Catarina Wallenstein: “Os portugueses têm pouca capacidade de rirem deles próprios” [PT]

Page 1

Catarina Wallenstein: “Os portugueses têm pouca capacidade de rirem deles próprios” nit.pt/cultura/cinema/catarina-wallenstein-os-portugueses-tem-pouca-capacidade-de-rirem-deles-proprios

Há um monstro amarelo a pairar do passado. Começamos no Brasil à procura de fortuna, munidos de um osso fémur com aparentes propriedades mágicas. Conhecemos um miúdo que se apaixona e vê o seu primeiro amor ser devorado pelo tal monstro amarelo, numa sequência em animação que cedo nos desarma. Há aqui algo de absurdo e surreal a acontecer e essa ideia vai-nos acompanhar ao longo do filme. “Um Animal Amarelo” é a mais recente obra de Felipe Bragança, cineasta brasileiro já com nome no seu país e que continua a crescer por cá. O filme passa por Brasil, Moçambique e Portugal, com um elenco a condizer. É no nosso País que entra em cena Susaninha, personagem de Catarina Wallenstein, que esconde complexidade atrás da aparente sonsice. O filme tem elementos de realismo mágico e serve-se de humor e até de um certo ridículo para tratar assuntos bem pesados. Encontramos, por exemplo, todo um mercado de pedras preciosas fabricadas nos intestinos. É a herança da história, de um colonialismo que liga inevitavelmente os três países que está aqui em causa. Mas a visão não é a de quem quer contar uma história realista, taciturna, de violência e gentes agrilhoadas. “O Filipe [Bragança] subverte as lógicas de poder para podermos olhar para o ridículo das coisas”, explica à NiT a atriz Catarina Wallenstein. “Falamos de assuntos tão prementes de uma forma fabular. É feito com uma graça que a cultura brasileira tem, que consegue fazer uma auto-crítica com alguma leveza. E é algo que nós, portugueses, praticamos menos. Temos menos capacidade de rirmos de nós próprios”. 1/3


Subverter as lógicas de poder.

Acompanhamos nesta viagem Fernando (Higor Campagnaro), homem branco, cineasta falido com sonhos de fortuna. Tosco, mau a mentir, submisso e perdido, o pobre coitado segue na sua viagem com o tal monstro amarelo. Fernando tem a sua história mas a viagem dele é, à sua maneira, a nossa. “Este monstro amarelo é esta história que nós carregamos”. “Cada habitante na Terra carrega a sua história, quer queira quer não. E isto não é num sentido de julgamento e culpabilização. Tínhamos muito a ganhar ainda além da culpa e conhecermos o que herdámos da nossa história”, realça Catarina Wallenstein. “Um Animal Amarelo” dá-nos “um anti-herói absolutamente atrapalhado” que nos permite olhar para o tal passado fugindo à lógica habitual. “Temos falado ainda muito pouco da descolonização da cultura. Aqui em Portugal ainda temos uma visão muito eurocêntrica”, explica. “Houve uma exaltação patriótica”, alimentada pela propaganda da ditadura do Estado Novo, que contribuiu para isto. Aos poucos, em Portugal vai-se falando cada vez mais deste outro lado dos Descobrimentos, da violência que acompanhou um período de progresso e de exceção da história do País. Mas a atriz lembra que “podemos tratar deste assunto subvertendo um pouco as coisas”. Uma outra visão, entenda-se: “Como quando viajamos e saímos do nosso contexto”. 2/3


“Um Aninal Amarelo” resulta de um co-produção luso-brasileira. Narrada num português esculpido, é uma obra que assume deste cedo que é cinema, colocando o espectador em diálogo com o próprio filme. Em tempos de pandemia, com os cinemas a sentirem as dificuldades destes novos tempos que 2020 nos trouxe, perguntamos à atriz pelo momento. Catarina Wallenstein lembra-nos que o problema já vem de há muito. “A cultura tem sido deixada de lado, governo atrás de governo, e a situação tem estado a agravar-se. Precisamos que o Estado também valorize este setor se queremos que a população em geral valorize a importância da cultura”. O filme que chega esta quinta-feira, 15 de outubro, aos cinemas nacionais, tem já feito um percurso por festivais, incluindo na recente edição do IndieLisboa. Para Catarina, esta é uma fase especial, em que durante as entrevistas e apresentações se pode falar não apenas da obra mas do que ela trata. “Este é o momento em que podemos falar com as pessoas e sabermos como os filmes lhes chegam. São momentos de troca muito enriquecedores”, diz à NiT.

Watch Video At: https://youtu.be/C8UjhI2oqvk

3/3


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.