Check-in numa Macau de sombras e noite dn.pt/cultura/interior/check-in-numa-macau-de-sombras-e-noite-10880290.html 9 de maio de 2019
Depois da estreia nacional no IndieLisboa e da antestreia mundial em Pingyao, no festival de Jia Zhangke, o novo de Ivo M. Ferreira, autor de Cartas da Guerra, chega agora a Portugal. Trata-se de um belo filme que recupera o olhar do realizador português sobre esta China contemporânea, neste caso um conto na Macau moderna. Um "film noir" que relata a história de um pai e de uma filha portugueses a tentar manter o seu hotel em Macau contra a especulação imobiliária. Margarida Vila-Nova é a filha, uma artista da noite que é seduzida por um asiático que tenta fazer o negócio do Hotel Império. Ela é uma mulher disposta não deixar escapar uma Macau que é o seu traço de identidade. Ivo M. Ferreira filma tudo com uma bom gosto irrepreensível e tem um olho muito sensual sobre os recantos de uma velha Macau saqueada pelos abusos da gentrificação. E nesse olhar há uma preferência por detalhes de uma cidade que emana cheiros e atmosferas, tal como acontecia na sua curta Na Escama do Dragão, onde parece não haver plano algum sem uma camada insidiosa de encanto que alude a um movimento de tempo em cinema muito próprio. Não se trata de exercício de estilo, é ensaio de estilo. Nesse sentido, é um filme que namora, seduz o espetador. Quem aderir, ficará com um fraquinho, quanto mais não seja pela interpretação de Margarida Vila-Nova, atriz que em cinema expõe um mistério de intimidade tocante.
Depois, há também uma amargura sincera na forma como documenta e regista um certo flagelo de imaginários simbólicos de uma Macau onde há ainda quem caminhe de frente para trás e cuja luz transmite uma pulsão de perturbação. E esse trabalho meticuloso está estremado num cuidado domínio de precisão de câmara. As cores difusas da diretora de fotografia Susana Gomes tornam-se num pêndulo certo para as ambições de "film noir" de Ivo Ferreira. Se Macau é território de "noir" série B,Hotel Império é um feliz exemplo dos espelhos e reflexos de um cineasta que não tem medo de se atirar ao cinema de género. Depois de Cartas da Guerra, Ivo M. Ferreira conseguiu um sucessor à altura.