Resenha Crítica: "Rincón de Darwin" [PT]

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Charles Darwin teve em "The Origin of Species" uma obra fulcral, deixando-nos perante a sua teoria da evolução, onde considerava que os organismos vivos se adaptam gradualmente através da selecção natural. "Rincón de Darwin", a primeira longa metragem realizada por Diego Fernández Pujol, procura exactamente explorar o seu trio de protagonistas a partir desta premissa, colocando em evidência as suas idiossincrasias, expondo o choque entre ambos, ao mesmo tempo que os mostra a terem de lidar e ultrapassar uma série de contratempos e momentos modificadores das suas vidas. Um dos elementos do trio de protagonista é Gastón (Jorge Temponi), um jovem adulto que trabalha no ramo de hosting, desenvolvendo sites e sendo demasiado apegado à tecnologia e à sua namorada, ou melhor ex-namorada, com esta a anunciar no início do filme para este não fazer obras na casa devido ao término do noivado. No sentido de negociar uma propriedade do avô, recentemente falecido, localizada em Rincón de Darwin, um local visitado pelo naturalista inglês Charles Darwin em 1833 quando se encontrava a viajar e estudar vários territórios ao redor do Mundo, Gastón vê-se na contingência de se ter de deslocar à habitação. Nesta localidade uruguaia, Charles Darwin recolheu informação fundamental para a sua teoria da evolução, tal como Gastón, Américo (Carlos Frasco) e Beto (Jorge Esmoris) vão recolher para as suas vidas. Américo é um solicitador algo deprimido pelo avançar da idade, cuja esposa encontra-se frenética a tratar do casamento da filha de ambos. Este encontra-se a tratar dos trâmites relacionados com a venda da casa localizada no Rincón de Darwin, deixada pelo avô do personagem interpretado por Jorge Temponi. Beto é o responsável pelas mudanças, um indivíduo meio desligado e pouco cuidado, que guia o duo na sua carrinha até ao Rincón de Darwin. A carrinha encontra-se recheada de pequenos defeitos, desgastada pelo tempo, um pouco como os protagonistas, cuja viagem se prepara para ser mais demorada e cheia de contratempos do que o esperado, sobretudo se tivermos em conta que estes pouco ou nada têm em comum uns com os outros, excepção feita contarem com relações complicadas com as mulheres (diga-se que o filme praticamente não conta com figuras femininas) e terem de se deslocar ao Rincón de Darwin para avaliar o estado da casa deixada pelo avô de Gastón. Diego Fernández Pujol preocupa-se com o trio de protagonistas, filma-os muitas das vezes em conjunto no interior da carrinha, mas também no exterior, apresentando a dicotomia entre a cosmopolita Montevideu, recheada de edifícios, e o território verdejante que envolve o asfalto até chegarem à propriedade do avô de Gastón, num local mais distante da cidade. Diga-se que a chegada à propriedade (marcada pelo inevitável desgaste do tempo) pouco importa, mas sim esta demorada viagem e os seus peculiares episódios, ao longo deste melancólico road movie, que contrasta os valores do passado e do presente, as memórias de outros tempos e as vivências recentes, a tecnologia e tradição, enquanto 1/3


três personagens têm de se adaptar uns aos outros e às novas contingências. Gastón apresenta roupas casuais, é ligado às tecnologias, surgindo muito acompanhado pelo seu iphone, algo que faz alguma confusão a Américo e até a Beto. Por sua vez, o personagem interpretado por Jorge Esmoris conta com um passado nebuloso em Espanha, tendo vivido oito anos no local, onde até teve um filho, sendo obrigado a largar tudo devido a erros cometidos. O termo onde transporta a sua bebida (mate, uma bebida característica da América do Sul) tem o símbolo do clube de futebol "Valência", algo que indica essa ligação de Beto à cidade espanhola, enquanto o símbolo do coelho da Playboy na carrinha expõe o seu lado mais brejeiro e descontraído. Já Américo é o indivíduo mais contido, vestido com roupas mais formais, comportamento discreto, embora a dor por ver um amigo acamado o faça ser arrasado pelo destino, vendo-se no seu rosto um desencantamento em relação ao passar do tempo. Américo tem ainda de lidar com uma esposa (é o único que é casado) que lhe liga constantemente, com o relacionamento destes personagens com as mulheres a não ser muitas das vezes visível, mas sentido, estando longe de ser pacífico. Ao longo do filme, Diego Fernández mostra-nos estas "três espécies", mas também formigas, escaravelhos, uma raposa morta, territórios verdejantes, expondo-nos diversas espécies que à sua maneira procuram sobreviver e evoluir. "Rincón de Darwin" é exactamente um filme sobre evolução, seja a nível do trio de protagonistas, seja sobre o próprio realizador que tem aqui a sua primeira longa metragem, após ter realizado várias curtas. Embora tome algumas opções questionáveis a nível do trabalho de câmara, por vezes a roçar o amador (um estabilizador ou um tripé não faziam mal nenhum em algumas cenas cujo "tremelicar" da câmara incomoda mais do que ajuda em relação ao acompanhar dos acontecimentos) e o enredo seja bastante simples, Diego Fernández joga com essa sobriedade para elaborar um road movie capaz de despertar algum interesse, conjugando citações de Darwin com a história do seu trio de protagonistas, ao mesmo tempo que explora o relacionamento de ambos. Este trio que protagoniza a narrativa é o ponto central do filme, com "Rincón de Darwin" a criar três personagens interessantes de acompanhar, interpretados por actores que não comprometem, cujas relações humanas convencem, ao mesmo tempo que nos deixa perante pequenos pedaços da cultura e sentimentos uruguaios, onde melancolia e poesia a espaços se unem. Existe algum minimalismo a rodear a jornada dos personagens, enquanto estes vivem na estrada alguns momentos que os alheiam da rotina quotidiana, embora não esqueçam as inquietações que assolam as suas mentes. Américo, Beto e Gastón são praticamente estranhos no início da viagem, mas gradualmente vão construindo alguns laços, habituando-se às contingências de estarem juntos ao longo de pouco mais do que um dia, ao mesmo tempo que procuram apreciar aquilo que os rodeia. "Rincón de Darwin" não poupa na exposição do asfalto e dos territórios circundantes, mas também do interior da carrinha, tendo na viagem a Rincón de Darwin o leitmotiv que propicia esta reunião entre três homens bem distintos, com esta a ser adornada por uma banda sonora a preceito na qual a espaços parecem ser evocados os temas compostos por Ennio Morricone para os spaghetti western de Sergio Leone. Diego Fernández ainda tem de percorrer um longo caminho evolutivo na realização cinematográfica, mas a sua primeira obra, pese algumas limitações a nível da narrativa e até das imagens em movimento, é capaz de se revelar um road movie com alguns pormenores interessantes e dignos de tornarem o cineasta como um nome a seguir com alguma atenção. 2/3


Título original: "Rincón de Darwin". Realizador: Diego Fernández Pujol. Argumento: Diego Fernández Pujol. Elenco: Jorge Temponi, Jorge Esmoris, Carlos Frasca.

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