séculos anteriores, a influência mais significativa na educação era a Filosofia. Estudos sobre Biologia, Psicologia e Sociologia trouxeram contribuições alusivas ao desenvolvimento físico, considerando-se também as grandes diferenças e particularidades cognitivas e afetivas. O mundo da criança foi estudado com mais profundidade, destacando as singularidades de cada pessoa, as diferenças sociais e ambientais. Hoje, porém, muitos educadores buscam alternativas, opções educacionais que escapem das teorias psicológicas de teóricos como Freud, Piaget, Vygotsky, já que trouxeram influências da psicologia para a educação. Tais teorias já são bastante transformadas, modificadas ou mesmo contestadas, mas ainda presentes em sala de aula. Didática seria então um campo repleto de influências de tudo que diz respeito a vivências do ser humano.
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UNIDADE 2 Construção, Transformação e Influência no Cotidiano Social As considerações do item 2.1 deste capítulo já foram abordadas no capítulo anterior. No entanto, pretende-se discutir um pouco mais sobre as mesmas. Na segunda parte, serão abordadas teorias sobre Educação, seguindo um percurso histórico e de evolução do ensino e ideias no que diz respeito a propostas pedagógicas. Como sistematização destas transformações, filósofos, psicólogos, educadores serão citados junto com as propostas alusivas aos seus ensinamentos. 2.1. A SOCIEDADE E SUA CARACTERÍSTICA MUTANTE Uma aula implica em outra aula, e essa outra aula irá implicar em todas as aulas do ano letivo (CORDEIRO, 2009). O ano letivo, depois de terminado, também não garante que os conteúdos ensinados irão funcionar como algo significativo na vida dos alunos ou para a sociedade. Assim, a didática e a sala de aula lidam constantemente com ressignificação do que se irá selecionar para ser ensinado, de que forma tal ensino irá ser conduzido, a possibilidade ou não de retrabalha-lo. A dimensão da globalidade da educação implica em destruir procedimentos, transformando-os em outros que caracterizam uma mutabilidade constante. Ora, possuindo a sociedade tal capacidade mutante, não existe como conseguir uma prática didática que não seja também sujeita a mudanças em todos os seus aspectos. Tentando elencar alguns aspectos que causam a mutabilidade na sociedade e, consequentemente, na Educação, podem ser apontados. Merleau-Ponty, Bérgson e Husserl apontam a complexidade do tempo ser compreendido de forma simples, assim como o entendemos, mas, de qualquer forma, é consenso que os comportamentos da Idade Média, não eram os mesmos do Renascimento; que o século XIX foi completamente diferente do século XX. A localização geográfica de determinada civilização aponta para uma influência demasiadamente significativa no âmbito social. Clima regional implica em vestimenta a ser utilizada, em comida a ser consumida. Isto irá implicar em fatores que trazem consequências para a comunicação e, apesar de a didática não ser somente comunicação, sofrerá grandes impactos de como tal área é praticada socialmente. 241
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Numa sociedade economicamente estável é possível uma educação também estável. Onde imperam grandes diferenças de situação econômica entre as classes, será encontrada uma educação marcada por elas (excelente educação para uns, educação precária para outros). Professores poderão encontrar muitas dificuldades por não disporem de condições de estudo em determinadas regiões, considerando-se a condição econômica das mesmas. A Política dominante em determinada sociedade pode influenciar no processo educacional, para tanto lançam mão de ações que visam a sua perpetuação no poder. Pode, também, pensar em igualdade social para todos, incentivando e promovendo uma sociedade e educação fundamentadas em justiça social. O modelo político vigente influencia os indivíduos, mesmo que seja levando-os a buscar mudanças. É notável como, muitas vezes, movimentos estudantis influenciam na ordem política de uma nação. A política pode variar de nação para nação, bem como em uma mesma nação, pois é um processo sempre em mudança. Valores sociais implicam em relações afetivas, cognitivas, necessárias, socialmente consolidadas em determinado ambiente e tudo que possa contribuir para promover tais relações. Os valores predominantes no social serão, possivelmente, os mesmos encontrados na sala de aula. Democracia significa governo eleito pelo povo, governo ou governantes que o povo deseja. Libâneo nos fala de uma Educação para a Democracia. Seu pensamento aponta para uma postura do professor voltada para o atendimento de exigência intrínseca ao econômico, social, político de um determinado tempo e local. Vejamos um pouco de sua fala: Como já sabemos, os conteúdos e métodos da escola pública devem corresponder às exigências econômicas, sociais e políticas de cada época histórica, no que diz respeito à conquista de uma democracia efetiva para os grupos sociais majoritários da sociedade. Ao delimitar as tarefas da escola pública democrática é necessário levarmos em conta as características de sua clientela hoje, analisando criticamente a escola de ontem e a escola de hoje, a quem serviu no passado e a quem deve servir hoje. A escola de décadas atrás serviu aos interesses das camadas dominantes da sociedade e para isso estabeleceu os seus objetivos e conteúdos, métodos e sistema de organização de ensino. Aos filhos dos ricos fornecia educação geral e formação intelectual, aos pobres, o ensino profissional visando ao trabalho manual. A escola para qual devemos lutar hoje visa ao desenvolvimento científico e cultural do povo, preparando as crianças e os jovens para a vida, para o trabalho e para a cidadania, através da educação geral, intelectual e profissional.
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Isto irá implicar em fatores que trazem consequências para a comunicação e, apesar de a didática não ser somente comunicação, sofrerá grandes impactos de como tal área é praticada socialmente. Numa sociedade economicamente estável é possível uma educação também estável. Onde imperam grandes diferenças de situação econômica entre as classes, será encontrada uma educação marcada por elas (excelente educação para uns, educação precária para outros). Outra questão a ser considerada é que, dependendo do autor, as ideias sobre a Didática podem se apresentar de formas muito diferente. No presente estudo, estudamos, entre outros, Libâneo e Cordeiro, sendo possível detectar como suas teorias em muitos aspectos se encontram, e em outros se divergem. Podemos levar em conta, inclusive, que o livro de um dos autores foi publicado em 1991 e outro em 2009. Considerando o tema deste item, cabe ressaltar o caráter mutante das ideias em educação. Qualquer livro hoje publicado amanhã poderá ser ultrapassado, ou seja, aqueles pressupostos eram adequados em uma época, em um determinado contexto. 2.2. PERCURSO HISTÓRICO EM EDUCAÇÃO Ao longo desse tópico, pode ser observado como a prática contemporânea ainda traz muitos pressupostos que possuem suas origens em séculos anteriores, daí a importância de um olhar mais cuidadoso em teorias da Pedagogia, da Didática, advindas de séculos anteriores. SÓCRATES Do legado de Platão e Sócrates (século V a.C.) é interessante observar a questão do diálogo. Eles preconizaram que o saber é conquistado por duas pessoas pensando, falando, dialogando; não acreditavam que o saber era dado, mas concluído por cada indivíduo. Em seu tempo, Sócrates fazia enorme discurso em praça pública, falava com muita eloquência, sendo que desta forma seus conhecimentos eram transmitidos de forma oral. Platão, discípulo de Sócrates, escreveu muitas coisas que o mestre falou, especialmente sob forma de diálogo. Falava sobre a consciência do erro, pois conhecer o erro é o melhor caminho para que se chegue a um aprendizado ideal. IDADE MÉDIA Na Idade Média, a educação ficou muito relacionada com a religião. Agostinho, bispo católico (354 – 430), deixou muitos escritos teológicos, influenciando toda a Idade Média. Não é possível dizer que era um educador, que pensava sobre a Educação, mas seus escritos de algu243
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ma forma são bastante perspicazes, conduzindo grande parte de pensadores da época a terem seus pensamentos voltados para os escritos teológicos. Tomás de Aquino (1225 – 1274) parece ter despertado a humanidade do entorpecimento da fé que de certa forma dominou a Idade Média, trazendo um discurso no qual pode ser notada a tentativa de explicar a existência de Deus por meio da lógica racional. Sem desmerecer a fé em um ente superior, conseguiu um discurso híbrido entre razão e fé. Aquino, assim como Abelardo e Alberto Magno, era um dos mestres da universidade, termo que surge no período, onde os estudantes juntavam-se em torno de um mestre, cuja aula era dada em latim. Determinados textos eram comentados pelos mestres. Para que determinada universidade funcionasse, era necessário um decreto dado pelo Papa. Com suas reflexões, Tomás de Aquino contribuiu para o surgimento do pensamento renascentista. JOÃO AMOS COMENIUS Comenius (1592 – 1670) entendia e acreditava ser o ser humano a obra mais perfeita criada por Deus, sendo que o homem deveria procurar acima de tudo sua felicidade eterna. Apesar de concordar com muitas das ideias medievais, devido sua formação cristã, trouxe importantes contribuições para a didática. Acreditava que os jovens deveriam ser educados em conjunto, sendo que para isso seria necessário haver um lugar específico de encontro dos mesmos. Tal lugar seria a escola. Quando Comenius se refere a jovens, incluía também as mulheres, sendo pioneiro neste aspecto. Sua obra intitulada Didática Magna foi publicada em 1632 e bastante divulgada no continente europeu de então, tendo sido considerada obra de referência na época. Segundo muitos autores (CORDEIRO, 2009, entre outros) a Didática Magna preconizava um ensino para todos, sendo possível e desejável a adoção de um método único, auxiliando o trabalho do professor, universalizando o saber. HEINRICH PESTALOZZI Ambiente circundante é a principal causa de uma boa ou má formação do homem, segundo Pestalozzi (1746 – 1827). A natureza era a principal razão de existência do homem e buscá-la seria a melhor opção para a formação desejada do ser humano. Aliás, acreditava que todos nascem bons, mas o ambiente pode modificar seu o caráter. Acreditava que a Educação seria a melhor opção em termos de aprimoramento da humanidade. Assim como Comenius, Pestalozzi pregava uma educação da massa, buscando transformar a sociedade em uma sociedade
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justa. A reforma social era necessária e a Educação seria o meio ideal para conseguir tal intento. Foi um dos primeiros estudiosos a observar que a criança possuía um desenvolvimento, que era senhor de um mundo pessoal diferente do mundo do adulto, universo que precisava ser entendido e respeitado, ou seja, não compreender a criança como um miniadulto, mas com características próprias da infância. O referido desenvolvimento implicaria em etapas relacionadas com as capacidades motoras e cognitivas. Caberia ao adulto selecionar determinados procedimentos em Educação que favoreceriam tais desenvolvimentos. FRIEDRICH FRÖBEL Fröbel (cerca de 1840) foi discípulo e assistente de Pestalozzi, com quem trabalhou durante cinco anos. Assim como seu mestre, falava sobre o potencial espiritual intrínseca a cada pessoa (período romântico de Goethe e Schiller). Suas teorias vão ao encontro da Arte, conforme pode ser lido nos tópicos abaixo: • dizia que “a natureza é como um enorme design elaborado por uma força superior”, afirmação que causou grande impacto em sua época; • a criança deve jogar, manipular com formas, através do desenho ou de objetos tridimensionais; • a criança, como ser que investiga, aprecia, reconhece a harmonia natural das formas, cores, ritmos, da natureza (plantas, figura humana, conchas, animais, etc). Inclui também estudo visual de formas geométricas das construções arquitetônicas; • observa a simetria dos cristais, das conchas marinhas, do crescimento das plantas; • inclui aula de canto e dança. JOHN FREDERICK HERBART Herbart (1776 – 1841) denota em seus escritos uma preocupação importante sobre o funcionamento da mente humana, podendo, desta forma, ser considerado um dos primeiros estudiosos a investigar questões de psicologia aliada à experimentação (psicologia experimental). Segundo Cordeiro (2009), Herbart acreditava que o aluno deveria adquirir uma determinada disciplina, para assim poder se orientar e autocontrolar, dominando sua vontade, com o objetivo de tornar-se senhor de seu caráter e de sua capacidade de juízo moral. As regras do mundo adulto eram convocadas e era necessário que a criança fosse submissa a elas de uma forma intelectual, sábia, e, dessa postura moral, juntasse ideias que formassem seu caráter. Após tais pressupostos, 245
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a educação aconteceria com a criança seguindo estímulos e desenvolvimento dos interesses (sociais e singulares). Pregava um determinado ciclo sucessivo, caracterizado como conhecimento-ideias de caráter. Mas passava por um determinado livre arbítrio, quando era importante que o aluno conseguisse desenvolver um interesse importante pelas matérias em estudo. A tal processo, Herbart chamou de ‘teoria do interesse’. As influências externas eram de importância capital no que chamava de combinações que acontecem na mente do individuo. Citando Haydt (2006, p. 20), fica claro que “a característica fundamental do ser humano é o seu poder de assimilação. A teoria de Herbart gravita, assim, em torno da noção de função assimiladora, que ele denominou de apercepção”. ÉMILE-AUGUSTE CHARTIER A questão principal do autor foi o embate que travou com os defensores da Escola Nova (ou renovada). Preconizava que as grandes obras da humanidade, os grandes autores deveriam ser trazidos para o ambiente escolar, sala de aula, pois o maior desejo interior das crianças é tornarem-se adultos, fazerem parte do mundo do adulto. Desta forma, combate com veemência as ideias progressistas dos teóricos que preconizavam na Escola Nova o princípio de conservar a criança dentro de uma espécie de redoma, onde era vista como autônoma em um mundo infantil perfeito. Pensava em promover a igualdade social, mas rechaçando a tendência escolanovista de acreditar nas aptidões naturais intrínsecas ao ser humano. Acreditava em exercícios de repetição constante dos modelos mais significativos em educação, pois os alunos possuíam uma hereditariedade natural. O escolanovismo fazia uma ligação importante do ato de brincar, dos brinquedos com a educação. Tal procedimento também foi negado por Chartier, pois, contrário a tal ideia, entendia que era nítida uma separação entre mundo infantil e mundo do adulto. Seria parte da natureza humana sair da condição de criança para a condição de adulto, sendo a escola um local onde tal passagem deveria ser considerada e trabalhada com competência pelos adultos. A escola funcionaria como um local que forneceria modelos de perfeição humana para as crianças seguirem. Implica em exaustão de reprodução de modelos e imitação das grandes obras da humanidade. Por serem perfeitas, determinadas obras da humanidade são modelos a serem seguidos. O professor deverá ser indivíduo bastante instruído, para que consiga dar conta deste método, funcionando como um guia, uma espécie de monitor (CORDEIRO, 2009). Como wconsequência, Chartier foi classificado por outros teóricos como conservador, relacionado ao ensino tradicional. 246
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JOHN DEWEY Quando lecionou na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, Dewey (1859 – 1952), Doutor em Filosofia, propôs que o os Departamentos de Filosofia, Psicologia e Pedagogia fossem reunidos em um só. Tal proposta já indica a erudição de Dewey, bem como seu entendimento de intercâmbio entre diferentes áreas e saberes. Nos Estados Unidos, é reconhecido como um grande educador, sendo suas propostas relevantes também em muitos outros países do mundo. Experiência e atividade são as bases de suas teorias, a experiência humana, vivida pela criança, deve ser ressignificada, compreendendo e apregoando uma determinada liberdade, que é onde a criança encontra seu verdadeiro interesse pelos objetos de estudo. O espontaneísmo deve ser proporcionado à criança, no sentido dela mesma desvendar seus interesses pessoais, tentando vencer obstáculos que possam surgir no contexto da aprendizagem. Declara-se contrário aos ideais de Herbart na educação. As questões propostas por Dewey incidem sobre a ação, por ser um fator inerente ao pensamento humano. Entende que a ação precede o ato mental, o conhecimento. Experiência e vida prática são dois termos comumente encontrados nas obras do autor. Trabalho em grupo e cooperação também devem servir de direcionamento e objetivo no processo de aprendizagem. Dessa forma, a humanidade é essencialmente social, agindo, aprendendo de forma grupal. Coisas necessárias e importantes que acontecem e estão presentes no cotidiano deveriam também estar na educação, na qual todo trabalho funciona com mais propriedade se realizado em cooperação entre os alunos. As teorias de Dewey influenciaram o ensino de Arte e outras áreas em todos os níveis, inclusive no Ensino Superior. Autores brasileiros na área de Arte mencionam em suas publicações experiências baseadas nos ensinamentos de Dewey. Muitos intelectuais brasileiros que estudaram nos Estados Unidos trouxeram tais ideias inovadoras no século XX para o Brasil. Dentre estes, Cordeiro menciona Anísio Teixeira, que implementa alguns de seus conceitos na educação formal no Brasil. MARIA MONTESSORI Montessori (1870 – 1951) dedicou muito tempo de sua vida ao estudo de crianças com dificuldades de aprendizagem. Como grande observadora, passou a criar uma série de teorias alusivas ao modo como as crianças aprendem. Assim como muitos estudiosos em educação, adaptou suas teorias para as crianças sem dificuldades de aprendizagem (em sua época chamadas de normais). A questão fundamental no pensamento de Montessori sobre a criança é que ela possui um mundo muito diferente do mundo do adulto. 247
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Propõe que todo o ambiente escolar deve ser adaptado à criança, levando-se em conta suas especificidades. Chega a preconizar que o mobiliário deve ser também adaptado ao tamanho da criança, ou seja, menor do que o do adulto. Como era médica possuía, antes de tudo, uma preocupação importante no que diz respeito aos cuidados com a higiene e a saúde; tais hábitos deveriam ser aprendidos desde cedo pelas crianças. A vida em sociedade também fazia parte de seus ensinamentos. Suas propostas pedagógicas levam em consideração a vida em sociedade, pois é uma condição fundamental para todos e cada um como membro de determinada comunidade. Assim como na proposta da Escola Nova, a criança empenha-se em todas as atividades escolares. O professor, sempre presente, desempenha importante função de auxiliar as crianças no esclarecimento de suas dúvidas, necessidades e outras questões alusivas ao processo de aprendizagem. Vários materiais pedagógicos para serem utilizados na escola foram criados pela autora. Os alunos, no início da aula, seriam deixados à vontade para buscar determinados jogos, brinquedos, materiais que eram relacionados a exercício para a vida cotidiana, material sensorial, material de linguagem, material de matemática e material de ciências. Eles implicavam em determinadas habilidades. As crianças faziam uma espécie de rodízio até terem lidado com todos eles. Estavam relacionados com conceitos também alusivos à dimensão, cor, quantidade, proporções, letras etc. Deveriam estar presentes em sala de aula, onde os alunos pudessem manipulá-los com liberdade de escolha. Dentre os materiais propostos, existe um denominado material dourado, relacionado com matemática, que orienta o aluno no domínio do sistema decimal e outras características da aritmética. Tal material é o mais difundido, conhecido no mundo inteiro, utilizado mesmo em instituições que não adotam o método montessoriano. OVIDE DECROLY Decroly (1871 – 1932) teve formação em medicina, especializado em neurologia. Assim como Montessori, estudou primeiramente crianças ditas então anormais, para posteriormente estender suas pesquisas para indivíduos ditos normais, fundando sua escola em 1907. Seu enfoque também incidia sobre os interesses do aluno, com fundamentos psicológicos e sociológicos, sempre induzindo o aprendiz à autoavaliação. Preconizava os centros de interesse na educação. Esses centros de interesse seriam determinados pelos próprios alunos, que posteriormente seriam a base para gerar o currículo escolar. 248
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Convém considerar que exerceu grande influência no Brasil, assim como em toda a América Latina. Criticado como um método que se aproxima do ensino tradicional, Decroly não negou tal observação, mas considerou que o que propunha era uma tentativa de conciliar um ensino que valorizava a espontaneidade das crianças, mas conciliava as mesmas com os conteúdos clássicos. CÉLESTIN FREINET Freinet (1896 – 1966) via na educação a possibilidade de transformar a sociedade, um poderoso instrumento que poderia provocar uma mudança social. Fala também sobre o espírito comunitário e de solidariedade. Propõe procedimentos, técnicas que incluem desenho livre, aulas-passeio, texto livre, imprensa escolar, correspondência escolar. Tais técnicas seriam desenvolvidas visando ao desenvolvimento dos conteúdos das disciplinas escolares. Dentre os autores, é o que coloca maior ênfase no social, na vida comunitária, pois entende que o homem é essencialmente social, nascido para viver em comunidade. Todas as etapas na aprendizagem deveriam priorizar a vida em sociedade. A avaliação, inclusive, deveria ser feita em conjunto, contando com a participação de todos os alunos e do professor. Freinet criou uma verdadeira rede de escolas na França, possuindo adeptos em muitos outros países, que seguem seus pensamentos educacionais (CORDEIRO, 2009). O pensamento de Freinet é muito elogiado, apoiado pelos professores devido ao fato de ter sido pensado, levando-se em conta a prática em sala de aula, por meio de observações e aplicações práticas, fugindo de teorias que muitas vezes não se adaptam na realidade vivida pelos alunos. ALEXANDER SUTHERLAND NEILL Neill (1883 – 1973) idealizou a famosa escola de Summerhill, na Inglaterra. Foi uma instituição que serviu de exemplo para o mundo inteiro durante o século XX. Seus princípios baseiam-se na liberdade dos alunos. O livre arbítrio deve ser concedido ao ser humano desde cedo, deixando-o determinar, buscar seus interesses pessoais, de uma maneira não diretiva. Sua proposta chega a ser considerada por muitos como radical. O aluno não é obrigado a frequentar as aulas, e muitas decisões no âmbito escolar são decididas em assembléia, na qual aluno e professor possuem o mesmo peso em termos de fala e voto. Neill entendia a família e a sociedade como instituições muito repressivas, capazes de oprimir o indivíduo de forma, às vezes, cruel. O aluno frequentava a escola em regime de internato, só visitando a família durante as férias. A sociedade era compreendida como grande re249
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pressora da liberdade do indivíduo, sendo que a educação poderia ser o local onde tal liberdade seria concedida sem limites. Decidir se quer ou não estudar, é uma questão proposta para o aluno resolver, pois o fundamento, objetivo principal em Summerhill é o de conceder a liberdade. O conhecimento é um complemento da liberdade que é dada ao indivíduo. O indicador principal do rendimento do ensino é a felicidade. A avaliação é compreendida pelo grau de contentamento que o aluno conseguiu na escola. Os postos de trabalho que se conseguiria futuramente, ou o dinheiro que se ganharia não é objetivo proposto por Neill, como acontece em outras propostas educacionais. PAULO FREIRE Paulo Freire (1921 – 1997) é ligado ao movimento de renovação da igreja católica, tendo sido inicialmente professor de Português. É o educador brasileiro mais conhecido no exterior e no Brasil. A questão básica dos ensinamentos desse pernambucano é a divisão mais justa da economia, de forma que todos tivessem acesso à alimentação, saúde, educação etc. Enfim, volta-se para os mais pobres, buscando solidariedade social. No início dos anos 1960, inaugura um método de alfabetização de adultos experimentado inicialmente em Recife, onde se tornara professor da Universidade Federal de Pernambuco. Em 1962, em Angicos, Rio Grande do Norte, a pedido do governo estadual, coordenou um grupo de jovens monitores que conseguiu sucesso na alfabetização de 300 trabalhadores rurais em 45 dias. Didática do Ensino da Arte 45. Essa experiência teve grande repercussão internacional e atraiu a atenção do governo federal, o qual iniciou os preparativos para uma grande campanha nacional de alfabetização que pretendia praticamente erradicar o analfabetismo no país no ano de 1964. Com o golpe militar, o movimento foi interrompido. Freire foi preso e depois exilado, tendo vivido 14 anos no Chile e, mais tarde, algum tempo em outros países, tendo trabalhado em diversos programas de alfabetização na América Latina e na África, bem como lecionado em universidades nos Estados Unidos. Retornando ao Brasil depois da Anistia, Paulo Freire retoma suas atividades junto ao meio universitário e político, bem como junto aos movimentos populares de alfabetização. Chegou a ser Secretário Municipal de Educação de São Paulo entre 1989 e 1991. Para Freire, a alfabetização é um processo de aquisição de consciência e deve ter como ponto de partida a realidade social e cultural vivida pelos educandos. A classe é transformada no chamado círculo de cultura, em que, por meio de debates coordenados por um monitor, os educandos podem se apropriar da sua cultura, elevar seu nível de compreensão da reali250
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dade e, ao mesmo tempo, adquirir um poderoso instrumento intelectual e político representado pelo letramento. O objetivo de todo esse trabalho é cooperar no processo de conscientização e de libertação dos oprimidos, no sentido de instauração de condições para a construção coletiva e autônoma de uma sociedade nova, em que não haja dominantes nem dominados. As ideias, propostas e realizações de Paulo Freire ganharam adesão de inúmeros educadores engajados em processos de transformação da sociedade contemporânea. Embora pensados inicialmente em relação à educação de adultos, diversos princípios freireanos acabaram sendo incorporados também na educação de crianças e jovens, principalmente aqueles ligados ao respeito ao universo cultural, ao saber e à autonomia dos educandos, bem como à necessidade de instauração de relações pedagógicas não autoritárias. (CORDEIRO, 2009, p. 183) GEORGE SNYDERS George Snyders (1917 –) é um grande estudioso, tendo revisto profundamente os conceitos, pressupostos, fundamentos tendências de todas as vertentes educacionais do século XX. Retirou momentos significativos tanto na Pedagogia Tradicional quanto na Pedagogia Nova. Considerou também as pedagogias não diretivas, como as propostas por Neill e Rogers, considerando-as muito individualistas e elitistas. Hoje, fala sobre o resgate do prazer de aprender, sendo que o aluno deve almejar ser feliz, estar satisfeito com os estudos, sendo assim possível realizar algo de interessante durante o processo de aprendizagem. Foi influenciado por Gramsci (pensador italiano) e, assim como Paulo Freire, mostra em seus escritos uma grande preocupação com interesses que venham ao encontro das expectativas das classes mais humildes. Considera a educação muito relacionada com a burguesia, sendo seu trabalho orientado no sentido de uma revolução socialista (especialmente antes da crise do Marxismo e do Socialismo na Europa.
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UNIDADE 3 Atores no Âmbito Educacional O termo atores, aqui utilizado, traz um sentido de atuação, indivíduos envolvidos que fazem o processo educacional acontecer na sociedade, na instituição em que atuam, no meio onde vivem. Muitos outros poderiam ser citados, como os pais dos alunos, os teóricos em educação ou em outras áreas. Mas vamos suportar o recorte proposto, refletindo sobre quem são tais personagens e intervenientes de seu fazer na educação. É significativo contemplar que tais profissionais atuam no sentido de troca, de aprendizagem mútua, que é importante e interdependente a existência de todos eles. Ou seja: professor não existe sem aluno, aluno da arte não existiria se artista não existisse, pedagogo não seria necessário se não fosse a escola, a relação do professor com aluno. 3.1. PROFESSOR Talvez remontando a origem antológica da civilização seja possível determinados perfis interessantes que, de alguma forma, fazem sentido ainda nos dias atuais. Na Pré-história, existe a imagem do homem caçando enormes mamíferos. Enquanto isso, as mulheres poderiam estar olhando as crianças ou realizando outros afazeres no local de habitação (apesar da característica nômade de tal período). Algumas dessas comunidades possuíam, por exemplo, uma agricultura, razão pela qual historiadores consideram que as mulheres teriam inventado (ou descoberto?) a agricultura, formas de preservação do fogo, vestimentas, medicina e educação. Assim, existem fortes razões para ser defendida a hipótese de que educação se iniciou com a mulher. Sendo assim, o professor e o ensino trazem uma característica feminina muito importante. Especialmente em séries iniciais, a mulher ocupa espaço muito maior do que o homem, assim como determinadas profissões são ocupadas por homens. Mas o panorama está mudando muito rapidamente graças ao movimento feminista do século XX. Hoje, por exemplo, existem professores atuando na Educação Infantil e nas séries iniciais, fenômeno ou característica rara, pelo menos nos municípios do estado do Espírito Santo, assim como as mulheres têm ocupado profissões antes reservadas somente aos homens (policial, por exemplo). 252
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Muitas vezes, algumas crianças veem o professor como uma mãe, um pai, um ídolo, um herói, um exemplo a ser seguido, um ideal a ser conquistado. Mas existe também a imagem do carrasco: aquele professor rígido, que ralha com alunos para conseguir ensinar, que exerce a profissão com ódio, desgosto por não ter tido outra opção na vida, entre outras características negativas. Mas pensando bem, isso ocorre em todas as profissões. Fácil sermos atendidos por um médico que receita um remédio sem ter um diagnóstico importante. Enfim, professor é uma profissão que se assemelha a qualquer outra, mas que, no entanto, é responsável por todas as outras e, ainda, responsável por aspectos psicológicos e afetivos nos indivíduos, por tratar-se também de ensinar, conduzir, orientar a ser. A responsabilidade advindas da didática devem ser constantemente repensadas, trabalhadas pelo professor. Tecnicamente, cognitivamente falando, um professor sem profundidade no conteúdo que ministra é inadmissível no âmbito escolar, mas aquele que não transmite ao aprendiz o desejo de vida, a curiosidade de saber e a felicidade de existir, também pouco estará contribuindo para a sociedade, para a vida. Detetive, pesquisador, estudioso, curioso, podem ser apontadas como características de um professor, pois é necessário estar sempre tentando descobrir, detectar, procurar aprender o quê e o como fazer com aquelas pessoas naquele lugar específico da escola. E não existem receitas a serem seguidas, como se acreditava em séculos passados, parecendo também não ser possível um consenso sobre a melhor forma de se ensinar. Sala de aula, dessa forma, se apresenta como o lugar da dúvida, da pergunta constante, conduzindo o professor a uma constante insatisfação com o trabalho que realiza. Libâneo, em outros termos, provavelmente esteja considerando esses mesmos aspectos em relação ao professor: O trabalho docente, entendido como atividade pedagógica do professor, busca os seguintes objetivos primordiais: • Assegurar aos alunos o domínio mais seguro e duradouro possível dos conhecimentos científicos; • criar as condições e os meios para que os alunos desenvolvam capacidades e habilidades intelectuais de modo que dominem métodos de estudo e de trabalho intelectual visando a sua autonomia no processo de aprendizagem e independência de pensamento; • orientar as tarefas de ensino para objetivos educativos de formação da personalidade, isto é, ajudar os alunos a escolherem um caminho na vida, e terem atitudes e convicções que norteiem suas opções diante dos problemas e situações da vida real. Esses objetivos se ligam uns aos outros, pois o processo de ensino é ao mesmo tempo um processo de educação. (LIBÂNEO, 1991, p. 71)
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No discurso acima, fica claro a função do professor em conduzir o aluno a uma autonomia, tanto em relação aos métodos de aprendizagem, como a possuir um pensamento independente, sendo capaz de determinar com segurança as melhores opções de escolha para formação de sua personalidade. Escola, conhecimento, são interligados com a vida pessoal do aprendiz. A tal processo, Libâneo denomina (conforme visto acima) de caráter educativo do ensino. O autor, podendo ser chamado de didata, deixa clara a relação próxima da didática com as questões sociais: A dimensão educativa do ensino que, como dissemos, implica que os resultados da assimilação de conhecimentos e habilidades se transformem em princípios e modos de agir frente à realidade, isto é, em convicções, requerem do professor uma compreensão clara do significado social e político do seu trabalho, do papel da escolarização no processo de democratização da sociedade, do caráter político-ideológico de toda educação, bem como das qualidades orais da personalidade para a tarefa de educar. [...] A didática, assim, oferece uma contribuição indispensável à formação dos professores, sintetizando no seu conteúdo a contribuição dos conhecimentos de outras disciplinas que convergem para o esclarecimento dos fatores condicionantes do processo de instrução e ensino, intimamente vinculado com a educação e, ao mesmo tempo, provendo os conhecimentos específicos necessários para o exercício das tarefas docentes. (LIBÂNEO, 1991, p.74) O ensino é idealizado pelo professor levando em consideração a instituição, os alunos etc, mas convém lembrar que é um trabalho isolado, mental, realizado por um indivíduo no que diz respeito ao planejamento. O professor pode ser classificado como autônomo, mas existe o momento de encontro na escola, sala de aula. Assim, no desenvolvimento do ser professor, implica escola, comunidade, possuindo uma relação também muito acentuada com a equipe pedagógica da instituição. Segundo Cordeiro, contemporaneamente o professor está vinculado a um modo muito sui generis, pessoal, singular, de realizar seu trabalho, sendo, inclusive, assunto de estudo de muitos sociólogos, historiadores, psicólogos. Tais estudos escapam ao modelo de compreender o professor como caracterizado de comportamentos comuns entre si, mas, pelo contrário, sendo compreendidos pelas nuances particulares de cada indivíduo. É visível o local estratégico que o professor ocupa diante das questões do estado, como formador de conceito. Sendo assim, existe por parte do estado um desejo de controle no trabalho que desenvolvem. Determinado discurso costuma ser desejado sobre o como ser professor, de que maneira agir, levando-se em consideração o discurso oficial 254
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político dominante. Mas, conforme já dito anteriormente, professor necessita estar sempre consciente destes fenômenos, no sentido de poder escolher as melhores opções para si, para os alunos, para a sociedade. 3.2. ALUNO A posição inicial para muitos é que o aluno é aquele que sabe menos do que o professor na área em que o professor atua. De alguma, forma é difícil negar tal afirmativa, mas é também inegável em muitos outros assuntos, noutras áreas é possível que o aluno saiba muito mais do que seu mestre. A escola tradicional parece ter esquecido tal fator, colocando o aprendiz como uma folha totalmente em branco, na qual o professor escrevia o que quisesse. Mas as coisas não acontecem dessa maneira. O que é dito em sala de aula pelo professor tem recepções variadas, dependendo de cada aluno, levando-se em conta conhecimentos anteriores sobre o assunto, relação afetiva com o tema, empatia com o comportamento do professor, nuances da personalidade do aprendiz, momento que o aluno vive no período, outros. Hoje existem também estudos aprofundados, até mesmo bastante severos sobre as diferentes possibilidades de aprendizagem de cada indivíduo. Muitos teóricos preconizam ser o aluno o centro da aprendizagem, e foi visto como tal fator é dominante na Escola Nova. No entanto, pode-se dizer que nem o aluno nem o professor é o centro do processo ensino-aprendizagem, mas a aprendizagem em si é o centro da didática. Hoje, podemos ver no desempenho de muitos professores uma verdadeira simbiose entre escola tradicional, ensino renovado, situação crítico-social envolvidos em um mesmo momento. Qualquer que seja o desempenho do professor existe a certeza de que ainda que seja dada liberdade total ao aluno, dar tal liberdade foi pensado pelo adulto, professor, pedagogo, outros, o que conduz à compreensão de que em muitos aspectos, alguém seleciona para o aluno o que aprender, como fazer para aprender e como continuar tal aprendizagem posteriormente. Alunos possuem também um mundo que não cabe na escola. Tal mundo é rápido, carregado de modificações, desejos fugazes, especialmente na adolescência e juventude, nas quais não existem muitos intervalos para reflexão como acontece na escola. Muitas vezes, professores procuram levar para a escola determinadas atitudes de aprendizagem que tentam se encaixar neste modelo, o que pode causar tédio ou mesmo atitudes irônicas ou debochadas dos alunos quanto a tais tentativas. Mas, alunos parecem compreender muito bem que sala de aula é um lugar de experimentação, onde encontram amigos; pessoas que passam a conviver em sua vida pessoal, compreendendo ser um local que de qualquer forma irá determinar sua vida futura; outros. Compreensão de comportamentos dos alunos em relação à aprendizagem escolar 255
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pode servir de base para um desempenho consciente em sala de aula. Cordeiro, também citando Perrenoud, assim trata o assunto: Um determinado tipo de crítica que se generalizou em relação ao chamado ensino tradicional diz respeito à acusação que diz que nele os alunos acabam mantendo uma atenção e disciplina mais simulada do que real e que desenvolvem um grande arsenal de estratégias para se esquivarem das tarefas indicadas pelo professor. No entanto, estudos recentes têm sugerido que tanto diante das atividades ditas tradicionais quanto pelas atividades propostas pelas didáticas mais renovadas, as atitudes e estratégias dos alunos têm sido mais ou menos as mesmas. Diante das tarefas e trabalhos que lhe são sugeridos ou impostos, de acordo com Phillippe Perrenoud, os alunos acabam adotando estratégias que se combinam com base em cinco atitudes básicas: • Diante da impossibilidade de resistir ou de escapar das imposições, alguns alunos decidem ‘sofrer todos os tormentos’, isto é, fazer o que foi determinado sem reclamar. • Outros decidem ‘desembaraçar-se rapidamente das tarefas’, de modo a sobrar tempo para fazer outras atividades vistas por eles como mais interessantes. • A alternativa a essa rapidez, é ‘realizar as atividades muito lentamente’, procurando sempre ganhar tempo, o que permite, em alguma medida, escapar da tarefa. • Uma solução mais complicada é a de ‘declarar incompetência ou incompreensão’ das instruções para não realizar a atividade, o que quase sempre resulta em mais instruções, muitas vezes, mais facilidades para enfrentar o problema. • Por fim, há a estratégia mais arriscada, mas muitas vezes presente, que é a de ‘contestação aberta’. (CORDEIRO, 2009, p. 85-87) Admitir a veracidade dessa descrição sugerida por Perrenaud traz a vantagem de fazer o professor perceber que, por mais que se procure embalar as tarefas da aprendizagem com os rótulos mais atraentes ou preenchê-las com conteúdos ‘interessantes’ para os alunos, as relações que estabelecem com a escola, com a aprendizagem e com os conteúdos escolares são muito variadas, não obedecendo a um padrão uniforme. Muitas vezes, os professores deduzem uma espécie de hierarquia ou classificação dessas diferentes atitudes dos alunos diante das atividades escolares, diferenciando os ‘bons alunos’ — aqueles que tudo aceitam ou que fazem tudo muito rápido — dos ‘maus alunos’ — os que contestam, fazem tudo muito lentamente ou nunca entendem as instruções. O estabelecimento dessas hierarquias e classificações acaba, muitas vezes, por separar os alunos em ‘bons’, ‘fracos’ e ‘médios’. A atenção tende a se concentrar nos extremos da escala, seja tomando os alunos ‘bons’ como 256
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exemplo de excelência e parâmetros dos resultados que cada um dos indivíduos poderia obter, seja estigmatizando os ‘maus’ como incapazes, preguiçosos, fadados ao fracasso. Os alunos vistos como ‘médios’, tendem a receber pouca atenção, e isso eventualmente, pode ter consequencias significativas sobre a sua auto-estima, sobre os seus resultados posteriores, sobre o prosseguimento dos seus estudos ou sobre a sua escolha da carreira profissional. 3.3. PEDAGOGO Educação e escola precisam de teorias, estudos para se concluir a maneira mais adequada de proporcionar o ensino. O pedagogo é um teórico que estuda as formas mais adequadas de realizar tal trabalho, tendo em vista a realidade do local, a necessidade dos alunos, da comunidade. Conhecimentos humanos devem ser considerados quando se pensa na concepção para uma instituição, quando se pensa a política de determinado território (seja municipal, estadual, federal). Além dos conhecimentos humanos, os pedagogos estão também relacionados com a política local, desempenhando importante papel de pensador sobre o que e como efetivar de maneira mais adequada o ensino, buscando evitar interesses de grupos constituídos na educação com objetivos de lucros financeiros individuais ou para financiamento de campanhas políticas. Se o foco do professor é a aprendizagem, o aluno, os conteúdos e outros objetivos ditos anteriormente, pode-se dizer que tais objetivos também estão em pauta nas atividades do pedagogo, com a diferença de que este tem a incumbência de pensar a educação de forma mais ampla do que o professor. Opções de melhoria no que diz respeito à implementação de um estado ideal de efetivar a educação, levando-se em conta os objetivos que se deseja alcançar. Tendo acesso aos pais dos alunos, ao diretor da escola, ao secretário de educação de forma mais intensa do que o professor, o pedagogo tem elementos que deveriam detectar os interesses, as necessidades de uma escola, ou de toda uma rede de ensino quanto ao fator educacional. A formação em pedagogia apresenta um formato generalista, polivalente. Estuda questões alusivas ao processo de realizar pesquisa em educação, opções de se trabalhar a educação em diferentes lócus (meninos de rua, prisões, hospitais, asilos etc), mas sendo a escola o principal foco da área; possuem também formação em muitas áreas, por meio de metodologias do ensino (de português, de matemática, de geografia, de arte, de história, outros). Pensa a educação como um todo. Quando atuantes profissionalmente, muitos exercem a função de verdadeiros gestores educacionais, priorizando a vertente teórica aliada à prática institucional, outros se dirigem para a Educação Infantil, permanecendo como professores, lidando diretamente com as crianças, ou anos ini257
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ciais do Ensino Fundamental, onde atuam como professores de todas as disciplinas em locais que não possuem professores específicos para ministrar as mesmas. Alguns permanecem na escola, onde desempenham papel de supervisor, orientador, diretor, inspetor. Muitos servem de intermediários no diálogo do professor com alunos problemáticos ou com os pais dos alunos, geralmente tentando resolver problemas de alunos que faltam ou mesmo que possuem determinados problemas em casa e os levam para a escola. Existe um diálogo muito significativo entre professor e pedagogo nas instituições. Depoimentos e pesquisas diversas revelam que vários procedimentos podem promover um entendimento bom entre esses profissionais. Mas muitas vezes, também, surgem desentendimentos severos, especialmente quando o pedagogo tenta interferir em questões didáticas do professor em sala de aula, ou mesmo sugerir conteúdos que o professor não aceita trabalhar naquele período ou com determinada turma. Isso é uma constante, devido à formação geral que o pedagogo possui em seus estudos. 3.4. PESQUISADOR Nesse tópico, existe a pretensão de falar do ato de pesquisar, considerando que tal pesquisador é o professor e/ou o pedagogo. Compreender que pedagogos, professores e outros profissionais conseguem desempenho mais interessante quando se dedicam também a pesquisas. Em níveis superiores, tem sido unânime a compreensão de que professor possui a obrigação de pesquisar, considerando que para seleção de pedagogos e docentes para tais níveis tem sido exigido, no mínimo, título de mestre. Na Educação Básica, no entanto, tal exigência ainda não existe, mas sabe-se que a diferença salarial de um professor com pesquisas em níveis de mestrado e doutorado para um professor com apenas Curso Superior tem sido cada vez mais considerável. Não existe aqui a pretensão de reforçar que os vencimentos sejam o maior objetivo em Educação, mas é sabido que profissionais da Educação já deveriam ter alcançado uma remuneração mais digna no Brasil. Pesquisar, pensar, refletir é um ato presente no cotidiano da escola. Mas nem todos são obrigados a serem pesquisadores. Pesquisas realizadas na área de Educação e Artes são de fundamental importância para a Educação. Os livros didáticos ou de Arte publicados são frutos de pesquisas realizadas por profissionais que se dedicam às mesmas. Dessa forma, Educação é um lugar, por excelência, próprio para pesquisas, assim como também é as Artes, por tratar-se de um campo sempre em evolução, que implica em atualizações constantes. A única maneira de um professor aprimorar seu desempenho é através de reflexão, observação, leitura, escrita, diálogo, entrevistas, ação em sala de aula segui258
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da de avaliação, enfim, elementos completamente relacionados com a pesquisa. Basta ser observada a maneira como o ensino é trabalhado hoje em dia (em todos os níveis de ensino), para ser constatado como a pesquisa está associada ao aprendizado em qualquer área. Educação, lidando com sociedade e cultura, necessita contemporaneamente da pesquisa como base em todos os sentidos. A realidade do local onde se atua deve ser conhecida e, para tal, procedimentos de pesquisa: Como profissionais da Educação, torna-se significativo tomar consciência da relevância dos conceitos que são formados no município em que se atua. Dessa forma, fica constatada a necessidade de uma reflexão sobre a real necessidade da Arte no município. Pelo menos, fica claro qual é o pensamento de habitantes da comunidade local. O que pensam sobre a Arte, se existe alguma expressão artística ou artesanal significativa na região. (COLA, 2009, p. 16) Estudantes, ao lidarem com estágio ou práticas de ensino, muitas vezes necessitam de verdadeiras atitudes de pesquisa, seja analisando grupos, colocando em prática determinadas experiências para depois averiguar os resultados, seja consultando bibliografias para os estudos. Seminários que são realizados (em nível municipal, estadual ou federal), também funcionam como excelentes locais de aprendizagem e troca de ideias. 3.5. ARTISTA O trabalho do artista está presente em sala de aula, ocupando espaço total na educação em Artes. Tudo que sucede nas artes estará, em certo momento, presente na Educação. Daí surge a necessidade de o professor de Arte frequentar exposições de arte, seja em Museus, em Galerias de Arte etc. Muitas escolas fazem visitas com alunos onde a Arte está presente, pois ver, conhecer a Arte por meio de reproduções é importante e necessário, mas a obra será melhor compreendida, fruída, se for vista no local onde se encontra exposta. Se consultados livros atuais sobre Arte na Educação, pode-se notar análise da fala ou entrevista com artistas. Sendo assim, o artista também está presente na escola, representado pelo seu trabalho. O professor de Arte é a mediação, o responsável em despertar no grupo a curiosidade em conhecer a produção dos artistas no município onde a escola está localizada.
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UNIDADE 4 Planejamento Fazer alguma coisa implica em pensar como fazê-la. No seu caso, futuro professor, existe a necessidade inevitável e premente de projetar, considerar anteriormente opção de o quê e como trabalhar algo. Sobre isso, vejamos o artigo de um diretor de marketing, Sr. Vagner Aguilar: A síndrome de Alice no País das Maravilhas — Um dos segredos do sucesso é ter um plano bem elaborado Vale lembrar a história de Alice no País das Maravilhas, que, quando se viu perdida numa encruzilhada, perguntou para o coelho que estrada devia seguir. Ele então quis saber para onde ela queria ir, e Alice disse que não sabia. A resposta natural dele foi: “Então, qualquer caminho serve”. Quando inicio uma conversa com donos e mantenedores de escola, sempre começo perguntando a eles sobre a participação e as expectativas em relação ao mercado, se concordam que o segmento esteja saturado. Sempre ouço respostas subjetivas ou achismos. Pergunto a eles aonde querem chegar neste ramo, quais as novas metas e quanto querem desenvolver do negócio deles para a sociedade e contribuir naquela cidade. [...] Todas essas questões podem parecer simples, mas no dia a dia, ao ligar seu computador, você se esquece de seus objetivos, começa a trabalhar em cima de seus problemas e tarefas e deixa de lado seus principais objetivos [...] (AGUILAR, 2010, p. 48) Às vezes é bom ser Alice e viver no país das maravilhas. Todos temos momentos assim, mas esse não deve ser o caso em um para formar professor, não é esse mesmo o caso. Todos deveriam possuir um planejamento ao se direcionarem para a educação, ou seja, estabelecer uma relação entre a realidade que existe e seu planejamento. As formas de ação sobre a realidade devem prever as dificuldades para vencê-las, alcançando um desempenho que promova a aprendizagem dos alunos. Alguns elementos são colocados como inevitáveis por muitos autores no que diz respeito ao planejamento: De acordo com o professor Nélio Parra, planejar consiste em prever e decidir sobre: • que pretendemos realizar; 260
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• o que vamos fazer; • como vamos fazer; • o que e como devemos analisar a situação, a fim de verificar se o que pretendemos foi atingido. (HAYDT, 2006, p. 94) Existe, por exemplo, uma turma de quinto ano do Ensino Fundamental. Foi dada liberdade total ao professor para elaborar seu planejamento. O professor pode iniciar suas reflexões dessa forma: vou trabalhar exercícios práticos em arte ou história da arte, ou estipular um diálogo dessas opções entre si. Qualquer que seja sua decisão, já pode ser vista a ponta de um iceberg, debaixo do qual será trazida toda uma avalanche de temas, objetivos, conteúdos, procedimentos, recursos a serem determinados. Mas o início está justamente nesta definição do que deverá, poderá ou escolherá fazer. Tal reflexão é necessária pelo fato de a arte na escola ser uma disciplina diferente das outras, assim como ocorre com educação física. As opções não se iniciam com a dicotomia de se trabalhar elementos que oscilam entre a teoria e a prática de algo. Muitos professores escolhem durante toda sua vida profissional efetivar Arte em sala de aula, desenvolvendo exercícios de conhecimento orientados por uma prática artística como desenho, pintura, gravura, vídeo, instalações, outros. Já outros professores caminham pela vertente da teoria, propondo leituras e resenhas de textos, projeção de imagens de diferentes períodos da História da Arte, contextualizando a mesma com os dias atuais. Mas sabemos que muitos – e isso poderia estar ocorrendo com a maioria – lançam mão dos dois procedimentos. Qualquer que seja a escolha do professor, nunca se deve perder a noção do pensar o planejamento com muita competência, sabedoria, estudos, sabendo que é considerada uma vertente tipicamente humana. 4.1. TIPOS OU NÍVEIS DE PLANEJAMENTO DE UM SISTEMA EDUCACIONAL O termo sistema refere-se a determinada área de atuação da educação. Por exemplo, o sistema de educação das Universidades Federais no Brasil, sendo que entre as universidades, apesar de federais, vai ter peculiaridades dependendo da região. Todo estado possui um sistema próprio de educação, mas dependendo da região, da cidade na qual a escola está localizada, guardará diferenças em relação a escolas de outras cidades. DE UMA ESCOLA Escola implica em um trabalho em equipe. Caso seja escola municipal, terá determinadas características que dizem respeito a elas. Caso seja 261
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escola particular, estará vinculada a princípios do grupo que a mantém. Cada escola será gerida pela equipe de profissionais, por meio de propostas de atuação diferenciadas. Costuma-se entender que o planejamento de determinada instituição seja participativo, dizendo de outra forma: todos os membros devem participar, buscando escutar os alunos e, dependendo da faixa etária, também os seus pais. Haydt nos esclarece que cada escola tem determinadas prioridades em seu plano de ação, mas, de uma forma geral, as etapas são as seguintes: 1. Sondagem e diagnóstico da realidade da escola: 1.1. Características da comunidade; 1.2. Características da clientela escolar; 1.3. Levantamento dos recursos humanos e materiais disponíveis; 1.4. Avaliação da escola como um todo no ano anterior (evasão, repetência, percentagem da aprovação, qualidade do ensino ministrado, dificuldades e problemas superados e não superados). Observação: é interessante que sondagem é o levantamento de dados e fatos importantes de uma realidade, enquanto o diagnóstico é a análise e interpretação objetiva dos dados coletados, permitindo que se chegue a uma conclusão sobre as condições da realidade. 2. Definição dos objetivos e prioridades da escola. 3. Proposição da organização geral da escola no que se refere a: 3.1. Quadro curricular e carga horária dos diversos componentes do currículo; 3.2. Calendário escolar; 3.3 Critérios de agrupamento de alunos; 3.4. Definição do sistema de avaliação, contendo normas para adaptação, recuperação, reposição de aulas, compensação de ausência e promoção dos alunos. 4. Elaboração de plano de curso contendo as programações das atividades curriculares. 5. Elaboração do sistema disciplinar da escola, com a participação de todos os seus membros, inclusive com o corpo discente. 6. Atribuição de funções a todos os participantes da equipe escolar: direção, corpo docente, corpo discente, equipe pedagógica, aquipe administrativa, equipe de limpeza, outros. DE UM CURRÍCULO Quando se fala em currículo está sendo pensada a escola de um modo geral, levando-se em consideração a relação entre os diferentes componentes que formam tal currículo. Deve ser traçado um eixo, determinado uma espécie de objetivo geral a ser seguido por toda a instituição. Citando Surubbi, e com suas palavras, assim Enricone (1990) define planejamento curricular: 262
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Uma tarefa multidisciplinar que tem por objeto a organização de um sistema de relações lógicas e psicológicas dentro de um ou vários campos de conhecimento, de tal modo que se favoreça ao máximo o processo ensino-aprendizagem. A previsão de todas as atividades que o educando realiza sob a orientação da escola para atingir os fins da educação. (ENRICONE, 1990, p. 17) Nas falas dos autores, pode ser observada a característica abrangente dos planejamentos de um currículo, pois envolve toda a instituição. Estão voltados para a ação e todos devem comprometidos com o processo. Novas descobertas científicas, artísticas devem ser elementos de enriquecimento do mesmo, bem como discussão de assuntos que sejam de interesse da comunidade tanto escolar, quanto o bairro onde a escola está inserida, o município ao qual pertence. O que se espera são melhores resultados, para tanto, torna-se necessária uma característica de mobilidade no currículo, pois todas as coisas estão em constante mutação. Aspectos relacionados à disciplina também devem ser constantemente debatidos, pois é um fator que diz respeito a todos os membros da escola, especialmente nos dias de hoje, nos quais valores estão em constante reavaliação. Na elaboração do currículo, as escolas devem seguir as diretrizes gerais fixadas pelo conselho Federal de Educação, pois estabelece os componentes mínimos e obrigatórios (conhecidos como núcleo comum). Cabe ao Conselho Estadual de Educação estabelecer determinados componentes que irão formar a parte diversificada do currículo. A referida parte diversificada poderá possuir outros componentes que não os estabelecidos e, para tal, a escola pode propor ao Conselho Estadual de Educação. Caso sejam aprovados, poderão fazer parte da organização curricular da escola. 4.2. PLANEJAMENTO DIDÁTICO OU DE ENSINO Conforme visto anteriormente, a palavra didática, antes de tudo, diz respeito ao que é desenvolvido em sala de aula. Se o assunto é planejamento didático, fica claro que irá incidir sobre aspectos que serão trabalhados em sala de aula, ações que dizem respeito a professor e aluno. Nesse sentido, trata-se do plano curricular em operacionalização. Quando se pensa em planejamento didático, torna-se necessário identificar três tipos, que variam de acordo com a abrangência: 1) planejamento de curso; 2) planejamento de unidade; 3) planejamento de aula.
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PLANEJAMENTO DE CURSO Fala-se em planejamento de curso levando-se em consideração o âmbito de uma escola. Cursos podem existir de forma livre e seus planejamentos poderão possuir várias formas. Para o presente estudo, o interesse é focado em cursos ministrados em escola. Um plano de curso abrange geralmente um ano letivo, mas pode também ser de um semestre. Ele prevê os temas que serão desenvolvidos, subdivididos em planejamento de unidades e planejamento de aulas. Prevê uma turma, de um dos anos escolares. O plano curricular não pode ser esquecido nesse momento, posto que, nos planejamentos de curso, o currículo encontrase distribuído em diferentes graus, faixas etárias. Os cursos são partes integrantes do currículo da escola. Haydt assim fala sobre a sistemática de um planejamento de curso: 1. Levantar dados sobre as condições dos alunos, fazendo uma sondagem. 2. Propor objetivos gerais e definir os objetivos específicos a serem atingidos durante o período letivo estipulado. 3. Indicar os conteúdos a serem desenvolvidos durante o curso. 4. Estabelecer as atividades e procedimentos de ensino e aprendizagem adequados aos objetivos e conteúdos propostos. 5. Selecionar e indicar os recursos a serem utilizados. 6. Escolher e determinar as formas de avaliação mais coerentes com os objetivos definidos e os conteúdos a serem desenvolvidos (2006, p. 101). Nesses seis itens, a autora nos fala sobre: 1) sondagem; 2) objetivos gerais e específicos; 3) conteúdos; 4) procedimentos ou metodologia; 5) recursos materiais; 6) avaliação. São os elementos constituintes de um plano, sendo importante para os professores saberem as diferenças entre os mesmos, bem como dominar a forma adequada de executá-los. PLANEJAMENTO DE UNIDADE Unidades são subitens de um plano de curso que são relacionados entre si, muitas vezes, guardando uma complexidade que gradualmente aumenta. Cada unidade demanda várias ou algumas aulas, dependendo do tema abordado e de como o professor resolveu desenvolver as 264
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mesmas. Um professor pode pensar um curso sobre História da Arte Brasileira, dividindo-o em unidades como, por exemplo: Unidade 1 – Barroco no Brasil. Unidade 2 – Neoclassicismo no Brasil. Unidade 3 – Final do século XIX – influências do Impressionismo no Brasil. Unidade 4 – Modernismo no Brasil. Determinadas as unidades, resta distribuir o número de aulas para cada unidade e tal distribuição vai depender do que o professor possui em mente, como tem pensado em distribuir os conteúdos. Claudino Piletti aconselha determinadas etapas que podem auxiliar o professor no momento de elaborar ou desenvolver as unidades: 1. Apresentação – Nesta fase, o professor vai procurar identificar e estimular os interesses dos alunos, tentando aproveitar seus conhecimentos anteriores e relacioná-los ao tema da unidade. Dentre as atividades desta etapa podemos relacionar: pré-teste para sondagem das experiências e conhecimentos anteriores dos alunos; diálogo com a classe; aula expositiva para introduzir o tema, comunicando aos alunos os objetivos da unidade; apresentação de material ilustrativo para introdução do assunto (cartazes, jornais, revistas etc). 2. Desenvolvimento – Nesta fase, o professor organiza e apresenta situações de ensino-aprenizagem que estimulem a participação ativa dos alunos, tendo em vista atingir os objetivos específicos propostos, conhecimentos, habilidades e atitudes). Entre as atividades realizadas nesta etapa, podemos indicar: solução de problemas, projetos, estudos de textos, estudo dirigido, pesquisa, experimentação, trabalho em grupo. 3. Integração – Nesta fase, os alunos farão uma síntese dos conhecimentos trabalhados durante o desenvolvimento da unidade. Para a realização dessa síntese, são sugeridas as seguintes atividades: elaboração de relatórios orais ou escritos que sintetizem os aspectos mais importantes da unidade; organização dos resumos e quadros sinóticos. No que se refere a essa terceira etapa, diz a professora Irene Carvalho: completado o estudo de todas as subunidades, deverá ser recomposta a unidade no seu todo. O melhor meio para alcançar esse objetivo é levar os alunos a organizar um quadro sinótico completo e abrangente, no qual figurem todos os conhecimentos essenciais da unidade. De início, os discentes terão de ser cuidadosamente orientados pelo professor, diminuindo-se esse tutela à medida que eles vão dominando a técnica de condensar e organizar os pensamentos (apud HAYDT, 2006, p. 101-102). Tais etapas e ensinamentos teóricos são colocados para que se conheça o que a literatura diz a respeito do assunto. Elas podem ser úteis 265
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para o professor, apesar de seu caráter objetivo, acredita-se que cada professor buscará caminhos próprios para serem trabalhados na educação. No entanto, sabemos que professores encontram diversas formas de lidar com o ensino, o contexto da sala de aula na hora de efetivação da mesma. Surgem muitos intervenientes imprevistos, como perguntas dos alunos, questões que são trazidas para sala de aula e que interferem muito no processo, podendo, inclusive, estimular o professor a prolongar uma unidade, ou mesmo reduzi-la em função de tais fatores. Assuntos não previstos podem e devem ser desenvolvidos em função de tais intervenientes, outros, quem sabe, podem ser excluídos. Mas a necessidade de alguma organização existe, para que o professor não se sinta perdido, ou que esqueça determinados objetivos e conteúdos importantes. PLANEJAMENTO DE AULA É a menor parte da questão planejamento, se considerar plano de curso, plano de unidade e plano de aula como um só corpo. Entendo a aula como o momento mais significativo em tudo que diz respeito à escola, pois, ao mesmo tempo em que é um local de ensinar, é também um local de aprender. Todos aprendem, todos se alegram, sofrem, ficam contentes, mas ficam também irados. As aulas contêm surpresas inumeráveis, no que concerne ao conteúdo, assim como também no que diz respeito a empatias; antipatias; momentos que alunos debocham do professor por motivos pessoais; momentos que o professor perde a paciência por ser uma pessoa como qualquer outra, sujeita, inclusive, a cometer erros. Porém, convém fugir nesse momento de tais assuntos, para averiguarmos o que a literatura específica traz sobre planejar uma aula. Nunca se deve perder a dimensão que a aula está inserida em uma unidade, em um curso. Nesse sentido, escreve Haydt (2006, p. 102-103): No planejamento de aula, o professor especifica e operacionaliza os procedimentos diários para a concretização dos planos de curso e de unidade. Ao planejar uma aula, o professor: • prevê os objetivos imediatos a serem alcançados (conhecimentos, habilidades, atitudes). • especifica os itens e subitens do conteúdo que serão trabalhados durante a aula; • define os procedimentos de ensino e organiza as atividades de apredizagem de seus alunos (individuais e em grupo); • indica os recursos (cartazes, mapas, jornais, livros, objetos variados) que vão ser usados durante a aula para despertar o interesse, facilitar a compreensão e estimular a participação dos alunos; • estabelece como será feita a avaliação das atividades. 266
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Plano de aula, não é dissociado da aula em si. Sendo a base de organização do processo, como confirma Libâneo: Se considerarmos o processo de ensino como uma ação conjunta do professor e dos alunos, na qual o professor estimula e dirige atividades em função da aprendizagem dos alunos, podemos dizer que a aula é a forma didática básica de organização do processo de ensino. Cada aula é uma situação didática específica, na qual objetivos e conteúdos se combinam com métodos e formas didáticas, visando fundamentalmente propiciar a assimilação ativa de conhecimentos e habilidades pelos alunos. Na aula se realiza, assim, a unidade entre ensino e estudo, como que convergindo nela os elementos constitutivos do processo didático. (LIBÂNEO, 1991, p. 178). O conceito de ampliação do nível de informação dos alunos não deve ser negligenciado, tendo em vista que acontece em cada momento da aula. Outro fator considerado por Libâneo é o professor procurar desenvolver no aluno boa vontade, gosto, interesse pela disciplina, o que implica em estimular também diferentes métodos em sala de aula. Para tal, a vida prática, o dia a dia dos alunos deve estar também contemplado, mantendo a certeza de que todos os alunos estejam assimilando a matéria. Coletividade, ajuda mútua, respeito pelas diferenças também devem ser trabalhados de forma associada com os objetivos e conteúdos da disciplina (LIBÂNEO, 1991). Ao professor também é considerada determinada característica flexível, perspicaz, diante das situações imprevisíveis em sala de aula. Etapas ou passos didáticos muitas vezes também podem ser considerados relativamente similares a todas as matérias: O trabalho docente, sendo uma atividade intencional e planejada, requer estruturação e organização, a fim de que sejam atingidos os objetivos do ensino. A indicação de etapas do desenvolvimento da aula não significa que todas as aulas devam seguir um esquema rígido. A opção por qual etapa ou passo didático é mais adequado para iniciar a aula ou a conjugação de vários passos numa mesma aula ou conjunto de aulas depende dos objetivos e conteúdos da matéria, das características do grupo de alunos, dos recursos didáticos disponíveis, das informações obtidas na avaliação diagnóstica etc. Por causa disso, ao estudarmos os passos didáticos, é importante assinalar que a estruturação da aula é um processo que implica criatividade e flexibilidade do professor, isto é, a perspicácia de saber o que fazer frente a situações didáticas específicas, cujo rumo nem sempre é previsível. (LIBÂNEO, 1991, p. 179).
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UNIDADE 5 Objetivos e Conteúdos 5.1. IMPORTÂNCIA DOS OBJETIVOS PARA A AÇÃO PEDAGÓGICA Convém aqui lembrar o texto trabalhado no tópico anterior, intitulado ‘A síndrome de Alice no país das maravilhas’: se não existe um determinado local para se chegar, qualquer opção é válida. Educação implica sobremaneira em que o professor se submeta a um processo mental, pensando o que espera de seus alunos. Sendo assim, a questão fundamental em objetivo é uma pergunta que, apesar de antiga, ainda faz sentido: ‘o que espero que os alunos sejam capazes de saber e fazer, no final do curso, da unidade e da aula?’ Mas buscar os conteúdos adequados implica também em muitas coisas ditas anteriormente. Como realidade do aluno, da sociedade, conhecimentos e formação do professor, recursos disponíveis etc. Mais uma vez, o professor é extremamente responsável na realização desse trabalho. Objetivos trabalham com projeção ideal de algo que irá acontecer depois de determinado trabalho (no presente caso, em educação). A relação do método e dos conteúdos é muito próxima dos objetivos. Aliás, todos os elementos componentes de um planejamento possuem relação muito próxima. Muito voltado para questões sociais, assim preconiza Libâneo sobre objetivos educacionais: Os objetivos educacionais têm, pelo menos, três referências para sua formulação: • os valores e ideais proclamados na legislação educacional e que expressam os propósitos das forças políticas dominantes no sistema social; • os conteúdos básicos das ciências, produzidos e elaborados no decurso da prática social da humanidade; • as necessidades e expectativas de formação cultural exigidas pela população majoritária da sociedade, decorrentes das condições concretas de vida e de trabalho e das lutas de democratização. Essas três referências não podem ser tomadas isoladamente, pois estão interligadas e sujeitas a contradições. Por exemplo, os conteúdos escolares estão em contradição não somente com as possibilidades reais dos alunos em assimilálos como também com as possibilidades reais dos alunos na 268
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medida em que podem ser usados para disseminar a ideologia de grupos e classes minoritárias. [...]. Assim, o professor precisa saber avaliar a pertinência dos objetivos e conteúdos propostos pelo sistema escolar oficial, verificando em que medida atendem exigências de democratização política e social; deve, também, saber compatibilizar os conteúdos com necessidades, aspirações, expectativas da clientela escolar, bem como torná-las exequíveis face às condições sócioculturais e de aprendizagem dos alunos. [...] Os objetivos educacionais são, pois, uma exigência indispensável para o trabalho docente, requerendo um posicionamento ativo do professor em sua explicitação, seja no planejamento escolar, seja no desenvolvimento das aulas (LIBÂNEO, 1991, p. 120-121). 5.2. OBJETIVOS GERAIS Objetivos podem se divididos em dois níveis: os objetivos gerais e os objetivos específicos. Desenvolvimento da personalidade dos alunos pode ser considerado objetivo geral, bem como exigências que a realidade social possa indicar. Libâneo entende que os objetivos gerais possuem três níveis de complexidade, ou abrangência, do mais amplo ao mais específico: 1. pelo sistema escolar, que expressa as finalidades educativas de acordo com ideais e valores dominantes na sociedade; 2. pela escola, que estabelece princípios e diretrizes de orientação do trabalho escolar com base num plano pedagógico-didático que represente o consenso do corpo docente com relação à filosofia da educação e à prática escolar; 3. pelo professor, que concretiza no seu ensino da matéria a sua própria visão de educação e sociedade. (LIBÂNEO, 1991, p. 123). Sendo assim, pode ser notada na obra de Libâneo a defesa da sociedade democrática, garantindo preferencialmente o atendimento dos anseios, desejos e necessidades da maioria da população. Educação tem um papel fundamental nesse processo, sendo que o professor também necessita de estar consciente de tais objetivos, que podem ser trabalhados em sala de aula. 5.3. OBJETIVOS ESPECÍFICOS Muitos profissionais não levam em consideração se um objetivo é geral ou específico, classificando os mesmos apenas como objetivos. Assim acontece, por exemplo, em um plano de aula, no qual muitas vezes vemos apenas o termo objetivo sendo utilizado. Mas de qualquer 269
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forma, os dois níveis de objetivos estão correlacionados. Deve-se ter em mente que os objetivos de uma aula são objetivos dos alunos, ou seja, é importante ter em mente que, ainda que a aula esteja agradando ao professor, ele deve assegurar-se se os alunos estão atingindo os tais objetivos propostos durante a aula. Esperar a avaliação no final de uma unidade pode ser tarde, desse modo é interessante estar atento no momento em que se explica algo aos alunos. É uma tarefa complexa, mas acredito que cada professor possui uma forma pessoal de prestar atenção no nível de interesse de um grupo como um todo. A fala de Libâneo também esclarece alguns detalhes sobre o assunto: O professor deve vincular os objetivos específicos aos objetivos gerais, sem perder de vista a situação concreta (da escola, da matéria, dos alunos) em que serão aplicados. Deve, também, seguir as seguintes recomendações: • especificar conhecimentos, habilidades, capacidades que sejam fundamentais para serem assimiladas e aplicadas em situações futuras, na escola e na vida prática; • observar uma sequencia lógica, de forma que os conteúdos e habilidades estejam inter-relacionados, possibilitando aos alunos uma compreensão de conjunto (isto é, formando uma rede de relações na sua cabeça); • expressar os objetivos com clareza, de modo que sejam compreensíveis aos alunos e permitam, assim, que estes introjetem os objetivos de ensino como objetivos seus; • dosar o grau de dificuldades, de modo que expressem desafios, problemas, questões estimulantes e também viáveis; • sempre que possível, formular os objetivos como resultados a atingir, facilitando o processo de avaliação diagnóstica e de controle; • como norma geral, indicar os resultados do trabalho dos alunos (o que devem compreender, saber, memorizar, fazer etc.) (LIBÂNEO, 1991, p. 126-127). 5.4. IMPORTÂNCIA DOS CONTEÚDOS EM EDUCAÇÃO Costuma-se definir conteúdo como a matéria-prima a ser utilizada na educação. O arcabouço teórico e prático de conhecimentos acumulados pela humanidade é a base, a fonte onde o professor busca e seleciona conteúdos relacionados com sua área. Haydt fala em séculos de conhecimento, mas pode-se também falar em milênios de conhecimentos, sabedoria em diferentes áreas: ciência, arte, religião, filosofia etc. Conteúdo faz uma ponte interessante com os objetivos, como se fosse uma mão dupla. Conteúdos indicam determinados objetivos, objetivos também indicam determinados conteúdos. 270
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É uma relação importante, sendo que o professor precisa constantemente estar refletindo sobre como tem funcionado a relação entre os diferentes componentes de um planejamento, seja de curso, de unidade ou de aula. Mas cabe ao professor estar sempre acompanhando as diferentes concepções, pensamentos de autores que publicam artigos, livros ou fazem palestras sobre o assunto. O pensamento e conclusões pessoais do professor também devem ser trabalhados, sendo que a importância primeira nesses processos de busca é a satisfação pessoal do docente, para que a mesma seja transmitida para os discentes (como visto anteriormente). Libâneo dessa forma fala sobre objetivos: Podemos dizer que os conteúdos retratam a experiência social da humanidade no que se refere a conhecimentos e modos de ação, transformando-se em instrumentos pelos quais os alunos assimilam, compreendem e enfrentam as exigências teóricas e práticas da vida social. Constituem o objeto de mediação escolar no processo de ensino, no sentido de que a assimilação e compreensão dos conhecimentos e modos de ação se convertem em idéias sobre as propriedades e relações fundamentais da natureza e da sociedade, formando convicções e critérios de orientação das opções dos alunos frente às atividades teóricas e práticas postas pela vida social. (LIBÂNEO, 1991, p. 129). De acordo com Walter Garcia, conteúdo é ‘tudo aquilo que é passível de integrar um programa educativo com vista à formação das novas gerações. Um conteúdo pode referir-se a conhecimentos, atitudes, hábitos etc.’ Como podem verificar, esse é um conceito amplo de conteúdo, que não se identifica apenas com a simples aquisição de informação. É por meio dos conteúdos que transmitimos e assimilamos conhecimentos, mas é também por meio do conteúdo que praticamos as operações cognitivas, desenvolvemos hábitos e habilidades e trabalhamos as atitudes. Haydt também indica critérios nos quais os professores devem fundamentar-se: 1. Validade – Deve haver uma relação clara e nítida entre os objetivos a serem atingidos com o ensino e os conteúdos trabalhados. [...]. Em segundo lugar, os conteúdos são válido quando há uma atualização dos conhecimentos do ponto de vista científico. 2. Utilidade – O critério de utilidade está presente quando há possibilidade de aplicar o conhecimento adquirido em situações novas. Os conteúdos curriculares são considerados úteis quando estão adequados às exigências e condições do meio em que os alunos vivem, satisfazendo suas necessidades e expectativas [...].
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3. Significação – Um conteúdo será significativo e interessante para o aluno quando estiver relacionado às experiências por ele vivenciadas. Por isso, o professor deve procurar relacionar, sempre que possível, os novos conhecimentos a serem adquiridos pelos alunos, com suas experiências e conhecimentos anteriores [...]. 4. Adequação ao nível de desenvolvimento do aluno – O conteúdo selecionado deve respeitar o grau de maturidade intelectual do aluno e estar adequado ao nível de suas estruturas cognitivas. 5. Flexibilidade – O critério de flexibilidade estará sendo atendido quando houver possibilidade de fazer alterações nos conteúdos selecionados, suprimindo itens ou acrescentando novos tópicos, a fim de ajustá-los ou adaptá-los às reais condições, necessidades e interesses. (HAYDT, 2006, pp. 130-131). No sentido de organização, torna importante observar a sequência em nível de complexidade ou evolução histórica do assunto. Dificilmente se escapa do estudo cronológico quando o tema é História da Arte. Quando se fala em aspectos estéticos, por exemplo, em muitos casos não é necessária uma sequencia temporal, pois podem ser estabelecidas familiaridades entre os cânones renascentistas e os gregos da época de Fídias, bem como do Neoclássico do século XIX com o Renascimento.
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UNIDADE 6 Procedimentos, Recursos e Avaliação 6.1. CONCEITO DE PROCEDIMENTOS, RECURSOS E AVALIAÇÃO PARA A AÇÃO PEDAGÓGICA Procedimentos são também chamados de metodologia ou desenvolvimento. Correspondem às opções no que diz respeito aos objetivos e conteúdos em ação. Trata-se da melhor forma de agir, opções de colocar o planejamento idealizado, teórico, em prática. Esse momento é quando o professor não escapa de ser o que realmente é em termos de profissional da educação, pois nos procedimentos cada professor tem uma forma pessoal de agir, quando geralmente coloca em cena também seu temperamento, seu jeito de lidar com uma turma diante de situações imprevistas, geralmente agradáveis, mas que em determinados momentos o professor necessita de muita paciência. Procedimentos estão relacionados a um planejamento prévio. Um curso pode ser todo ministrado em sala de aula somente com quadro, cadernos. Mas em sala de aula podem haver representações dramáticas sobre os assuntos, projeção de imagens, jogos de integração, seminários elaborados pelos alunos, como será visto adiante. A aula pode ser também desenvolvida em uma galeria de arte, uma fábrica, um shopping, campo de futebol, viagem ao campo ou a outros municípios, estudos em bibliotecas. Experiências diversas devem ser patrocinadas aos alunos, inclusive levando em consideração as diferentes faixas etárias. Procedimentos implicam em ações não somente por parte do professor, mas também por parte do aluno. Autores defendem que o aluno aprende com o professor, consigo mesmo e com os outros alunos, e tal dimensão deve estar presente na mente do professor no momento de selecionar os procedimentos a serem desenvolvidos para alcançar determinados objetivos propostos no planejamento da aula, da unidade, do curso. Recursos relacionam-se a materiais a serem utilizados pelo professor e pelos alunos. Como todos os outros itens, devem estar vinculados aos objetivos, conteúdos, bem como ao planejamento como um todo. Reproduções de desenhos e pinturas, reprodução em data show são recursos, assim como a obra exposta no museu também é um recurso que poderá estar sendo utilizado para compreensão da obra do artista. Ir ao museu é um procedimento, sendo que as obras expostas são recursos que estão sendo utilizados para conceituar a fruição estética, realizar 273
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análise da obra etc. Comparar a fruição da arte reproduzida no papel com a fruição da obra in loco (diante da obra mesmo) é um objetivo no qual estão implicados dois recursos: reprodução de obra artística e obra artística (no museu, na galeria, por exemplo). Desta forma, recurso diz respeito a algo que vai ser utilizado para desenvolver o procedimento (metodologia) proposto pelo professor. Avaliação incide sobre a pergunta se os alunos aprenderam o que foi ensinado. E isso diz respeito a averiguar se os objetivos foram (ou estão sendo) alcançados. Em Artes, avaliação tem sido uma ação bastante polêmica, especialmente no que diz respeito a trabalhos que envolvam fazer arte, como trabalhos em pintura, desenho, instalação, cerâmica e outras técnicas. Determinados aspectos podem ser observados, especialmente no que diz respeito à utilização de técnicas, teorias, mas, como estética escapa ao pensamento lógico racional, só se consegue um consenso quando se coloca um objetivo muito determinado a ser alcançado, o que é polêmico em artes. Por outro lado, quando se trabalha com teorias (História da Arte, Didática do Ensino de Artes, Filosofia da Arte, por exemplo), a avaliação possui elementos mais racionais para se aferir os resultados. Aqui o assunto retorna como foi no início, como se estivesse andando em círculo, ou seja, selecionar procedimentos, recursos e avaliação também implica em conhecer a realidade na qual a Arte está sendo trabalhada em educação. Quais são as vivências dos alunos, condição econômica, aspectos sociais. Os alunos também devem ser ouvidos nesses momentos: averiguar de que forma gostariam de trabalhar determinados conteúdos, podendo, inclusive, sugerir e escolher materiais (recursos) com os quais desejam trabalhar em Artes, mas que todos possam ter a oportunidade de usar materiais semelhantes para que não haja exclusão (os que têm material e os que não os têm). Se algum aluno é mais carente do que outros, o professor poderá conversar com a direção com a finalidade de averiguar a possibilidade de se conseguir material para o aluno. É aconselhável que a escola tenha materiais para fornecer aos alunos, sendo que cada unidade de ensino deve prever procedimentos para tal. A avaliação também pode contar com a participação da turma, averiguando como eles gostariam de ser avaliados. Avaliação pode ocorrer durante o processo da aula, ou mesmo ao final de determinada unidade (como costuma acontecer). Retorna-se a algo que também foi dito antes, que, mesmo considerando toda a participação dos alunos, o professor é que vai escolher as melhores opções no que diz respeito à participação dos alunos na seleção de procedimentos, recursos e avaliação. Seleção de procedimentos, de recursos e de avaliação, vão ao encontro de que tipo de aprendizagem que se deseja efetivar, incidindo sobre a natureza do conteúdo, e dos objetivos propostos. A faixa etária dos 274
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alunos também não pode ser negligenciada, pois teorias do desenvolvimento nos mostram as diferenças entre as mesmas, inclusive implicando em processos de aprendizagem (haydt, 2006). Quanto à natureza dos procedimentos torna-se interessante destacar duas formas, que Haydt assim classifica: 1. Procedimentos de ensino-aprendizagem individualizantes. Trata-se dos procedimentos mais difundido na educação no Brasil, também sendo o mais tradicional. Citando vários outros autores como, por exemplo, Nérici em seu livro Metodologia de ensino, esse procedimento implica geralmente em exposição, apresentação oral de um tema que é logicamente estruturado, assumindo duas posições didáticas: a) Aula expositiva dogmática (ou exposição dogmática), onde a mensagem não pode ser contestada, devendo ser, inclusive, repetida na hora da avaliação. O professor é dominante e o aluno é passivo e receptivo. Quando se tem certeza que a turma tenha atingido um grau importante de atenção e concentração, a aula expositiva pode ser muito rica, especialmente se o professor tiver grande domínio sobre o assunto e contempla em sua fala questões alusivas ao assunto que interessem aos alunos. No entanto, cobrar posteriormente um retorno ipsis literis por parte do aluno, pode estar descontextualizado da presente realidade, pois torna-se necessário que os alunos saibam contextualizar a fala dogmática. b) Aula expositiva aberta ou dialogada, onde a discussão e participação do aluno são incentivadas e a fala do professor seve para desencadear tais discussões. Agora o professor se coloca na posição de ouvinte dos alunos em relação ao tema proposto, inclusive procurando responder dúvida que possam surgir, também propondo perguntas a serem respondidas pelos alunos. Ainda segundo Haydt, a aula expositiva dialogada favorece a atividade reflexiva dos alunos, promovendo também a participação dos mesmos na aula. Aponta as seguintes situações onde a aula dialogada pode ser utilizada com maior sucesso quando se introduz um novo conteúdo, quando invoca conceitos básicos alusivos ao conteúdo, buscando assim uma visão panorâmica do assunto; para sintetizar o assunto, no final de uma unidade. De qualquer forma, é sempre motivo de despertar os alunos para o assunto, aumentando seus interesses, bem como conhecer o que sabem, o que não sabem ou têm a falar sobre o conteúdo. b) Aula expositiva aberta ou dialogada, onde a discussão e participação do aluno são incentivadas e a fala do professor seve para desencadear tais discussões. Agora o professor se coloca na posição de ouvinte dos alunos em relação ao tema proposto, inclusive procurando responder dúvida que possam surgir, também propondo perguntas a serem respondidas pelos alunos. Ainda segundo Haydt, a aula expositiva dialogada favorece a atividade reflexiva dos alunos, promovendo também a participação 275
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dos mesmos na aula. Aponta as seguintes situações onde a aula dialogada pode ser utilizada com maior sucesso quando se introduz um novo conteúdo, quando invoca conceitos básicos alusivos ao conteúdo, buscando assim uma visão panorâmica do assunto; para sintetizar o assunto, no final de uma unidade. De qualquer forma, é sempre motivo de despertar os alunos para o assunto, aumentando seus interesses, bem como conhecer o que sabem, o que não sabem ou têm a falar sobre o conteúdo. 2. Procedimentos de ensino-aprendizagem socializantes. Envolve desenvolvimento e participação dos alunos em termos grupais, buscando sempre alternativas de interação entre os indivíduos. Haydt destaca procedimentos alusivos a tal metodologia: a) Uso de jogos – tem como princípio que jogo é uma atividade que os seres humanos fazem com prazer, sendo prática arraigada na sociedade, podendo também ser trazida para a sala de aula. Considera-se que o mesmo desenvolve as capacidades criadoras nas crianças, adolescentes e adultos, considerando-se o envolvimento que o jogo é capaz de promover no indivíduo em ralação a um grupo. Envolve prazer, emoção, iniciativa. Haydt destaca que ‘integra as dimensões afetiva, motora e cognitiva da personalidade’, funcionando, assim, como fator de integração entre tais aspectos trabalhados em educação (motricidade, cognição, afeição). b) Dramatização – o aluno tem a possibilidade de representar diferentes papéis, seja através de improvisação ou mesmo de forma planejada. Situações reais da vida podem ser trabalhadas, propondo que os alunos elaborem em grupo pequenas dramatizações em sala de aula. Gilson Sarmento, educador na área de teatro, fala sobre a necessidade de serem trabalhadas nas escolas pequenas dramatizações, sem a proposta de serem apresentadas no final do semestre em forma de teatro. Pequenas dramatizações, desempenhadas em sala de aula, apenas com a turma, trazem resultados mais importantes para os alunos do que apresentação de teatro, como costuma ser visto nas escolas (desde a Educação Infantil até o Ensino Médio). Tais dramatizações são fatores de aquisição de determinados conhecimentos, para se atingir objetivos, bem como para promover interação entre os alunos. c) Trabalho em grupo – traz muitos elementos também contidos na dramatização. Só que agora existe uma proposta a ser trabalhada, no sentido de conteúdo de ensino. No século XX, costumava-se utilizar a expressões como dinâmica de grupo, interação grupal, trabalho em grupo, trabalho em equipe, voltados para a questão grupo social. Determinado objetivo comum é sugerido pelo professor ou pelos alunos e, com os alunos divididos em determinados grupos, irão proceder a trocas de ideias, construindo determinado conhecimento, investigan276
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do em grupo ou individualmente e trazendo para o grupo as questões ou respostas encontradas. Pode ser decidido em sala de aula não só a assunto a ser trabalhado, bem como modos de executá-lo grupalmente. d) Estudo de casos - determinada situação real é apresentada aos alunos, para que procedam a estudos sobre a mesma. Podem fazer ligação do caso mencionado com determinado conteúdo. E outro aspecto, segundo Haydt, ‘podem propor alternativas e soluções. É uma forma de os alunos aplicarem os conhecimentos teóricos a situações práticas’. Os casos e situações podem ser reais ou hipotéticos, segundo critério do professor ou do grupo. Geralmente, está buscando-se levar o aluno a relacionar conteúdos teóricos com situações reais. e) Estudo do meio – é desenvolvida fora de sala de aula, para onde depois o aluno deverá trazer suas conclusões, dados e anotações realizadas. É proposto ao aluno que proceda a um levantamento de dados em determinada região, geralmente a região onde a escola está localizada ou onde o aluno habita. Poderá lançar mão de fotografias, entrevistas, filmagens, aplicação de questionários, gravações em áudio, consultas a documentos em cartórios, museus, observação nos aspectos arquitetônicos, costumes, culinária etc. Tal atividade desenvolve a capacidade de observação, contato social, permitindo ao aluno estar realizando uma verdadeira pesquisa. Ao final, deverá obter conclusões, conforme o tema proposto para a investigação. A questão básica da avaliação é a averiguação se os alunos alcançaram os objetivos propostos no planejamento. E também é um momento que pode ser discutido com os alunos. Perguntar aos mesmos de que forma acreditam ser importante averiguar se assimilaram os conteúdos trabalhados. Pode ser realizada no final de uma unidade ou mesmo de um conteúdo, mas muitos professores estão constantemente atentos durante todo o desenvolver dos estudos, buscando meios de efetivar a avaliação durante todo o percurso das aulas. Isso pode ser possível, por exemplo, caso se proponha a avaliar o interesse do aluno pela aula, bem como a participação, seja por meio da atenção que demonstra em relação aos conteúdos e às atividades, seja elaborando perguntas pertinentes, assim como participando com respostas quando as mesmas são solicitadas. Outra questão levada em consideração, especialmente quando muitos exercícios práticos são solicitados em sala de aula, é a frequência do aluno na escola. Convém atentar para duas formas de avaliar: comparar o desempenho do aluno com o resto da turma ou compará-lo consigo mesmo. Levando-se em consideração a avaliação comparativa de aluno para aluno (em relação ao grupo), torna-se mais fácil a aferição, pois existem os primeiros, segundos e terceiros lugares. No entanto, avaliar o desempenho do aluno consigo mesmo é uma proposta um pouco mais complexa, pois ao professor será necessário conhecer o nível em que o aluno 277
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se encontra quando iniciou o curso e o nível que teria atingido quando finalizar o mesmo. A tarefa de casa (extraclasse) também deve ser verificada: se o aluno as cumpre constantemente, se as desenvolve de maneira competente, se pode ser observado que ele mesmo realizou ou se não foi realizada por terceiros. Sabe-se que, salvo várias exceções, a educação é dominada pela avaliação tipo ‘bancária’, ou seja, o aluno deve falar sobre o que foi dito em sala de aula, o que se encontra escrito nos livros adotados, ou o que o professor acha que é mais correto. Tal avaliação é comumente denominada de quantitativa. Em certa medida, ela pode ser adotada, mas devese considerar também valores qualitativos em sala de aula. Libâneo (1991) aponta como características importantes da avaliação as seguintes considerações: • Reflete a unidade objetivos-conteúdos-métodos – entende a avaliação como parte integrante do processo de aprendizagem, sendo que conteúdos, objetivos e métodos devem estar presentes nas mesmas. Os objetivos, tendo sido explicados com clareza aos alunos, auxiliam nesse processo. • Possibilita a revisão do plano de ensino – o professor poderá averiguar até que ponto seus objetivos estão sendo atingidos, se os alunos estão satisfeitos. Novas decisões poderão ser tomadas pelo professor após ter procedido a uma avaliação. • Ajuda a desenvolver capacidades e habilidades – Libâneo acredita que o aluno, é ajudado a reconhecer sua posição diante da turma inteira, sendo, assim, impelido a tomar determinadas posições, podendo servir como uma base para suas ‘atividades de ensino e aprendizagem’. • Voltar-se para a atividade do aluno – deverá estar presente durante o desenvolvimento das atividades do aluno e não somente no final do bimestre. • Ser objetiva – instrumentos e técnicas devem ser aplicados nesse sentido. Não se trata de excluir as subjetividades de alunos e professores, mas as mesmas não podem ‘comprometer as exigências objetivassociais e didáticas - inerentes ao processo de ensinar’. Assim sendo, a exigência de objetividade deve estar presente na avaliação. • Ajuda na autopercepção do professor – é um momento no qual o professor pode e deve refletir sobre a aplicação de seu trabalho, no sentido de poder esclarecer se está sendo suficientemente claro para toda a turma; se está dando preferência a alguns e discriminando outros; se tem conseguido motivar os alunos a valorizarem a disciplina; outros. • Reflete valores e expectativas do professor em relação aos alunos – ‘a avaliação escolar envolve a objetividade e subjetividade, tanto em relação ao professor quanto aos alunos’. 278
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A avaliação é para o professor e para o aluno uma indicação da continuidade dos estudos. Se o aluno foi avaliado dentro da média, é sinal que pode ser promovido para outro ano (grau) de ensino. Para o professor, se ocorreram muitas reprovações ou mesmo se as notas não foram muito satisfatórias, é um indicativo de que algo não vai muito bem em seu desempenho, em seu planejamento. Se toda a escola indica desempenho indesejável pelos alunos, algo deve ser severamente mudado naquela instituição. O vestibular parece também determinar na educação a tendência na avaliação tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio, mas, por enquanto, Arte está livre desse perigo, pelo fato de não ser ainda conteúdo de vestibular. Porém, órgãos de governo já têm procedido a estudos para incluí-lo no teste. O campo de trabalho será certamente aumentado, mas me questiono se haverá um ganho qualitativo na área. Ademais, é risível valorizar a Arte na escola somente pelo fato de estar presente no vestibular. Poderá atribuir nota mais alta ao aluno que produz dentro do que entende ser mais adequado ser expresso em arte. A avaliação é para o professor e para o aluno uma indicação da continuidade dos estudos. Se o aluno foi avaliado dentro da média, é sinal que pode ser promovido para outro ano (grau) de ensino. Para o professor, se ocorreram muitas reprovações ou mesmo se as notas não foram muito satisfatórias, é um indicativo de que algo não vai muito bem em seu desempenho, em seu planejamento. Se toda a escola indica desempenho indesejável pelos alunos, algo deve ser severamente mudado naquela instituição. O vestibular parece também determinar na educação a tendência na avaliação tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio, mas, por enquanto, Arte está livre desse perigo, pelo fato de não ser ainda conteúdo de vestibular. Porém, órgãos de governo já têm procedido a estudos para incluí-lo no teste. O campo de trabalho será certamente aumentado, mas me questiono se haverá um ganho qualitativo na área. Ademais, é risível valorizar a Arte na escola somente pelo fato de estar presente no vestibular.
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SOBRE OS AUTORES ANA RITA VIDICA. Possui mestrado em Cultura Visual pela Faculdade de Artes Visuais – UFG (2007) e graduação em Comunicação Social Publicidade e Propaganda pela UFG (2003). Experiência na área de Comunicação, com ênfase em Fotografia e Análise de Imagem, atuando principalmente nos seguintes temas: fotografia, publicidade, arte, fotoclube e antropologia visual. Atualmente é professora do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da UFG e coordena o Núcleo de Pesquisa em Teoria da Imagem vinculado à UFG. ANNA RITA FERREIRA DE ARAÚJO. Possui graduação em Educação Artística (habilitação Artes Plásticas) pela Universidade Federal de Goiás – UFG (1990) e mestrado em Artes pela Universidade de São Paulo – USP (2003). Atualmente é professora assistente da UFG. Autora do Livro “Encruzilhadas do olhar no ensino da arte”. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Educação Artística, atuando principalmente nos seguintes temas: arte-educação, artes visuais e novas tecnologias. CECÍLIA NORIKO ITO SAITO. Pós-Doutorado (em andamento) pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação da PUC-SP. Possui doutorado em Comunicação e Semiótica (2007) e mestrado pelo mesmo Programa (2003), ambos pela PUC-SP. Especialização em Arte e Tecnologia (2001) e Graduação em Artes Visuais. Atualmente é pesquisadora do Centro de Pesquisas em Cultura Japonesa de Goiás e do Centro de Estudos Orientais da PUC-SP; colaboradora do grupo Arte e Mestiçagens Poéticas da UFSC. Foi membro da diretoria ABRAEX 2010/2011 (Associação Brasiliense de ExBolsistas Brasil-Japão) e Ex-Presidente do Conselho Administrativo da Escola Modelo de Língua Japonesa de Goiás (2009/2010). Autora dos livros: “O Shodô, o Corpo e os Novos Processos de Comunicação”, São Paulo, Editora Annablume (2004); “Ação e Percepção nos Processos Educacionais do Corpo em Formação”, São Paulo, Editora Hedra (2010). Organizadora do livro “Meia Volta ao Mundo: Imigracao Japonesa em Goias”, patrocinado pela Secretaria Municipal da Cultura de Goiânia (2008). CÉLIA MARI GONDO. Mestranda em Arte e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás – UFG, possui graduação em Artes Visuais: Bacharelado, com Habilitação em Gravura (1990) e Licenciatura em Artes Visuais (2010) pela UFG. Atua, atualmente, na Rede Municipal de Educação (Goiânia), como servidor efetivo. Atuou na Escola de Artes Visuais da Agência Cultural Pedro Ludovico Teixeira (Agepel), do Governo Estadual (GO), desde 1994, em cursos de desenho, pintura, modelagem em argila, gravura e história da arte. Participa do Centro de Pesquisas em Cultura Japonesa de Goiás – CPCJ-GO. 282
CÉSAR PEREIRA COLA. Possui graduação em Educação Artística (Licenciatura Plena) pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES (1986), graduação em Artes Plásticas (1982), mestrado em Educação (1996), também pela UFES, e doutorado em Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP (2003). Atualmente é professor Adjunto IV da Universidade Federal do Espírito Santo. EDUARDO ARAÚJO DE ÁVILA. Mestrando em Arte e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás. Possui graduação em Artes Visuais (habilitação Design Gráfico) pela Universidade Federal de Goiás (2004). Possui experiência nas áreas de Artes Visuais e Estudos Orientais. Atua principalmente em design instrucional, design editorial, identidade visual, educação estética, práticas e processos artísticos. Atualmente é membro do Centro de Pesquisas em Cultura Japonesa de Goiás – CPCJ-GO, que possui parceria com o Centro de Estudos Orientais da PUC-SP. LEDA MARIA DE BARROS GUIMARÃES. Professora da Universidade Federal de Goiás. Professora do Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual, coordenadora de Estágio da Licenciatura em Artes Visuais e do curso de Licenciatura em Artes Visuais em EaD pelo programa da Universidade Aberta do Brasil. É doutora em Artes pela Universidade de São Paulo –USP e mestre em Educação pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Tem livros publicados: “Desenho, desígnio, desejo: sobre o ensino de desenho” (UFPI, 1996); “Objetos Populares da Cidade de Goiás” (Sebrae-Go/UFG, 2001) e “A Natureza Feminina do Cerrado” (2006, UFG). É membro da ANPAP, da FAEB e do InSEA. MARIA ELIZIA BORGES. Possui doutorado em Artes pela Universidade de São Paulo (1991). Mestrado em Ciências Sociais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em História da Arte, atuando principalmente nos seguintes temas: história da arte, arte funerária, história da arte brasileira, pesquisa em artes visuais. Atualmente é professora associada da Universidade Federal de Goiás. RONALDO ALEXANDRE DE OLIVEIRA. Graduado em Educação Artística pela Faculdade Santa Marcelina (1987), em Pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (2005),Especializado em Arte Educação pela ECA – USP (1991) Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2000) e Doutorado em Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004). Atualmente é professor Adjunto “A” da Universidade Estadual de Londrina, no Departamento de Arte Visual. Foi Professor estatutário da Prefeitura Municipal de Jacareí no periodo de 1992–2007, onde atuou enquanto docente da educação Básica e coordenou projetos na aréa de Ensino e Aprendizagem da Arte. Atuou na UNIVAP 283
(Universidade do Vale do Paraíba no periodo de 2000 a 2007), na formação de professores da Educação Básica e foi responsável pela implantação na mesma Universidade da Licenciatura em Artes Visuias no ano de 2007. ROSA MARIA BERARDO. Possui graduação em Comunicação Social Jornalismo pela Universidade Federal de Goiás (1985), mestrado em Artes pela Universidade de São Paulo (1990), mestrado em Cinéma et Audiovisuel – Universite de Paris III (Sorbonne-Nouvelle) (1993) e doutorado em Cinéma et Audiovisuel – Universite de Paris III (Sorbonne-Nouvelle) (2000). Pós-doutorado em Ciências Sociais/Cinema, pela Université du Québec à Montreal (2005-2006). Atualmente é professora Associada II da Universidade Federal de Goiás.
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A presente edição foi publicada pelo CEGRAF– UFG, em caracteres: Arno Pro, corpo do texto 13, título principal 16; Gil Sans MT; Gil Sans MT Condensed, subtítulo 13. Foi impressa em sistema offset, papel offset 75g (miolo) e cartão supremo 250g (capa), em fevereiro de 2012.
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