Petra Costa. “Só tento retratar o que sinto como mulher” ionline.sapo.pt/515457
Descobrimos o empolgante cinema documental de Petra Costa às arrecuas. Primeiro, seduzidos pelo desafio de captar a vida e o turbilhão de emoções e implicações de uma atriz durante a sua própria gravidez, para penetrar depois na memória da cineasta ao evocar a vida e a morte da irmã num documentário acentuado em tons de thriller, e, por fim, chegámos a uma curta, também ela tocada pelo peso da memória, onde celebra a vida e o amor de 70 anos dos seus avós. Mas o que é esta realidade que teima em celebrar-se em tons de ficção? Em “Olmo e a Gaivota”, apresentado em Portugal no último IndieLisboa e que agora chega às salas nacionais, uma atriz de teatro descobre que está grávida, o que coloca em causa a temporada de espetáculos da companhia. O filme é isso, essa espera, mas também todas as dúvidas e consequências que ela acarreta. Fascinados com essa ideia de a realidade da própria atriz definir o percurso de um filme, atiramo-nos ao anterior documentário de Petra, o avassalador “Elena”, que acompanha a vontade indómita da irmã da realizadora, Elena, de ser atriz e procurar o seu sonho em Nova Iorque, onde acabaria por suicidar-se. Mas este é também um filme sobre Petra, pois acompanha toda a sua vida, o convívio com a irmã, que lhe dá uma concha antes de partir, através da qual “poderás sempre falar comigo”, como lhe dirá nas imagens de arquivo que motivam essa deriva à procura dos passos da irmã. Por fim, ou antes, no início, o quadro genético da cineasta completa-se com a tocante curta “Olhos de Ressaca”. Esta é tanto uma conversa sobre cinema como sobre Petra e aquilo que a (co)move. Como se fosse um road movie da mente, como ela diz. “Olmo e a Gaivota” é um filme sobre uma atriz que é surpreendida por uma gravidez, seguindo o filme esse percurso. No seu documentário anterior, “Elena”, evoca a memória e o suicídio da sua irmã através de imagens captadas pela família. Poderemos dizer que, para si, a vida, o documental e o cinema são indissociáveis? O que me atrai no cinema é a possibilidade de fazer mergulhos no pensamento e na mente, como se fossem road movies da mente. Entramos na subjetividade das personagens e procuramos chegar aos lugares mais escondidos, por vezes traumáticos e recônditos, vergonhosos e traumáticos. São lugares quase existenciais e cheios dessa emoção. Foi dessa busca que saiu o “Elena” e o “Olmo”. No caso de Elena, a minha própria vida, a da minha irmã. Aí mergulhámos no trauma para ver quais eram as ondas sonoras e espirituais que dele saíam. Arrisco dizer que é o trauma que sugere parte da matéria-prima mais fértil. Sente isso? Sinto, porque o trauma é uma concentração de energia muito grande que está congelada. Por isso, nos momentos em que tocamos essa matéria emocional, até aí intocada e pronta para sair, deflagra uma enorme torrente de emoção. Mais do que uma bela lembrança ou alegria. É que as alegrias e lembranças estão no trauma também. Porque eles só ocorrem quando algo muito bonito, muito desejado, ficou em risco. No caso do “Olmo”, é a vida de uma criança que está em risco. É quase como uma compreensão da vida através da morte. No caso de “Elena”, é uma compreensão da morte através do nascimento. Creio que o mesmo sucede com a sua primeira curta, “Olhos de Ressaca”, um filme sobre os seus avós... Sim, é um filme sobre o envelhecer. Eles, que viveram juntos durante 70 anos, percebem a proximidade de uma inevitável partida. Acho que a realidade da vida e da morte é uma contraposição essencial, talvez a mais essencial de todas. É curioso perceber, e percebemos através de “Elena”, que a Petra teve contacto com o cinema muito cedo. Muitas das cenas que vemos em “Elena” fui eu que filmei. De resto, esse documentário só foi possível por a
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