Nha Mila: o puzzle da identidade [PT]

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Nha Mila: o puzzle da identidade c7nema.net/critica/item/86379-nha-mila-o-puzzle-da-identidade.html 12 de agosto de 2020

É em trânsito por aquilo que Marc Augé apelidou de não-lugares produzidos pela “ super modernidade“, um aeroporto, que Maria Salomé, uma cabo-verdiana, reencontra o passado e partes da sua história e identidade, a Mila como era conhecida em criança, isto após ser interpelada por uma mulher da mesma geração (Águeda) numa casa de banho. Ela não reconhece essa mulher e, só aos poucos, a infância recalcada pelo peso de uma vida ressurge numa viagem entre conversas e fotografias perdidas algures numa casa nos subúrbios de Lisboa, cidade que para muitos africanos se transformou num “lugar antropológico”, mas que para outros sempre representou um mero porto de escala para outras paragens. Às encruzilhadas identitárias com que a realizadora Denise Fernandes carimba esta mulher marcada pela solidão, acresce ainda um foco na emigração no feminino (os homens são mencionados, mas não vislumbrados) e das diferentes gerações consequentes desse mesmo atravessar fronteiras (3 gerações de migrantes por aqui). É mesmo uma jovem que confronta Salomé e lhe diz que ela já nem é cabo-verdiana por não ir ao seu país natal há 14 anos, expondo em cena a fragmentação da identidade destes deslocados, pois muitas vezes não são reconhecidos nos países que habitam como “locais”, mas igualmente sentem-se estrangeiros quando regressam onde nasceram. Uma cena no meio do aeroporto Humberto Delgado onde Mila/Salomé vagueia como que desorientada e perdida entre a zona de partidas e chegadas, serve de imagem chave para toda a obra. É um brinco esquecido na casa de banho que serve de desculpa para uma viagem pela capital portuguesa, sem vista para o Cristo Rei, da qual apenas conhece o aeroporto. “Nha Mila” é um pequeno filme onde se realça o trabalho da realizadora no detalhe aos pequenos gestos e olhares num claro exercício de recomposição da identidade através da memória, mas que não serve apenas para mostrar a migração cabo-verdiana, mas a geral, até porque estes temas de migrantes presos entre o passado e o presente, e as questões identitárias e raízes culturais têm sido exploradas um pouco por todo o lado, tornando esta uma história repleta de particularidades, mas com um grande sentido universal. Um belo começo cheio de promessas por parte de Denise Fernandes, uma realizadora claramente a seguir.

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