JOHN FROM_20160402_Expresso

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Rita e Sara, teenagers, um palmo acima da Terra João Nicolau fez um filme muito bonito sobre a natureza volátil da adolescência e o tempo das primeiras paixões. Com os pés em Telheiras e o pensamento algures na Melanésia: “John From” TEXTO FRANCISCO FERREIRA

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As amigas Rita (Júlia Palha) e Sara (Clara Riedenstein) no topo do prédio do bairro lisboeta de Telheiras, onde vivem, e a progressiva transfiguração de Rita que, ao apaixonar-se, entra em contacto com cultos da Oceânia. Dois momentos de “John From”, de João Nicolau (à dir.)

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ita penteia-se, desembaraça os cabelos, longos e loiros, e o “Reveille” da sua t-shirt vermelha, ao espelho, lê-se invertido — está ela mesmo ‘acordada’, ou imersa nos seus pensamentos? No início, não se passa grande coisa naquele dia de calor e de férias de verão. O sol está a pino e Rita refresca os pés na varanda do seu apartamento de Telheiras. No sofá, faz um zapping desinteressado, o pai chega do trabalho. Depois, a noite cai e ela “vai lá abaixo” ter com a amiga Sara. É então que, no primeiro choque temporal do filme, sabemos que, naquela tarde, ela atirou um “não me apetece” a um rapaz com quem ela poderia ter ido para a cama. Creio que Rita e Sara nunca nos dirão ao certo a idade que têm, a sinopse diz 15 anos. Não é só isso que não nos dizem, de resto: elas gostam de guardar segredos e manter rituais, enquanto trocam mensagens em papelinhos que vão escondendo no elevador do prédio em que vivem. Chamam-se uma à outra “Paulo Rodrigo”. Mais tarde, surgirão sonhos de technicolor e de ‘Carmen Miranda’, delírios de latitudes longínquas, de Kikori (!) — cadenciados pela banda sonora original de João Lobo, excelente. Cultos religiosos, fenómenos sobrenaturais, mas também oráculos inventados a partir de nomes de canções de um iPod, e que podem separar o azar da fortuna. Dir-me-ão que este não é ‘assunto sério’, que não tem caução social, dilema identificável, que lhe falta história e responsabilidade, fatalidade, destino ou, para nem pedir tanto, que o ‘dramazinho’, o enredo, o ‘tricot’, não têm um compromisso temático. Pois digo-vos que, escapando olimpicamente de tudo aquilo, é precisamente para este território de ‘areias movediças’ que é a adolescência — vejase aquela festa teen a ser filmada a partir de um congelador cheio de garrafas de cerveja... —, para essa fase de esperas e dúvidas em que não sabemos exatamente o que fazer ao tempo, que este “John From” com sinceridade nos leva — e é o que de mais comovente João Nicolau filmou até hoje. Ele que escreveu que “nada é tão feroz como o coração de uma menina” e que nos disse há dias que “a adolescência não é uma


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