FLÁVIO TAVARES
CADERNO ESPECIAL Belo Horizonte SEGUNDA-FEIRA 21 DE MARÇO DE 2022
Na virada de 2021 para 2022, Minas Gerais viu suas rodovias se desmancharem em vários pontos do Estado, ao mesmo tempo. Buracos, afundamento de pistas, desmoronamento de encostas e queda de pontes: o que já era problema nas estradas mineiras ficou ainda mais grave com as chuvas. Elas já passaram, mas os efeitos vão perdurar, e, por trás deles, as causas não são os temporais, e sim a falta de obras de manutenção.
MAIS CONTEÚDO
16 | O TEMPO BELO HORIZONTE | SEGUNDA-FEIRA, 21 DE MARÇO DE 2022
Por todos os cantos, Minas Gerais tem estradas desmanteladas ou à espera de reparação FOTOS FLÁVIO TAVARES
ESTAMOS sem oBras
desculpe o transtorno.
Caminhos interrompidos
DER aponta que 20% das vias estaduais são ruinsoupéssimas
W BR-356. Parte da estrada desmoronou, perto de Itabirito, causando interdições e transtornos no acesso
Levantamento inéditorevelaquehá problemasemtodas as42microrregionais ¬ QUEILA ARIADNE RAFAEL ROCHA TATIANA LAGÔA
¬ Em São José do Goiabal, na região do Rio Doce, Gerimal da Silva vê a casa se equilibrar entre um barranco que se formou onde era o quintal, na parte de trás, e, na frente, uma cratera aberta na MG–320. “É esperar eles arrumarem, fazer alguma coisa, porque, para onde ir, a gente não tem também”, afirma. Na zona rural de Capelinha, no Vale do Jequitinhonha, João Aparecido Pego Vieira se cansou de esperar. Quando quer mandar para a cidade o leite produzido na fazenda às margens da MG–211, ele mesmo pega a enxada para abrir caminho na estrada de chão. Gerimal mora a quase 400 km de João, mas um fator os aproxima: a falta de infraestrutura nas vias. Assim como para os dois, esse problema é comum para moradores de todos os cantos de Minas Gerais. Um levantamento inédito feito pelo jornal O TEMPO em 42 microrregionais, a partir de definição da Associação Mineira de Municípios (AMM), revela que pelo Estado inteiro existem rodovias estaduais ou federais com necessidade de obras urgentes.
Com as fortes chuvas na virada de 2021 para 2022, mais de cem pontos foram total ou parcialmente interditados nas estradas mineiras por causa de queda de barreiras e de pontes e do aumento dos buracos. Apesar de esse tipo de transtorno ser comum em períodos chuvosos, neste ano uma particularidade agravou ainda mais a situação: o acesso não foi comprometido apenas em vias vicinais, que ligam distritos e cidades vizinhas, mas em rodovias com forte fluxo de veículos e grande relevância no escoamento interestadual da produção. E tudo isso aconteceu em vários pontos ao mesmo tempo, o que potencializou perdas não só econômicas, como também ambientais e sociais, com limitação de acesso à educação e à saúde, por exemplo. A pesquisa de O TEMPO foi feita para mensurar esses impactos, mas encontrou problemas estruturais muito maiores, como falta de asfalto e de sinalização, obras abandonadas e altíssimo índice de acidentes. Na maior malha rodoviária do país, o retrato é preocupante, e as condições são piores do que na média nacional. Antes das chuvas avassaladoras que desabaram sobre Minas no começo deste ano, 69,9% das rodovias que cortam o Estado já estavam em condições regulares, ruins ou péssimas, segundo a Pesquisa CNT de Rodovias 2021, que verificou cerca de 15,9 mil quilômetros. No Brasil, esse índice é de 61,8%.
O custo desse impacto para 2022, incluindo reparações dos danos das chuvas, ainda nem foi calculado. Entretanto, já é possível afirmar, com base na Lei Orçamentária Anual (LOA 2022), que nem todo o dinheiro previsto para as estradas federais do Brasil inteiro seria suficiente para consertar sequer os reparos emergenciais em Minas. Só essas melhorias mais urgentes no Estado custariam, segundo estimativas da Confederação Nacional do Transporte (CNT), R$ 11,6 bilhões. Já o valor liberado para o país todo neste ano é de R$ 8,58 bilhões. Ou seja, num momento em que mais se precisaria de recursos, este é o menor montante destinado às rodovias federais dos últimos 20 anos. O diretor executivo da CNT, Bruno Batista, afirma que a precariedade das rodovias brasileiras não é culpa das chuvas. “Do jeito
que as coisas são colocadas ao público, fica parecendo que o problema é climático. Mas obra de engenharia é projetada para suportar chuva. Então, na verdade, isso é apenas uma boa desculpa para justificar dificuldades de gestão”, diz. Segundo Batista, a não ser em situações excepcionais, como erosão e rompimento de barreiras, é irresponsabilidade culpar as chuvas quando as causas das más condições das estradas têm mais relação com a falta de investimento. “Estamos no menor nível de investimento dos últimos 20 anos. Seria muito mais fácil investir em prevenção, mesmo porque, quando a conta inclui vidas, não tem nada que pague. Não foram as chuvas que trouxeram o problema, e, sem investimento (em manutenção), agora os gastos terão que ser ainda maiores”, analisa.
BR-262. Uma cratera se abriu e engoliu parte da rodovia, na altura do município de Abre Campo
Até mesmo o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG), responsável pelas rodovias estaduais, admite que a situação atual é caótica. “As rodovias se encontram em situação precária, temos muitos problemas, buracos, erosões de bordo, rompimento de bueiros”, assume Robson Santana, diretor geral do DER. Segundo ele, a precariedade atual é fruto de 12 anos sem investimento de governos no órgão que cuida das estradas. “Juntamente com o maior período chuvoso da história, em que mais de 400 municípios foram atingidos e decretaram estado de calamidade”, completa Santana. A administração estadual se escora na indenização paga pela Vale, devido ao rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão. Ocorrida em 2019, no município de Brumadinho, a tragédia resultou em reparação financeira total da ordem de R$ 37,6 bilhões. Desse valor, R$ 700 milhões estão sendo destinados para recuperação de rodovias, segundo Santana. Um levantamento feito pelo órgão demonstrou que Minas Gerais possui 4.000 km de estradas em estado ruim ou péssimo. Desses, 800 km, ou seja, 20%, estão passando atualmente por obras, segundo o DER. (RR)
Veja no portal o conteúdo digital da série "Desculpe o transtorno: estamos sem obras"
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O TEMPO BELO HORIZONTE| SEGUNDA-FEIRA, 21 DE MARÇO DE 2022 | 17
A chuva passou, e o caos ficou pelo caminho na maior malha rodoviária do país Estragos ainda não foram resolvidos; vias têm crateras e quedas de encostas ¬ RAFAEL ROCHA ¬ A cozinheira Maria
ES AVAR VIO T S FLÁ FOTO
ESTAMOS sem oBras
desculpe o transtorno.
Enxurrada de prejuízos
Aparecida da Silva, 41, diz estar sem chão. Em menos de 30 dias, ela perdeu a irmã e a casa onde morava, em Abre Campo, na Zona da Mata. O imóvel teve que ser abandonado após ter sido atingido por uma erosão que engoliu um trecho da BR–262, na altura do KM 96. Quinze dias depois, um acidente de motocicleta na mesma estrada tirou a vida da irmã da cozinheira. Se uma rodovia está malconservada, tragédias vão acontecer – e Maria é prova disso. “Não tenho a menor ideia do que vai ser agora”, diz ela, desolada. O impacto que uma estrada sem manutenção adequada causa na vida das pessoas não é circunscrito apenas aos transtornos a quem está dentro dos veículos. Além de alongar viagens, provocar congestionamentos e obrigar motoristas a fugir de buracos, o desleixo das autoridades com as rodovias em Minas Gerais leva toneladas de problemas a muita gente. Estudantes deixam de ir à escola, trabalhadores perdem seus empregos, o abastecimento fica comprometido, pessoas morrem. No início de março, a reportagem de O TEMPO percorreu cerca de 700 km de federais, estaduais e municipais. O contexto encontrado foi de omissão flagrante nas rodovias. O exemplo de Abre Campo representa bem o tamanho do problema. Em janeiro, uma cratera se abriu na BR–262 e interrompendo um fluxo brutal de carretas e caminhões que levam todo tipo de suprimento para diversas regiões. Após quase 15 dias de uma interdição total, empresários fizeram um desvio por conta própria – eles alegam demora do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). O improviso deu errado, foi interditado, e outro desvio foi feito, também informalmente. A região vive um caos – a cidade ficou sem ônibus
por vários dias, e a coleta de lixo, comprometida. A solução definitiva para a estrada, no entanto, vai demorar no mínimo seis meses. É o tempo estimado pelo Dnit para finalizar as obras na rodovia e acabar
com um arremedo de desvio. “A gente está acostumada com a roça e de repente vê a porta da casa se
transformar numa BR”, diz a lavradora Maria das Graças de Barros, que agora convive com carretas imensas passando pelos 18 km da estradinha onde mora. O local é um dos trajetos alternativos para caminhões acima de 15 toneladas que não podem seguir pelo desvio da 262. São tantos veículos pesados que até um inusitado congestionamento rural foi presenciado pela equipe de reportagem. Os pontos que tiram o sono dos motoristas e passaEspera. A obra geiros, no entanto, na BR–262, na se espalham por toaltura do KM 96, do canto em Minas em Abre Campo, Gerais. Moradores vai demorar seis de Itabirito tammeses. bém tiveram que abandonar suas casas depois que a rodovia BR–356 praticamente esfarelou-se na altura do KM 56. Uma cratera levou abaixo quase metade da pista, bem no rumo da Desvio. Maria curva, e o trecho das Graças viu a segue causando porta de casa, perigo ao conduem Abre Camtor. A 356, aliás, é po, se transforoutro péssimo mar em uma BR exemplo. No caminho entre Nova Lima e Ponte Nova, a estrada apresenta incontáveis pontos de interdições e quedas de encostas, como no KM 89, onde um buraco na pista estava sinalizado com arbustos, diante da falta de fiscalização necessária. A situação das estradas estaduais não é diferente. Na região Central, o motorista que acessa a MG–262 enfrenta desafios na altura de Mariana, próximo ao distrito de Furquim. Uma cratera de 70 m se abriu na estrada, um desvio foi feito, mas ainda há riscos. Bem perto dali, o motorista de caminhão Adelson Basílio consertava seu caminhão quando O TEMPO passava pelo local. Ele disse que somente entre BH e Ouro Preto, passou por dez trechos de risco em Rio Casca. Onze função de queda estradas municide encostas ou bupais romperam racos na via. “Você já sai de e cada obra casa com o risco da profissão custa, em mée tem que encarar estrada dia, R$ 200 mil que não dá condição de tráfego”, reclamou.
Restaurante à beira de estrada tem demissões
W
Outros que acumulam prejuízos são os empresários. À frente do Memorial Cotochés, em Abre Campo, José Eduardo Russo teve que demitir metade dos 46 funcionários do restaurante, que fica às margens da estrada. Segundo ele, os problemas na rodovia impactaram mais a região do que as restrições da pandemia. “O fluxo diário caiu de 5.000 clientes por dia para mil”, calcula. “É algo desumano”, resume um motorista de ônibus fretado que pediu anonimato. Ele tentava vencer o desvio, mas sem sucesso. Com dez anos de experiência na estrada, ele diz que a situação da BR–262 melhora somente em terras capixabas. “Tinha que ser recapeado, mas eles não fazem”, reclama. Como o desvio improvisado não autoriza a passagem de ônibus ou carretas maiores, o tempo de viagem pode até dobrar em alguns casos, como no trecho BH-Vitória, já que os veículos precisam pegar caminhos alternativos que podem aumentar o percurso em até 120 km. Quem costuma passar pela BR–381 já sabe que vai enfrentar problemas ao ingressar na estrada, como afundamentos de pista, desvios arriscados e remendos precários. O comerciante Leandro Pedroso é um deles. Ele passa pela rodovia cerca de quatro vezes por semana, no trajeto de Ipatinga a Nova Era, e percebe que os transtornos têm aumentado nos últimos meses. “Toda semana tem que trocar o pneu do carro, porque estoura”, diz. É na altura de Nova Era, inclusive, outro ponto de caos na rodovia. Em janeiro, um deslocamento de terra provocou o rompimento da pista, que ficou totalmente interditada por 21 dias. Obras estão em andamento no local, que conta com pista única, mas os trabalhos devem demorar seis meses para serem finalizados. “Tive um prejuízo de R$ 200 mil”, contabiliza o vereador e empresário Roberto Bicalho, que tem uma lanchonete bem ao lado do trecho. Consultado, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) informou que “atua de maneira prioritária na recuperação dos trechos das rodovias federais de Minas Gerais”. O órgão disse ainda que o trabalho ocorre de maneira ininterrupta, desde o final de dezembro de 2021, para restaurar a trafegabilidade das rodovias impactadas. (RR)
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18 | O TEMPO BELO HORIZONTE | SEGUNDA-FEIRA, 21 DE MARÇO DE 2022
EDITORIA DE ARTE / O TEMPO
PRECARIEDADE
FLÁVIO TAVARES / O TEMPO
PARA TODO LADO
18
6
As rodovias mais problemáticas, por microrregional
17
29
41
4
30 4
27
32
10
40
42
21
7
14 11
14
25 25
22 POPULAÇÃO
LOCAIS QUE PRECISAM DE OBRAS EMERGENCIAIS
Nova 1 Ambaj*
212.626
MG–406 e BR–367
2 AMOC
641.020
BR–365, BR–116 e MG–329 MG–050, BR–262 e MG–164 BR–050, BR–262 e MG–190
3 AMVI
846.783
4 AMVALE*
490.775
5 AMPAR
811.998
BR–267, a BR–040 e MG–353
6 AMEJE*
246.131
BR–116, BR–367 e BR–342
7 AMEPI
396.530
BR–381, BR–262 e MG–120
8 AMBASP
630.599
9 Assoleste
102.607
10 AMAPAR
396.419
11 AMALG*
322.762
12 AMAJE 13 AMERP* 14 ALAGO 15 GRANBEL
256.283
413.049 263.280 5.422.237
16 AMOG
147.329
17
400.359
AMNOR
BR–381, MG–167 e MG–265 MG–417, MG–259 e BR–381 BR–365, BR–354 e BR–352 BR–381, BR–265 e MG–335 BR–367, MG–259
BR–356, BR–116 BR–491, BR–369 e MG–170 BR–262, MG–050, BR–040 e BR–381 BR–491, MG–449, BR–146 e MG–050 MG–402, MG–202, BR–040 e MG–151
1.571.006
MG–122, BR–251 e BR–135
19 AMAG
313.088
MG–350, MG–158
20 AMARP
482.181
21 AMEG
380.076
22 AMESP
342.862
BR–381 MG–050, BR–265, BR–491 e BR–146 BR–381
18 AMAMS
FONTE: PESQUISA FEITA PELA MAIS CONTEÚDO
PRINCIPAIS FALHAS
trechos sem pavimento, falta de manutenção muitos buracos por causa das últimas chuvas queda de barreiras por causa da chuva
curvas e pontes perigosas; acesso ao aeroporto regional muito ruim muitos buracos ligação com o Vale do Aço prejudicada, problemas causados pelas chuvas e falta de asfaltamento muito esburacada falta de recapeamento, manutenção e acostamento pavimentação ruim e sem 3ª faixa em vários trechos buracos e problemas com as chuvas trechos sem asfalto, ponte sobre o Rio Jequitinhonha interditada e problemas causados pelas chuvas asfalto cedido e interdições por causa das chuvas trechos sem asfalto, obras inacabadas, buracos e necessidade de recapeamento. queda de pontes, deslizamento de encostas, buracos estradas em boa situação estradas municipais destruídas, BR com mais de 70km sem asfalto, problemas causados pelas chuvas trechos sem asfalto e buracos nas rodovias crateras, desvios improvisados não informado atoleiro, deslizamentos, pontes danificadas não informado
PARA MAIS INFORMAÇÕES SOBRE CADA REGIÃO E A LISTA DOS MUNICÍPIOS QUE PERTENCEM A CADA UMA
39
8
5
20
2
26 24
16
38
31 15
36
9
37
33
3
MICRORREGIONAL
23
12
13
35 34
MICRORREGIONAL
POPULAÇÃO
23 AMUC
443.552
24 AMVER
236.772
BR–040, BR–383 e BR–265
25 AMMAN
437.009
MG–462
26 AMAPI
281.187
BR–262, MG–329 e BR–120
27 AMBAS
213.620
MGC-259, MG–120, LGM–752 e LMG–757
28 AMALPA
495.810
29 AMMESF
172.395
30 AMASF
190.408
31 AMVA
482.170
BR–381 e MG–425
32 AMEV
187.275
BR–135, MG–495 e MG–220
33 AMAV
361.452
MG–424 e MG 231
34 AMASP
218.133
BR–381 e BR–290
35 AMARGE
313.088
BR–267, MG–870 e MG–871
36 AMECO
129.717
37 AMME
93.783
LOCAIS QUE PRECISAM DE OBRAS EMERGENCIAIS
BR–367, MG–409, BR–116 e BR–418
BR–040, MGC–383 e MGC-482 MG–496, BR–365 e MG–161 MG–164, MG–420 e MG–040
MG–040, LMG–831 e BR–381 MG–120, MG–232 e MG–10 BR–381, BR–259 e MG–422
38 ARDOCE
443.022
39 AMMA
219.811
MG–448
40 ARDOCE
443.022
BR–381, BR–259 e MG–422
41 AMVAP 42 AMPLA
1.196.262 197.218
MGC-497 e BR–153 BR–146
PRINCIPAIS FALHAS
promessas de melhorias que nunca se concretizaram, buracos e trechos sem asfalto trecho com meia pista interditada trechos interditados, caminhões com excesso de peso crateras na pista, desvio improvisado na BR–262, em Abre Campo, tem causado transtorno asfalto velho, buracos, necessidade de recapeamento, muitos acidentes precisa de duplicação, muitos veículos, falta acostamento muitos buracos muito esburacada e afetada pelas chuvas melhoria e duplicação da estrada federal e pavimentação de um trecho da estadual trechos sem asfalto, necessidade de duplicação e restauração necessidade de duplicação (MG–424) e asfaltamento (MG–231) trechos esburacados e sem acostamento situação boa, mas há promessas de duplicação de alguns trechos e asfaltamento de outros limpeza e contenção de taludes e pavimentação queda de barrancos, árvores sem poda e muitos buracos precisam de reforma, duplicação e pavimentação falta de manutenção em pontes e estradas, danos causados pelas chuvas estradas precisam de reforma, duplicação e pavimentação necessita pavimentação necessita pavimentação
*O PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS NÃO RESPONDEU AO CONTATO DA REPORTAGEM
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14 | O TEMPO BELO HORIZONTE | TERÇA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2022
Mais combustível, mais tempo e mais desgaste elevam custo operacional Más condições das rodovias em Minas geram aumento de 37,2% nos gastos ¬ QUEILA ARIADNE RAFAEL ROCHA
¬ “A verdade é que Minas está igual a um queijo suíço. Piorou demais em relação a buraco e queda de barreira. É mais combustível, mais tempo e mais desgaste”, descreve o caminhoneiro Vagner Quirino enquanto negocia sua passagem às margens da BR–262. “Se eu não passar aqui, o desvio é de cento e tantos quilômetros”, desabafa o motorista, que seguia de Belo Horizonte para Vitória. Sobre o aumento de tempo e de gastos, Vagner tem razão. Pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT) indica que as más condições das rodovias mineiras provocam um aumento médio de 37,2% nos custo operacional, incluindo manutenção e combustível. Para o Brasil, o aumento médio é de 30,9%. Em relação à analogia das estradas com um queijo esburacado, o condutor também está certo. A mesma pesquisa revela que 69,9% das rodovias estão em condições regulares, ruins ou péssimas. A CNT verificou 15.279 km em todo o Estado e constatou piora: de 2019 para 2021, o total de pontos críticos identificados subiu de 21 para 95. Após as fortes chuvas da virada do ano, a tendência é piorar. “Minas Gerais não tem estradas, tem caminhos”, destaca o presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas e Logística de Minas Gerais (Setcemg), Gladstone Lobato. Segundo ele, as condições das rodovias que cortam o Estado sempre foram problemáticas, e as chuvas só vieram a agravar ainda mais a situação. O reflexo imediato é um aumento de custos. Dono da Transavante, Lobato calcula que, em alguns casos, o custo com manutenção chega a dobrar. “O custo de manutenção vai lá em cima. Mas também sofremos com o aumento do tempo das viagens. De Belo Horizonte para Ipatinga, no Vale do Aço, a gente gastava seis horas e meia. Com os desvios, a viagem chegou a demorar de 10 horas a 11 horas”, explica. Os efeitos são sentidos não só no bolso do transportador, mas também no dos clientes e dos consumidores. “Se a gente demorava um dia para fazer
uma entrega, nessa situação pode demorar até dois dias. É mais gasto com combustível, desgaste de pneu, suspensão. Só que nem todos os clientes entendem. A gente senta para negociar, mas não dá para repassar 100% do aumento. Acredito que a gente tenha conseguido repassar uns 70% dos custos para o frete”, calcula Lobato. O empresário Ulisses Martins ressalta a precariedade das BRs 262 e 381, duas das rodovias mais importantes para o escoamento da produção não só de Minas, mas também do Brasil. “Com os desvios da BR–262, o tempo de viagem de BH ao Espírito Santo, que era de 12 horas, agora chega a 16 horas ou até 18 horas. Uma entrega que
era para acontecer em 24 horas acaba demorando 36 horas ou até 48 horas. E isso afeta a produção de quem está esperando, o que gera prejuízos. Sem falar no risco de acidentes, que fica muito maior”, analisa Martins. Para dar conta de cumprir os prazos, o empresário teve outro aumento de custo: antecipou a compra de um veículo. “A gente ia comprar só em julho. Mas nossa frota ficou reduzida, pois um caminhão está demorando mais para fazer o trecho”, justifica. Coordenador de contas regionais da Fundação João Pinheiro, Raimundo Souza é um dos responsáveis pelo cálculo do PIB de Minas. Segundo ele, não é possível mensurar quantitativamente o impacto das chu-
vas nas condições das rodovias e os reflexos sobre a produção de riquezas no Estado. No entanto, se a discussão for qualitativa, Souza pode afirmar que os efeitos sobre a cadeia de transporte serão significativos. “O Valor Adicionado Bruto (VAB) do setor de transportes e armazenagem em Minas Gerais é R$ 26 bilhões, o que dá 4,5% do PIB estadual (com base em dados de 2019)”, explica. Na avaliação de Souza, as estruturas de investimento em manutenção precisam ser reforçadas nos âmbitos municipal, estadual e federal. “Normalmente, quando se faz prevenção, o gasto é menor do que aquele para corrigir a destruição”, avalia.
Problemade MG, que tem a maior malha viária do país, é nacional
W FLAVIO TAVARES
ESTAMOS sem oBras
desculpe o transtorno.
Preço dos buracos
Há sete anos, o cearense Luciano Maia Vieira cruza as estradas do Brasil conduzindo um caminhão. Parado na BR enquanto tentava resolver um problema mecânico, ele contabilizava os impactos das más condições das vias e pontuava os apertos que já passou em Minas. “Aumenta demais o gasto, porque é tanto buraco, que uma hora o caminhão danifica”, conta, tentando trocar uma mangueira que estourou. “Isso aqui eu mesmo consigo resolver, mas, se eu tivesse que chamar um mecânico, ia custar uns R$ 250 só pra ele vir até aqui”, afirma. Com as quedas de barreiras, os buracos e os desvios, combustível é outro gasto que tem atingido em cheio o bolso e comprometido a renda de Vieira. “Olha, eu ia do Ceará para São Paulo com R$ 4.000 de diesel. Hoje eu gasto R$ 8.000”, lamenta o caminhoneiro. O diretor do Setcemg, Antônio Luis da Silva Junior, conhecido como Toninho, ressalta que o fato de Minas Gerais ter a maior malha rodoviária faz das más condições das estradas que cortam o Estado um problema nacional. “As rotas mineiras fazem parte das rotas brasileiras. Minas está estrategicamente no cruzamento entre Centro-Oeste e Nordeste, merece atenção não apenas dos governos municipais e estadual, mas também do federal”, comenta.
37,2% é quanto o custo operacional sobe em MG com más condições das vias Desvio. Além das más condições das vias, desvios improvisados forçam os veículos e provocam estragos
69,9% percentual de rodovias em condições regulares, ruins ou péssimas no Estado
MAIS CONTEÚDO
O TEMPO BELO HORIZONTE| TERÇA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2022 | 15
Interdições na 381
elevam custo do transporte de cargas em R$ 2 milhões por dia
¬ TATIANA LAGÔA ¬ Em 1996, quando houve a pri-
meira promessa de duplicação da BR–381, entre Belo Horizonte e Ipatinga, no leste de Minas Gerais, Alexandre de Oliveira Júnior, 45, já atravessava a rodovia duas vezes por semana para
vender a produção da família, de São João do Oriente, nas Centrais de Abastecimento (Ceasa), na capital. Passados 25 anos, ele ainda aguarda uma solução para facilitar o trajeto na estrada considerada a mais perigosa do Estado. Enquanto isso não ocorre, ele, ao lado de outros produtores rurais, empresários e transportadores do Vale do Aço, amarga prejuízos pela falta de estrutura na via. Os problemas na BR–381 não são de hoje, mas, no período chuvoso deste ano, o rompimen-
to do asfalto na altura de Nova Era tornou o que era ruim ainda pior. Quem precisava atravessar esse trecho para escoar mercadoria foi obrigado a andar cerca de 300 km a mais por uma nova rota, levando a um encarecimento do frete. Levantamento da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) apontou um aumento de R$ 2 milhões no frete cobrado diariamente nas entregas saídas do Vale do Aço rumo à capital. “Foi levado em conta só o aumento dos custos aqui, no Vale do Aço. Mas o prejuízo global é muito maior se pensarmos que a BR–381 liga o Sudeste ao Nordeste do país”, diz o vice-presidente da Fiemg e coordenador do Movimento Nova 381, Luciano Araújo. Segundo o economista da Fiemg Marcos Marçal, é preciso um tempo maior para quantificar com exatidão as perdas ocasionadas pela impossibilidade de transitar na via por um período, mas algumas conjecturas já foram levantadas. “O trajeto alternativo aumenta a distância entre Ipatinga e Belo Horizonte em mais de três vezes. Isso significa aumento de gasto com combustível e manutenção do veículo, com consequente aumento do frete e dos preços dos produtos. Algumas atividades foram inviabilizadas. Por isso, há uma estimativa de que a economia do Vale do Aço possa reduzir-se em 30%, com uma perda diária de R$ 36 milhões, sendo R$ 15 milhões na indústria e o resto no comércio e serviços”, calcula. Produtor de quiabo, jiló, berinjela e abóbora, Oliveira Júnior viu o custo de produção subir 10% após a interdição da pista por cau-
sa da dificuldade de realizar a entrega. Às vezes, ele mesmo faz o percurso e, em outras situações, contrata motoristas. “A falta de estrutura dessa estrada afeta demais pra gente. Se a rodovia fosse duplicada, eu poderia ir mais de duas vezes a BH e aumentar minha produção, mas, do jeito que está, não compensa”, diz. Levantamento feito por O TEMPO junto às 42 associações representativas das microrregiões do Estado mostrou que a lista de problemas na rodovia é imensa: curvas sinuosas, falta de sinalização, trechos sem pavimento, obras inacabadas, partes muito estreitas. Um combo de situações que explica o fato de a BR–381 ser a mais fatal entre as vias federais que cortam Minas, segundo levantamento da Confederação Nacional do Transporte (CNT). Foram 162 vidas perdidas em 2.054 acidentes ocorridos na estrada em 2021. Cinco representantes de microrregionais ouvidos pela reportagem citaram a rodovia como a obra prioritária para as cidades do entorno. Isso significa que uma população de 1,59 milhão de pessoas, moradoras de 71 municípios ao redor da estrada, é diretamente impactada pelas más condições do percurso. A aposta do governo federal é que a saída esteja na concessão da rodovia para a iniciativa privada. Em 2014, saiu o primeiro edital para a duplicação do trecho de 303 km. A licitação aconteceu, parte dos lotes foi concedida, mas algumas empresas abandonaram a obra, e outras sequer iniciaram as intervenções. O governo tenta fazer um novo leilão, que já foi adiado por quatro vezes e não tem data prevista.
Precariedade é dez vezes maior nas vias com gestão pública
W
No Brasil, para cada 1 km de rodovia concedido à iniciativa privada, outros 3,5 km estão sob a gestão pública, segundo a Pesquisa de Rodovias da Confederação Nacional do Transporte (CNT), que considera cerca de 109 mil quilômetros. A qualidade é inversamente proporcional ao investimento. Enquanto 2,5% das estradas concedidas são classificadas como ruins ou péssimas, esse índice sobe para 28,8% das estradas públicas, que, mesmo precisando mais, recebem muito menos investimentos. De 2016 a 2020, por exemplo, cada 1 km de rodovia federal privada recebeu em média R$ 381,04 mil em investimentos, mais do que o dobro da média de R$ 162,92 mil investidos em cada 1 km sob gestão pública. “Por isso as condições das rodovias concedidas são melhores. É um bom remédio, mas não vai sanar todas as doenças. Seria impossível que 100% das rodovias mineiras, por exemplo, fossem concessionadas, pois há locais que não têm fluxo suficiente que justifique a concessão. A responsabilidade majoritária é do governo, e ele não tem como transferir”, avalia o diretor executivo da CNT. (QA) EDITORIA DE ARTE / O TEMPO
ENTENDA
2010 A duplicação foi incluída no PAC 2, e houve
História da BR–381
2012 O Dnit lançou o primeiro conjunto de
a promessa de início das obras para 2013.
editais para realização das intervenções. Os editais foram suspensos após GOVERNADOR questionamentos VALADARES dos participantes.
1996 O governo de Minas Gerais elaborou o Plano Estadual de Concessão de Rodovias e incluiu nele a BR–381 e a BR–262 para duplicar o trecho entre Belo Horizonte e João Monlevade.
1
2013
1999 BELO ORIENTE
O governo do Estado desistiu do programa e devolveu a rodovia para a União.
8
Esperança. Governo federal tenta licitar concessão da BR-381 para tornar possível duplicação da via mais fatal do Estado
NOVA UNIÃO
7
CAETÉ
RIO UNA
2
6
JOÃO MONLEVADE
Falta de estrutura crônica piora em período chuvoso e causa prejuízos
FLAVIO TAVARES
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desculpe o transtorno.
Vale do Aço
IPATINGA CORONEL FABRICIANO
4 5
3 NOVA ERA
TIMÓTEO JAGUARAÇU
BELO HORIZONTE
2008 A duplicação da via foi incluída no PAC.
2009 O governo federal autorizou a contratação do projeto executivo.
Foi lançado um novo edital de concessão, com o trecho de 303 km dividido em 11 lotes.
2014
Sete lotes tiveram lances, e empresas foram contratadas para fazer a obra. Algumas iniciaram as intervenções, outras desistiram da concessão sem nem começar a trabalhar. FONTES: NOVA 381 E PESQUISA DIRETA
14 | O TEMPO BELO HORIZONTE | QUARTA-FEIRA, 23 DE MARÇO DE 2022
MAIS CONTEÚDO
Produtor é obrigado a jogar 3.000 litros de leite fora por dificuldade de escoamento Vias destruídas pela chuva deixam fazendas ilhadas e impedem negócios ¬ ANA LUIZA BONGIOVANI ¬ O tanque enorme, todo em
aço inox, forma um contraste gigantesco com a estrutura de madeira que cerca o curral. O equipamento, com capacidade de
milhares de litros, fica em um cômodo próprio, bem limpo, separado dos animais e ligado à porteira da fazenda por vários tubos e bombas. Em janeiro deste ano, o tanque se tornou uma das partes mais importantes da fazendinha Cajubi, em Jordão, comunidade rural de Bonfim, na região Central de Minas. A cidade foi assolada pelas chuvas e sofreu com enchentes que duraram dias. Quando a água baixou, deixou um rastro FOTOS FLAVIO TAVARES
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Prejuízo
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As estradas acabaram, e aqui faltou energia uns dois dias. É difícil demais, viu? Ficamos sem saída. Fernando Las Casas produtor rural
de destruição: as estradas que cortam a zona rural, praticamente todas sem asfalto, ficaram intransitáveis para os caminhões que transportam a produção de leite. Ao contrário de várias outras culturas, que lidam melhor com as dificuldades de escoamento de produção, as fazendas leiteiras não podem parar o trabalho. As vacas precisam ser ordenhadas constantemente, e o leite, armazenado em baixas temperaturas, em tanques com limite de capacidade. “Joguei vários litros de leite fora nesse último período chuvoso”, conta Junior Fernandes, 38, dono da Cajubi. Hoje, a produção diária é de mais de mil litros, e um caminhão vai até a fazenda dia sim, dia não para buscar o produto e o levar a uma fábrica de laticínios. Com vários dias sem esse transporte, só deu pra salvar aquilo que cabia dentro do tanque refrigerado. “Eu tive um prejuízo de mais ou menos 3.000 litros de leite, que joguei fora. E ainda teve as doações”, conta Fernandes. E ele não está sozinho. Levantamento da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater), com base em relatos de 96 laticínios, mostrou que, no início do ano, pelo menos 9% da produção de leite do Estado foi prejudicada por causa da situação das estradas. Segundo Fernandes, os problemas com as estradas no entorno de Bonfim se repetem ano após ano. “São vários pontos de alagamento, vários trechos interditados, deslizamento de barrancos, pontes em que não dá pra passar. Dificulta demais o acesso do caminhoneiro”, explica. Nascido em Bonfim, Fernandes entrou para o ramo leiteiro há cinco anos, montando a
fazenda no terreno que pertencia ao avô – época em que a falta de infraestrutura já causava prejuízos. Sem perspectiva de melhora, ele preferiu diminuir, há poucas semanas, o tamanho da fazenda. “Vendemos algumas vacas, pra tentar ter menos problemas quando acontecer esse tipo de coisa”, explica. SEM SAÍDA. A pouco mais de uma
hora de BH, Bonfim tem mais de 40% da população morando na região rural. As principais atividades econômicas da cidade estão ligadas à agricultura e pecuária. As dezenas de pequenas comunidades são ligadas por estradas de terra – algumas delas vicinais, de responsabilidade do município, mas várias, como a MG–040, são rodovias estaduais. Na grande maioria, a ausência de pavimentação torna os caminhos ainda mais suscetíveis aos danos do período chuvoso, gerando prejuízos aos produtores.
Fernando Las Casas, 49, também teve que jogar leite fora, no começo de 2022, por causa da impossibilidade de escoamento da produção, que iria da zona rural de Bonfim para a parte urbana. “As estradas acabaram, e aqui faltou energia uns dois dias. É difícil demais, viu? Ficamos sem saída. Tive que tirar o leite e ir jogando fora. Foram quase 700 litros nesse intervalo aí”, conta.
··
Quando a gente doa, eu fico mais tranquilo. Eu ligo para a vizinhança, e o pessoal vem buscar o leite. Junior Fernandes produtor rural
Rio Casca
Sete de dez estradas rurais afetadas
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Em Rio Casca, na Zona da Mata, o drama vivido pelos produtores rurais parece com o vivenciado em Bonfim, na região Central de Minas Gerais – e em várias outras partes do Estado. “O produtor rural deixou de entregar seu leite e jogou fora. Deixaram de vender o gado de corte porque não tinham acesso
às estradas”, conta o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais da cidade, Raul Piuzana. Segundo ele, cerca de 70% das estradas rurais de Rio Casca foram afetadas pelas chuvas. Além disso, a cidade foi impactada pela cratera que se abriu na BR–262, na altura de Abre Campo. “Essas estradas ruins dificultam as entregas, au-
mentam o trajeto e o preço que a gente paga. O frigorífico cobra mais da gente, porque precisa dar voltas para buscar os suínos, e vamos acumulando prejuízos”, diz. Em Bonfim, há mais de 1.700 km de estradas de terra, segundo o secretário de Cultura, Patrimônio Histórico e Turismo da cidade, Fábio Campos. Ele acom-
panhou a reportagem em uma visita aos trechos mais problemáticos. “Fizemos ações paliativas, inclusive em vias do Estado. Mas não dá para prever uma pavimentação de tudo. Na MG–040, o governo fala que não tem como arrumar agora. Aí deslocamos máquinas da prefeitura para melhorar a situação”, diz. (ALB/ Rafael Rocha)
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O TEMPO BELO HORIZONTE| QUARTA-FEIRA, 23 DE MARÇO DE 2022 | 15
Metade das cidades mineiras registrou
perdas no campo durante o período chuvoso deste ano FOTOS FLÁVIO TAVARES
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Agronegócio afetado
Cercade120mil hectaresdelavouras foramdestruídos, segundoaEmater ¬ TATIANA LAGÔA
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ANA LUIZA BONGIOVANI
¬ Em uma das estradas de terra
na zona rural de Bonfim, na região Central de Minas Gerais, um caminhão tombado já ilustrava o problema que, não é de hoje, aflige produtores rurais. Naquela tarde de fevereiro, quando a equipe de reportagem tentava mapear a situação das estradas em uma região bastante afetada pelas chuvas no Estado, alguém ficou sem ração para alimentar o gado. O insumo ficou agarrado naquela via sem estrutura para comportar o ir e vir de insumos e produtos. A situação ilustra um caso que não é pontual no Estado, onde 445 municípios tiveram perdas no campo no início do ano, o equivalente a 52,16% do total de cidades mineiras, segundo levantamento da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG). O caminhão levaria ração até algumas propriedades rurais da cidade. Na fase mais crítica do período chuvoso, quando as fazendas ficaram ilhadas, os produtores tiveram que se virar. “A ração deu por pouco. Se tivéssemos mais alguns dias sem estrada, acho que teria acabado”, conta o produtor de leite Fernando Las Casas. Da mesma forma que as más condições das estradas impediam a chegada de insumos na roça, elas também inviabilizavam a saída de produtos de lá. Só metade do carvão normalmente produzido na fazenda São Mateus, na cidade de Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha, por exemplo, seguiu para atender as siderúrgicas no período chuvoso deste ano. “Tivemos que diminuir tanto a produção porque não tinha como escoar e não dá para produzir o carvão e deixar ao ar livre porque, se molha, reduz a qualidade. Todos os anos temos chuvas, mas, nos 30 anos que administro a fazenda da família, nunca tinha chovido por tanto tempo. Neste ano foi de outubro a fevereiro sem trégua”, conta o fazendeiro Manuel Ramos Fachada Martins da Silva. A produção teria que passar pela MG–211, uma via de terra, que fica intransitável na época de chuva.
Escassez leva a alta de preços de pelo menos 127 hortaliças
Pelas estradas. Enquanto percorria vias nas proximidades da cidade de Bonfim, a reportagem encontrou um caminhão com ração tombado
As estradas foram a segunda também foi grande nas plantações questão mais citada como um pro- de hortaliças, principalmente na blema no período chuvoso deste região metropolitana de Belo Horiano pelos 1.412 produtores rurais zonte. Em janeiro, detectamos ouvidos pela Federação da Agri- 127 mil produtores afetados pelas cultura e Pecuária do Estado de chuvas”, explica o diretor técnico Minas Gerais (Faemg), perdendo da Emater, Gelson Soares Lemes. apenas para destruição do cercaProdutor rural em Mário mento. Segundo o gerente de pla- Campos, na Grande BH, Dirceu nejamento do Sistema Faemg, Cel- Aparecido Rodrigues, 55, teve so Furtado Júnior, ainda é preciso um prejuízo de mais de R$ 200 entrar nessa conta de prejuízos o mil. A enchente invadiu a proimpacto direto da chuva nas lavou- priedade onde ele plantava, enras. “Em São Romão, por exemplo, tivemos uma propriedade de grãos que foi totalmente danificada. A agricultura convive com os problemas climáticos, como chuva, geada, seca, e tudo isso impacta de alguma forma”, diz. Segundo a Emater 120 mil hectares de lavouras foram perdidos no período chuvoso deste ano. “As culturas mais afetadas foram milho em grão, com 37 mil hectares perdidos. Isso corresponde a 4% da área toNas gôndolas. tal cultivada no EstaAs dificuldades do. O feijão de primeino campo reflera safra teve uma pertem-se direto da de 20,49 mil hectano bolso do res, o que equivale a consumidor 15% da área plantada em Minas. O estrago
tre outras coisas, alface, almeirão, abobrinha, brócolis, cenoura e alho-poró. Não sobrou nada. “Minha horta virou um grande lago de água contaminada. Eu perdi coisa demais: tinha 50 mil pés de alho-poró, 500 caixas de alface e um tanto de outras coisas. Agora, a terra está toda contaminada não dá para plantar mais nada”, lamenta. Ele, a mulher e os quatro filhos, de 12, 10, 8 e 5 anos, agora vivem de doações.
No período chuvoso, é bem mais difícil para Andresa Lunardi, 30, dona de um sacolão em Bonfim, conseguir comprar alface, couve e outros folhosos. Mas este não é o único transtorno que ela tem tido neste começo de ano. “Com essas estradas ruins é complicado, demora mais pra chegar. Costumava chegar às 14h, mas agora só no fim da tarde, perto de 17h, porque os caminhões vêm mais devagar. Aí, quando chega, já está quase na hora de fechar, então acabamos perdendo as vendas daquele dia”, conta. Apesar de existir produção de vários legumes e hortaliças em Bonfim, o sacolão é abastecido por produtos vindos das Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasa), em Belo Horizonte. “Tudo subiu muito. Grande parte da mercadoria não aguentou a chuva, então o que estava caro aumento mais ainda”, diz. O boletim da Ceasa mostra que, entre os dias 3 de janeiro e 14 de março, 127 hortaliças subiram de preço. O repolho, por exemplo, teve aumento de 233% no período, passando de R$ 1,50 para R$ 5,00 o quilo. A cenoura subiu 220%, com o preço por quilo passando de R$ 2,50 para R$ 8,00. (ALB)
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FOTOS FLÁVIO TAVARES
FOTOS FLÁVIO TAVARES
14 | O TEMPO BELO HORIZONTE | QUINTA-FEIRA, 24 DE MARÇO DE 2022
Caminhos. Pistas danificadas e barrancos desmoronados são alguns dos percalços nos percursos
Estradas
Buracos são sentença de morte para quem precisa chegar com urgência ao hospital
Más condições das vias dificultam tratamentos em tempo hábil ¬ TATIANA LAGÔA ¬ Todo fim de tarde, José Ro-
drigues da Cruz, 72, pegava um banquinho e se sentava na porta de casa, às margens da MG–211, na zona rural de Capelinha, no Vale do Jequitinhonha, para ver quem chegava da cidade após o expediente. Nascido e criado na região, ele conhecia cada buraco da rodovia, que não teve o prazer de ver asfaltada. Há um ano, a falta de estrutura na via o impediu de chegar a tempo ao hospital após um mal-estar, que o levou à morte precoce. Um caso que não é isolado no Estado com a maior malha rodoviária do país e onde muitas dessas estradas estão em condições precárias. Seu José, como era chamado pelos amigos, foi sentenciado pelos buracos da MG–211. “A estrada estava muito esburacada, e, por mais que a gente tentasse se desviar, o carro foi batendo muito, e acabamos demorando para chegar ao hospital. O médico disse que esses baques fizeram piorar a hemorragia do meu pai e podem ter sido a causa do rompimento da veia
na cabeça nele. Assim que ele morreu, a equipe falou que, se a gente tivesse conseguido chegar lá uns minutos antes, talvez a história tivesse sido diferente”, lamenta a filha Marta Nogueira Fernandes, 48. Um “se” que tem sido causa de revolta dos familiares dele desde aquele 27 de março de 2021, quando um senhor aparentemente saudável, que ainda trabalhava na roça, se despediu de cinco filhos, 14 netos e da esposa, inconformada até hoje. “Meu pai era muito na dele, mas tinha muitas atitudes ca-
rinhosas que a gente nunca vai esquecer. Quando eu ia pegar ônibus na porta da casa dele, ele me falava para entrar e tomar um café enquanto ele vigiava a estrada. Quando o ônibus virava na curva lá em cima, ele me chamava. Ele ficava tanto ali naquela porta, que reconhecia até o farol do ônibus a distância”, lembra Marta. MUDANÇA. Cenas cotidianas que
não vão mais se repetir, assim como as idas semanais ao sítio de Severo Alves dos Santos, 75, com a família. Há cinco anos,
ele também não conseguiu atravessar a MG–211 a tempo para se salvar de um infarto. “Eu me lembro como se fosse ontem. Era no período de seca, e a estrada estava buraco puro. Colocamos ele no carro, e, num trajeto que daria para fazer em 20 minutos, gastamos mais de uma hora. A médica falou que, se a gente tivesse chegado cinco minutos antes, dava para salvá-lo”, conta o genro Dionísio Alves Pereira, 46. Todos os fins de semana, a família ia ao sítio na zona rural de Capelinha. “Meu sogro tinha
Riscos. Acidentes não são os únicos desafios enfrentados por quem passa pelas rodovias mineiras
só um problema no coração, mas era muito ativo. Trabalhava, fazia artesanato, mexia na roça. Ele morava comigo e com minha esposa na cidade. Desde que isso aconteceu, ela não conseguiu mais voltar naquela casa onde a gente morava, está até à venda. Ela entrou em depressão, e nada voltou a ser como antes. O que fica para a gente é uma sensação de abandono. Estamos esquecidos pelo poder público”, desabafa com a dor de quem conduziu o veículo na tentativa de salvar o sogro e se viu impotente diante da falta de estrutura da estrada. Depois do episódio, a família se mudou para o sítio e ficou mais à mercê da MG–211 ainda, uma vez que agora não passam por ela somente aos fins de semana, e sim todos os dias. Recentemente, Dionísio sofreu um acidente. “No início deste ano, eu arrisquei sair em um dia de chuva para resolver uma emergência na cidade. Em uma curva, o carro deslizou, e eu desci em uma pirambeira. Dei muita sorte de sair inteiro, mas meu carro quebrou toda a parte da frente”, conta. Passado o susto, veio a decisão de deixar o filho, de 12 anos, morar com a sogra na cidade para ele não ter que enfrentar a estrada todos os dias ao ir para a escola. “A gente sente saudades demais dele, mas não dá para ele se arriscar todos os dias”, diz.
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O TEMPO BELO HORIZONTE| QUINTA-FEIRA, 24 DE MARÇO DE 2022 | 15
Governogasta2vezes mais com acidentes do que com melhorias na malha viária Rodovias federais que cortam Minas tiveram 15,4 mil mortes em 14 anos ¬ TATIANA LAGÔA RAFAEL ROCHA
¬ Com placas de “luto”, morado-
res de Coelho, na região Central de Minas Gerais, gritavam por “segurança” e pediam quebra-molas e radares. O ato foi em 2 de março, um dia depois de um rapaz ter sido morto atropelado na rodovia. Os manifestantes não sabiam dizer ao certo quantas vidas foram perdidas nos últimos anos naquele trecho que corta o distrito de Ouro Preto, mais precisamente no KM 65 da BR–356. “Foram mais de dez”, disse uma mulher com ar bastante indignado. “O quê? Chegou aos 20 com certeza”, gritou um homem no meio da multidão. Independentemente do número, ali, onde, por acaso, a reportagem passava ao seguir rumo a Nova Era, para checar os impactos causados por uma cratera que se abriu nos últimos meses, é só mais um trecho onde mães choram as perdas de seus filhos em estradas que cortam Minas Gerais. Um retrato esperado no país onde o que se perde em recursos com tudo o que envolve os acidentes é superior ao investimento nas rodovias. “Nós precisamos de quebramolas, de retorno do radar que foi retirado e de passarela para segurança dos pedestres aqui. Olha, estamos do lado direito da pista, do outro lado tem posto de saúde, e a gente tem que atravessar aqui para levar as crianças para a escola”, diz Auxiliadora Silva, uma das manifestantes. Aquele não era o foco da reportagem, que buscava por pontos críticos em rodovias mineiras que aguardam obras urgentes. Mas aqueles manifestantes trouxeram à tona outra questão de extrema relevância: o alto índice de mortes nas estradas, principalmente onde a infraestrutura é deficitária. Nas rodovias federais que cortam Minas Gerais, 15,4 mil pessoas morreram em acidentes nos últimos 14 anos. O levantamento feito pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), com base em dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), mostra que, de 2007 a 2021, foram registrados 275,5 mil acidentes, sendo 8.309 no ano passado, quando 693 pessoas foram a óbito. Atropelamentos, como o que levou dezenas de pessoas a se manifestarem na BR–356 naquele dia, representaram 5,9% do total de acidentes nas estradas federais em Minas no ano passado. A colisão ainda é o que lidera,
com mais da metade dos casos (52,5%) e 57% das mortes. Parte desses problemas que ocorrem em rodovias estaduais e federais poderia não existir se elas estivessem em condições mais adequadas. “As estradas de maior fluxo já deveriam estar duplicadas. Se isso acontecesse, os acidentes frontais, que estão entre os mais comuns, já não ocorreriam mais”, exemplifica o especialista em trânsito Márcio Aguiar. Integrante da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), Alysson Coimbra concorda: “São rodovias dos anos 1950 que não passaram por processo de conservação, e hoje a gente paga pela necessidade
de reestruturação e adaptação para o atual fluxo de veículos. Os veículos se modernizaram, e os caminhões estão mais pesados, fazendo com que a vida útil da malha asfáltica seja cada vez menor. É preciso que haja intervenções em trechos onde há alto índice de colisão, capotamento e saída de pista”, diz. Uma pesquisa da CNT mostrou que o custo estimado dos acidentes em rodovias federais no Brasil chegou a R$ 12,9 bilhões em 2021. O valor é mais do que o dobro do total de R$ 5,76 bilhões efetivamente investido nas estradas federais no ano passado. Se incluídas as vias estaduais brasileiras, o baque financeiro pula para
R$ 40 bilhões anuais, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea). Desse montante, a maior parcela (41,2%) é em função da perda de produtividade tanto quando a vítima fica lesionada como quando vai à morte. “Os impactos da perda de produção recaem sobre a Previdência Social e também sobre a família, em função de seu empobrecimento”, explica o instituto no material. O segundo maior custo é o hospitalar, representando cerca de 20% do total. As polícias Rodoviária Federal e Militar Rodoviária foram procuradas pela reportagem para comentar os índices de acidentes, mas não se pronunciaram.
Trânsito é um problema de saúde pública, garante a OMS
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FLAVIO TAVARES
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Disparidade
Revolta. População de Coelho se manifesta após mais um atropelamento no KM 65 da BR–356
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a falta de estrutura em estradas como um problema de saúde pública, sobretudo em países de baixa renda. Um levantamento do órgão apontou que mais de 90% das mortes no trânsito ocorrem em países de baixa e média rendas. Quando ocorrem em localidades de alta renda, esses óbitos são de pessoas com menor nível socioeconômico. O relatório da OMS mostra ainda que as lesões sofridas por pessoas no trânsito são a principal causa de morte entre crianças e jovens de 5 a 29 anos. O resultado, segundo a entidade, é um gasto aproximado de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países em função desses acidentes. Um gasto possível de ser explicado, segundo o especialista e integrante da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) Alysson Coimbra. “O Brasil figura entre os países com maior índice de mortes, sequelas, ferimentos e hospitalizações no trânsito, e todo o custeio da cascata infinita de lesões e inoperância do poder público é pago por todos nós. São grandes os gastos do Sistema Único de Saúde com essas hospitalizações e cirurgias. Essa demanda aumentada ocupa leitos e impede que cirurgias eletivas sejam realizadas, reduz as vagas de internação nas UTIs. Temos internações prolongadas, após a alta hospitalar necessidade de reabilitação. E, quando essas pessoas não conseguem a reabilitação, elas têm que recorrer ao SUS, seja de forma temporária ou por uma aposentadoria definitiva por invalidez”, diz. (TL)
Interior de Minas
Tratamentos médicos são adiados
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Para fazer tratamentos médicos de alta complexidade, os moradores da pequena Quartel Geral, na região Central de Minas Gerais, precisam seguir por 180 km até Sete Lagoas ou esticar a viagem até Belo Horizonte, em uma distância total de 250 km. Em condições normais, o processo já seria cansativo, principalmente pa-
ra quem não está com a saúde em dia. Mas, com as estradas completamente danificadas após o período chuvoso deste ano, o tratamento de uma parte da população ficou inviável. Segundo o prefeito da cidade, Gaspar Carlos Filho, a MG–176, que liga as cidades da região à MG–040, ficou intransitável nos
últimos meses. “Ela já era muito ruim, e durante a chuva teve ponte destruída, buracos e risco de desabamento de encostas. É um problema grande para a região toda aqui”, conta Carlos Filho. Quem pagou o preço foi a população. “Nós tivemos que parar todo o fluxo de levar pacientes para Sete Lagoas e BH que não fos-
sem de emergência. Antes, uma van da prefeitura levava de 15 a 20 pacientes, agora, por causa dos riscos da estrada, estamos priorizando carros pequenos. Os tratamentos eletivos que não eram hemodiálise tiveram que ser todos remarcados por causa da condição caótica das estradas”, diz. (TL)
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16 | O TEMPO BELO HORIZONTE | SEXTA-FEIRA, 25 DE MARÇO DE 2022
Criançasandam5km e se arriscam na beira de trilhos de trens para estudar FOTOS FLAVIO TAVARES
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Fim da linha
Estrada interditada em Nova Era torna inviável uso de transporte escolar ¬ RAFAEL ROCHA ¬ Ao voltar da escola, a peque-
na Lavínia, 8, rói as unhas. Com o olhar assustado, ela implora à mãe que saiam rápido dali. O que amedronta a menina é o cenário que a rodeia durante o caminho até sua casa. Uma fileira de vagões com toneladas de carga passa pela linha de trem bem ao lado direito da garota. O barulho da fricção das rodas da comitiva com o trilho ajuda a aumentar a tensão. À esquerda, um matagal alto esconde a vista. Para continuar assistindo às aulas do terceiro ano, Lavínia vai precisar caminhar por ali muitas vezes. A menina mora em Nova Era, cidade da região Central de Minas, onde chuvas recentes causaram inundações que atingiram estradas nos arredores. Uma das vias de terra servia de trajeto para o ônibus escolar que transporta os alunos da rede pública. À beira do rio Piracicaba, metade da estrada cedeu, a outra metade virou lama, impossibilitando a passagem do veículo. Como o ônibus não consegue avançar, as crianças são obrigadas a vencer o restante do trajeto a pé. Algumas chegam a andar 5 km, a depender do bairro onde moram. “Ela caminha quase 30 minutos para chegar em casa, é muito arriscado”, reclama Sibele Rodrigues, mãe de Lavínia. O risco já começa assim que as crianças descem do escolar. O local onde o ônibus consegue deixar os estudantes é uma rua erma rodeada por mato e que abriga um pequeno lixão irregular na lateral. Enquanto os estudantes de 8 a 12 anos passam, o espaço ainda é disputado com carros de autoescola. Segundo as mães de alunos, cenas de sexo e uso de drogas também já foram vistas ali. Não há alternativa a não ser continuar caminhando, ainda que placas instaladas no trajeto não deixem dúvidas: 1) “É proibido permanecer neste local” e 2) “Risco de queda de material ou veículos”. Lavínia está acompanhada da mãe – ela tem sorte, pois nem todas as crianças têm esse privilégio. Sibele e outras mães estão de ouvido treinado e conseguem perceber que o trem está a caminho antes mesmo de
os vagões aparecerem no horizonte. “Eu quero sair daqui”, insiste Lavínia. A caminhada até o local onde o ônibus chega é penosa. Além da distância, o sol costuma castigar. Ao chegar no rumo da linha do trem, é preciso redobrar a atenção. Caso os vagões ocupem os dois sentidos da linha, o perigo aumenta, pois o espaço para as crianças andarem fica ainda mais reduzido. Quatro bairros estão sendo afetados pela estrada interditada: Cachoeira, Pedra Furada, Praia Grande e Nova Vila. A prefeitura contabiliza que sejam 41 alunos com problemas de acesso às aulas devido ao ônibus. Alguns não conseguem acompanhantes para levá-los pelo caminho inapropriado. Destes, 13 abandonaram a escola. Com 11 anos, Davi Santos é um deles. O estudante do sexto ano não vai às aulas desde fevereiro, início do período letivo. A mãe e a avó não podem fazer o trajeto com ele por motivos de saúde. “Tenho deficiência visual e diabetes”, explica a avó Vera Lúcia Cardoso. As horas em que deveria estar estudando, Davi fica em casa mexendo no celular. Para evitar que o enteado perca as aulas, a trabalhadora rural Lúcia Aparecida da Costa se organiza com o marido para sempre ter alguém junto do me-
nino João Caetano, 12. “Eu vou e volto com mochila pesada e no sol. Chega na metade do caminho, minhas pernas estão doendo”, diz o garoto. Segundo ele, vários de seus colegas não estão frequentando a sala de aula desde que a estrada ruiu. “À noite é ainda mais complicado, pois não tem iluminação”, explica a cozinheira Josian Santos, que coloca o neto para ir junto da sobrinha. Como eles moram mais próximo do local, o caminho é um pouco diferente e passa por um imprudente atalho aberto no meio da mata.
Nota O transporte dos alunos que vivem em áreas rurais, mesmo para as escolas estaduais, é atribuição de cada prefeitura, segundo informou, por meio de nota, a Secretaria de Estado de Educação (SEE). A pasta destina recursos a cada cidade por meio do Programa Estadual de Transporte Escolar, e cabe ao Executivo municipal arranjar o deslocamento dos estudantes. Ainda de acordo com a pasta, o valor total destinado aos 840 municípios que fazem parte do programa foi R$ 340 milhões em 2021. Esse recurso foi usado para o transporte de mais de 206 mil alunos.
Sem saída
Prefeitura admite perigo, mas ainda busca soluções
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Luta diária. Alguns pais conseguem acompanhar os filhos na peregrinação até o ponto do ônibus, mas muitas crianças não têm opção a não ser seguir pelas trilhas desertas, que ainda são divididas com carros de autoescola em alguns trechos e por trens em alta velocidade em outros
Nova Era conviveu com desmoronamentos, enchentes e queda de pontes e ainda passa por um período de dificuldades em função das chuvas que comprometeram rodovias da região, como a BR–381, a MGC–120, além de estradas municipais. O prefeito Txai Silva Costa calcula que, no auge das chuvas, o prejuízo foi de R$ 2 milhões por dia. A prefeitura reconhece o risco ao qual as crianças estão submetidas. A gestão municipal está negociando com a Vale uma autorização para abrir uma via de acesso ao ônibus no terreno da empresa que margeia a estrada interditada. A Vale informou que
a área solicitada encontra-se na faixa de domínio da ferrovia e deve ser mantida livre para garantir a segurança das comunidades e da operação ferroviária, conforme exigências legais. A secretária de Educação da cidade, Andréa Sueli, diz que mandou entregar apostilas na casa dos alunos ausentes. Ela promete que eles serão inseridos em um programa de atendimento intensivo para recuperação quando tudo voltar ao normal. “O prejuízo é muito grande”, assume a gestora municipal. As soluções de momento, no entanto, são paliativas. A prefeitura não tem previsão de quando o problema será resolvido. (RR)
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O TEMPO BELO HORIZONTE| SEXTA-FEIRA, 25 DE MARÇO DE 2022 | 17
Estudantes seguem em curvas tortuosas para chegar às escolas pelas vias de chão em Minas Gerais Período chuvoso tornou percursos ainda mais perigosos ¬ ANA LUIZA BONGIOVANI ¬As marcas da enchente de ja-
neiro ainda são visíveis: do outro lado do rio Paraopeba, as árvores que ficam perto da margem estão manchadas de lama até metade da copa. Na estrada que fica a poucos metros do curso d’água, a sensação é que o chão batido e esburacado vai ser levado pela correnteza a qualquer momento. Dá pra ouvir o barulho do motor de longe. Perto de meio-dia, com o sol a pino, o ônibus desponta na curva em direção à comunidade de Barreiras, sacolejando de um lado pa-
ra o outro enquanto passa nos buracos enormes da estrada de terra, no trecho de curva perigosa. Além do rio, a estrada ainda tem, do outro lado, um barranco com pedras enormes, que parecem prestes a rolar para o meio da pista. Os passageiros são crianças e adolescentes, que saíram de diversas outras comunidades de Bonfim, na região Central de Minas, para ter aulas na escola mais próxima. Bianca é uma das crianças que fazem esse trajeto todos os dias, saindo do Jordão – um povoado a dez minutos dali. “A partir do momento que minha filha sai e pega a van ali para fazer o trajeto pra ir para a escola, eu já fico nervoso. Enquanto ela não chega, eu não tenho sossego”, conta Junior Fernandes, 38, pai de Bianca. “Aquele trajeto ali em Barreiras é perigoso. A gente sempre cobra dos go-
vernantes que são responsáveis, porque tem aquelas pedras e o rio que passa logo na beirada”, diz. Segundo a prefeitura, obras emergenciais já foram realizadas para liberar a passagem de veículos, mas a melhoria permanente do trecho conhecido como “curva do rio” depende da desapropriação de parte de um imóvel que fica na beira da estrada – o que não tem qualquer previsão de ocorrer. Em outro ponto de Minas Gerais, no Vale do Jequitinhonha, na comunidade quilombola de Córrego do Narciso, em Araçuaí, os estragos da chuva ainda estão espalhados pela estrada, na forma de lama. Os moradores, já acostumados com a realidade que se repete todos os anos e cansados da demora para resolver o problema imediato, usam enxadas para puxar a terra e deixar as vias minimamen-
te transitáveis. Não costuma ser o suficiente, porém, para permitir a passagens de veículos grandes, como o ônibus escolar que transporta os alunos a partir do sexto ano até a escola, que fica a 12 km de distância, no povoado de Baixa Quente. “Se chover quando os meninos estiverem na escola, eles precisam voltar a pé pra casa, porque o ônibus não vai, por causa da lama e dos morros. Se começar a chover com eles na estrada, o ônibus também para onde estiver, e eles acabam de subir a pé”, conta a vice-presidente da associação de moradores da comunidade, Maria Aparecida Nunes Silva. Segundo ela, a incerteza quanto à circulação do transporte atrapalha a rotina das famílias. “Se chega a noite e os meninos não chegaram, os pais têm que sair de casa e ir até a Baixa buscar”, conta.
Para o diretor da Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais, Jesus Rosário Araújo, falta atenção do poder público a esses povoados: “tivemos várias comunidades ilhados nesse período de chuva. E, agora, várias sofrem com a falta de manutenção. Muitas vezes é a própria comunidade que faz um mutirão para conseguir arrumar as estradas. Não existe planejamento na maioria das prefeituras”, diz. A Secretaria de Estado de Educação admitiu, em nota, que a condição das estradas não tem permitido o transporte dos alunos até as escolas, mesmo após os reparos. A orientação é para que a escolas enviem atividades e exercícios para serem feitos em casa e a carga horária será reposta por meio de ferramentas complementares, como o aplicativo Conexão Escola. FLÁVIO TAVARES
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Em risco
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Se chover quando os meninos estiverem na escola, precisam voltar os 12 km a pé para casa Maria Aparecida Nunes Silva Quilombola da comunidade de Córrego do Narciso
Fechado. Histórias de ônibus escolares agarrados no barro se multiplicam pelas cidades mineiras
Fora da sala de aula
Por segurança, pai deixa filhos em casa Morador da zona rural de Capelinha, no Vale do Jequitinhonha, Valdevino Alves dos Santos, 50, se orgulha de ser “cria da região”. “Sou nascido e criado às margens da MG–211. Quando a estrada foi aberta, há pouco mais de 40 anos, eu era rapaz novo. Moro no terreno dos meus bisavós,
que fica a 50 m da rodovia”, conta. Do que ele não se envaidece nem um pouco é do estado atual da via, que, aliás, tem sido um impeditivo para que os filhos dele estudem. “Eu tenho dois filhos com deficiência, um rapaz de 26 anos e uma moça de 24. Eles não ouvem e precisam de estímulos constan-
tes, por isso estudam na Apae da cidade”, conta. Mas, desde que começou o período chuvoso deste ano, ele não tem levado os filhos para a associação. A falta de pavimentação da estrada torna o percurso perigoso. “Quando a estrada está menos pior, porque boa ela nunca está, minha esposa pega
o ônibus escolar com os meninos e os leva. Mas, depois da chuvarada deste ano, a estrada ficou impraticável. Quando eles estão só em casa, atrasam no desenvolvimento, ficam nervosos e só na frente da televisão, mas não quero correr o risco de eles voltarem em um caixão”, afirma. (Tatiana Lagôa)
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14 | O TEMPO BELO HORIZONTE | SÁBADO, 26 DE MARÇO DE 2022
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Promessas e mais promessas
Palanque político desde a era JK, BR–367 ainda está na terra batida
Nem mesmo o carimbo na verba garante as obras
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Espera. Moradores aguardam asfalto há três décadas na LMG–760 entre o Vale do Aço e a Zona da Mata
Via é a principal ligação entre o Vale do Jequitinhonha e o Sul da Bahia ¬ RAFAEL ROCHA ¬ A BR–367 tem fortes ligações
com figuras importantes da política. A principal via de ligação entre o Vale do Jequitinhonha e o Sul da Bahia já foi visitada na história recente ao menos por dois presidentes – Lula em 2010 e Bolsonaro em 2020. Ambos fizeram solenidades na região, olharam no rosto de moradores e prometeram pavimentar a rodovia. Décadas se passaram, e quem segue pela estrada continua vendo terra batida. O asfalto ali é só promessa. Expectativas frustradas fazem parte da BR–367 há décadas. Os anúncios de melhorias foram seguidos de contingenciamentos orçamentários. Tudo começou nos anos de 1950, com outro nome proeminente da política, Juscelino Kubitschek. Ele era governador de Minas e idealizou a rodovia, cuja gestão agora é dividida entre governos federal e estadual. Sob a responsabilidade do governo mineiro está um trecho de 187 km, e, por isso, o governador Romeu Zema também esteve lá ao lado de Bolsonaro, dois anos atrás. Prefeitos da região acumulam contrariedades com a estrada. O trecho que vai de Araçuaí a Itinga e Itaobim, segundo eles, está horrí-
vel. Quando a rodovia chega a Jacinto, são 72 km de terra. “A parte com asfalto está pior do que o trecho sem pavimentação”, protesta Heber Gomes, o Vavá, médico infectologista que é prefeito de Caraí e presidente da Associação dos Municípios da Microrregião do Vale do Mucuri (Amuc). Indignado com a situação das estradas na região, Vavá até gravou um vídeo batendo panelas, em alusão às crateras no local. “Olha o tamanho dessa panela aqui”, diz apontando para um dos buracos com uma colher de pau. Ele garante ter acionado o Dnit, sem retorno. A região tem baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e, segundo ele, alguns moradores andam até 5 km para buscar água para beber. O Departamento de Estradas de Rodagem (DER) informou que está em andamento um procedimento para recuperação da estrada em cinco lotes. Somente a parte que já tinha pavimentação recebeu melhorias. Os trechos não pavimentados estão do mesmo jeito. Em abril de 2021, apenas quatro meses após ter garantido que iria pavimentar a BR–367, o governo Bolsonaro cancelou os recursos para a obra. Em setembro do mesmo ano, Zema anunciou novamente o asfaltamento da rodovia, usando recursos da indenização paga pela Vale devido ao rompimento da barragem em Brumadinho, em 2019. O asfaltamento ainda não começou. “Estamos cansados do abandono”, reclama Vavá.
BR–040. A duplicação da BR–040 mais parece história de ficção. São anos e anos de anúncios dando conta de que a rodovia ganharia melhorias definitivas. “A concessionária que administra o local desde 2016 não cumpriu o acordo em relação à duplicação”, informou o presidente da Associação dos Municípios do Alto Paraopeba (Amalpa), Cláudio Antônio de Souza, prefeito de Congonhas. A entidade acredita que a licitação malsucedida abra espaço para nova rodada de licitação até o próxi-
mo ano. “É uma dívida que foi deixada com a região”, diz. A lentidão para arrumar as estradas é criticada por Alexandre de Cássio, prefeito de Ibitiúra de Minas e presidente da Associação dos Municípios da Microrregião do Alto Rio Pardo. Na MG–455, ele calcula que sejam 15 anos sem uma repavimentação, no trecho de 34 km entre Santa Rita de Caldas e Andradas, atualmente cravado de buracos que atrapalham o escoamento da produção de hortifrutigranjeiros da região.
Até obra com verba garantida emperra em Minas. Aconteceu nas MGs 402 e 202, trecho que liga Urucuia a Pintópolis, principal estrada entre as regiões Noroeste e Norte de Minas. Os trabalhos foram iniciados no fim de 2020, mas em seguida a empresa abandonou e pediu realinhamento de preços, ou seja, mais dinheiro. O motivo alegado foi aumento no valor de insumos, como o aço. “A região aguarda essa obra há 30 anos”, informa Rutílio Cavalcanti, presidente da Associação dos Municípios do Noroeste de Minas (Amnor). “É uma rodovia importantíssima, que está com 73 km de terra bem destruídos”, completa o também prefeito de Urucuia. Não é a primeira vez que a obra começa e para. Em 1993, um trecho chegou a ter a pavimentação iniciada, mas sem conclusão. “Fizeram um pedaço de terraplenagem, mas não teve um palmo de asfalto”, relembra Cavalcanti. Desde setembro o DER tenta iniciar nova licitação para contratar outra empresa. “De promessa estamos cheios. Não chegou nada de recurso estadual nem federal”, desabafa Rutílio. (RR)
LMG–760
Asfalto é esperado há 30 anos
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A esperança de o asfalto chegar à LMG–760 já passa entre gerações. A precariedade da rodovia contrasta com sua importância. Centenas de caminhões passam todos os dias pelo local, pois a via serve de atalho en-
tre o Vale do Aço e a Zona da Mata mineira. Aos 73 anos, Sebastião Geraldo viu a poeira e o caos permanecerem ao longo dos anos. O produtor rural mora à beira da rodovia de terra há meio século. “Tem mais de 30 anos que Sebastião Geraldo mora à beira da rodovia há quase meio século, tempo suficiente para assistir a muitos juramentos de melhoria do local
aguardamos”, diz. Ele lembra quando o asfaltamento chegou a ser iniciado. Entre memórias e traumas, conta que a condição ruim do caminho impediu que sua mulher fosse resgatada a tempo quando teve um problema de saúde. “Ela faleceu há quatro anos, a estrada não tinha jeito de passar”, revela. “Eles já começaram a asfaltar aqui umas quatro vezes, e pararam”, protesta Osmar Gregório, trabalhador rural que caminha uma hora para chegar até o trabalho. O DER informou que a obra está na lista de prioridades do governo. A pavimentação do trecho com 70 km foi novamente iniciada, agora com previsão de acabar em dezembro deste ano. (RR)
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Explicações
‘Tenho vergonha’, diz responsável por DER sobre condições das estradas mineiras
FLAVIO TAVARES
Abandono. Diretor geral do DER diz que peso de cargas é um problema, mas várias balanças estão desativadas
Diretor geral do órgão culpa falta de recurso e admite ter feito pouco ¬ RAFAEL ROCHA ¬ Com 12 anos de experiência
no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Robson Santana tem uma missão difícil: conseguir dar conta da manutenção na maior malha rodoviária do país, mas com o cofre não tão cheio e chuvas cada vez mais intensas. São 22 mil km de rodovias pavimentadas, 6.000 km de outras não pavimentadas e ainda 3.000 km de vias federais sob responsabilidade do Estado. O atual diretor geral do Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem (DER) assume que o trabalho é espinhoso, mas diz que enfrenta os problemas. “Tenho vergonha. Estamos em 2022, com tanta tecnologia, e ainda tem situação desse tipo”, diz sobre as rodovias. Após um ano em que pouco conseguiu fazer – ele mesmo assume –, a gestão atual entrou 2022 com previsões positivas – e caixa abastecido. Uma generosa fatia oriunda da indenização
paga pela Vale devido ao rompimento da barragem em Brumadinho, em 2019, foi parar direto no orçamento do DER, carimbado para obras estruturais em estradas consideradas em situação crítica. Somadas as fatias do bolo, R$ 700 milhões são para manutenção de estradas, e outros R$ 300 milhões estão sendo separados para a construção de três pontes. Não fosse o dinheiro que pingou no orçamento do departamento, a situação poderia ser ainda pior, já que os recursos do órgão vêm minguando há tempos. Em 2014, por exemplo, o orçamento do DER para manutenção em estradas era de R$ 600 milhões. Em 2020 caiu para R$ 200 milhões. “No ano passado a gente estava organizando a casa para receber o (dinheiro do) acordo da Vale, então a gente conseguiu dar ordem de início em 800 km de estradas, mas, desses, concluídos tem pouquíssimo”, revela Santana. O tamanho colossal da malha viária mineira configura-se como um desafio. Espalham-se pelo interior não somente estradas ainda em terra batida, como também outras diversas, que foram asfaltadas há décadas e nunca mais receberam novamente o recapeamento necessário. “Mui-
tas rodovias se encontram em situação precária, com buracos, erosões, rompimento de bueiros, problemas os mais diversos”, assume Santana. O diretor se defende, no entanto, ao dizer que a situação é fruto também da falta de investimentos no DER nos últimos três governos. “Juntamente com o maior período chuvoso da história”, completa. Segundo um mapeamento do DER, Minas Gerais possui 4.000 km de rodovias em estado ruim ou péssimo.
Prioridades Obras. Na avaliação do diretor geral do Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem (DER), Robson Santana, os trechos que precisam de intervenções prioritárias em Minas Gerais são: 1. De Pintópolis a Urucuia 2. Ponte sobre o rio São Francisco 3. Terceira faixa na estrada de Varginha a Três Pontas 4. BR–367, ligação entre o Alto Jequitinhonha e o Sul da Bahia 5. MG–760, que conecta a Zona da Mata ao Vale do Aço 6. MG–105, que liga o Vale do Jequitinhonha ao Vale do Mucuri 7. Trecho entre Caeté e Barão de Cocais
Desse total, 800 km estão em obras, segundo o diretor geral. Outros 600 estão com licitações feitas ou em andamento. Para a maior parte, no entanto, o governo não tem nem previsão de quando será possível resolver o problema. Isso porque 1.600 km de estradas estão aguardando na fila do dinheiro. São obras que até possuem projetos concluídos, mas que ficam na gaveta esperando aparecer verba para execução. A situação é ainda pior para outros 1.000 km, para os quais ainda nem há projeto de engenharia. Acabar com a imensidão de buracos nas estradas não parece ser algo a ser alcançado tão cedo. Ainda assim, conseguir sair da lógica fácil – e ineficaz – do tapa-buraco é um dos objetivos de Santana. “Têm que ser feitos um trabalho regenerativo de recuperação e um pavimento novo, só que não temos recurso”, diz. Como o recapeamento é caro – custa, em média, de R$ 500 mil a R$ 600 mil por quilômetro –, o diretor do DER afirma que o único a ser feito é mandar tapar os buracos. “Não podemos virar as costas e não fazer nada, então temos que fazer o tapa-buraco, que sabemos que não vai funcionar porque vai chover e abrir de novo”, reconhece.
Estado tenta reativar balanças nas estradas
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Culpar as chuvas pelos danos nas rodovias também é injusto. O diretor geral do Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem (DER), Robson Santana, alerta que o peso carregado por carretas com toneladas de materiais diminui bastante a vida útil do pavimento asfáltico. “Não adianta eu fazer um trabalho de revitalização de um pavimento sem levar em consideração o tipo de carga que está passando ali”, explica. O Estado tem meios de evitar sobrecarga de peso nas estradas, mas as balanças que fazem esse controle estão desligadas. Uma das justificativas é que o custo de manutenção era muito alto – cerca de R$ 84 milhões por ano –, e a escassez de verba em anos anteriores não permitia o custo. A reportagem de O TEMPO flagrou balanças inativas, como uma na cidade de Rio Casca, completamente abandonada. A gestão atual diz que prepara um edital para retomada dos equipamentos de pesagem. A previsão é que os contratos estejam assinados em 40 dias. A inflação e o aumento no custo de materiais são outros fatores que tiram o sono do diretor do DER. Algumas licitações estão tendo que ser refeitas, pois construtoras estão desistindo de obras já contratadas, alegando elevação no preços de itens importantes, como cimento e aço. “Esse aumento de custos está sendo um problema, mas temos que enfrentar”, diz Santana. Foi assim na MG–402, uma obra muito aguardada no trecho que liga as cidades de Pintópolis e Urucuia. “Demos a ordem de início em setembro, mas a empresa abandonou o contrato”, informa o diretor. (RR)
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Muitas rodovias se encontram em situação precária, com buracos, erosões, rompimento de bueiros Robson Santana diretor geral do DER