O MELHOR (ATÉ AGORA) DO FESTIVAL DE LOCARNO [PT]

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O Melhor (até agora) do Festival de Locarno c7nema.net/artigos/item/103236-o-melhor-ate-agora-do-festival-de-locarno.html 9 de agosto de 2021

9 de Agosto, 2021 Publicado por Jorge Pereira Rosa Nestes primeiros dias do Festival de Locarno, algumas obras destacaram-se na programação. Aqui fica una pequena amostra. Vortex – Fora de Competição Estreou em Cannes, mas marca presença também em Locarno. O novo filme de Gaspar Noé vai contra a corrente do seu cinema habitual, frequentemente acostumado ao choque e à irreverência. O tal choque ainda existe, naturalmente, mas vem diretamente da sublime interpretação de Dario Argento e Françoise Lebrun, bem secundandos por Alex Lutz como o filho, um antigo toxicodependente que procura manter-se longe das drogas. Mas o centro desta obra é uma doença neurológica degenerativa que afeta um dos elementos do casal e que leva o outro (com problemas cardíacos) ao desespero pela incapacidade de tomar conta do parceiro. Uma delícia estilisticamente marcada por um split screen permanente que nos guia por duas pessoas na última fase das suas vidas. Noé em grande forma. Monte Veritá – Fora de Competição Mesmo ao lado de Locarno, em Ascona, encontramos o Monte Veritá, o qual durante o início do século XIX serviu de local a muitos eventos e comunidades utópicas e culturais, que influenciariam mais tarde outros movimentos contraculturais como os hippies. Do socialismo primário à anarquia, passando por regimes vegetarianos e o naturismo, a colina foi um ponto essencial de fuga ao estabelecido, pelo menos até ao início da Primeira Guerra Mundial. Já com vários filmes na carreira, Stefan Jäger estreia-se nos filmes de época para contar a história de Hanna (Maresi Riegner em boa forma) que segue para o Monte Veritá para se libertar do seu papel burguês e das restrições sociais, descobrindo o prazer e a paixão pela arte e fotografia.

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After Blue (Paradis Sole) – Competição Internacional A irreverência de Mandico é mais que conhecida, não fosse ele – entre outros – signatário do Manifesto da Incoerência, como ficou conhecido em 2012. Depois de “Les Garçons Sauvages” o assumido não-binário leva-nos agora a um planeta – After Blue – onde apenas as mulheres podem sobreviver no meio da flora e fauna inofensivas. Eroticamente carregado, mas numa excessivamente sexualizado, esta é uma viagem alucinante onde só peca alguma extensão (2h07m). E neste imaginário não faltam referências cinematográficas, pulp e da banda-desenhada que transformam o cinema de Mandico em pura provocação e poesia visual e sonora. “Quero ser o David Bowie do cinema”, disse-nos em entrevista. Vendo o filme – onde não faltam armas e androides com nomes de grandes marcas (Channel, Gucci, Louis Vuitton) – o carisma e amor à arte está lá. The Odd-Job Men – Competição Internacional Abram espaço para o mais que provável vencedor do Prémio do Público, uma comédia sobre três “faz-tudo” que vagueiam de casa em casa e têm de lidar com mil e uma peripécias à conta dos seus clientes. Um crowd pleaser com cunho político e social (fala-se de migração, estereótipos, luta de classes) com uma forte veia documental apesar de ser ficção. É que a catalã Neus Ballús contratou realmente estes “faz tudo” (de eletricidade a canalização) para atuarem como eles mesmos, escrevendo um guião ficcional com as experiências e textos que foi acumulando em conversas com eles. Uma delícia com enorme potencial comercial. Vengeance Is Mine, All Others Pay Cash – Competição Internacional 2/3


Mais uma delícia num registo completamente diferente, entre o drama e o filme de ação inspirado nos filmes do género da década de 80 e 90 que fizeram sucesso globalmente. O título é claramente dos mais “cool” que estão por Locarno e a história e o engenho do realizador – Edwin – em articular o romance entre um lutador exímio impotente e uma mulher, também ela extraordinária nas artes de combate, é excecional, até porque por trás de tudo está um trauma e uma vingança tardia em marcha. Um “must” do realizador de “Blind Pig Who Wants To Fly” (ninguém bate Edwin nos títulos). Extra: Há duas curtas que merecem destaque nesta fase, uma na competição de autores, a outra na competição internacional. Comecemos pela última, “Night”, brilhante e envolvente animação de Ahmad Saleh. Através do stop-motion, o realizador mostra de forma deslumbrante a experiência de uma mãe fustigada pela busca incessante ao seu filho desaparecido. E temos ainda “Hotel Royal”, de Salomé Lamas, inspirada por Sophie Calle e incapaz de fugir a um olhar à la Stanley Kubrick pelos corredores do Hotel Overlook. Lamas faz uma viagem por entre quartos do Royal contando detalhadamente o que se encontra neles. Ana Moreira dá vida a essa camareira que nos introduz a este mundo onde os pertences de cada hóspede fornecem detalhes de vidas que permanecerão desconhecidas.

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