“Nunca quis fazer um filme margarina, queria mostrar os tabus da gravidez” observador.pt/2016/07/01/nunca-quis-fazer-um-filme-margarina-queria-mostrar-os-tabus-da-gravidez/
Rita Ferreira Durante nove meses, entramos na intimidade de um casal de atores que espera um filho. Um pouco antes, até. Entramos pela peça de teatro que estão a encenar — A Gaivota, de Tchekhov — e naquele momento em que ela, na casa de banho minúscula, ele do lado de fora, faz xixi para um teste de gravidez. Sim, faz xixi. É assim que toda a gente faz, é assim que este documentário-ficção mostra. Olívia Corsini é Olívia, Serge Nicolai é Serge. São um casal enamorado, que partilha a profissão e a alegria imensa da notícia: é positivo, há um bebé a caminho. Mas este não é um filme de uma gravidez cor-de-rosa, nem do endeusamento da mulher que gera um filho. O primeiro embate com a realidade acontece num jantar, quando Olívia percebe que, muito provavelmente, não vai conseguir acompanhar a companhia de teatro na digressão a Nova Iorque, uma oportunidade que todos festejam com vinho e gargalhadas, perante o olhar desconcertado de Olivia. Pouco tempo passa e Olivia tem um percalço na gravidez. A médica ordena que fique em casa até o bebé nascer. E aqui começam todos os dilemas, todas as interrogações, todas as discussões e altos e baixos, durante os nove meses em que Serge prossegue com a sua vida de ator e Olivia espera em casa. – O que fizeram hoje? — pergunta Olivia a Serge quando ele entra em casa vindo de mais um dia de trabalho. – Ensaiámos, como sempre — responde ele, não querendo prolongar a conversa com pormenores. Mas ela quer saber mais. Ela ali parada todo o dia no sofá e ele a ensaiar, outra atriz no lugar dela, e ele quase não conta como a outra é. Olivia fala como se fosse uma injustiça esta distribuição de papéis. A vida dele prosseguia, ele trabalhava, pagava as contas, ia ao mercado e ela ali, sentada no sofá. Até que ele por fim, acicatado por ela, pergunta de volta: – E tu? O que fizeste? – Hoje fiz uma orelha, acabei o nariz, mas o que me deu mais trabalho foi o fígado. Isso foi o que me deu mais trabalho a fazer. Olmo e a Gaivota (Olmo é o nome do bebé que nasceu) é um documentário-ficção realizado por duas mulheres: a brasileira Petra Costa e a dinamarquesa Lea Glob. Estreia esta quinta-feira em Lisboa (Amoreiras e Cinema Ideal), Porto e Coimbra (cinemas NOS Dolce Vita), mas passou já no Indie Lisboa. Foi nessa altura que conversámos com Petra Costa, uma das realizadoras do documentário que tem mão portuguesa, numa coprodução de O Som e a Fúria. – Como surgiu a ideia para este filme? Foi uma conjunção de acontecimentos sucessivos. Fui convidada pelo Docs Lab, da Dinamarca, onde dez cineastas europeus co-realizam filmes com dez cineastas fora da Europa. Eu e a Lea tínhamos uma semana para decidir que filme iríamos fazer. Eu tinha uma ideia que era a de fazer um dia na vida de uma mulher, em que nada acontece, mas tudo acontece na cabeça dela. Já tinha conhecido também a Olivia [a protagonista do filme] e queríamos trabalhar juntas. Contei isto à Lea, ela gostou, e disse: ‘e se nós arranjássemos uma mulher real?’, porque ela queria fazer um documentário. Eu disse ‘sim, mas vamos convidar uma atriz e assim ela pode fazer a vida real dela e nós brincamos com mais liberdade’. Então perguntei à Olívia e ela aceitou. Nesse mesmo momento disse que estava grávida. Então, o que era um dia virou nove meses e nós acolhemos muito bem essa novidade, porque somos ambas mulheres, nos 30 anos, e tínhamos já muitas questões sobre o que é engravidar ou não, sobre o
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