Fidelidade ao metrónomo [PT]

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O Conservatório de Música de Lisboa é um organismo vivo em “Il sogno mio d’amore”

Fidelidade ao metrónomo

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ais de um ano após a sua estreia no DocLisboa, “Il sogno mio d’amore”, novo filme de Nathalie Mansoux coassinado com Miguel Moraes Cabral, chega às salas para uma exibição que se adivinha curta mas que se justifica plenamente. Não é um documentário sobre música (embora haja aqui música do primeiro ao último segundo), mas sim sobre a sua construção. Não é um ‘filme acabado’, mas antes o registo incompleto de um processo em curso, ou melhor: uma história de bastidores, formada por dezenas delas, e que exigiu seguramente trabalho aturado de montagem. A palavra aos realizadores, para que as coisas fiquem claras: “Durante dois anos, filmámos num antigo convento do século XVII, que alberga o Conservatório de Música de Lisboa. Movido pelo nosso amor por este lugar anacrónico, pela música que ali é tocada e pela riqueza do seu ensino, ‘Il sogno mio d’amore’ mergulhanos no universo da transmissão da música entre professores e alunos. Sons e palavras misturam-se com gestos, formam uma linguagem única e revelam o que há de mais profundo no ser humano: a expressão da sua sensibilidade.” Na primeira sequência, uma aprendiz de maestrina ensaia o celebérrimo (e tantas vezes usado pelo cinema) Allegretto da “Sétima” de Beethoven, trauteado em off pelo seu professor. Plano seguinte? O resultado do ensaio. E é um ótimo arranque, com um trecho de reconhecimento imediato que prende o espectador a um nível emocional, preparando-o para o que há de vir: aulas de canto; ensaios e mais ensaios que vão passando de sala em sala e pelas múltiplas disciplinas do velhíssimo

Conservatório da Rua dos Caetanos; a interação entre professores, alunos petizes, outros mais graúdos; mas também a vida comezinha, mas essencial, de um espaço único que este filme fixa como um organismo vivo, e a daqueles que, na sombra, asseguram o seu funcionamento — é muito bonito o momento em que o filme deixa por instantes a pedagogia que lhe é inerente para seguir os passos do funcionário que vai trocar a lâmpada que se fundiu. Os planos são quase sempre fixos, criteriosamente enquadrados. E a alma do filme nasce dessa distância justa. Numa ária de “Tosca”, de Puccini, a que, salvo erro, este filme foi buscar o seu título, Mario Cavaradossi, personagem da obra, canta “Svani per sempre il sogno mio d’amore...” enquanto aguarda o derradeiro suplício. Neste filme, contudo, os sonhos não desaparecem. São antes trabalho duro, dedicação, paciência, perseverança de resistentes. Uma prova de coragem daqueles que insistem em dar vida a uma arte num país que a despreza e no qual a cultura é invariavelmente negligenciada, colocada em segundo plano. “Il sogno mio d’amore”, embora não o assuma de chofre, é um filme político neste sentido. Quanto a nós, o melhor de Nathalie Mansoux desde “Via de Acesso” (2008). / FRANCISCO FERREIRA

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MULHER EM GUERRA

PASSÁMOS POR CÁ

De Benedikt Erlingsson Com Halldóra Geirharðsdóttir, Jóhann Sigurðarson (Islândia/França/Ucrânia) Comédia dramática M/12

De Ken Loach Com Kris Hitchen, Debbie Honeywood, Rhys Stone (Reino Unido/França/Bélgica) Drama M/14

ESTREIA Ela não se conforma com o cinismo dos governantes que, enquanto falam do que é preciso fazer para travar as alterações climáticas, não param de tomar decisões que agravam essa alterações. E decide passar à ação direta. No princípio do filme, de arco em punho, Halla faz passar um cabo de aço sobre as linhas de alta tensão, provocando um curto-circuito e a interrupção da energia elétrica em toda uma região. Depois foge, pelos alcantilados campos vulcânicos da Islândia onde tudo se passa. Não é a sua primeira ação, nem vai ser a última. A polícia está-lhe no encalço. Um dia, um manifesto que Halla consegue literalmente fazer cair do céu explica à população as suas razões e incita a que se juntem no protesto. Mas a desfaçatez do poder político é maior do que ela supunha. E, às tantas, há uma órfã de guerra na Ucrânia que ela pode salvar, adotando-a, salvando-se a si mesma de uma solidão infértil. “Mulher em Guerra” é um daqueles filmes surpreendentes onde questões vivas do nosso tempo têm uma abordagem de través, algures entre o humor, a determinação e as dúvidas metódicas sobre como levar tudo isto por diante.

Ele prometeu retirar-se, mas acho que a vontade de cinema e de dar testemunho contra os desacertos deste tempo é mais forte do que as juras. Temos, assim, um novo filme de Loach, o infatigável marxista britânico que, aos 83 anos, não descansa e não descasa. Desta feita, o seu olhar repousa numa nova categoria de explorados, os trabalhadores ‘independentes’ ao serviço de conglomerados que lhes exigem todos os deveres de um trabalhador por conta de outrem, mas sem lhes outorgar qualquer dos direitos. É o paraíso do capitalismo selvagem, a ‘uberização’ do mundo. Ricky Turner é um cidadão da classe trabalhadora que embarca na miragem, dedicando-se à entrega expresso de mercadorias. Para o conseguir, esmifrou as últimas libras, pôs a mulher, cuidadora doméstica de idosos, a deslocar-se de casa em casa em transportes públicos, na vontade de ser dono de si mesmo. Ken Loach segue-os no seu quotidiano difícil e não é preciso muito para que percebamos o sofrimento e a selva. Como quase sempre, o cineasta talvez seja demasiado confiante na bondade intrínseca das classes trabalhadoras, mas não é isso que diminui a eficácia do seu olhar atento. / J.L.R.

/ JORGE LEITÃO RAMOS

ESTRELAS DA SEMANA Francisco Ferreira

Jorge Leitão Ramos

Os Anjos de Charlie

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Passámos por Cá

IL SOGNO MIO D’AMORE

Sibyl

De Nathalie Mansoux e Miguel Moraes Cabral (Portugal) Documentário M/6

Il sogno mio d’amore

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Tristeza e Alegria na Vida das Girafas

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Onde Estás, Bernadette?

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Hálito Azul

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