Grad. Thesis vol. 2: The potential of urban-scale linear barriers as development catalysts I

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Faculdade de arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie

O Potencial de Barreiras Lineares de Escala Urbana

Volume II: e sua transformação em pólos de desenvolvimento - parte I

São Paulo 2016

Agradeço a todos os meus amigos, que me ajudam a seguir sempre em frente, em especial Arthur Saraiva, Enrico Spina, Felipe Rassi, Filipe Macharelli, Gabriela Oliveira, Guilherme Castilho, Guilherme Meier, Luiza Tavares e Otto Telfser.

Livro 02: REutilização, REgeneração, REpurpose: ativando o potencial inerte de desenvolvimento de barreiras lineares na escala e contexto urbanos

00. Resumo e Abstract

01. Introdução: 02

02. Re-

03. Às margens

04. Rio Han

05. Córrego Cheong Gye Cheon

06. Apreendendo

07. Iniciativa de Reurbanização Paris Rive Gauche

08. Em comum, incomum

09. Conclusão: 02

Resumo

Neste livro serão abordados três casos de intervenções organizadas a partir de sua comunicação com um eixo de escala e influência urbanas. Nestes estudos, serão observadas diversas soluções, que serão isoladas, estudadas e associadas entre si com o objetivo de criar um pequeno compêndio de estratégias que poderão ser aplicadas a situações similares no futuro.

Abstract

This book will approach three cases of interventions physically organised by the influence of the urban vector next to which they lie. In these studies, many solutions will be observed, dissected and compared in hopes of better understanding and compiling different strategies that may be applied to similar situations in the future.

01. Introdução: 02

Este segundo volume de três apoia-se nos conceitos e tendências apontados no primeiro livro para demonstrar como o potencial dormente de barreiras lineares de escala urbana pode ser catalisado positivamente, transformando-os em elementos com identidade própria. Além disso, esses elementos acabaram por tornar-se ícones culturais e espaciais das cidades em que se encontram, desenvolvendo-as social, econômica e, por vezes, até politicamente, num claro resgate de características que, um dia, estas barreiras possuíram.

Catalisar,segundoodicionárioHouaiss:

1 t.d.; isquím provocar catálise em; agir como catalisador

2 t.d.; ig. desencadear pela própria presença ou existência (um processo); estimular, incentivar

02. Re-

Edward Burnett Tylor, antropólogo inglês que inaugura os estudos da antropologia e evolucionismo culturais, coloca em sua obra de dois volumes Cultura Primitiva que “a linguagem é uma manifestação da cultura.” 08 Anos depois, filósofos como Martin Heidegger viriam a usar da análise etimológica como uma ferramenta na dissecação de expressões culturais, argumentando que a forma usada pelo homem para descrever o mundo à sua volta é o resultado direto de sua percepção, parcial por natureza.09 Portanto, levando em consideração o caráter analítico deste livro, julga-se importante uma análise mais profunda dos termos comumente usados na descrição dos processos que buscam transformar barreiras (-artefato ou naturais) em não-barreiras, elementos lineares que delimitam o espaço, mas ainda apresentam características vantajosas ao seu contexto sem dificultar excessivamente sua travessia.

Sendo o elemento comum à maior parte dos termos empregados, o prefixo re- tem sua origem do latim, significando (segundo o dicionário Cambridge) “retornar [algo] a seu estado original”, “fazer novamente.” Nas línguas latinas e mesmo em outras que incorporaram a expressão (como o inglês), a palavra tende a indicar o fim de uma ação original e o início de uma ação subsequente, em geral similar em sua natureza àquela que a antecedeu.

Tomando como exemplo a palavra reutilizar: re (tornar a fazer) + utilizar.

Por definição, a palavra indica que a ação em questão (utilizar) deixou de ocorrer em algum momento; uma interrupção no ato por qualquer razão. O prefixo re, no entanto, indica a retomada da ação em questão: infere-se com ele que a ação ocorreu, interrompeu-se e torna a ocorrer. A palavra uso por sua vez tem sua origem no latim uti, modernizada pelo Francês Antigo user, ambas significando “fazer uso de, tomar vantagem de, aproveitar, aplicar, consumir.” Em outras palavras, algo que recebe uma finali-

Repurpose,segundoodicionárioCambridge: (re+purpose) to ind a new use for an idea, product, or building | encontrar um novo uso para uma idéia, produto ou construção

dade em exercício.

Muito usado no contexto ecológico, reutilizar é um termo propositadamente genérico que pode ser aplicado a virtualmente qualquer artefato ou até mesmo a conceitos incorpóreos. Isso denota um claro esforço de universalização do conceito, opondo-o diretamente ao abandono e obsolescência programada comuns às sociedades pós-industriais que ocorrem, sobretudo, devido à facilidade da produção de objetos descartáveis ou com vida útil limitada.

No contexto das barreiras urbanas o termo reutilização será usado sobretudo para descrever a intenção de dar novos usos a um artefato até então inutilizado. O que o diferencia do termo reativação, por exemplo, é que enquanto o primeiro não implica necessariamente na retomada do propósito original do artefato (podendo receber novas funções), o segundo denota uma clara intenção de retorna-lo à sua condição e função de origem. Essa diferença é de suma importância de um ponto de vista estratégico e resulta em intervenções e consequências diferentes: a reativação de uma ferrovia significa que trens voltarão a circular por ela – mesmo que esta seja modernizada. Já reutilizar a mesma ferrovia pode significar que determinadas características desta, antes utilizada exclusivamente para circulação ferroviária, serão adaptadas. Isso não significa necessariamente que a linha férrea será fisicamente aproveitada na transformação. No caso do Highline de Nova Iorque, por exemplo, a estrutura que sustentava a ferrovia foi transformada numa espécie de berço que hoje abriga um parque linear. Assim, ainda que nem todos os elementos que primitivamente definem a ferrovia (como linearidade, luxo de trens, trilhos, estrutura) tenham sido conservados, foram reutilizados elementos suficientes (apenas seu caráter linear e a estrutura que a sustenta) para que ela seja considerada uma reutilização nas literaturas arquitetônica, urbanística e paisagística.10 Poderia abrir-se aqui uma discussão sobre a memória do artefato, mas

Padrão,segundoodicionárioHouaiss:

5 regra ou princípio us. como base de julgamento

6 nível normal, grau médio de exigência qualitativa ou quantitativa; gabarito

11 ling modelo de uma estrutura da língua (p.ex, da frase, do vocábulo etc.); esquema

não sendo esse o intuito do trabalho prosseguir-se-á com o tema.

O termo regenerar, por sua vez, admite uma anterior degeneração do elemento. Degeneração ou deterioração são comumente aplicados a elementos que, independentemente da atividade (ou a falta de) exercida nele ou por ele, encontram-se em estado de conservação precário, comumente resultando em ou resultante de sua subutilização e/ou funcionamento deficiente. Por exemplo, uma ferrovia degenerada seria devastada pelo tempo e veria pouco aproveitamento de sua função original. Sua regeneração pode ser dada através da manutenção de suas infraestruturas e estímulos à sua utilização.

Para os efeitos deste estudo o termo degeneração (e eventuais esforços de regeneração) será mais comumente aplicado não às barreiras-artefato per se, mas aos objetos que sofrem sob sua influência direta no contexto urbano – normalmente seu entorno, que acaba degenerado pelas atividades associadas às barreiras (por exemplo, mobilidade ou transporte). Nota-se o caso das ferrovias que serpenteavam por entre os bairros proletários de Londres e a consequente deterioração desses locais, já demonstrada no Volume 01 desta obra.

Repurposing é um termo da língua inglesa que não possui uma tradução direta no português. Composto por re- + purpose (propósito, função, objetivo), o termo implica na imposição de uma nova função ou propósito a um elemento, suspendendo necessariamente seu funcionamento anterior, a menos que este já tenha sido interrompido por outros fatores. Assim, como já definido, pode-se dizer que todo repurposing é uma reutilização, mas o contrário não é necessariamente verdade, pois uma reutilização não precisa em absoluto alterar a função original de um artefato. Também vale à pena notar que repurposing carrega ainda um significado de preservação de algumas das já mencionadas características primitivas, implicado pelo termo purpose. Em

Reutilizar,segundoodicionárioHouaiss:

1 ( t.d. ) voltar a utilizar

2 ( t.d. ) dar novo uso a

suma, poderia traduzir-se repurposing como “dar nova função a um elemento, seja ele um artefato ou um elemento natural.”

Esses três termos (e muitos outros) são usados por defensores das diversas faces do “urbanismo sustentável:” seja no CNU (Congresso do Novo Urbanismo) de Chicago, o “Urbanismo Ecológico” da Graduate School of Design de Harvard,11 o “Urbanismo Tático e Crescimento Inteligente” de Mike Lydon, Anthony Garcia e Andrés Duany ou quaisquer outros, a cultura do re- é hoje considerada imprescindível e, muitas vezes, central para quaisquer intervenções e/ou transformações adotadas para o contexto urbano. Guiadas por esses conceitos, muitas iniciativas ao redor do mundo têm sido implementadas com o objetivo de atingir um aproveitamento pleno do potencial que a linearidade de determinadas barreiras detém com sua grande influência como organizadores de espaços.

Portanto, tomar-se-á neste livro exemplos de transformação de barreiras-artefato e naturais em polos de desenvolvimento urbano para a cidade, com o objetivo de realizar um compêndio de informações e técnicas para intervenções que busquem aproveitar-se de seu potencial organizacional. É importante notar alguns dos pontos comuns a todos esses exemplos que foram justamente a razão de sua seleção para este trabalho. Em primeiro lugar, escolheu-se barreiras que encontrem-se, necessariamente, num contexto urbano consolidado (que melhor reflete a situação atual de muitas metrópoles). Segundo, as barreiras em questão devem ter abrangência ou influência de e na escala urbana – ou seja, afetar uma grande quantidade de pessoas e possuir grande poder de articulação morfológica na cidade. Terceiro, buscou-se barreiras que se encontrassem em situações diferentes umas das outras nos contextos natural, social ou econômico, de forma a identificar padrões nas semelhanças e diferenças entre as estratégias adotadas por seus autores.

Entorno,segundoodicionárioHouaiss:

1 o que rodeia; vizinhança, ambiente

2 território adjacente a uma população, a um determinado núcleo;

6 p.ext. todo o espaço, a área, que rodeia uma ediicação

8 topl conjunto que contém um aberto ao qual pertence um dado ponto

Os casos selecionados apresentam diversas características comuns, e outras tantas que os diferenciam entre si; mas talvez o ponto mais importante que pode ser observado em todas as situações é a ênfase dada não apenas ao tratamento das barreiras, mas também de suas margens; seja este um esforço de reutilização, regeneração ou repurposing, ou simplesmente fruto de uma maior conexão cultural de algumas sociedades para com suas barreiras. Para entender esses esforços de manutenção das orlas, é necessário primeiro entender como e por que elas tendem a degenerar-se em primeiro lugar.

Regenerar,segundoodicionárioHouaiss:

1 ( t.d. e pron. ) gerar ou produzir novamente; formar(-se) de novo

2 ( t.d. ) dar nova vida a; reviviicar

3 ( t.d. ) efetuar nova organização em; reorganizar, restaurar, reconstituir Etimologia

lat. regenĕro,as,āvi,ātum,āre ‘reproduzir, fazer reviver’;

03. Às margens

A degeneração das imediações das barreiras estudadas ocorre por diversos fatores e ao longo de um extenso período tempo, mas talvez o mais notável destes seja a desconexão cultural que algumas sociedades acabam desenvolvendo para com suas barreiras após estas terem seu contato direto com as populações suprimido ou eliminado, sobretudo por influência do desenvolvimento tecnológico (em grande parte relacionado à mobilidade).

Toma-se como exemplo alguns dos casos já levantados no Volume 01: cidades como Londres e Paris distanciam-se de suas barreiras-polos (rios Tâmisa e Sena, respectivamente) devido aos avanços tecnológicos que permitiram aos cidadãos desfrutar de todas as facilidades que os corpos d’água ofereciam sem a necessidade de interagir diretamente com eles, resultando em sua poluição e abandono.

O resultado da degeneração destas barreiras pode ser observado em suas margens: nos casos evocados a poluição dos rios causa odores e vistas desagradáveis, agravados pelo excesso de fluxo de transportes fluviais e áreas de carga e descarga, possibilitados também pela ausência de frequentadores. Em outras palavras, a falta de interesse popular por essas barreiras-polos é uma das principais causas de sua tomada por usos relacionados à indústria e mobilidade, que, por sua vez, detém um caráter intrinsecamente insalubre: os grandes níveis de poluição sonora, aérea, aquática e visual afugentam possíveis frequentadores e moradores das regiões. Consequentemente, ocorre a desvalorização das terras afligidas por essa mazela, que passam a abrigar moradias irregulares ou em péssimas condições. Ademais, quando o caráter dos usos industriais inevitavelmente é alterado devido ao desenvolvimento tecnológico, essas áreas são deixadas abandonadas, desvalorizadas e, muitas vezes, inviáveis para ocupação humana, necessitando de anos de tratamento para descontaminação e investimen-

Margem,segundoodicionárioHouaiss:

1 espaço situado no contorno externo imediato de algo; borda, limite externo, periferia (freq. us. no pl.)

2 faixa de terras emersas ou irmes que ladeiam um rio, lago ou lagoa; beira, borda

8 espaço deixado entre os limites de duas coisas contíguas

tos substanciais para sua recuperação.

Este livro busca justamente estudar alguns desses esforços – incluindo alguns casos que nunca necessitaram de uma regeneração direta, tanto dos elementos quanto de suas margens – e isolar alguns dos pontos em comum que estes apresentam de forma a melhor entender possíveis estratégias para combate deste fenômeno de degradação que assola diversas zonas urbanas ao redor do mundo.

No entanto, este livro há de estudar intervenções que tratem não apenas das barreiras lineares em questão, mas, principalmente, de suas margens. Esse esforço é realizado numa tentativa de universalização desses conceitos – afinal, por definição, toda barreira linear na escala urbana gera áreas marginais, seja ela uma barreira natural ou uma barreira-artefato. Focando nos tratamentos dados às orlas desses corpos lineares, pode-se estudar sua aplicação a diversos tipos diferentes de barreiras urbanas. Em outras palavras, busca-se técnicas que tratem não (apenas) da integridade e funcionalidade dos eixos, mas também de suas imediações.

Artefato,segundoodicionárioHouaiss:

1 produto de trabalho mecânico; objeto, dispositivo, artigo manufaturado

2 aparelho, engenho, mecanismo construído para um im determinado

4 antrpol arql forma individual de cultura material ou produto deliberado da mão de obra humana

Mobilidade,segundoodicionárioHouaiss:

4 capacidade de mudar, de apresentar variações

5 possibilidade de ir para outro lugar rapidamente

6 ig. facilidade de passar de um estado de espírito a outro, de uma convicção a outra etc.; volubilidade, inconstância

Imagem 07: “Collage City”

04. Rio Han, Seul, Coreia do Sul

Extensão (dentro de Seul): aprox. 39km

Número de travessias: 27 – em média uma a cada 1400 metros + 8 linhas de metrô cruzando o rio com mais uma em construção, totalizando 35 travessias, ou uma a cada 1100 metros (futuramente 1008 metros).

Classificação média em websites de turismo: 4.65 / 5

O Córrego Cheon Gye Cheon é um dos muitos afluentes do Rio Han que corta a cidade de Seul e foi, em tempos passados, a barreira-polo da cidade.12 Hoje o Rio Han continua sendo um dos principais organizadores da malha viária da cidade e uma referência para todos que a habitam, tendo alguns de seus distritos nomeados por sua relação com ele, como nos casos de Gangnam-gu (“Ao Sul do Rio [Han]”), Gangdong-gu (“A Leste do Rio [Han]”) e Gangseo-gu (“A Oeste do Rio [Han]”). 13

O Rio Han marca sua importância na história da Coreia desde os primórdios das civilizações que lá se estabeleciam, sendo utilizado tanto para a nutrição das cidades que floresciam ao longo de sua extensão quanto para fins estratégicos de defesa. Por exemplo, o Reino de Baekje estabeleceu seus primeiros assentamentos na região ao sul do rio, reconhecendo seus potenciais social, econômico e bélico por ser o principal canal de ligação entre a região centro-oeste da península e o Mar Amarelo, além de deter bancos aluviais férteis – uma raridade na região montanhosa onde se encontra.14

Hoje, o Rio Han é intimamente ligado às dinâmicas social e econômica da cidade: além de conter alguns dos mais populares programas

Nutrição,segundoodicionárioHouaiss:

1 ato ou efeito de nutrir(-se); nutrimento

2 fonte de sustento; alimento, nutrimento

4 bio processo pelo qual os organismos obtêm energia, na forma de alimento

turísticos às suas margens (como passeios de balsa e tours), estas ainda são permeadas por atividades e infraestruturas diariamente utilizadas pelos habitantes da cidade – da grande quantidade de Cafés (extremamente populares no país) aos diversos espaços para piqueniques e quadras poliesportivas.

Imagem 08: Diagrama de fragmentação da cidade de Seul, Coreia do Sul

Conotado na forma com que a municipalidade (e a população em geral) encarou o Rio ao longo do tempo estão os conceitos de respeito, honra e interdependência tão comuns à filosofia dos países asiáticos budistas – em outras palavras, o Comensalismo mencionado no Volume 01 desta obra. Esse conceito (chamado de esho-funi por alguns) é abordado diversas vezes na literatura Budista tão cedo quanto no Séc. VI, e sua força cultural pode ser observada ainda hoje na relação entre países como Japão e Coréia do Sul e seu território.

Às margens do rio encontra-se o Hangang Gong-won (Parque do Rio Han), um parque linear que percorre 12 dos 25 distritos da cidade. Cada segmento do parque (definidos pelos distritos onde se encontram) tem características e usos próprios, frequentemente consoantes aos aspectos mais icônicos de cada área. Por exemplo, a Ilha Bam é uma importante área de preservação ambiental famosa entre ornitólogos

Unidade,segundoodicionárioHouaiss:

1 a qualidade ou estado de ser um ou único

2 a qualidade de ser uno, de não poder ser dividido

6 qualidade do que apresenta similitude, harmonia ou coerência com outros elementos da mesma espécie; concordância, homogeneidade, igualdade, uniformidade

7 cada parte estruturada que, por si, forma um todo dentro de uma estrutura maior

Imagem 09: Segmento de Ttukseom-gu do parque linear de Hangang durante o verão.

Imagem 10: Segmento de Ttukseom do parque linear de Hangang durante o inverno

amadores e profissionais localizada dentro do parque. Já o distrito de Ttukseom abriga diversos resorts esportivos, e é frequentado diariamente por praticantes de windsuring e water-skiing.

O parque contém ainda infraestruturas para abrigar diversos eventos (como o Pavilhão Cultural de Hangang), além de usos de lazer como “Campos de futebol, quadras de basquete, tênis, gateball, lazer aquático (surfe, water-ski, iatismo, motoaquismo, “toboáguas”) piscinas [somente durante o verão], pistas de patinação inline, parques ecológicos e ciclovias.” 15 Próximo ao parque Ttukseom também se encontra a Floresta de Seul (localizada ao lado da Escola Seongsu do Ensino Médio), um jardim botânico entomológico e Universidade Feminina de Hanyang.

05. Córrego Cheong Gye Cheon, Seul, Coreia do Sul

Extensão: aprox. 5.8km

Número de travessias (pedestres): 29 – em média uma a cada 200 metros (algumas juntas às travessias de automóveis na forma de “calçadas”).

Número de travessias (automóveis): 20 – em média uma a cada 290 metros

Classificação média em websites de turismo: 4.15 / 5

Um afluente do Rio Han, o córrego Cheong Gye Cheon teve suas margens ocupadas por humanos após a Guerra da Coreia (1950-1953), quando migrantes se assentaram em Seoul, construindo habitações ribeirinhas irregulares e precárias.

Utilizando-se do rio para seu sustento, este logo se veria obstruído e poluído por dejetos e lixo, até que em 1958 Cheong Gye Cheon começa a ser selado com concreto numa tentativa de minimizar as más condições visuais e olfativas causadas pelo córrego. Quando completada na década de 1970, a nova Rodovia (elevada) de doze faixas Cheonggye foi considerada um símbolo do progresso industrial da cidade de Seoul, mas no início do século XXI a área de Cheonggye já era considerada uma das mais barulhentas e congestionadas da capital sul-coreana.16

Após dialogar com a população e consultar seus especialistas, a prefeitura conclui que nada poderia ser feito sem antes demolir a autoestrada, justamente por esta possuir um considerável poder de deterioração de seu entorno (um processo que não foi desprovido de percalços; por exemplo, os comerciantes informais que se aproveitavam dos congestionamentos criados pela rodovia para perambular por entre os carros ameaçaram realizar um suicídio coletivo caso a elevada fosse demolida. Até a data de elaboração deste trabalho, nenhum suicídio associado à causa foi registrado na cidade de Seul).

Talvez a maior preocupação expressada pela população com relação à de-

molição da via elevada era a perspectiva do aumento de congestionamentos não só na região da intervenção, mas ao longo de toda a cidade. Assim, diversas medidas foram tomadas com o objetivo de desestimular o uso do automóvel privado no centro da cidade, como a criação de faixas exclusivas para ônibus e investimentos no sistema de metrô. Após a conclusão da intervenção ficou claro que esse cenário apocalíptico de congestionamentos eternos não ocorreria: houve uma diminuição de 18.6% no número de carros na região, e um aumento de 13.7% no número de usuários de metrô nas regiões centrais da cidade, bem como um aumento de 15.1% no número de usuários do sistema de ônibus entre janeiro de 2003 e março de 2006, segundo uma apresentação realizada por Dr. In-Keun Lee no Conselho Internacional para Iniciativas Ambientais Locais (ICLEI). 17

Dr. Lee apresenta nesse relatório as principais razões que levaram ao projeto de “restauro” do rio Cheong Gye Cheon, como os diversos problemas estruturais encontrados na autoestrada Cheonggye (que fez com que apenas carros considerados “pequenos” pudessem trafegar na via desde 1997) e seus altos custos de manutenção (cerca de US$50 milhões entre 1994 e 1996), o declínio do Distrito Central de Negócios que, de acordo com Lee, coincide com a instalação da rodovia e resulta na mudança das grandes empresas para o distrito de Gangnam e uma mudança na postura do governo da capital sul-coreana para uma política mais próxima da Welfare-State comum no norte da Europa, onde o termo “desenvolvimento” passa significar “alta qualidade de vida.”

A intervenção ainda previu diversas estratégias para minimizar o impacto causado à população local durante os períodos de demolição e construção, como providenciar espaços próximos à via especificamente para estacionamento e carga e descarga de forma a interferir o mínimo possível nas atividades comerciais da região, o

Imagem 11: Antes e depois: restauração do Rio Cheong Gye Cheon.

Imagem 12: Habitações às margens do córrego na primeira metade do Séc. XX.

auxílio na promoção do caráter comercial da região do Cheong Gye Cheon e até mesmo uma diminuição nos juros e impostos relacionados ao setor imobiliário (iniciativa mantida após a conclusão da intervenção).

Os resultados dessa intervenção foram, e ainda são, enaltecidos por urbanistas ao redor do mundo: onde antes havia um vetor de desgaste social, físico e econômico que repelia desenvolvimento para outras áreas da cidade agora se encontra um

Vetor,segundoodicionárioHouaiss: 1 aquilo que traz como consequência, que carreia, que acarreta; veículo, condutor 1.1 aquilo que imprime determinada orientação ou aim 8 bioq que ou o que é utilizado na transferência de material genético entre células (diz-se de vírus ou plasmídeo)

vetor com grande força atrativa que tornou-se não apenas ponto de referência social, mas também um catalisador de mudanças positivas em diversos outros âmbitos. Ambientalmente, observou-se um aumento de 639% (seiscentos e trinta e nove por cento) na biodiversidade da área entre 2003 e 2006; uma redução nas ilhas de calor urbanas, com temperaturas próximas ao riacho de 3.3ºC a 5.9ºc mais baixas que numa via paralela a 4 quadras de distância; um aumento de 2.2% a 7.8% na velocidade dos ventos

Imagem 13: O parque linear do Rio Cheong Gye Cheon.

ao longo do novo corredor natural; e uma redução de 35% na poluição aérea. 95% da massa de asfalto, concreto e aço retirados do local foi reutilizada pela cidade.

Social e economicamente, o Parque Linear de Cheong Gye Cheon atrai uma média de 64.000 visitantes diariamente, dos quais 1408 são turistas; e um aumento de 300% (trezentos por cento) nos valores imobiliários próximos à intervenção. Não há dados recentes que demonstrem o crescimento de empresas (de todos os tamanhos) próximas ao parque, mas viu-se um aumento de 3.5% no número de novos negócios juntos ao rio entre 2002 e 2003 (após a iniciativa ser anunciada pelo então prefeito de Seul Lee-Myung-bak mas antes do início da demolição da via elevada), enquanto o centro da cidade viu uma diminuição de 2.6%.

06. Apreendendo

Inicialmente, nota-se dois exemplos do poder de organização espacial que eixos lineares na escala urbana possuem: o parque Hangang é usado como uma ligação entre os diversos distritos da cidade, alterando-se em conjunto com a cidade como uma forma de melhor integrar-se ao entorno. Esta iniciativa, por si só, já aproxima a população do Rio Han e o integra à dinâmica diária dos bairros por onde passa, o que facilita seu desfrute por parte de seus usuários e o torna um ponto de referência. Mas como toda barreira de escala urbana, o Rio Han necessita de diversas travessias ao longo de sua extensão para manter a malha da cidade conectada, o que geralmente isola os usuários de sua barreira; em outras palavras, a fácil travessia de uma barreira urbana trivializa sua existência nos olhos da população; mas a existência de um uso público usado diariamente por centenas de milhares de pessoas, atraente tanto como destino quanto como trajeto e definido por sua relação com a barreira (Hangang Gong-won, lite-

Trajetória,segundoodicionárioHouaiss:

1 espaço que é preciso percorrer para ir de um lugar a outro; trajetória, percurso

2 (1881) ís caminho percorrido por um corpo ou partícula em movimento

ralmente “parque do rio Han”) garante sua força de organização não somente morfológica, mas também social, econômica e ambiental.

Assim, o parque (tornado um polo em si pela população que desfruta da grande diversidade de usos nele presentes) acaba sendo localizado por sua relação com a barreira que o define fisicamente; ou seja, o rio organiza o parque e o parque reinsere o rio na dinâmica da cidade, e um não poderia existir (da forma como hoje são) sem a presença de sua contraparte; sem o parque, o rio Han poderia sofrer da mesma “distância” da dinâmica de Seul que hoje separa os rios Tietê e Pinheiros da dinâmica da cidade de São Paulo e, sem o afluente, o parque deixaria de ter uma referência espacial sólida e um de seus maiores atrativos, tornando-o menos relevante e menos impactante para a cidade. Uma simbiose metafórica, talvez melhor exemplificada pelas atividades aquáticas praticadas no rio: enquanto cidades como São Paulo também apresentam rios com um histórico de navegabilidade, a desconexão entre estes e a população (resultando também na poluição dos corpos d’água) não os torna atraentes para o exercício

Imagem 14: Processo de execução da intervenção

de quaisquer usos populares. Em Seul, o parque Hangang serve com uma “ponte” entre a barreira urbana e a população.

Essa relação pode ser observada, por exemplo, na linguagem usada para descrever o parque:

“O Parque Hangang é um parque popular localizado junto ao Rio Han” 18

“Os Parques de Hangang são localizados nos taludes do rio Han que corre através de Seul.” 19

“Um dos lugares favoritos de quase todos que visitam a coreia. Os coreanos adoram o Han River, e os turistas também. Melhor lugar pra [sic] aproveitar uma noite calma com o parceiro, ou um dia com a familia. Não esqueça de comprar um frango frito e uma cerveja.” 21

“O Han River torna a cidade de Seul muito mais animadora para quem vive la [sic]. Familias [sic] inteiras se divertem a [sic]

Imagem 15: Projeto de revitalização do Cheong gye cheon

beira do Rio, a caminhada eh [sic] bonita, vale a [sic] pena e tem belas pontes nos arredores.” 2

Estabelecida esta ligação entre barreira e polo, resta analisar os artifícios usados para garantir a relevância da intervenção nos olhos da população. Inicialmente, nota-se a adoção de um elemento urbano pré-estabelecido detentor de grande força articuladora (o Rio Han, como já estabelecido). Talvez o mais notável elemento do parque em si seja sua constante camulagem de forma a melhor integrar-se a seu entorno imediato – esforço que também garante o interesse de uma maior diversidade de pessoas: há áreas com bares e boates, áreas com espaços para piqueniques e longos passeios, espaços para a prática de esportes de todos os tipos, restaurantes e cafés. Isso também reflete as diversas etapas da vida de um habitante típico da cidade, que quando criança usa dos playgrounds e passeios em família; quando jovem, usa das áreas esportivas; adulto, usa do entretenimento noturno; e quando idoso, usa dos espaços de caminhada, cafés e restaurantes. Ainda que esta seja uma abordagem bastante genérica da estratégia empregada, garante-se que o parque se mantenha relevante ao longo da vida de cada pessoa que o frequenta, que cresce e envelhece sem que Hangang Gong-won deixe de ser parte de sua vida.

Essa abordagem mais “pessoal” de estratégias urbanas é algo comum às sociedades sul-coreanas e japonesas (e mesmo chinesas, antes do regime comunista) facilmente demonstrada através do contraste entre as morfologias de cidades europeias ou americanas e do leste asiático.

Há uma clara prevalência de linhas orgânicas na morfologia das cidades asiáticas; nas palavras de Arata Isozaki “Cidades europeias reletem o contraste com a natureza. Natureza e cidade são dois conceitos opostos. [...] Cidades japonesas são como vilas que Camuflagem,segundoodicionárioHouaiss:

1 qualquer coisa que sirva para camular [1 t.d. e pron. esconder(-se) ou disfarçar(-se) por meio de camulagem, esp. na guerra] ou disfarçar

2 eco similaridade visual entre um animal e o ambiente ao redor, que permite que o mesmo se oculte de predadores ou de presas

cresceram naturalmente através do poder da natureza.” 22 Na prática, isso significa que essas cidades utilizavam do perfil natural do local onde se encontravam para definir lotes, quadras e vias, além de tentar interferir o mínimo possível nas preexistências naturais, uma atitude intimamente ligada ao já mencionado conceito de unidade para com um “ciclo perpétuo de mudanças + estabelecimento natural superior” do budismo, que, apesar de ser praticado por uma pequena parcela da população, ainda reside no íntimo da dinâmica social de alguns povos.

Imagem 16: Cheong Gye Cheon: antes e depois

Imagem 17: Centro da cidade de Seul, Coreia do Sul

Imagem 19: Centro da cidade de Tóquio, Japão

Imagem 18: Centro da cidade de Londres, Inglaterra

Imagem 20: Centro de Manhattan, Nova Iorque, EUA

07. Iniciativa

de reurbanização

Paris Rive Gauche

Extensão do projeto: adjacente a um trecho de 2.7km do Rio Sena

Número de travessias (na área de projeto): 7 – em média uma a cada 385 metros.

Classificação média em sites de turismo: 4.3/5

Localizada na periferia dos limites urbanos do munícipio de Paris, na França, o projeto Paris Rive Gauche foi iniciado oficialmente em 1991, mas algumas das propostas por ele abordadas foram herdadas de outros esforços de regeneração da área, cujos primeiros registros oficiais ocorrem brevemente em 1973 com o “Plano para a Região Sudeste de Paris” e em 1983 com o “Planejamento do Leste Parisiense.”

Ambos os planos abordavam duas regiões principais: La Villette e Bercy-Tolbiac, mas

Imagem 22: Diagrama de fragmentação da cidade de Paris, França

Austerlitz

Terminal Gare d’Austerlitz

Escritórios Residencial

Bibliothèque Nationale de France

Edifícios Públicos e Administrativos

Masséna Université Paris Diderot Comercial

Tolbiac
Imagem 23: Área de intervenção da operação urbana Paris Rive Gauche e suas centralidades

sem muitas propostas para as áreas marginais ao Rio Sena entre os dois locais.

Dos 130 hectares delimitados pelo projeto, 26 ha são ocupados por trilhos

da Estação Terminal Gare d’Austerlitz cobertos para a formação dos arredores da Avenue de France, o principal eixo articulador do projeto, construída entre 1995 e 2012.

O projeto foi dividido em três partes principais, cada qual com suas características e

Imagem 24: Mapa do município de Paris e a zona de projeto do Rive Gauche.

Área de Influência

Primária

100 metros

Área de Influência

Secundária

200 metros

Área de Influência

Terciária

300 metros

Imagem 25: Zonas de influência do rio Sena na área do Paris Rive Gauche

Imagem 26: Uma das diversas áreas de estadia nos espaços alugados às margens do Rio Sena.

usos únicos e pelo menos um complexo de grande escala e uso intenso. Essa decisão foi tomada com o objetivo de melhor entender e estimular determinadas atividades exercidas em cada área. 27

Contudo, assim como no caso do Rio Han, de maior relevância para esta análise não são as formas tomadas por esta intervenção, mas o reconhecimento de que a melhor forma de reintegrar uma barreira linear de escala urbana à cidade não é necessariamente tratando-a diretamente; é claro, Seoul e sua identidade social sul-coreana demonstram que a interação direta com esse tipo de vetor é desejável para qualquer situação em que um limite físico é parte integral de uma cidade, principalmente se o uso em questão for lúdico: o uso lúdico é necessariamente exercitado por livre e espontânea vontade, e demonstra um desejo de se incluir numa determinada dinâmica. Em outras palavras, divertir-se com ou numa barreira urbana é vê-la de

maneira positiva.

Paris, no entanto, não demonstra uma relação tão intensa com o Rio Sena quanto Seoul tem com o Rio Han: ainda que navegável, o Sena (ainda) não é despoluído o suficiente para permitir atividades aquáticas em sua superfície, ainda que a expectativa é de que o Triatlo Olímpico de 2024 seja parcialmente executado nele. 16

Assim, o projeto do Paris Rive Gauche não leva em consideração uma utilização direta do corpo d’água, mas um tratamento de suas margens diretas e indiretas.

Chamar-se-á atenção novamente para a linguagem escolhida para classificar este importante aspecto não apenas de rios, mas de barreiras lineares de escala urbana em geral: o termo margens diretas será usado para descrever os limites físicos que definem a forma de uma determinada barreira, enquanto margens indiretas será usado na descrição do que é enxergado como reflexo direto desse vetor, funcionando como uma extensão de suas características segregativas. Devido ao escopo deste trabalho, maior ênfase é dada na descrição e tratamento deste segundo tipo.

Margens indiretas são os objetos da cidade que sofrem influência direta das margens diretas de mais diversas formas. Ou seja, são aspectos de um trecho da cidade que têm algumas de suas características diretamente definidas por seu contato com barreiras lineares. Por exemplo, as vias marginais ao Sena tendem a acompanhar a forma relativamente tortuosa do rio; sua forma é diretamente definida por seu contado com o vetor. Num rio mais poluído, como o já apontado Tâmisa na Londres Vitoriana, a desvalorização de suas imediações é uma ocorrência direta, ainda que não física, de seu contato com os limites do corpo d’água. Em outras palavras, margens indiretas são como extensões diluídas das margens diretas.

As margens indiretas podem ainda ser classificadas de acordo com o nível de influência que a barreira-polo em questão exerce sobre elas, estudadas em faixas de

Imagem 27: Imagem do primeiro projeto de cobertura das linhas férreas

aproximadamente 100 metros: a Zona de Inluência Primária (ZI1) tem uma dinâmica direta e intimamente ligada à barreira; em vetores de mobilidade, é nela que se nota a maior parte da degradação advinda das poluições sonora, aérea e visual. Já no caso de barreiras fluviais, são estas as áreas que mais sofrem com o mau-odor causado pela poluição olfativa dos rios.

As Zonas de Inluência Secundárias (ZI2) e Terciárias (ZI3) sofrem uma influência reduzida das margens diretas, mas são muito afetadas pelas ZI1 e apresentam uma clara diluição de alguns dos malefícios ou vantagens geradas pela barreira. Este exercício de análise pode ser repetido ad eternum com mais zonas de influência que demonstram um número descendente de características herdadas das zonas que as precedem, mas, para efeito deste estudo, focar-se-á nas três primeiras. Essas áreas diretamente afetadas acabam influenciando suas próprias ime-

Imagem 28: Foto da Avenue de France em Maio de 2008, antes da cobertura das linhas férreas

diações de acordo com suas próprias características, sejam elas desejáveis ou não para a ocupação humana. Por exemplo, o Tâmisa tanto poluiu seu entorno que o valor de mercado de suas orlas caiu, passando a ser ocupado por docas que transformariam o rio no mais ativo no mundo. Contudo, suas áreas portuárias eram notórias por seus bordéis, bares e atividade criminosa, o que fez com que a área se tornasse menos desejável pela população em geral. Em suma, o Rio Tâmisa degradou suas imediações, que por sua vez, diminuíram os valores de mercado adjacentes. Esse efeito-cascata acaba por afetar todo o desenvolvimento da cidade e ainda pode ser observado nas favelas que ocupam as orlas de rodovias paulistas como o Rodoanel e a Anchieta.

No caso do Paris Rive Gauche, as áreas próximas ao Sena não enfrentavam uma situação tão deteriorada quanto alguns grandes eixos viários do séc. XXI ou a Londres Vitoriana, mas ainda assim apresentavam uma subutilização e desvalorização

Imagem 29: Foto da Avenue de France em Junho de 2016, após a cobertura das linhas férreas

na orla sul do rio (sobretudo próximo às periferias da cidade). Com o objetivo de explorar o já identificado potencial econômico da área, a intervenção dá seus primeiros passos na forma de uma revitalização das margens do rio, transformando-as em um parque linear que o acompanha em quase toda a sua extensão dentro da área delimitada pelo projeto.

Essa área é composta principalmente de espaços para caminhada, mas é importante notar algumas das características herdadas das Woonerven holandesas: ambas são vias locais não-asfaltadas (em geral realizadas em pedra) com trabalho paisagístico, mobiliário urbano e baixos limites de velocidade. A circulação de veículos automotivos é permitida, mas sua geometria é planejada de forma a forçar tráfego de velocidades mais baixas, com bolsões mobiliados que funcionam como locais de estadia. No parque do Rive Gauche, contudo, ainda foram desenvolvidos espaços para pequenos comércios que foram rapidamente alugados por bares, restaurantes, floriculturas, e até mesmo iniciativas de jardins coletivos.

Assim, cria-se ao longo do rio uma área lúdica amplamente utilizada durante todos os dias da semana tanto por residentes da área quanto por visitantes de bairros e até mesmo cidades distantes – o sucesso foi tamanho que em Maio de 2015 foi iniciada pela prefeitura um processo por eles chamado de “Ato II da Retomada das Orlas do Sena,” que visa pedonalizar o Paris Rive Droite, a “margem direita” do Rio. 13 Naturalmente, o parque linear do Rive Gauche não foi executado de maneira isolada: o projeto funciona como uma coluna dorsal para o restante da intervenção, ligando suas três partes através da orla do Sena. Da mesma forma, a Avenue de France funciona como eixo estruturador do projeto, correndo por seu centro e mais acessível por veículos motorizados, mas ainda assim recebendo um grande tratamento sobretudo de suas margens.

A avenida corria em paralelo às linhas que saíam do Terminal Gare d’Austerlitz, um dos maiores terminais ferroviários de Paris, cujas linhas desvalorizavam seu entorno – uma das razões para a seleção da área de intervenção. Em 1989, foi decidida a cobertura total da linha férrea, de forma a permitir inclusive a construção de edificações em seu topo. Esse dispendioso processo foi amplamente criticado no início da década de 1990, em meio a uma forte crise econômica na França, sendo processado em 1993. Esse processo paralisou não apenas a cobertura das linhas, mas toda a intervenção planejada para a área, à exceção da Biblioteca que já estava em processo de finalização.

Isso fez com que a Biblioteca fosse terminada em meio a um bairro quase que completamente desocupado após a compra dos terrenos pelo município. Com o fim da crise e a eleição de um novo prefeito em 1995 pregando um “Urbanismo com semblante humano,” investidores sentiram-se confiantes para construir no local de intervenção. Essa nova injeção de capital, em conjunto com os esforços do então prefeito

Jean Tiberi de engajar a população no processo de projeto, fez com que as mudanças implementadas no projeto fossem abraçadas pelos frequentadores, como a diminuição na área de espaços corporativos para 440000m², e um aumento das áreas universitária e de habitações sociais em aproximadamente 50%, com a última chegando a 2000 unidades. Em Outubro de 2006, haviam sido gerados mais de 20000 novos empregos na área.

Com isso, foi retomado o processo de cobertura das linhas férreas e a finalização da maior parte das áreas públicas da Avenue de France. Novas edificações foram planejadas para a área, e algumas já se encontram em execução, mas ainda restam três áreas a serem desenvolvidas.

Uma das áreas continuadas após esse hiato foi a região da Universida-

Imagem 30: Rue des Frigos, demonstrando a geometria abrasiva das vias internas do campus universitário. Calçadas estreitas, gabarito elevado para uma via relativamente estreita

de. Localizado em Masséna, o campus universitário é conectado diretamente com o parque linear e a Avenue de France e contém um programa diverso, com restaurantes, hotéis, supermercados, papelarias, academias e correios, todos abertos ao público e integrado naturalmente à cidade através de vias internas de fluxo lento. Porém, o campus sofre de alguns problemas de segurança e depredação. À primeira vista, parece não haver razão para a marginalização da área, mas ao vivenciar a área logo nota-se alguns problemas de geometria: algumas vias estreitas são escurecidas pelo gabarito relativamente elevado das edificações que as definem; outras, nem sequer têm uma geometria bem definida, e poucas possuem alguma característica marcante. Essa falta de unidade estética acaba gerando um ambiente pouco salubre e memorável, o que dificulta sua apreensão e registro perceptivos e, consequentemente, a apropriação do espaço.

Imagem 31: Projeto de inserção da biblioteca

A Biblioteca também apresenta alguns problemas de projeto, estes apontados por Paul Lecroart em sua apresentação sobre o projeto em Outubro de 2006:

“Biblioteca Nacional: erro urbanístico, motor cultural; Fisicamente ignorante a seu entorno;

Conexões ruins com a malha viária e o Rio; Esplanada inabitável; Mas é uma biblioteca eicaz ísica e virtualmente (cerca de 10000 hab/dia).”

A biblioteca aparece no contexto de uma área projetada para atrair circulação pedonal, mas sua escala e ‘elevação em relação às vias em que se encontra a alienam completamente do restante da região. A esplanada em seu interior e no topo de seus volumes de proporções horizontais são vastas, não abrigando quaisquer tipos de atrativos e, consequentemente, mantendo-se vazias a maior parte do tempo.

Assim, a intervenção Rive Gauche de Paris apresenta uma série de iniciativas que, dentre outras coisas, buscam realizar a recuperação de uma área degradada às margens do Rio Sena, sendo bem-sucedidas no tratamento da Zona de Influência Primária da barreira-polo, mas observando apenas um êxito parcial nas ZI2 e ZI3.

Ademais, seu intuito inicial de reabilitar uma área degradada às margens do Sena observou um significativo crescimento econômico da área, mas os diversos percalços ao longo do caminho impediram o aproveitamento mais completo dos benefícios oferecidos pela barreira-polo.

Isto pode ser notado não na comunicação do plano com o Rio na escala urbana, mas no projeto das zonas de influência após a primária, demonstrando que o

“tratamento das margens” não refere-se apenas às imediações da barreira, mas também a seus reflexos no restante da cidade, sejam eles diretos ou indiretos, imediatos ou futuros.

Imagem 32: Paris Rive Gauche. Ao centro: Gare d’Austerlitz

08. Em comum, incomum

As duas situações estudadas foram selecionadas de modo a melhor evidenciar o potencial que a influência de uma barreira linear de escala urbana detém. Em ambos os casos, é notável que a organização morfológica do entorno desses vetores é diretamente relacionada à forma das barreiras.

As dinâmicas de ambas as cidades também são afetadas pelas condições não só de suas barreiras, mas também de suas margens diretas e indiretas: funcionando como extensões de sua presença, as Zonas de Inluência de uma barreira podem afetar o valor imobiliário de toda uma região, o tipo de ocupação nelas estabelecidas, e até mesmo a forma como a barreira é vista pela população.

Muitas vezes não é viável realizar o tratamento de uma barreira-polo de forma a torna-la mais agradável à população, seja por determinadas impossibilidades físicas, seja por questões econômicas ou quaisquer outras restrições. Mas ambos os casos tomam uma posição de tratamento não de suas barreiras, mas de suas margens. Aceitando os rios Han e Sena como as barreiras que são, Seul e Paris criaram às suas margens programas lúdicos independentes dos vetores que os organizam. Ainda que o Han seja utilizado para prática de esportes aquáticos e sua presença seja um grande benefício para os parques às suas margens, estes funcionam mesmo durante o inverno – quando o acesso direto ao rio é fechado pela municipalidade.

Em suma, busca-se por meio desses estudos provar que não é necessário ter uma barreira-polo em boas condições para aproveitar de sua influência, pois os aspectos positivos desta podem ser facilmente catalisados através de suas margens indiretas. Tanto a capacidade de organização morfológica quanto a capacidade de interligação de diversas áreas são características intrínsecas de qualquer barreira linear de escala urbana e comuns a todas elas. São justamente estas as facetas que compõem o potencial

anteriormente mencionado, e são elas que devem ser reconhecidas durante o desenvolvimento de uma intervenção ao longo de um vetor de grande escala.

Logicamente, se o aproveitamento de uma barreira linear é possível, plausível e benéfico ao projeto não há razões para não integrá-lo à intervenção. Mas, sobretudo nos casos de barreiras urbanas de mobilidade em atividade, às vezes tal empreitada simplesmente não é viável ou prática o suficiente. Ainda assim, é possível tomar desta condicionante um potencial que poucas outras situações apresentam.

09. Conclusão: 02

As duas cidades estudadas demonstram hoje um intenso reconhecimento de suas barreiras lineares, e Paris cada vez mais luta para melhorar a qualidade das águas do Sena e da vida às suas margens. É importante notar também a importância do engajamento da população desde as primeiras etapas de projeto e o reflexo que essa iniciativa pode ter a longo prazo, visto que ambos os municípios, mesmo com culturas vastamente diferentes, obtiveram grande sucesso em atender às colocações dos futuros usuários de suas intervenções.

Assim, estabelece-se além deste outros três pontos fundamentais: tratamento das margens, reconhecimento das zonas de influência e revalorização cultural das barreiras.

Lista de Referências:

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21 - Trip Advisor. Rio Han. Disponível em: <https://www.tripadvisor.com.br/Attraction_Review-g294197-d1519813-Reviews-Hangang_Park-Seoul.html>. Acesso em: 15 abr. 2016.

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28, 29, 30 – Avenue de France. Disponível em: <http://maps.google.com>. Acesso em 16/11/2016.

31, 32 - LECROART, Paul – Learning From a Mega Project, Outubro 2006

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