‘É um abre alas e um selo de qualidade’, diz Laís Bodanzky sobre seu filme no IndieLisboa jb.com.br/cadernob/cinema/2022/04/1037134-e-um-abre-alas-e-um-selo-de-qualidade-diz-lais-bodanzky-sobreseu-filme-no-indielisboa.html Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
‘A Viagem de Pedro’, da cineasta paulistana, será exibido no encerramento do festival
Laís Bodanzky, diretora de 'A Viagem de Pedro', que encerrará o IndieLisboaCredit...Foto: Fabio Braga / Biônica Filmes
O IndieLisboa dá partida na próxima quinta feira, 28 à sua 19ª edição no formato presencial com uma programação abrangente de 250 filmes que serão exibidos em mostras competitivas, retrospectivas e sessões especiais. “Albufeira”, de António Macedo, e “Zéfiro”, de José Álvaro de Morais, ambos restaurados pela Cinemateca Portuguesa, são os filmes de abertura. “A Viagem de Pedro”, de Laís Bodanzky, encerrará o evento em 8 de maio com a presença da diretora e do protagonista, o ator Cauã Reymond. O filme é um drama histórico luso-brasileiro sobre Pedro I, ex-imperador do Brasil, no seu regresso a Portugal. A história se passa no Oceano Atlântico, a bordo de uma fragata na qual se misturam membros da corte, oficiais, criados e escravos, numa babel de línguas e posições sociais. Em 1831, Pedro I deixa o Brasil independente, rumo a Portugal onde era considerado um traidor. Durante a viagem, ele tenta se preparar para guerrear com o 1/4
irmão pelo trono lusitano. Mas a doença e o medo da morte o lançam numa espiral de delírios. Ele revive então diversos momentos de sua vida: a infância, o casamento com Leopoldina, o romance com Domitila de Castro, enquanto imagina discussões fratricidas. O excelente elenco internacional é composto por Victoria Guerra, Luise Heyer, Francis Magee, Isabél Zuaa, Rita Wainer, Welket Bungué, Isac Graça, Luísa Cruz e João Lagarto. O filme é o 13º trabalho de Laís como diretora, que tem longas e curtas ficcionais, documentários e séries. Seu primeiro destaque em longas foi “Bicho de Sete Cabeças”, em 2000, que recebeu vários troféus, inclusive sete do Grande Prêmio Cinema Brasil (filme, direção, protagonista para Rodrigo Santoro, coadjuvante para Othon Bastos, roteiro, edição e trilha sonora para André Abujamra). Em 2017 teve grande sucesso com o drama “Como Nossos Pais”, que foi selecionado para a Panorama do Festival de Berlim e, entre outros prêmios, ganhou o Kikito, em Gramado. Em entrevista ao JORNAL DO BRASIL, Laís falou sobre “A Viagem de Pedro”, o significado da seleção para o IndieLisboa com o status de título de encerramento, a abordagem que escolheu para realizá-lo e o trabalho de pesquisa. JORNAL DO BRASIL: Qual o significado e expectativa nessa seleção para o Indielisboa, um festival que atrai público e profissionais de cinema do mundo todo, e ainda mais com o status de filme de encerramento? LAÍS BODANSKY: O convite do IndieLisboa para “A Viagem de Pedro” ser o filme de encerramento tem para mim um significado muito importante porque coloca o filme no holofote, em destaque, sinalizando, para Portugal, a importância dele. O longa debate uma história que nós temos em comum, Brasil e Portugal. Coincidir essa data do festival com o lançamento em território português, que vai acontecer na sequência, é uma maneira de chegarmos com glamour, respeito, é um abre alas para o filme. E eu entendo como um selo de qualidade, já é um reconhecimento do próprio IndieLisboa, um festival prestigiado pelos portugueses apaixonados por cinema. É uma importante vitrine para todo o mercado europeu, visto por profissionais de cinema do mundo todo. A abordagem é bem diferente da seguida em seus filmes anteriores e pode surpreender o público com uma expectativa diferente, digamos assim, de um filme apenas histórico. Enfim, “A Viagem de Pedro” é um filme de autora. Embora tenha uma narrativa introspectiva, existe a possibilidade de uma identificação com os espectadores que os levarão a compreender a trama. Essas divagações a levaram a tratar o tema dessa forma? A decisão do recorte do filme e a linguagem não foi simples, nem rápida, levou um tempo. Inicialmente a gente pensou em um formato de biografia, com uma linguagem mais clássica, pautado nos fatos históricos, mas conforme fomos amadurecendo, percebemos que não fazia muito sentido porque o que interessava era o personagem, mais que os fatos históricos. 2/4
Os fatos de certa forma a gente já sabe e, se não sabe, é fácil correr atrás da informação. Mas o mundo interior de D. Pedro não temos. Foi assim que nasceu essa narrativa introspectiva da personagem. A gente geralmente conhece os personagens históricos, heroicos, tudo o que deu certo na trajetória deles. A ideia era desconstruir esses heróis, mostrando suas fragilidades, angústias, contradições, erros, culpas. Acredito que um dos fatores que faz com que o espectador se identifique com essa trama seja porque ela não está pautada em fatos históricos. O filme faz com que o espectador se identifique com essas falhas do personagem e se entregue. E o longa também possui personagens que nos levam a conhecer outras camadas que atravessam esse barco, camadas da sociedade também. Uma ideia do filme era tratar essa embarcação como uma minirrepresentação do Brasil daquela época. Como o Brasil nunca resolveu a questão dos escravizados em nossa sociedade, o filme aborda isso e também a opressão sofrida pelas mulheres. Apesar de ser de época, o filme traz questões extremamente contemporâneas. Acho que isso é mais uma característica que ajuda a trazer o espectador para dentro da trama. Embora haja registro de historiadores sobre o personagem, imagino que não deve haver muitas informações, em face da abordagem que você escolheu. Como foi o trabalho de pesquisa, houve muitas dificuldades? O trabalho de pesquisa foi de fato um trabalho de garimpo, para construir o mosaico dessa personagem, não só da figura central que é D. Pedro I, mas também dos outros personagens que não estão nos livros de história. Foi um trabalho interessante, bem curioso, montando um quebra cabeça. Da própria viagem, da travessia do Atlântico, o que existe é um diário que está trancado a sete chaves no Museu Imperial. Eu tentei de tudo pra ter acesso a esse diário e não consegui. Ficou tão difícil que eu até desisti e, como não há registro, eu tive um espaço justamente para imaginar: como teria sido essa viagem? O que teria acontecido nessa viagem? O que se fazia nessa embarcação? Quais eram as angústias e os pensamentos de D. Pedro durante essa travessia? Ele foi chutado justo pelo Brasil, um país continental que ele fez a independência, que ele deu a Constituição. E assim, sem força política, ele decide justamente reunir sua energia e seus poucos recursos para ir atrás dessa guerra contra seu irmão que usurpou o trono de Portugal. É um momento de muita tensão, de muita fragilidade dessa personagem. Então eu fiz um exercício de imaginação do que se passava dentro da cabeça dele.
“A Viagem de Pedro” será mais um legado para entender um personagem tão em evidência no nosso país. Assim, a trajetória do filme deve envolver várias funções do cinema – entretenimento, lazer, conhecimento, etc. – o que amplia seu visionamento em escolas, universidades, enfim, há uma abrangência bem maior. Vocês têm essa intenção? Na verdade – e eu falo como produtora também e junto com os outros produtores, a Biônica Filmes, a Globo Filmes, o Mario Canivello e o próprio Cauã Reymond –, o projeto não nasceu com uma intenção de ser lançado nessa data específica (dos 200 anos da Independência), mas aconteceu também muito por causa da pandemia. A gente queria antes, mas não deu, ele chegou agora. Mas chegou na hora certa porque é uma data tão 3/4
importante para o Brasil, que também vive um momento com pautas tão polêmicas, que o filme se encaixa perfeitamente para muitos debates. Além do entretenimento, sem dúvida nenhuma, ele é uma excelente peça para debates, para escolas, para universidades e também para refletir sobre o nosso país hoje, que talvez não seja tão diferente de 200 anos atrás. Não era intenção, mas agora eu posso dizer que sim – que é intenção porque ele é uma peça perfeita para isso, uma peça perfeita para a reflexão. São muitos os temas. E, para além de discutir a questão da independência do Brasil (os 200 anos), discutir que país era aquele e que país nós temos hoje com muitas pautas. A questão de gênero e raça no nosso país, a questão da escravidão. As forças de poder que estão por trás. O personagem do D Pedro era muito contraditório e a partir dele podemos debater muitos temas atuais.
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