João Nunes Monteiro, um actor ansioso a alçar voos cada vez mais altos publico.pt/2022/01/30/culturaipsilon/perfil/joao-nunes-monteiro-actor-ansioso-alcar-voos-altos-1993579 Daniel Dias
Cultura-Ípsilon
Aos 29 anos, o protagonista de Mosquito, que vem saltitando entre o cinema, o teatro e a televisão, está a poucos dias de ser apresentado ao mercado internacional pelo Festival de Berlim, através do programa Shooting Stars. Exigente, tenta “reconhecer o reconhecimento dos outros” nos dias em que não é capaz de se sentir satisfeito com o seu trabalho.
Foto João Nunes Monteiro é uma das shooting stars da edição 2022 do Festival de Berlim Nuno Ferreira Santos
Faltam poucos dias para João Nunes Monteiro aterrar no Festival de Berlim, onde irá privar com uma série de agentes internacionais e directores de casting. O actor nascido em 1993, no Porto, é um dos dez distinguidos pelo programa de indústria Shooting Stars, que, como o nome sugere, promove jovens talentos em ascensão. Por esta “rampa de lançamento” organizada pela agência European Film Promotion já passaram portugueses como Alba Baptista (2021), Joana Ribeiro (2020), Victoria Guerra (2017), Afonso Pimentel (2007) ou Nuno Lopes (2006). 2022 será o ano do protagonista de Mosquito (2020), filme que em Setembro lhe valeu o prémio Sophia de melhor actor. Talvez a experiência germânica que está prestes a ter seja aquilo de que necessita não só para dar-se a conhecer ao mercado internacional como também para começar a viver com níveis menos perigosos de ansiedade. É que, apesar de já ter sido dirigido por nomes tão diversos como Nuno Carinhas, Inês Barahona e Miguel Fragata, Catarina Requeijo, Miguel Gomes e Victor Hugo Pontes, João Nunes Monteiro continua a encarar cada 1/5
projecto em que se mete com uma pequena (ou se calhar não tão pequena assim) dose de preocupação. “Há sempre uma parte de mim que acredita piamente que aquela vai ser a minha última oportunidade de trabalho”, confessa ao PÚBLICO, entre contidos risos. Foi numa casa sem grandes hábitos culturais que João Nunes Monteiro cresceu. “Nem sonhava que podia haver uma escola onde se aprendesse a ser actor”, afirma. Foi aos 15 anos que soube da existência da Academia Contemporânea do Espectáculo (ACE). A família “não se opôs muito” à sua decisão de se matricular ali e de ao invés de fazer o ensino secundário dito tradicional ingressar num curso profissional de Interpretação, mas o pai ainda o tentou “demover”. Levou-o ao Teatro Nacional São João (TNSJ), onde ambos assistiram a uma apresentação de A Dúvida, de John Patrick Shanley, com encenação de Ana Luísa Guimarães e interpretações de Diogo Infante e Eunice Muñoz. “Depois do espectáculo, ele perguntou-me: ‘Então, o que achaste?’ Pensava que eu ia dizer que tinha sido uma grande seca e que não queria ser actor. Mas achei incrível, não me calava com aquilo.” A interpretação surgiu, ainda assim, por acaso. João Nunes Monteiro dizia querer ser actor da mesma forma que dizia querer ser “mil outras coisas”. “Acho que nunca tive um sonho, andei sempre perdido”, comenta, admitindo que foi um adolescente algo solitário. “Era — e ainda sou — uma pessoa tímida, brincava com palitos e fingia que eram personagens”, lembra, assinalando que era com naturalidade que lhe vinha o “lado inventivo” que a interpretação pressupõe. Na ACE, veio a encontrar uma “casa”. Apesar de se achar “péssimo”, gostava muito das aulas. Um dia, “foram fazer um casting à escola”. O jovem impressionou e conseguiu um papel no filme Aristides de Sousa Mendes, O Cônsul de Bordéus (2011), de Francisco Manso. A sua primeira rodagem foi, todavia (ou, talvez, inevitavelmente), uma experiência “muito estranha”. “Era totalmente ingénuo. Lembro-me do primeiro take que fiz: só quando disseram ‘Corta!’ é que me apercebi de que as câmaras estavam a filmar.’” Sentia-se “perdido”. “Felizmente”, pôde contar com a companhia e a ajuda de colegas da ACE que também fizeram parte do elenco, como Sara Barros Leitão.
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Foto Natural do Porto, João Nunes Monteiro mudou-se para Lisboa para estudar na Escola Superior de Teatro e Cinema Nuno Ferreira Santos
Concluído o curso profissional em 2011, passou da sua cidade-natal para Lisboa, onde entrou na Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC). Após o primeiro ano da licenciatura em Teatro, no entanto, decidiu emigrar para “conhecer mais mundo”. Foi para Londres, cidade que o fascinava. Não ficou lá mais do que um ano. Uma “promessa” de um encenador que era seu professor na ESTC devolveu-o a Lisboa. “‘João, acho que há um espectáculo no início do ano lectivo em que vamos precisar de ti.’” Não chegou a entrar nesse projecto, mas o regresso a Portugal estava consumado. E, a partir de certa altura, começou a “juntar um grupo que também vinha da escola profissional” e estava a fazer a licenciatura com ele. Aliando-se a colegas como Ana Valente, Beatriz Braz, Mário Coelho, Rafael Gomes, Sara Inês Gigante, Sérgio Coragem, Sofia Santos Silva e Tiago Costa, começou a criar os seus próprios espectáculos. Um trabalho entusiasmante, ainda que “totalmente não remunerado”, diz hoje.
“Reconhecer o reconhecimento dos outros” Foi em 2017, estima, que deixou de precisar de pedir ajuda ao pai para pagar a renda. Victor Hugo Pontes, que encenara o seu “exercício final de curso”, estava a trabalhar com Nuno Carinhas num espectáculo de teatro musical e sugeriu ao encenador que entrasse em contacto com o jovem. O então director artístico do TNSJ pôs João a contracenar com
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Maria Quintelas e Pedro Frias em Fã, peça destinada a um público infanto-juvenil com texto de Regina Guimarães e contributo musical dos Clã. O actor fez de Fantasputo, “um fantasma que era eternamente criança e assombrava o teatro” onde a acção se passava. A partir do sucesso de Fã, as coisas sucederam-se umas às outras com rapidez. Victor Hugo Pontes levou-o para Margem (2018), espectáculo que, partindo da adaptação do romance Capitães de Areia, de Jorge Amado, sobre um grupo de miúdos de rua de Salvador da Bahia, acabou por tornar-se uma reflexão sobre onde estariam os protagonistas do livro se fossem menores em risco nos dias de hoje. No dia da estreia, o actor já fizera o casting para Mosquito, longa-metragem de João Nuno Pinto que abriu a edição de 2020 do Festival de Roterdão, remexendo na ferida da participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial e do passado colonial do país. Depois, passou parte do primeiro Verão da covid-19 fechado num terreno perto de Sintra, onde uma pequena equipa comandada por Miguel Gomes e Maureen Fazendeiro rodou Diários de Otsoga (2021), estreado em Cannes. Estas são apenas algumas das empreitadas de maior relevo do jovem actor, que também entrou — e vamos cingir-nos agora apenas aos ecrãs — nos filmes Soldado Milhões (2018), de Gonçalo Galvão Teles e Jorge Paixão da Costa, e Technoboss (2019), de João Nicolau, bem como na série da RTP Até que a Vida nos Separe (2021) e, recuando no calendário, na curta-metragem Snooze (2017), com a qual Dinis Leal Machado venceu o prémio Sophia Estudante. Em resumo: é no mínimo admirável o percurso que João Nunes Monteiro tem cumprido. Mas a estrela em ascensão que Berlim vai agora descobrir continua a resistir à tentação de traçar grandes objectivos de carreira — e a revelar nervosismo na hora de abraçar novos projectos. Para combater a ansiedade, estuda freneticamente os seus personagens, “mergulha” neles. “Em vez de entrar em pânico e ficar a pensar que o trabalho vai correr mal, tento fazer os possíveis para garantir que corre bem”, sintetiza. Por estes dias, pode ser visto na novela Quero é Viver, da TVI. Trata-se de um novo desafio para o actor, que ainda acha “estranho” o ritmo acelerado que uma produção deste tipo exige. “Há dias em que tenho de gravar 15 cenas. Fico a pensar: ‘Como é que vou conseguir?’ É óbvio que, no momento, uma pessoa vai e faz. Mas ainda estou a tentar perceber como se gere a energia num projecto destes. Sou um slow learner [aprendo devagar] e, por causa disso, os primeiros meses de gravação foram intimidantes. Estava sempre a fazer perguntas.”
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Foto O actor está agora a experimentar a sua primeira telenovela, e a habituar-se a um ritmo de produção especialmente veloz Nuno Ferreira Santos
Auto-crítico e inseguro, tenta “reconhecer o reconhecimento dos outros” nos dias em que não é capaz de se sentir satisfeito com o seu trabalho. Admite que o facto de tentar não criar demasiadas expectativas talvez seja um “mecanismo de defesa”. “Mas depois também olho para trás e vejo que, dias depois da estreia do Mosquito [que chegou aos cinemas portugueses a 5 de Março de 2020], estávamos todos fechados em casa com uma pandemia. Para quê, então, estar aqui a tentar definir grandes metas? Acho que aquilo que devo fazer é simplesmente pensar no dia-a-dia, gerir o futuro próximo.” Parece uma boa estratégia. Mas uma coisa é certa: o medo que João Nunes Monteiro tem de um dia se ver sem oportunidades de trabalho vai ficando cada vez menos lógico.
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