Diários de Otsoga – Modos de Ficção [PT]

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Diários de Otsoga – Modos de Ficção cinema7arte.com/diarios-de-otsoga-modos-de-ficcao Cinema(s)Crónicas, Luís Miranda·21 de Outubro de 2021

21 de Outubro de 2021

O plano da borboleta. Um plano inteiro, uma escala que enche o quadro. A luz, levemente a cair, recorta-a contra o fundo vegetal. Ela ali permanece, quieta e como que à espera do tempo de filmagem e do tempo correto e concreto da tomada de vistas. A imagem pousada da pausada borboleta afirma a aposta analógica de Maureen Fazendeiro e Miguel Gomes: o filme como um olhar, uma busca do visual, do visto para ser imagem, a imagem como ocularidade centrada e objetiva. Filmar uma borboleta é uma decisão. Registá-la analogicamente é uma afirmação. Como o olho a vê – ela que é a imagem de um pormenor que tem que ser procurado para ser visto, sentido e registado – desde o momento em que o voo termina e o corpo-asas se pousa, pressupõe sempre um ato de espera e de paciência, o acompanhar com o olhar, a atenção e a espera, o assento sincrónico com a sua paragem e, por fim, a contemplação registadora. Se a câmara for esse análogo do olho, e se estiver a filmar, a operação é toda ela de uma adequação e extensão do processo ocular que busca a imagem grande do pequeno visto/filmado. A borboleta ocupou metros de película, os da espera com o olhar e os da filmagem com a câmara. Esse registo vindica a aproximação ao cinema como essa perfeita analogia do olho humano, aquele que por vezes procura e segue, na calma do seu tempo, de modo a reter e registar o momento certo em que essa imagem grande se pousa e se faz a si mesma: a borboleta, pousada e em pausa, a deixar-se filmar, em toda a sua força e fragilidade, fina e colorida.

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