OLMO E A GAIVOTA_20160703_Metropolis {entrevista} [pt]

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O Olmo e a Gaivota - Petra Costa cinemametropolis.com/index.php/pt/passatempos-2/item/1270-o-olmo-e-a-gaivota-petra-costa Destaque

Depois de «Olhos de Ressaca» (2009), curta-metragem sobre os avôs e «Elena» (2013) sobre o suicídio da irmã, a realizadora brasileira Petra Costa volta a surpreender com «Olmo e a Gaivota», imersão na vida da atriz Olivia Corsini durante a sua gravidez. Conversámos com Petra sobre a origem do projeto, a co-autoria do filme com Lea Glob, o título do filme, o trabalho com Olivia Corsini e Serge Nicolai, a rodagem e as suas limitações e ainda sobre a participação do ator Tim Robbins na produção do filme. Depois de «Olhos de Ressaca» (2009) e «Elena» (2013) surge com esta belíssima história de amor e vida. Fale-nos da génese deste projeto ... Bem, eu venho do teatro e tinha um desejo grande de fazer um filme com um grupo de atores e queria criar da mesma forma que se cria no teatro – à base de improvisação, de workshop - uma co-autoria em conjunto com os actores. Da experiência que tive noutros filmes de ficção achava o processo de ficção um tanto engessado em que o ator e o realizador ficam reféns dum argumento que acaba, muitas vezes, de imobilizá-los ... Aprisiona? como se Aprisionasse? É! E o realizador, muitas vezes, escuta muito pouco os seus atores e cria muito pouco com os atores que são, quando bons atores, verdadeiros autores. E eu queria fazer um filme nesse espírito de colaboração. Então, tinha esse desejo! Aí, quando estava a terminar o «Elena» (2013), mostrei ao Serge Nicolai e à Olivia Corsini , pois eles estavam em tournée mundial e passaram alguns meses no Brasil. Eles gostaram do filme e a Olivia disse: vamos fazer um filme juntos! Eu fiquei com essa ideia na cabeça. Logo depois, fui convidada para fazer uma co-realização com a Lea Glob por um festival na Dinamarca ... Para fazerem um filme em conjunto? Sim! Convidaram dez realizadores europeus para fazerem filmes com dez realizadores não-europeus. E aí aceitei o convite pois já gostava do trabalho ... E foi a Petra que introduziu o tema do futuro filme? Depois, tínhamos uma semana para decidir o filme. falei com a Lea e propus-lhe duas ideias: uma era essa

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ideia de fazer algo com esses atores mas antes disso contei-lhe dum argumento que era um dia na vida duma mulher em que nada acontece mas tudo acontece dentro da cabeça dessa mulher. E a Lea gostou e disse: porque é que não escolhemos uma mulher verdadeira (pois ela queria mais fazer um documentário). E eu disse: e se essa mulher real fosse uma atriz? E o material fosse a vida dela? E ela gostou dessa ideia e fomos perguntar à Olivia se ela se interessaria e ela aceitou mas disse que estava grávida! E aí um dia na vida duma mulher, transformaram-se em Nove Meses! E foram nove meses de rodagem? Foram nove meses de rodagem mas ainda continuamos a filmar depois do nascimento do bébé!

Depois de Elena, filme mais melancólico nas suas próprias palavras, surge com este Olmo e a Gaivota, mais luminoso! Porquê esta escolha? foi intencional? Não! Eu não teria problema nenhum em fazer só filmes dum tipo mais melancólico. Na verdade foi a pesquisa que levou a isso: um dos motivadores da pesquisa foi o quanto se passa dentro da cabeça que é incomunicável e não se traduz em eventos... Em factos da vida duma pessoa? Factos da vida! Que são esses questionamentos existenciais ... As dúvidas, os medos, as angústias? Exatamente! No caso do «Elena» (2013) claro que isso já estava presente muito a partir desse evento sísmico que é o suicídio. Neste caso, do «Olmo e a Gaivota» (2015), o evento sísmico é o nascimento. No filme anterior, a imersão era na sua história, da sua irmã, enfim nas suas origens. Os passos dados pela sua irmã em Nova Iorque, a sua carreira, as suas cartas... Agora é a vida doutra mulher, também atriz, mas existe um distanciamento maior. Qual dos dois foi o mais difícil de realizar? Cada um tem a sua dificuldade: no Elena era difícil estar convivendo com a Morte durante tanto tempo, mas o que era fácil era que a investigação dependia apenas do meu inconsciente e dos diários. Tudo o que observava estava ali muito disponível para mim. No caso de «Olmo e a Gaivota» estava com dois seres humanos, com os

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quais não tinha uma intimidade tão grande e que tinham barreiras! existiam vários lugares da intimidade deles que eles não queriam que nós entrássemos ... Que nunca foram ultrapassados? Sim! Acho que o filme mostra isso. Mostra esses momentos de pausa e de diálogo entre Realizadores e Atores ... Sim, então isso é uma dificuldade. Em termos psicológicos a pesquisa no «Olmo e a Gaivota» foi mais difícil. Porque se investigasse mesmo quando não existem barreiras é muito mais fácil. Agora no outro as barreiras são impostas por eles, você não tem muito controle. Nesses momentos de diálogo com os atores que o filme mostra, houve sugestões da parte deles: nem por aqui não podemos ir. Essas sugestões foram acordadas no princípio ou foram ao longo do filme? Não, foram ao longo do filme. Mas, uma coisa que a Olívia definiu no inicio foi não filmar o parto! Por exemplo, achei que outro momento de limitação podia ser a nudez da Olívia... Não, não foi!

A encenação da peça: as imagens da sala de ensaios do teatro e da interação artística entre o casal são abandonadas quando Olívia é obrigada a deixar a produção da peça e a ela apenas regressa quando Olívia recorda o passado amoroso dela. Porquê essa opção de deixar as imagens dos ensaios e fechar em quatro paredes as câmaras, na casa deles, numa sensação de claustrofobia sentida ao longo do filme ? Porque estávamos olhando o mundo através do ponto de vista dela. E essa claustrofobia foi imposta pela condição dela não poder sair de casa. Essa claustrofobia decorreu da própria situação dela? Sim, porque senão seria talvez um filme normal: via um casal apaixonado, que têm filho e aí você acompanha o marido esperando .... Agora, o que nos interessou nesse filme e que acho que falta muito nas narrativas, tanto na literatura como no cinema, é saber o que se passa na cabeça da mulher enquanto ela cria um ser. É quase irónico que a sociedade ocidental tenha dado tanta ênfase a essa narrativa que Deus criou o mundo em sete dias! Isso é uma hipótese, não é? A única coisa que têm em concreto é que uma mulher demora nove meses, uma cadela em tantos meses, uma baleia em tantos meses ... Isso é o que há concreto, embora não se explore

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isso. Não se explora o que é que acontece no primeiro mês, o que que acontece no segundo mês e no terceiro dentro da cabeça da mulher. E fisiologicamente? quando ela cria os olhos, a barriga, etc ... Poderia haver uma bíblia inteira sobre isso, mas não há! O quanto isso vem do homem de tirar a narrativa da mulher... E a rodagem do filme foi sendo feita, também, em função das limitações da própria atriz. Isto é, aquela limitação de não poder sair de casa surgiu no próprio filme? Vocês não estavam á espera? Não. Surgiu e até como se mostra no filme nós chegámos a pensar: será que paramos? será que faz sentido continuar? Porque os nossos planos eram filmar em Itália (a Olivia é italiana), filmar noutros lugares ... As viagens dela, as deslocações dela, a própria viagem a Nova Iorque com a companhia de teatro que estava prevista. Vocês viram isso como uma limitação ou como uma oportunidade? Virou uma limitação que nós depois utilizámos como uma oportunidade. O filme inteiro foi um pouco isso: a realidade se impondo desde a gravidez, depois a complicação da gravidez. Foi o tempo inteiro adaptando-se à vida! Um dos momentos mais bonitos do filme: quando a Olivia pode finalmente sair à rua, há uma espécie de libertação? Sim. Uma ode à alegria, á vida. Ao estar na rua. Como foi para vocês viver esse momento enquanto criadoras? Nós sentimos essa saída por termos tido esse tempo de claustrofobia e aí é como se a Gaivota voltasse a ter asas (O título «Olmo e a Gaivota» reflete muito o embate ao qual o protagonista está imposto – um desejo de voar, de criar, da artista e da liberdade e o outro que é o Olmo, uma árvore, que é a criação duma família, a criação de raízes e o quanto tem que se sacrificar para isso também). Esse é o momento em que a Gaivota volta a ter asas!

Poético! Ao longo do filme, a Petra (e a Lea Glob também) intervêm e dialogam com os atores. Estes momentos foram decisivos na construção do próprio filme? No sentido de apontar um rumo – agora vamos por aqui e já não por aqui ... Sim. Na verdade isso foi uma escolha feita na montagem pois durante a rodagem nós não tínhamos a certeza se íamos ou não incluir esses diálogos. Mas, aí durante a montagem nós quisemos assumir-nos como personagens nesse filme como elementos perturbadores.

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E acha que o filme funcionou melhor com esses elementos disruptivos, como agora se diz? Acho que sim. Tinha-me dito que a Olívia e o Serge também deram sugestões? Claro. Eles colaboraram muito. Que peso tiveram essas sugestões? É difícil pesar mas a voz off, por exemplo, resultou dum pedido que fizemos à Olivia para gravar um diário de voz durante os nove meses de gravidez. Aí esse diário enformou não só o diário de voz off mas também algumas cenas. Porque a voz off é um elemento que integra sempre os seus filmes? É um elemento estruturador do filme, para si? Sim! A voz off é a alma do filme! O cinema criou uma aversão à voz off que eu lamento e tenho pena, na verdade. Porque a voz off é a subjetividade! E talvez essa aversão à voz off que surgiu no cinema seja uma aversão à subjetividade. Faz-se mas não se reflete! Pode existir cenas de encontro ou de discussão mas a reflexão não. E a reflexão talvez seja o mais interessante. Porque nós vemos um casal a discutir, o que nós não conseguimos, no dia- a-dia, é entrar na cabeça das pessoas. Isso é o que mais me fascina no cinema, a possibilidade de entrar dentro da cabeça de outra pessoa. Essa Imersão, não é? É. O filme passa-se quase todo em interiores (a casa, a sala de ensaios, a casa dos amigos no jantar, o consultório médico). A intenção de criar uma atmosfera algo claustrofóbica resultou das próprias circunstâncias da vida dela, não é ... No cinema dinamarquês e o Lars Von Trier tem um filme que se chama cinco obstruções e ele vai colocando obstruções para se fazer uma pequena curta que o realizador já tinha feito antes. Mas existe toda uma teoria no cinema sobre como trabalhar com limitações. E essa limitação do apartamento foi a limitação criadora do filme. Muitos autores dizem que o pior que podem ter num filme é não ter limitação nenhuma pois aí você não tem nenhuma ... Fonte ... Fonte de Atrito! Portanto, este filme teria sido outro se a Olivia tivesse tido outra vida? Seria outro filme, completamente diferente ... Sim! Sem dúvida. A condição da mulher: Olívia é obrigada a deixar de trabalhar, a suspender a carreira para abraçar as tarefas maternais em exclusividade enquanto Serge continua a fazer a sua vida, prosseguindo a carreira e viajando, inclusivamente ao estrangeiro. Afinal em que ponto estamos em termos de condição feminina neste século. Pensaram nestas questões durante o filme? Pensámos nisso desde o começo. Quando ela falou que estava grávida foi muito isso que nos interessou em continuar porque é um tema muito pouco discutido. Hoje em dia a gravidez é um dilema para quase todas as mulheres que têm a oportunidade de escolher. É um dilema para mim, para a minha co-diretora (Lea Glob) e por isso também nós nos interessámos em fazer o filme. Pois esse aspeto que hoje não se fala muito mas que no filme ressalta muito: esta impossibilidade, a Olivia tem que fazer uma opção – deixar de fazer a coisa que mais gosta na vida que é ser atriz e tem que se dedicar apenas a uma coisa. E esse aspeto é marcante ... Sim, e para muitas mulheres essa decisão não se dá durante a gravidez mas logo depois da gravidez, quando o filho nasce. Nós tentámos condensar as questões da maternidade durante os nove meses da gravidez mas para muitas mulheres essas questões surgem depois. É o seu primeiro filme a estrear em Portugal?

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Sim, sim! Como se sente em relação a isso? É um momento muito marcante poder estar a estrear aqui. Gostaria muito que o «Elena» (2013) pudesse estrear aqui também. Poderá com esta estreia abrir uma porta para que o seu trabalho seja distribuído em Portugal? Espero que sim.

«Elena» (2013) é um filme belíssimo e tem uma história interessante à volta dele. Quer-nos contar a ligação de Tim robbins ao filme e como tudo começou. Sei que entregou um Dvd do Elena (2103) ao Tim Robbins ... Foi em 2013 que tudo se passou: no festival de Berlim, entreguei um dvd do filme para ele. Conversámos um pouco porque o Tim Robbins é um dos atores mais ativistas nos EUA . Conversámos sobre isso e eu tinha visto uma peça de teatro dele contra a guerra no Iraque que foi um pouco destruída pela imprensa norte-americana. Dei-lhe um dvd e ele teve a grande generosidade de assistir ao filme e disse que gostaria de ajudar o filme como pudesse. E sugeriu entrar como produtor executivo do filme na estreia nos EUA. E isso aconteceu e o filme teve uma estreia muito bonita nos EUA. Muito graças à ajuda dele, também. E voltou a produzir este agora – «Olmo e a Gaivota»? Foi uma grande coincidência porque quando falei para ele que estava fazendo este filme, ele já conhecia o Serge e o Theatre du Soleil. Ele tem um grupo de teatro em Los Angeles que é inspirado no Theatre du Soleil – é como um filho desse teatro. E ele entrou, de cabeça, neste projeto, também. Já está a trabalhar num novo projeto? Estou a trabalhar nalguns projetos. Documentário e ficção. Estou a trabalhar num projeto sobre a questão política brasileira e acompanhando essa crise atual.

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