PÚBLICO, SEX 30 NOV 2012 | 57
RTP-PSP: a mesma luta?
S
Francisco Teixeira da Mota Escrever direito egundo fontes anónimas, o pedido, com carácter de urgência, de um parecer à Procuradoria-Geral da República por parte do ministro da Administração Interna visa integrar a direcção de informação da RTP dentro dos serviços de investigação criminal da PSP. A diligência do ministro compreende-se face aos recentes incidentes: o Núcleo de Informações da PSP, uma unidade de natureza secreta integrada na Unidade Especial de Polícia com base em Belas, viu-se obrigado a pedir à estação pública de televisão as imagens que haviam sido recolhidas nos confrontos do dia da greve geral. Situação profundamente lamentável que não se deseja ver repetida, uma vez que, como todos sabemos, as autoridades não devem pedir mas sim ordenar. Situação que estaria ultrapassada, naturalmente, se o departamento de informação da RTP estivesse integrado na estrutura hierárquica da PSP. Mas o incidente foi ainda mais grave: os dois agentes policiais que se deslocaram às instalações da RTP para visionar as imagens dos confrontos no dia da greve tiveram de se deslocar, segundo o comunicado da própria RTP, a “um sítio discreto” para o fazerem, o que é não só humilhante para o brio profissional dos mesmos como desprestigiante para toda a corporação. Seria muito mais confortável para os agentes e muito mais eficaz para a investigação criminal que o visionamento tivesse ocorrido nas instalações da PSP. Acresce a tudo isto que, para poder utilizar as imagens como meio de prova em tribunal, a PSP se viu obrigada a pedir que as imagens pretendidas fossem transcritas para DVD identificadas com o logotipo da RTP. Uma situação novamente
BARTOON LUÍS AFONSO
desprestigiante e que com a integração do departamento da informação da RTP na PSP estaria ultrapassada, uma vez que as imagens passariam a ser autenticadas com um logotipo único da RTP/PSP. De referir, por último, a vantagem da redução de custos: o director nacional da PSP poderia acumular o cargo com o de director de informação da RTP. Enquanto este cenário não se concretiza, temos um regime legal claro quanto ao acesso às imagens captadas pelos jornalistas da RTP: o Estatuto do Jornalista, uma lei de 1999 da Assembleia da República, estabelece expressamente que “os directores de informação dos órgãos de comunicação social e os administradores ou gerentes das respectivas entidades proprietárias (...) não podem, salvo mediante autorização escrita dos jornalistas envolvidos, divulgar as respectivas fontes de informação, incluindo os arquivos jornalísticos de texto, som ou imagem das empresas ou quaisquer documentos susceptíveis de as revelar”. Mais, a busca e a apreensão de documentos em órgãos de comunicação social, nos termos da lei, só pode ser ordenada ou autorizada por um juiz, o qual terá de presidir pessoalmente à diligência e avisar previamente o presidente da organização sindical dos jornalistas com maior representatividade para que o mesmo possa estar presente. Acresce ainda uma outra lei, o Código de Processo Penal, que estipula expressamente que o segredo profissional dos jornalistas, nele se incluindo os “documentos ou quaisquer objectos que tiverem na sua posse”, só pode ser quebrado por decisão judicial quando tal se mostre justificado “segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos”. Vale isto por dizer que é necessário haver uma prévia – e constitucional – ponderação
Bravo, Miguel! dos valores e interesses em confronto antes de ser tomada uma decisão num ou noutro sentido. Parece que é evidente que as imagens captadas por um órgão de comunicação social e não transmitidas mas que poderão esclarecer um acto terrorista dificilmente não serão apreendidas e que as imagens de pedradas atiradas em público – ainda por cima durante horas o que desde logo revela que a PSP não as considerou um crime grave – não justificarão a quebra do sigilo profissional. Convém ter presente que o segredo profissional dos jornalistas não é um privilégio deles ou das suas fontes, mas uma garantia para todos nós de que a informação continuará a ser possível mesmo nos casos de conflitos com o poder, seja ele qual for. Se os jornalistas e as câmaras de televisão nas manifestações e outros eventos sociais passarem a ser vistos como prolongamentos do Núcleo de Informações da PSP, para além de estar em causa a segurança dos próprios jornalistas, seguramente deixaremos de ter as imagens e a informação de que necessitamos para tentarmos perceber o que vai acontecendo no nosso país. A terminar: embora não se saiba exactamente como as “coisas” se passaram, a sensação que dá é que o assunto do visionamento e da cedência de imagens foi tratado entre funcionários da RTP e funcionários da PSP, todos animados do melhor espírito de servirem o Estado. Um filme que, sinceramente, não me descansa...
O visionamento das imagens num ‘sítio discreto’ foi humilhante
Advogado. Escreve à sexta-feira ftmota@netcabo.pt
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Miguel Esteves Cardoso Ainda ontem nteontem tivemos o prazer de comprar, com o PÚBLICO, o DVD do filme Tabu, de Miguel Gomes. Vimo-lo mal chegámos a casa. Rimo-nos, divertimonos, comovemo-nos e ficámos a falar do filme e da maneira como tínhamos gostado muito mais da primeira parte. O filme é tão original e está tão bem filmado que temos de o ver numa boa sala de cinema. Cada vez acontece mais isto: vemos, lemos ou ouvimos uma coisa num formato de má qualidade (um livro no Kindle, um filme sacado da Internet, uma música no YouTube ou em mp3), gostamos muito e queremos comprar o livro impresso, ver o filme de 35 milímetros no tamanho correcto, ouvir a música como se gravou em estúdio. No entanto, é mentira dizer que a minha opinião mudará quando vir Tabu como ele foi feito para ser visto, num cinema cheio. Vê-se logo que Miguel Gomes é um grande realizador de cinema que vai ser maior, tanto como realizador como no cinema. Tem um grande sentido de humor. Desde os últimos filmes de João César Monteiro que nós não resistíamos a voltar atrás para rever cenas que nos faziam rir abertamente, por causa do riso nos ter distraído e querermos ver o que perdemos enquanto ríamos. É um filme bem pesquisado, bem construído e bem transposto, de maneira a levar a visões repetidas: é um filme feito para durar. É um filme para ir buscar todos aqueles que gostam muito de cinema mas não gostam quase nada de cinema português: tanto espectadores estrangeiros como portugueses.