Filmes: o que de melhor vimos, lemos e ouvimos em 2021 [PT]

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Filmes: o que de melhor vimos, lemos e ouvimos em 2021 onovo.pt/cultura/filmes-o-que-de-melhor-vimos-lemos-e-ouvimos-em-2021-KK7905729 Cláudia Sobral | Pedro João Santos | Ricardo Ramos Gonçalves | Susana Bessa -

Num ano que começou torto mas ainda a tempo se endireitou, Manuela Serra pôde por fim ver estrear nas salas o seu único filme, que havia ficado esquecido por 30 anos, enquanto Catarina Vasconcelos se ia afirmando, logo aos primeiros passos, no panorama do cinema nacional. O streaming seguiu em força, mesmo com a possibilidade de um verdadeiro regresso à experiência colectiva de reunião diante de um grande ecrã - e continuámos a ter o que ver no sofá. Billie Eilish fez-se adulta, Nick Cave renasceu - com Warren Ellis a seu lado, claro. Reuniuse a obra poética de António Franco Alexandre, também a de Beckett, em português, editaram-se incontornáveis que ainda faltavam como o premiado e incontornável romance de Joseph Andras. Ainda por Lisboa e a fechar o ano, Tiago Rodrigues, figura do ano no panorama cultural, voltou a encher o palco do Teatro Nacional D. Maria II com Tchékov. Eis o que de melhor vimos, lemos e ouvimos neste ano prestes a terminar. “O Movimento das Coisas”, de Manuela Serra 1. O Movimento das Coisas, de Manuela Serra Se existe um filme que invoca as palavras mais explosivas é a primeira e única longametragem de Manuela Serra. Uma estreia que veio tarde demais e um raro acontecimento que, mais uma vez, colocou o corpo do cinema português no banco dos réus. Se é o movimento das mulheres portuguesas que nele se vê captado, a distribuição deste foi vedada à mulher atrás da câmara, por décadas colocada num lugar de nãoreconhecimento. Agora, volvidos mais de 30 anos, voltámos à vila de Lanheses durante uma sexta, um sábado e um domingo e por lá ficamos com três famílias, actores e indivíduos, num filme que inscreve gestos humanos em vez de quadros da vida rural. Através das convulsões nostálgicas de um passado que se revê agora no presente, conhecemos Isabel, a mulher com um pé no mundo moderno e dona do plano pausado que provoca a quebra da quarta parede que o filme pedia para activar já na altura. Quase etnográfico, o seu olhar sobre o movimento das mulheres, físico e político, é palpável. Reflectir sobre ele agora é ver como a gramática de zooms e panorâmicas ocupa o espaço. Documentar, testemunhar, projectar. Uma cápsula sem tempo. Não há relógio que consiga cronometrar uma porção de décadas tão injusta. Mostra-nos o que o país demorou (e ainda demora) demasiado tempo a ver. O momento mais importante do cinema português em 2021. S. B.

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