Os fantasmas segundo Sandro Aguilar publico.pt/2018/09/13/culturaipsilon/entrevista/os-fantasmas-segundo-sandro-aguilar-1843321
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Entrevista Com Mariphasa, que esteve no festival de Berlim este ano, a chegar esta semana à sala, Sandro Aguilar regressa à longa-metragem, dez anos depois de A Zona. É o filme “mais acessível” de um cineasta secreto, com larga experiência nas curtas e na produção, fiel a um universo que é só seu e que não tem igual no cinema que cá se faz. Jorge Mourinha 13 de Setembro de 2018, 15:34 “No outro dia, estava a ler uma entrevista do Jim Jarmusch onde ele dizia, a propósito do Paterson, que é preciso construir um momento em que filmar um copo de água meio vazio queira dizer alguma coisa e não esteja só a empatar. E para que um copo de água meio 1/2
vazio tenha valor é preciso construir o filme à volta, para preparar esse momento.” Parecendo que não, é uma boa definição do que Sandro Aguilar procura — não que o seu cinema tenha muito a ver com o de Jim Jarmusch, pelo menos à superfície. O nome do cineasta lisboeta será provavelmente mais conhecido como produtor n’O Som e a Fúria; a firma que fundou há 20 anos tem sido casa para Miguel Gomes, Manuel Mozos, João Nicolau ou Salomé Lamas, mas também produziu Manoel de Oliveira (O Gebo e a Sombra), Maren Ade (Toni Erdmann) ou Lucrecia Martel (Zama). Mas Aguilar é um realizador prolífero — só que no mundo da curta-metragem: uma dúzia de filmes rodados ao longo dos últimos vinte anos, desenhando em conjunto um universo visual pessoal e intransmissível, trabalhando um formalismo cuidado, mais atmosférico do que narrativo, paredes-meias com o experimental. Numa das salas de montagem do Som e a Fúria, à beira de mudar de instalações, Aguilar admite ao Ípsilon: “A minha forma de olhar para a forma específica do cinema é mais próxima da música ou da poesia do que da narrativa. Mais próxima do imaginário, e de um imaginário inconsciente, de qualquer coisa de menos dizível.” Um cinema que assume uma quota-parte de desafio e convite ao espectador, a quem o realizador propõe ser cúmplice e participante no jogo da criação do filme: “Enquanto espectador gosto de ser tratado com respeito e de ter espaço no interior de um filme para o poder habitar. Não gosto do que me é dito e do que me é explicado. Gosto de estar em estado constante de adivinhação, de perscrutar o que me está a ser apresentado; de inferir, a partir daquilo que me é mostrado, o que é que se está a passar, o que é que o filme me está a querer dizer.” Mariphasa é apenas a segunda longa-metragem de Sandro Aguilar, exactamente dez anos depois da primeira miguel manso Como espectador, gosto de estar em estado constante de adivinhação, de perscrutar o que me está a ser apresentado; de inferir, a partir daquilo que me é mostrado, o que é que se está a passar, o que é que o filme me está a querer dizer É esse desafio que Aguilar lança mais uma vez ao espectador com Mariphasa, apenas a sua segunda longa-metragem, exactamente dez anos depois da primeira, A Zona, OVNI do cinema feito em Portugal que teve uma difusão verdadeiramente confidencial. História de gente com feridas difíceis de sarar que se parecem assombrar umas às outras Mariphasa chega finalmente às salas depois de exibições no Curtas Vila do Conde, no Forum da Berlinale e no Indielisboa e, para os muitos que não conhecem o cinema do realizador, é um ponto de entrada ideal: um filme mais acessível, menos abstracto, com gente dentro, mas que não condescende nem faz a papinha ao espectador. E, também, uma espécie de “síntese” de uma das carreiras mais consistentes e secretas do cinema que cá se faz.
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