Lucrecia Martel: “Não fiz nada para ser uma heroína!” publico.pt/2018/04/27/culturaipsilon/noticia/lucrecia-martel-nao-fiz-nada-para-ser-uma-heroina-1811335 Jorge Mourinha
As primeiras imagens de Años Luz são um écrã em branco, no qual irão surgir reproduções de uma conversa por e-mail. O documentarista Manuel Abramovich pergunta se poderia acompanhar as rodagens da quarta longa-metragem de Lucrecia Martel, Zama, adaptada do romance publicado em 1956 por Antonio de Benedetti. Depois de um par de e-mails sem resposta, Lucrecia finalmente entra em contacto. E, apesar de disposta a colaborar com o realizador, responde-lhe: “Estou a anos-luz de poder ser protagonista de um filme.” É também essa a primeira coisa que a cineasta argentina escreve em resposta à primeira das perguntas que o Ípsilon lhe enviou por e-mail: “Não fiz nada para ser uma heroína.” Apesar do IndieLisboa lhe atribuir na edição de 2018 o estatuto de “Herói Independente”, com a cineasta a estar presente em Lisboa durante uma retrospectiva que inclui a exibição de Años Luz, cinco curtas seleccionadas pela própria e a totalidade das suas longas – O Pântano (2001), A Rapariga Santa (2004), A Mulher sem Cabeça (2008) e, em anteestreia, Zama (2017), co-produção com Portugal com fotografia de Rui Poças, que chega às salas ainda durante o festival, a 3 de Maio. E apesar da retrospectiva portuguesa surgir na sequência de uma outra que acaba de ter lugar em Nova Iorque, no Lincoln Center, em pleno boca-a-boca global crescente de Zama, que estreou fora de concurso em Veneza 2017 e se tornou num dos filmes mais falados da actual temporada de festivais. Zama, dia 28/4 às 21h30 na Culturgest A minha maior motivação para filmar é a conversa, a tradição oral, o diálogo. E antes de Zama viajei pelos lugares onde queria filmar. Essas conversas com a gente foram cruciais Com tudo isto, Lucrecia continua a escapar-nos. Años Luz mostra-a durante as rodagens de Zama, deixa-se fascinar pela sua energia intensa absolutamente concentrada no plateau, em cada elemento da cenografia, do movimento dos actores, da lógica do enquadramento, da imagem. Fora do plateau, Lucrecia resguarda-se, protege-se, mantémse à distância; preferiu responder às perguntas do Ípsilon por escrito. Sabe-se que os dez anos que mediaram entre A Mulher sem Cabeça e Zama foram difíceis. Lucrecia trabalhou durante três anos numa adaptação de El Eternauta, lendária novela gráfica de ficção científica de Héctor Oesterheld, que acabou por ser abandonada por falta de entendimento com os produtores. Zama, filme de época rodado em exteriores, teve uma rodagem difícil e uma pós-produção longa interrompida por problemas de saúde. Mas o pudor fala mais alto. A consciência de si própria também. “Não tenho paciência com os artistas que se imaginam acima dos seres humanos” escreve no e-mail. “É uma chatice, só querem falar de si próprios. São sisudos, de uma solenidade espantosa, ou então embebedam-se e temos de os aturar a falar outra vez de si próprios só que agora a chorar... E acabamos por deixar de ter vontade de ver os seus filmes.”
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