Claudia Carvalho Silva É uma Ägura de culto do humor nacional, conhecida pela sua esperteza saloia e que pode causar estranheza a quem não conhece. O Filme do Bruno Aleixo, que junta os bonecos nonsense às personagens mais humanas de Adriano Luz, Gonçalo Waddington ou Manuel Mozos, chega aos cinemas a 23 de Janeiro.
24 | ípsilon | Sexta-feira 17 Janeiro 2020
Bruno Aleixo: o quotid e o bizarro à mesa do C
onhecemo-lo em pequenos vídeos online em que aconselhava os espectadores a não dormirem nus, a não mentirem à polícia e a guardar bolas de naftalina para que os miúdos as comam a pensar que são amêndoas; mais tarde, passou para a rádio onde falava (e ainda fala) descontraidamente com os seus comparsas sobre temas da actualidade. Falamos de Bruno Aleixo, uma espécie de cão de peluche humanizado que traz vestido um pólo, um chico-esperto coimbrão com um sotaque da Bairrada bem vincado. “É humor de quotidiano. São bonecos estranhíssimos, mas nada daquilo nos é estranho. É o tipo de conversas que podemos apanhar num café ou que podemos ter com a nossa avó. Nunca há uma invasão extraterrestre ou uma guerra nuclear, são contextos do dia-a-dia”, reconhece João Moreira, que, com Pedro Santo, criou em 2008 esta personagem fictícia e respectivos companheiros. E é precisamente numa mesa de café que se passa grande parte da longa-metragem O Filme do Bruno Aleixo, que chega aos cinemas portugueses a 23 de Janeiro. O filme, escrito e realizado pelos dois criadores, começa com uma discussão sobre um tema tão divisivo quanto
pode ser a diferença entre uma meia de leite e um galão. A história, de resto, é outra. Mais meta: os amigos juntam-se numa esplanada no Parque Verde do Mondego, com Coimbra como pano de fundo, porque “um homem que tem uma empresa que faz filmes” ligou a Bruno Aleixo a propor-lhe que fizesse um sobre a sua vida. Biográfico? “Um bocadito, ninguém tem nada a ver com o que eu faço ou deixo de fazer”, começa por contar o boneco, que precisa de ideias. A proposta de se fazer um filme foi feita há já alguns anos, pela produtora O Som e a Fúria, que considerava os longos silêncios e trocas de olhares mais cinematográficos do que de sitcom. É, literalmente, uma conversa de café que acaba por ser a linha narrativa que dá coesão ao filme. Mas é também um filme de comédia que vai arrancando gargalhadas sobretudo pela sua imprevisibilidade, aleatoriedade e pelos longos silêncios, que faz alusão a vários estilos cinematográficos. Recria filmes de acção, terror, thrillers, policiais e sitcoms — aqueles a que os amigos do Aleixo, que não percebem muito de cinema, costumam assistir e conseguem referenciar. “São pessoas normais a terem ideias para um filme.
Como são personagens estáticas, o truque é que as ideias que vão tendo são representadas no ecrã, com actores”, resume Pedro Santo. À cabeça estão Adriano Luz e Rogério Samora. Estes amigos são uma ode ao absurdo, igualmente invulgares e com personalidades bem acentuadas. Apresentem-se: o ingénuo estudante universitário com cara de O Monstro da Lagoa Negra, com discurso arrastado e que acha tudo “simbólico”, Renato Alexandre; um busto alvo de Napoleão Bonaparte incompreendido que se chama Busto; e um boneco barbudo pré-histórico e quase imperceptível sem legendas, o Homem do Bussaco. Todos animados. Durante o brainstorming que se vai concretizando em filme conforme vão surgindo as ideias, ainda se juntam outras personagens por telefone: o seu Jaca, o amigo brasileiro cuja cabeça é o fruto homónimo; o porteiro retardado Nelson e ainda o doutor Ribeiro, o médico invisível que aparece no filme quando ainda estava a desaparecer. “As personagens são bastante nonsense, no entanto tentamos sempre que as conversas sejam terrenas. Há muito aquela vivência de ir ao café e de estarem sempre a picar-se uns aos outros e a tentar sair por cima, a ga-
nhar pequenas apostas e disputas”, explica Pedro Santo, que dá a voz ao Busto. Bruno Aleixo é uma produção habituada a formatos mais curtos: pequenos vídeos, trechos na rádio, bocas nas redes sociais. O próprio filme acaba por recorrer ao portoseguro de sketches, fazendo-se uso de pequenos “filmes” dentro do filme. Ainda que os convidados de carne e osso intercalados com os bonecos não sejam novidade nas produções de Bruno Aleixo (sobretudo televisivas), esta traz consigo uma novidade: a certa altura, as vozes dos actores Adriano Luz e Rogério Samora são dobradas com as de Bruno Aleixo e do Homem do Bussaco, respectivamente — uma forma de “driblarem” a inflexibilidade das personagens, que são estáticas além dos movimentos da boca e das expressões faciais. A primeira aparição de Bruno Aleixo aconteceu em 2008, mas o pequeno urso-cão tem, na verdade, 62 anos. Desde que surgiu que é representado em duas dimensões numa versão “lo-fi”, como diz João Moreira, ou “tosca”, como descreve Pedro Santo. Começou por ser um Ewok, as criaturas do universo de Star Wars, propriedade da Lucasfilm — quando passou para os ecrãs televisivos, ainda