Ou seja Revista
Nº1 - edição 2015
PRIMEIRA edição
Feminismo
Arte
Direitos humanos
E muito mais
A violência contra a mulher e como se organizar para combatê-la.
Ilustração, fotografia, música e literatura deixam a primeira edição com gostinho de cultura!
Uma pequena cartilha para identificar e aprender a reagir ao preconceito do dia-a-dia
Participe da Ou Seja entrando no nosso portal: www.ouseja.jor.br
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por dentro
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A arte da capa
Quem somos e o que fazemos - conheçanos!-
Saiba mais como foi pensada a arte da capa e quem está por trás de tão belas ilustrações
18_ A arte e a literatura na era da Idade Mídia 46_ Os benefícios da meditação
14_ A fotografia de Jamille Queiroz
90_ Depoimento: Gravidez na adolescência
As novas faces do feminismo
Lia Ferreira Octavio Milliet Diagramação Lia Ferreira Ilustração
Anastasia Pugacheva Nicx Gomes Sarah Héricy Fotografia
Boaz Zippor Freepik Jamille Queiroz Lia Ferreira Colaboração
Aline Fallaci Karmencita Hölle Carogne Rafael Vieira Heloisa Viana Capa
Anastasia Pugacheva
56_ Cartilha contra o preconceito!
20_ Entrevista com o artista João Butoh
96_ Literatura: poesias, crônicas e mais!
© Copyright 2015 por Ou Seja. ouseja.midia@gmail.com
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Editores
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Capa
O
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OU SEJA POR OU SEJA
portal de comunicação Ou Seja surgiu no ciberespaço em Fevereiro de 2015. Enquanto mídia alternativa, tem como objetivo a divulgação de diversos pontos de vista. Sem limites temáticos, além de questões sociais, políticas e ambientais, o portal também apresenta trabalhos de diversas artes, com vídeos, músicas, ilustrações, e categorias como geek, moda, culinária, etc. A narrativa acompanha os alicerces da contracultura, contestando os meios de comunicação tradicionais e o conservadorismo vigente. É progressista por defender os direitos humanos a partir duma agenda política voltada para o público feminista, LGBT, negro e para qualquer minoria que se perceba prejudicada moral ou fisicamente. Ou Seja também se oferece como um espaço aberto para publicar textos de quem procura apoio. No que diz respeito à parte artística, o portal promove ações de interação com o público, que vão desde poemas escritos coletivamente pelas redes sociais até o acompanhamento de intervenções urbanas (ações não-violentas que visam grande impacto psicológico na sociedade). Tudo pode ser pauta. Poesias podem ser poderosas fontes de informação quando contextualizadas. A arte em si é um dos mais antigos meios de comunicação da humanidade. Nossa linha editorial, portanto, tem como base o jornalismo crítico, ativista e apartidário. As nossas próprias matérias, inclusive, devem ser questionadas, ou seja, problematizadas. Por isso, escolhemos utilizar como principais ferramentas as novas mídias, como grupos e páginas nas redes sociais, no intuito de incentivar o debate e a argumentação. Para problematizar o conteúdo, é preciso compreender que o jornalismo é de suma importância na construção da opinião pública, pois representa uma voz ativa no poder político, usado para regulamentar a vida social. Nenhuma crítica é mais necessária que a crítica ao jornalismo, dado o seu papel enquanto quarto poder da sociedade. É importante, ainda, ressaltar as diferenças entre o jornalismo tradicional (que atua como empresarial, visando principalmente o lucro) e o jornalismo alternativo, dedicado ao interesse público. Visando atingir um grau de excelência, tanto a ética quanto a responsabilidade são muito necessárias nas sociedades democráticas. Mas atualmente o que se vê é uma pretensa imparcialidade dos meios tradicionais, com uma agenda política muito clara por trás. É tão óbvio que não dá mais para disfarçar, inclusive, a tentativa de disfarce é vergonhosa. Enquanto o jornalista se julgar acima de seu lugar de origem, ele estará manipulando mais que se apenas admitisse sua parcialidade. É necessário, portanto, que haja uma distinção sobre o que é uma reprodução do real (saber o que se passa) e a leitura do real (a opinião, ou seja, o que se pensa sobre o que se passa). Por exemplo, diante de grandes acontecimentos como guerras, a dita imparcialidade pode ser nefasta, uma vez que naturaliza o sofrimento e o transforma em mera estatística. Enquanto certas empresas agem com frieza incrível, outras usam e monetizam o sofrimento, criando um espetáculo.
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Editorial
Há uma diferença entre opinar e manipular. A opinião é válida quando constituída de pontos de vista bem definidos e apresentados. Mas a omissão de dados necessários para o conhecimento dos fatos, e indesejados para o meio de comunicação, representa pura manipulação social. O processo de informar é um processo de escolha. Ser claro sobre este processo e não apenas a linha editorial, é demonstrar o compromisso com o público. Hoje, por conta da Internet, o jornalismo tradicional vem perdendo seu pedestal de isenção. Renomados profissionais insistem em bater na mesma tecla, em justificar sua imparcialidade e seus métodos “isentos”. Contudo, o jornalismo não consegue ser neutro, pois todo o processo de produção da notícia, desde a escolha da foto de capa, das palavras na manchete, do foco, enfim, por mais “seco” que pareça, revela uma escolha do meio de produção. O meio é em si uma mensagem. Todos falam a partir de algum lugar e tanto o lugar quanto a intenção que ele gera é inerente ao que se diz. Precisamos humanizar o jornalismo, perceber que todo texto é uma construção entre o leitor e o profissional. O debate precisa ser aberto e visível para todos. O discurso jornalístico tradicional já não se sustenta na medida em que vozes alternativas e novos métodos vêm surgindo. Muitas empresas também esperam encaixar em suas linhas de produção um profissional robô, apático e acrítico, que saiba agir de acordo com os manuais e códigos de conduta, como seres programados por eles. A velha mídia se apega ao passado e ainda não consegue ter uma visão clara sobre o futuro. Enquanto precisar se justificar e reproduzir o velho discurso, verá a audiência cair e o número de leitores despencar.
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Mais que informar, procuramos propagar conhecimento através da visão de cada pessoa colaboradora do coletivo Ou Seja. Escrevemos de forma pessoal, opinativa e crítica sobre os assuntos mais comentados e relevantes. Partimos do pressuposto que o jornalista sempre fala de algum lugar, por isso procuramos mostrar todos os lados, mas deixar clara nossa posição. Para construir uma sociedade cada vez mais inclusiva, é preciso alertar para as questões das minorias e dos problemas sociais, e também procurar oferecer soluções. Informamos sobre projetos sociais, hábitos sustentáveis e notícias a respeito do que acontece no Brasil e no mundo. Somos um coletivo ainda em formação, não apenas de jornalistas, mas também de estudantes e profissionais como historiadores, psicólogos e artistas. Compreendemos que estamos caminhando pela Idade Mídia. A nossa voz é o principal instrumento para mudança.
Quadrinho por Vitor Teixeira
Quadrinho por Sahr www.ouseja.jor.br / fevereiro 2015
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ILUSTRAÇÃO_
Ou Seja, a CAPA
A história por trás da capa da primeira edição da revista Ou Seja Conheça mais sobre a arte e a artista, Anastasia Pugacheva
A redação Anastasia Pugacheva
N
ascida na Rússia, pas que envolvem suas Anastasia Pugacheva, roupas e adereços, em de 21 anos, é formarelação à narrativa das da em Artes Visuais, expressões corporais de Licenciatura, pela Universuas personagens. sidade Federal do Paraná. Através da página Atualmente, administra e da monografia “Fanzines, do contexto históa página de ilustrações rico ao desenvolvimento Insomnia, a qual, fundada em meados de “Foi uma experiência poético nos maio de 2014, de superação criar aspectos escolares” obteve grande esse desenho em obteve oporrepercussão por uma dimensão causa de seus muito maior da qual tunidades desenhos cheios estou acostumada de ministrar de poética sima trabalhar, e estou oficinas de bólica e detalhis- muito agradecida por fanzine, com mo. Tendo como essa oportunidade.” o intuito de algumas referênpropagar cias as ilustradoras Laura essa linguagem na cidade onde mora, Curitiba, Callaghan e Stacey Rozich, visando amplificar a visiAnastasia procura discutir a ambientalização do bilidade dos zines para desenho junto das estamalém do DF, RJ e SP.
PROCESSO DE CRIAÇÃO
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Sobre a capa, a artista nos relata que foi uma experiência engrandecedora: “Foi um grande avanço em minha prática realizar este desenho, pois tive que superar muitos limites que acreditava serem fixos na minha forma de desenhar. Comecei o desenho fazendo uma figura feminina individual, mas pensando na diversidade e na abrangência do discurso feminista, decidi por colocar duas figuras a mais, para que houvesse mais identificação com a ilustração da capa e com o que a revista pretende abordar”.
Nas ilustrações, a artista utiliza nanquim de ponta ultra fina para conseguir o detalhismo necessário em suas roupas e pontilhismo. Baseada em editoriais de moda e estamparia, retira os elementos que a agradam em determinada fotografia, transfere para o desenho e transforma na narrativa e conceituação que mais lhe agrada.
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ÚLTIMO TRABALHO Em sua última fanzine, Your Glasses Are Broken And The Fault Is Mine, Anastasia discute a distância e sentimentos controversos em relacionamentos. Lançada recentemente, a fanzine proporcionou uma identificação profunda dos leitores para com as ilustrações e textos.
“Hug Apart”, da zine Your Glasses Are Broken And The Fault Is Mine” Nanquim, tam A5.
“A união é necessária para que mudanças existam, e acredito que eu consegui concentrar essa mensagem na uniformização da roupa das retratadas, e por essa vegetação
diversa e delicada que as envolve, pois temos que ter consciência que somos um só aos olhos da natureza. Foi uma experiência de superação criar esse desenho em uma di-
mensão muito maior da qual estou acostumada a trabalhar, e estou muito agradecida por essa oportunidade.”
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“Midnight Choke”, da zine Your Glasses Are Broken And The Fault Is Mine Nanquim, tam A5.
Seu envolvimento com a arte começa desde a infância. A artista gostava de passar horas a fio desenhando, nisso
“Cross Me”, Nanquim, A5
desenvolveu várias técnicas e as que mais gosta são aquarela e nanquim. É professora de desenho nas horas livres, além de
participar de vários eventos de vendas de impressos e saraus de arte pela cidade. Em seu currículo consta o trabalho no
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Ilustração para a zine Catota Nanquim, A5
Página do Facebook: www.facebook.com/drawsfrominsomnia
Flying Into, Ilustração para a zine Casas Autorais de SP. Nanquim, A5
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Visite
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Acervo Técnico do Museu Oscar Niemeyer, inúmeras exposições pela universidade, e aulas de desenho em instituições beneficentes, além de aulas de educação artística em escolas de várias faixas etárias. Com a página, a artista participou de fanzines com outros artistas da área, tem uma ilustração no livro Desnamorados, e está envolvida em projetos que serão lançados neste ano.
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Galeria_
A FOTOGRAFIA de
Jamille Queiroz
Sagrado Feminino Fotografia tirada em Alto Paraíso de Goiás Modelo: Siri Brahm Kirin Kaur Sitha
FOTOGRAfia
Jamille Queiroz
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Sagrado Feminino Fotografia tirada em Alto ParaĂso de GoiĂĄs Modelo: Carolina Lemos
FOTOGRAFIA
Jamille Queiroz
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Sagrado Feminino Fotografia tirada em Alto ParaĂso de GoiĂĄs Modelo: Siri Brahm Kirin Kaur Sitha
FOTOGRAfia
Jamille Queiroz
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Sagrado Feminino Fotografia tirada em Alto ParaĂso de GoiĂĄs Modelos: Tassi Gayatri, Marcela Restrepo Gutierrez, Daniela Carvalho Martins, Grazieli Bizinoto, Siri Brahm Kirin Kaur Sitha e Ananda Melo.
FOTOGRAFIA
Jamille Queiroz
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a r u t a r e t i L a a e i d e Ă t M e d A Ar a d i a d a r e a N Octavio Milliet http://br.freepik.com
não há nada mais útil à mente livre, do que outra mente livre. Arte e literatura são ferramentas da libertação humana, além da racionalidade, pois a pessoa que não se relaciona com os afetos, não passa pela necessidade de aprender a lidar com eles, e nunca chega a ser livre de fato. Com esse ideal em mente, a horizontalidade proposta por vários grupos de publicação e compartilhamento artístico e literário se torna não apenas um modo de ajudar os artistas participantes, como também uma forma de emancipar a arte dos interesses comerciais, por exemplo na área da publicidade, quando a arte participa do processo da propaganda. Na possibilidade de um meio emancipador, a Arte encontra caminhos próprios de expressar suas mensagens, sem submeter-se aos meios. Vemos então dois fenômenos convergentes, a democracia na era digital e a iniciativa de grupos artísticos, buscando alternativas ao estabilishment que, como diria Walter Benjamin, dissolve a aura das artes por ele promovidas.
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gratuitamente. É um novo negócio em crescimento. Cada vez mais, a arte é um instrumento de poder do povo, graças à sociedade em rede e à produção horizontalizada de conteúdo. Contudo, ao contrário de Rafael, contratado pelo Vaticano, a vasta maioria dos artistas da atualidade não possui apoio de mecenas, e se os artistas não submetem seus trabalhos ao mercado, dificilmente, na escassez de recursos, não terminam em dificuldades. É aí que entra o ideal racionalista proposto por Espinosa, de que
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A
tualmente, as informações são emitidas e interpretadas de todos para todos. Ainda assim, apesar do conteúdo das informações em si, deve-se manter em mente que o meio é a mensagem, nisso consiste a análise da chamada “Idade Mídia”. A comunicação por meio da Arte cumpre seu eterno papel na sociedade humana, sua importância enquanto documento histórico nunca deixou de existir, já seu impacto nas relações de poder varia dependendo do contexto. A expressão artística existe nos meios sociais muitas vezes como forma transgressora, porém nota-se que os próprios meios sociais costumam pertencer a grandes corporações. É daí que se diz do meio ser a mensagem, isso se refere ao fato de que uma arte de transgressão presente em um meio pertencente às corporações do estabilishment acaba contribuindo justamente para o que ela busca, a priori, combater. A literatura lida melhor com esse problema do que a arte gráfica, pois ela mais facilmente se destaca de seu meio de transmissão, tornando-se, após transmitida, puro texto, pura apresentação de conceitos. Ela é a criação de mundos diversos, a forma do intelecto e da criatividade humana de apresentar opções de vivências e percepções, e guiar o leitor por afetos com os quais ele não havia se deparado antes. O jovem pintor Rafael, ao pintar o quadro de Papa Júlio II no início do século XVI, não faz somente um puro retrato, mas uma mostra de conceitos históricos. Ele busca passar o que os artistas consideravam como a “alma” do retratado, isso vai desde os objetos presentes no quadro até a janela da alma dos pintores, os olhos. Um senhor de idade, conhecido como conquistador e guerreiro, cujo nome remete a Júlio Cesar, após tantas batalhas fica sabendo, com a virada do século, que mesmo tendo dominado tantas terras, existem muitas mais além do oceano. O quadro de Rafael é quase uma obra literária, sem escrever uma só palavra. Nas plataformas virtuais, os escritores encontram oportunidades que seriam impensáveis há um século atrás. A possibilidade de, como oferece a editora Patuá, ter seu livro editado e publicado
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Entrevista_
JOテグ
e n tr e v i s ta
Hテカlle Carogne
BUTOH
FOTOGRAFia
Boaz Zippor
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DANÇA_
Entrevista João Butoh Hölle Carogne
B
utoh é a dança japonesa do pós-guerra que vem conquistando cada vez mais espaço e reconhecimento em território nacional. Ela vem sendo retratada pelo bailarino brasileiro que leva em seu próprio nome a marca desta arte, João Butoh. Confira na entrevista abaixo um pouco sobre o artista e este magnífico universo, cheio de intensidade e sentimento.
Hölle Carogne: Conte-nos um pouco sobre a sua historia de vida, falando sobre a pessoa, o homem e o bailarino João Butoh. João Butoh: Fui alfabetizado em casa pelos meus pais. Ingressei em escola pública aos 6 anos de idade - modelo dos Parques Infantis desenvolvidos por Mário de Andrade que tinha por finalidade: assistir, educar e recrear as crianças, em São Simão interior de São Paulo, onde tive contato com as artes em geral e comecei a dançar e fazer teatro. Aprendi marcenaria com meu pai e a costurar com a minha mãe. Aos 18 anos frequentei a escola Dança Clarisse Abujamra, onde recebi bolsa de
estudos e a oportunidade de aprender várias técnicas de dança com profissionais do mais alto gabarito. Participei de uma infinidade de festivais de dança nacionais e internacionais, os quais me possibilitaram exercitar o meu lado de criação e execução de meus trabalhos. Foi daí que perdi o meu sobrenome e passei a ser conhecido como o garoto que dançava butoh – Joao Butoh. Sou formado em jornalismo, história e educação física. Fundei a Ogawa Butoh Center em 1983 e desde então venho me dedicando à pesquisa estética e corporal do butoh. Hölle Carogne: Provavelmente, muitos dos nossos leitores não conhecem o
Butoh. Pode nos dar uma breve explicação sobre este estilo de dança? João Butoh: O Butoh surgiu no Japão nos anos 60, criado por TATSUMI HIJIKATA e posteriormente KAZUO OHNO, como um movimento cultural para impedir a invasão da cultura ocidental no pós-guerra. Os intérpretes buscam no inconsciente comum a todo homem, oriental ou não, a beleza e a decrepitude, a simplicidade e a complexidade, o cômico e o trágico. Essas dualidades como o masculino e o feminino, a vida e a morte, são características desta arte, que retomou antes de tudo a ideia quase esquecida de que o intérprete não “joga” para consigo mesmo, mas
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Eu incessantemente busco aprender e conhecer não só aspectos que possam contribuir com o meu crescimento artístico como também pessoal. Todas as fotografias por
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para reviver algo muito maior. Hölle Carogne: Como foi seu primeiro contato com a dança e quando decidiu dedicar-se a essa arte? João Butoh: Foi quando recebemos no Brasil uma exposição do acervo de peças do Museu da Paz de Hiroshima, realizei uma criação para a abertura e encerramento, e uma das técnicas do museu ao final da apresentação me procurou perguntando onde eu aprendera o butoh. Desde então, teci uma teia para conseguir informações que pudessem ajudar a entender o que me haviam instigado. E foi por meio de informações enviadas de
parentes no Japão e posteriormente pela minha própria mãe que passou a residir naquele país, que pouco a pouco desenvolvi pesquisa e estruturei minha linguagem corporal baseada nesta dança. Hölle Carogne: Quais são suas inspirações neste meio? João Butoh: Kazuo Ohno.
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Hölle Carogne: Você vê no Butoh uma filosofia de vida? João Butoh: O conceito de filosofia para mim está relacionado com a busca incessante pela sabedoria. Assim, uma filosofia de vida também inclui a busca pelo autoconhecimento e por normas que atribuam estabilidade para um determinado indivíduo. Eu incessantemente busco aprender e conhecer não só aspectos que possam contribuir com o meu crescimento
artístico como também pessoal. Todas as funções que exercito vêm em encontro a uma necessidade pessoal de um discurso cada vez mais completo e transparente por meio da minha arte. Esse diálogo que tecemos com a sociedade por meio de nossa arte é o que me direciona e canaliza a minha energia para este equilíbrio pessoal. Hölle Carogne: Como é o cenário do Butoh no Brasil?
João Butoh: Frutífero! Com uma abertura de infinitas possibilidades para se experimentar. Em cada parte e região de nosso país, poderão surgir novas releituras desta dança, oriundas de verdades díspares e muita criatividade que é a marca de nosso povo. Hölle Carogne: Existem algumas expressões que, de acordo com a internet, estão associadas ao Butoh, como por exemplo, “corpo
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morto” e “olho de peixe”. É correto associar estas expressões à dança? E o que elas significam? João Butoh: Podemos dizer que estejam associadas a algum momento histórico desta dança, mas não mais dela como um todo. Ela pode ter sido verdade para o desenvolvimento de algum padrão corporal, criativo ou mesmo didático, mas não pode ser encarada como uma verdade coletiva, pois a mesma não reverbera em
inúmeros intérpretes espalhados por várias partes do mundo, seja no caráter didático ou mesmo performático. Cada qual de nós recebe estímulos de maneiras diferentes, e o que pode ser verdade no interior de um intérprete dificilmente será encontrado dentro de outro, e o que se diz sobre o entendimento desta dança, a mesma coisa. Corpo morto sugere um corpo vazio, mas o intérprete tem dentro de si histórias que são impossíveis de serem arrancadas. Sugere também que não
seguimos coreografias predeterminadas, mas mesmo os fundadores do butoh dotavam deste recurso. Olho de peixe nos sugere um olhar fixo, vidrado. Alheio ao que acontece a sua volta. Em algum momento pode ser útil, mas em outro completamente indispensável. Todas as ferramentas que nos são sugeridas devem ser experimentadas e igualmente aprendidas. O intérprete deve saber qual o momento certo para usá-las. Sabedoria e conhecimento. Ferramentas são
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ferramentas. Expressões ilustrativas. O esclarecimento ao que se referem estas e tantas outras expressões e ferramentas, é necessário para que se consiga o resultado almejado, seja ele no processo de aprendizado ou mesmo de performance. Hölle Carogne: Além da técnica visível, há uma característica semelhante entre os bailarinos de Butoh: a expressividade. Como espectadora, tenho a impressão de que todos os músculos do corpo querem dizer alguma coisa. Estou
correta? Comente sobre a importância da expressão nesta dança.
forme em uma obra de arte. Todos os elementos que trazemos ao tema proposto, devem estar totalmente João Butoh: É um pouco o que inseridos no tema e na performance. falamos na pergunta anterior, mas Se o butoh é uma dança, e dança a também está ligado ao entendimento fazemos com o corpo, o mínimo que do que se espera de um intérprete de se espera de um intérprete é que o butoh. Não podemos desassociar que mesmo tenha um trabalho corporal o butoh é uma arte performática e a significativo. Que tenha conhecimenmesma também caminha em terreto do próprio corpo. Conhecimennos conhecidos do universo da ence- to corporal advêm de estudo, de nação. Não existe arte sem público práticas de aulas de técnica de dança e pensando nisso, nos imbuímos da frequentes e de ensaios. Quanto mais maior quantidade de informação para os realizar, mais seu discurso corporal que o que estamos criando se transse enriquecerá.
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Hölle Carogne: É comum que as pessoas, amem ou odeiem o Butoh, muito provavelmente pelo “peso” característico que há por trás dele. Essa sensação de “agonia” que as pessoas sentem ao ver um trabalho de Butoh é intencional? João Butoh: Posso te dizer que um trabalho bem feito dentro desta proposta dificilmente vai entediar alguém. Acho um desrespeito sem tamanho levar “work in progress” ao palco. Trabalho ainda não concluído, no máximo se recebe profissionais
para contribuir ao processo em espaço fechado, e os mesmos sabendo que estão sendo chamados para isso. Não existe desculpa mais amadora para um trabalho ruim, quando o intérprete se escora na justificativa de estar fazendo uma “performance de butoh”. Isso diferencia quem realmente é um artista. Outro erro evidente é se ancorar em metáforas. O Corpo nunca mente. E o público sabe disso! Hölle Carogne: O Butoh está associado a algum tipo de crença ou
forma de espiritualidade? Por que é comum que os espectadores associem a dança a algo obscuro? Existe alguma explicação para este fenômeno? João Butoh: Todo artista está ligado de alguma maneira a uma crença ou mesmo alguma forma de espiritualidade. Buscamos atingir o divino o tempo todo. Buscamos o sublime, o perfeito. O Butoh, assim como qualquer outra arte, deve estar isento de padrões religiosos. Cada artista, a meu ver, deve buscar a sua maneira
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de se conectar com o ser supremo que o ampara e o ilumina. O Butoh inicialmente era chamado de Angoku Butoh – Dança das Trevas, e é por isso que alguns intérpretes ainda trafegam por esta estética de horror. Pois assim ele foi introduzido para a sociedade japonesa em 1959 com a primeira performance a qual se estabeleceu como data do surgimento do butoh “Revolt of the Body”. Hölle Carogne: De que maneira sua arte expressa seus sentimentos mais profundos? João Butoh: Trabalho com verdade o tempo todo. Nenhum tema que trago proposto em minhas obras saiu de pelo menos muitos anos de estudo. Um artista não acontece pela metade, deve estar sempre completo em cena. Você é o que você construiu. Embora estamos nos construindo e
reconstruindo o tempo todo, isso não pode ser desculpa para desmazelo ou mesmo preguiça. Todo artista precisa de conteúdo. Toda obra e criação necessita igual. O superficial me entedia! Hölle Carogne: Suas ideologias e crenças influenciam em suas criações artísticas? De que forma? João Butoh: Citando Marx e o ilustrando por meio da música de Cazuza, não! Não tento mascarar a realidade por meio de minhas criações. Eu sigo o papel que todo artista deveria imprimir na sociedade atual. Não como forma de alienação, mas como opção de sugestionar um mundo melhor, uma sociedade mais justa. Temos a oportunidade de vivenciar muitos personagens, viver muitas vidas, sugerir infinitos universos. Qual significado teria um artista que perdeu o trem da história? Não dou as costas à reali-
dade. A enfrento de frente e de peito aberto! Hölle Carogne: Como você se sente quando está dançando? O que passa em sua cabeça e em seu corpo no momento da dança? João Butoh: Muito subjetiva esta pergunta. O Sentir deriva de sentimentos, e eu sou só sentimentos. Não acredito que a arte esteja isenta de sentimentos. Eu me preparo para estar completo em cena. Tenho uma paixão por histórias. Paixão por histórias emocionantes, aquelas que tocam fundo na alma. Esta é uma característica da minha arte. Conto histórias por meio do butoh. É o que me seduz na arte, proporcionar uma viagem emocionante durante alguns minutos, e no final desta jornada, deliciar que o meu público está totalmente entregue a esta doação. A arte como instrumento
Hölle Carogne: Sou bailarina de Dança Tribal, que é uma dança de fusões. Acharia interessante uma fusão com Butoh? Por quê? João Butoh: Isso só quem pode responder é você! Se algo te ressalta aos olhos e anseios e te instiga a buscar algo mais para a sua vida e a sua arte, você deve optar por seguir ou não este instinto. Desde que você sugeriume esta pergunta é porque você viu alguma luz adentrando por esta janela da divina possibilidade. Hölle Carogne: Gostaria de agradecer pelo seu tempo e pela excelente entrevista. Foi uma honra para
João Butoh: É imprescindível para todo e qualquer artista responder no seu íntimo o fator e a necessidade que o fez mergulhar neste universo da arte. A vida é extremamente efêmera e quanto mais se dedicar a sua arte, mas seu estado criativo amadurece. Perguntas como: O que você quer com a sua arte? Qual contribuição você quer deixar para o universo? Já são pontos de partida para nortear a responsabilidade de se ser artista, e o
Eu Não acredito que a arte esteja isenta de sentimentos. Eu me preparo para estar completo em cena. Tenho uma paixão por histórias. Paixão por histórias emocionantes, aquelas que tocam fundo na alma. EstA é uma característica da minha arte. Conto histórias por meio do butoh. É o que me seduz na arte, proporcionar uma viagem emocionante durante alguns minutos, e no final desta jornada, deliciar que o meu público está totalmente entregue a esta doação.
investimento que fazemos sobre nós mesmos, tem que valer a pena! Não existe dor mais profunda do que a negação de um ser humano em buscar acesso à informação. E hoje em dia ela está bem diante de nossos olhos e ao alcance de nossas mãos. Deixo aqui então os nossos contatos para quem se interessar em saber mais sobre o trabalho que realizamos. www.butoh.com.br facebook/butohbrasil instagram/joaobutoh
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nós da Equipe Ou Seja conhecer um pouco mais sobre você e sobre essa arte tão encantadora que é o Butoh. O espaço a seguir é seu, para que deixe suas considerações finais e seus contatos para que as pessoas que queiram conhecer um pouco mais sobre você e seu trabalho com Butoh, possam encontrá-lo.
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para emocionar as pessoas. Daí, é um passo para a transformação do indivíduo. Sim, só a arte transforma!
Dificuldades e soluções do mercado musical independente
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música i n d e p e n d e n t e Octavio Milliet http://br.freepik.com
D
a década de noventa para trás, o mercado musical se articulava através das grandes gravadoras, Universal Records, BMG, Warner, Sony e outras. O produto físico era apresentado nas
prateleiras como objeto digno de desejo de consumo. Era uma espécie de fetiche em torno do Vinil, mais tarde do CD. Possuir o produto, era mais do que apenas tê-lo à disposição para ouvir as músicas, mas também ter em mãos o fruto do grupo musical do qual se era fã. O Vinil era, na época do CD, e para muitos até hoje, uma obra envolvida na aura artística por seus donos. As formas de pirataria eram mínimas, os chamados “bootlegs”, discos em vinil que eram produzidos a partir de cópias roubadas de dentro dos próprios estúdios, normalmente por membros das equipes de gravação.
A queda do mercado do chamado “produ-
to físico” veio com o surgimento de novos meios de consumo e de novas formas de posse, e atingiu tanto as bandas patrocinadas pelas gravadoras, quanto as independentes. Tratava-se do crescente domínio da
Ryan McGuire
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dor ou um spyware, um espião de
crimes cibernéticos. Foi, inclusive, um momento de grande proliferação dos programas antivírus e dos firewalls, anti-espiões. Mas isso é outra história.
Depois vieram os progra-
mas de torrents, como o Bitcomet, o Utorrent e muitos outros, usados até hoje. Os torrents não deixam de ser P2P, porém diferentemente do sistema anárquico dos programas anteriores, como o Kazaa, o Emule e o Napster, os programas de Torrent fazem downloads a partir de estruturas mais completas e organizadas, internet nas vidas dos consumi-
por meio de websites confiáveis, ou
dores musicais. No começo, ha-
ao menos websites onde os usuá-
via softwares do chamado puro
rios podem publicar comentários
P2P, “Peer to Peer”, download
nos downloads avisando se os ar-
direto de um usuário que bai-
quivos oferecidos estão ou não in-
xava as músicas a partir de uma
fectados. Foi aí que baixar uma mú-
lista de outros usuários que já
sica de forma considerada pirata,
as possuíam. O pioneiro desses
se tornou um hábito mais comum
softwares foi o Napster. Esses
do que comprá-las nas lojas, e isso
programas eram um tanto pe-
derrubou o mercado, as gravadoras
rigosos, pois a partir deles era
entraram em crise.
extremamente fácil incubar um
malware, um vírus de computa-
ou seja, que não possuem vínculos
As bandas independentes,
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computador, ambos utilizados em
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contratuais
com
nenhuma vadoras tinham maior poder independentes hoje tem mais
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gravadora, tiveram muito a de investimento para “criar” chance de sucesso, pois os ganhar com o desenvolvimen- novos artistas, enquanto hoje meios de produção de conteto dos meios na internet. Ao mesmo tempo, bandas das
gravadoras
saíram
perdendo, principalmente as de pequeno e médio porte. João Milliet, Músico e Produtor Musical, Sócio na produtora Cada Instante, afirmou que nos dias de hoje, as gravadoras injetam muito menos verba nos seus artistas, principalmente os que estão no início de carreira.
“Eu pessoalmente
costumo dizer que a gravadora é boa para acelerar o carro, mas assinada ou não, quem tem que dar a ignição é a banda, pois o trabalho de base, as gravadoras não fazem. Muitas vezes, eles acabam “pegando o bonde andando” e simplesmente “dão um turbo”.”
Antigamente, as gra-
elas dão preferência às ban- údo ficaram mais acessíveis, das que prometem um retor- então ter um material de quano mais imediato.
lidade é mais fácil, mas, no en-
“Creio que as bandas tanto, o espaço de divulgação
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é muito disputado. Soluções tempo, tiveram muito a ganhar em aparições nas emissoras de
ideia.”
gerou
o
compartilhamento Para artistas de grande porte, como Gilberto Gil, a pirataria não impactou seus lucros diretamente, mas de forma indireta. Seu ganho não é somente na composição, nos direitos autorais, pois um artista como ele consegue sobreviver, e muito bem, com o dinheiro dos ingressos de seus shows. “Existem vários meios de lucro para uma banda. Não só a venda de mídia física, não só a venda de música. Como o show, o merchandising da banda (produtos comercializados como camisetas, adesivos, dentre vários outros).”, disse João. Já para artistas novos, menores, artistas que
Ou seja, as bandas in- gratuito, um ganho que pouco
dependentes perderam tanto adicionou ao sistema das graquanto as bandas das gravado- vadoras, cujo espaço já estava ras com a pirataria, ao mesmo garantido pelo investimento
ganham com a composição, a pirataria os abalou muito, pois seus shows não têm o mesmo valor, e seu produto principal acaba sendo distribu-
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criativas são sempre uma boa com o mesmo meio virtual que Rádio e televisão.
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ído gratuitamente pela internet. Pirataria ou falando dos compartilhadores de arquivos, e compartilhamento, o artista sempre sai per-
não dos vendedores de cópias. Pedro diz:
dendo. Uma banda independente, afinal, gere
“Garotos de 15 anos que não venderam nem
e arca sozinha com sua estrutura, o que faz compraram, apenas baixaram e compartilhacom que seus prejuízos afetem diretamente o próprio bolso dos artistas, principalmente quando não há um investidor. Na opinião de João, “a pirataria é prejudicial como um todo. A banda é quem deve decidir se vai ceder ou não sua música gratuitamente.”
Pedro José Milliet, que foi dono do Estú-
dio Musical “Caracol” nas décadas de 80 e 90, diz que essa troca de arquivos pelo Napster e semelhantes não se trata de pirataria, mas sim de uma “apropriação fora do mercado”. “A pirataria, ao meu ver, é quando você vende o produto, isso é uma infração grave, uma vez que você está ganhando dinheiro com o trabalho de outra pessoa.”
Infelizmente
para
as
gravadoras,
pouquíssimas tentativas foram feitas para contornar essa situação, talvez por um fundamentalismo mercadológico, ou seja, por desacreditarem que o sistema delas de mercado seja falho perante as opções da internet, ou talvez por mera falta de criatividade empresarial. Isso até a chegada do famoso iTunes, da empresa Apple.
Antes do iTunes, as gravadoras tenta-
ram lidar com isso através da força bruta, uma pressão direta contra os usuários, e estamos
ram, eram ameaçados com processos de centenas de milhares de dólares. Isso gerou uma revolta dos usuários da internet contra as gravadoras, o que causou uma explosão no compartilhamento de arquivos online, virou uma coisa de rebeldia juvenil, por essa rebeldia, passaram a baixar tudo mesmo. A partir daí, o
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mercado se tornou inviável, as rato, por volta de $1,99 a faixa, uma questão de posse do pro-
der todo mundo. Foi quando
seguiu atrair muitos consumi-
assinar a página oficial de sua
a Apple trouxe a primeira pro- dores de volta às prateleiras banda, inclusive criar sua própria “fã page”, onde ele e outros fãs podem se juntar em culto ao grupo musical que amam. Até hoje, contudo, ainda existe o fetiche, possivelmente ainda mais forte, porém mais raro, de pessoas que possuem os discos de vinil das bandas que gostam. Inclusive, algumas bandas famosas, e até mesmo algumas do mercado independente, lançam LPs como colecionáveis, é o caso da banda Beatles, que embora tenha há muito tempo se separado, sua gravadora lançou uma edição limitada de discos em vinil para os fãs, posta do mercado contra a oficiais, dessa vez não mais nas pirataria, possibilitando que o lojas, mas digitais. Para onde usuário compre apenas uma foi o fetiche da posse do promúsica, caso queira, do CD que duto? Difícil dizer. Quem sabe ele gosta.”
ele agora esteja nas Redes So-
Vendendo músicas por ciais, claro que envolto em ou-
um preço aparentemente ba- tra mentalidade que não mais
uma ideia que com certeza foi comprada e celebrada por eles.
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gravadoras não podiam pren- a facilidade do processo con- duto físico, mas onde o fã pode
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O jardim das horas En
t
r
e
v
i
s
t
a
Lia Ferreira Marcio Tavora
M
ãos cheias de sementes e os ouvidos no paraíso. É assim que imaginamos os artistas que compõem a banda independente “O Jardim das Horas”, coletivo cearense que mistura diversas raízes brasileiras com sons experimentais. Cada música transporta o ouvinte para um ambiente mágico e engrandecedor. Os fãs podem ficar tranquilos e aproveitar o som baixando o CD gratuitamente no próprio site da banda: www.ojardimdashoras.com.br A seguir, confira a entrevista que fizemos com a banda. Lia Ferreira: Você afirmou numa entrevista que o projeto surgiu com a dança. Como se deu essa transição da dança para a música? Que tipo de dança era? Laya: Na Companhia Vatá em Fortaleza, estávamos num processo montando o espetáculo “Bagaceira, A Dança dos Orixás”, eu dançava e David Brasileiro e Leco Jucá tocavam. Era um espetáculo lindo de dança contemporânea e brincante e sapateado, com uma pesquisa
no ritual do candomblé. Nos conhecemos ali, marcamos de fazer um som, foi junto o Carlos Eduardo Gadelha que também participou desse início. Nesses primeiros encontros em 2003, nasceram canções meio experimentais, bases eletrônicas, grooves, vocais cheios de efeitos e guitarras estranhas... (risos) Assim começou, na época, O Quarto das Cinzas. Lia Ferreira: Por que resolveram mudar o nome? Laya: Porque com o tempo o som foi ficando mais amplo... Pra ser objetiva, sentimos necessidade de sair do quarto. Raphael: Eu sinto que essa noção de espacialidade tem haver também com a mensagem que a gente quer transmitir para o público. O Quarto das Cinzas tem toda uma referência positiva ao renascimento, ao mito da fênix, à transformação. Mas, ao ouvir esse nome, às vezes as pessoas achavam que era uma banda gótica ou de metal, algo
mais sombrio. Então um amigo poeta, Leo Mackellene, tem um livro chamado “O Livro dos mais pequenos silêncios” nesse livro tem um capítulo com esse nome, “O Jardim das Horas”, achamos bonito, e, pra mim, “o jardim” e “as horas” continuam mantendo a ideia de um lugar de vivências e experimentações, só que mais claro e amplo. Lia Ferreira: Quais são as maiores influências e os principais elementos da música brasileira encontrados na banda? Laya: Já citamos algumas influências ao longo desse tempo de trabalho, algumas nos constroem enquanto músicos e isso fica na nossa arte e é bom. Mas estamos sempre buscando novos sons e novas instigações: na música, na cidade, na natureza, em nós mesmos... Os principais elementos da música brasileira na banda somos nós mesmos (risos), bando de brasileiros, nordestinos de sangue mestiço forte.
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Raphael: O Jardim sempre foi e é pra mim uma banda aberta ao que pode somar. Nesses anos já tivemos formações de 3, 4, 5 e 6 integrantes. Cada um que aqui chega deixa sua contribuição, traz consigo suas próprias ideias e influências e a gente
fica atento ao novo! Lia Ferreira: Como é o processo de formação das letras da banda? Laya: Eu, Laya, tenho cadernos de poesia onde gosto de mergulhar,
muitas vezes pra buscar me entender, meus próprios pensamentos e sentimentos. Mas às vezes acontece de formas diferentes, parcerias ou acontecimentos que inspiram. E como é bom!
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Lia Ferreira: A letra da música “O homem moderno” é bastante intensa. Você poderia nos contar mais sobre as influências do conteúdo da letra? Há um quê de sustentabilidade, de espiritualidade. Você poderia falar um pouco sobre a importân-
cia da consciência socioambiental nas letras da banda? Laya: É dessas que veio assim como um sopro no ouvido, e mais bonito ainda porque foi junto com uma amiga, a artista plástica Mariana Kuroyama.
Numa tarde, ela me falava das ideias de um artista que ela estava estudando Friedensreich Hundertwasser, eu peguei o violão e comecei a cantar a primeira frase que é uma ideia dele, telhados verdes, daí a poesia veio chegando.
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Letra de música_
O Homem Moderno O Jardim das Horas
Composição: Laya Lopes Mariana Kuroyama
Haverá um dia em que todos os telhados serão verdes Haverá árvores em todas as janelas O homem nem lembrará como era antes Nem entenderÁ como podiam viver sem... Haverá um dia em que se entenderÁ a energia A ciência humana se expandirÁ O homem se nutrirá com alimentos vivos E ampliarÁ sua capacidade de ver, viver Haverá um dia em que a mente se abrirá pra poesia Em alta sintonia O homem nominarÁ sua palavra como um compositor Fazendo a cada dia uma canção O homem moderno transformou a sua mente Transformou o seu redor tecnologia inteligente O homem inteligente transformou a sua lógica Mudou a sua ótica com a sabedoria inerente Haverá um dia em que todos os telhados serão verdes Haverá árvores em todas as janelas O homem nem lembrará como era antes Nem entenderÁ como podiam viver sem... Haverá um dia em que se entenderÁ a energia A ciência humana se expandirÁ O homem se nutrirá com alimentos vivos E ampliarÁ sua capacidade de ver, viver Haverá um dia em que a mente se abrirá pra poesia Em alta sintonia O homem nominarÁ sua palavra como um compositor Fazendo a cada dia uma canção O homem moderno transformou a sua mente Transformou o seu redor tecnologia inteligente O homem inteligente transformou a sua lógica Mudou a sua ótica com a sabedoria inerente
http://
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Comportamento_
a i c n ĂŞ d Ca
a b m a de s trumento s n i o o d n a Afin
Karmencita
o seu caminho verdadeiro
perder o brilho
cia da decadência, e a do
(a sua música particular
nos olhos, o sor-
samba, abriu falência. E lá
que nada tem a ver com os
riso da face, o
está você, em sua redoma
condicionamentos sociais),
viço da pele e a força na
de vidro, dançando desar-
a energia dispensada é
fala, é dançar essa música
ticulado a música do des-
menor, quase nula, pois
que não é sua. O ritmo fica
compasso. Acreditando em
está no fluxo do Universo, e
descompassado, e todos
conceitos que não são os
ele te impulsiona à sua ver-
tentam dançar juntos, num
seus, colocados pela famí-
dade. Tenho notado uma
imenso esforço, um passo
lia, escola, religião, amigos,
movimentação no sentido
desengonçado. Quando
televisão. Quando segue-se
dessa busca. Aliás, tenho
sente vontade de retina,
esses padrões, tende-se a
ouvido relatos de amigos ou
mandam fechar a cortina;
fazer mais força para conti-
conhecidos de amigos, que
quando sente vontade de
nuar nesse caminho, dançar
estão abrindo mão da car-
afago, mandam que seja
essa música, vulgo normali-
reira, de ideias pré concebi-
vago. Vontade de silêncio,
dade – que julga ser o cor-
das de sucesso, condiciona-
mandam que porte recado;
reto, mas não é a sua.
mentos sociais, patrimônios,
vontade de sorrir, mandam
para irem em busca do que
cuidado. Vontade de simpli-
terá de enfrentar, sejam
lhes fazem felizes. Parece-
ficar, se faz vitim ado. Von-
emocionai s, mentais ou físi-
me uma manifestação silen-
tade de amar, mas você é
cos: Dirão que são normais
ciosa, um movimento que
blindado.
e que o que te fará “vence-
nasce dos que desenterram
dor” é enfrentá-los, custe
a coragem. Uma representa-
o que custar. Mas na ver-
ção da verdadeira rebeldia,
dade são eles os responsá-
a anarquia latente, a imi-
veis pela enorme demanda
nência da iluminação, talvez.
O que tem aconte-
de força interior e energia,
Eles afinaram o instrumento
cido, há incontáveis milê-
que lhe farão adoecer e/ou
e estão ouvindo a música da
nios, é a imposição desse
envelhecer mais depressa.
alma.
ritmo uníssono, melo-
O fato é que quando segue
Te fizeram achar que
merece uma redoma de vidro... e você acreditou...
Os imensos picos que
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dia desafinada: a cadên-
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O
que te faz
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absolutas. A partir de Existem alguns sinais que sempre indicam uma trilha
quando começa a acre-
a percorrer. É prestando atenção neles que as coura-
ditar nessas verdades,
ças começam a ser derretidas, e começamos a adentrar
sua mente se fecha para
mais profundamente em nosso Ser:
novos saberes. Quanto mais se acredita que não pode haver verdade além do que você acredita, menos entrega existe à expansão de
01
Sinais do corpo
negativos, analise pelo ponto de
Caso fique doente
que foi você quem atraiu essa
c onstantemente, é
realidade. É um círculo vicioso.
bom ficar atento: você concorda
Além disso, podemos atrair
realmente com o que faz diaria-
enormes altos e baixos, mais
mente? Tem passado por boas
do que os necessários para o
cargas de estresse? Ao acordar
aprendizado da vida, por não
sente-se satisfeito com as ati-
admitirmos a nossa responsabi-
vidades que vai realizar no dia?
lidade diante das escolhas. Mas
Sente-se cansado ou fraco cons-
caso enfrente situações de con-
tantemente? São algumas per-
flito, que não condizem com
guntas relevantes para medir a
seu posicionamento, é hora de
sua escolha.
colocar as coisas na balança e ir em busca do que combina no
02
At r a ç ã o Caso
momento.
mesmo sem se r intencionalmente, te leve a situações estranhas, ou que s igam padrões
03
verso. Geralmente os sinais estão debaixo do seu nariz, mas por conta de suas crenças passará a vida inteira procurando por eles.
04
P REO C UP AÇÃO C O M A O P I NI ÃO
ALHEIA
Est a é aliada d a depressão e e s t r e s s e . No desejo de s up r i r expect at iv as al he i as ,
atraia pessoas ou situações que,
consciência e ao Uni-
Verdades absolutas/crença Cuidado com
verdades colocadas como
falamo s e agim os d e maneira super fi ci al e desnecessár i ana na t ent at iv a de p r e encher expect at i vas .
inten çã o d o s s e u s moti vos. Le mb re -
E agora?
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men te i m p o rt a n t e , e q ual a ve rd ad e i ra
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E n tã o pre s t e a t e n ção no q ue é re al -
s e de qu e à s v e z e s mai s val e uma p e rgun ta b e m f e i t a d o q ue uma re sp osta s upo s ta m e n t e c o mp l e ta. A l i ás, re sp ost as n u n c a s ã o c o mp l e tas. Intui ç õe s s ão co m p l e t a s .
05
R e p e t i ç ã o d e pa d r õ e s O b s e r v e s e s ua s o p i n i õ e s e at i tudes são sempre embasa-
d a s n o q u e a lg u é m d i s s e . . . Ta lv e z e s s a s e j a a pa r t e m a i s d i f í c i l , p o i s e x i g e m a i s d i s c i p l i n a e au to o b s e r va ç ã o. M a s t e n t e v e r s e s ua s pa l av r a s e at i t u d e s e s tã o i m p r e g n a d A s d e co n c e i to s a r c a i co s pa s s a d o s p o r a lg u é m . A lg u n s d e l e s , p o d e s e r q u e n ã o co n s i g a v i s ua l i z a r tã o fa c i l m e n t e , p o i s v i e r a m m u i to c e d o e p o r i s s o m e s m o e x i s t e m r e c u r s o s t e r a p ê u t i co s e s p e c í f i co s pa r a i s s o. M a s o u t r o s , a p e n a s co m v i g i l â n c i a , co n s e g u i r á i d e n t i f i c a r . . .
Caso a sua r esposta seja afir mativ a par a um ou mais des se s sinais, apenas r elax e... E ouç a a sua pr ópr ia música. A escol ha ser á sempr e sua, pode mante r -se nesse ciclo, mas a consequênc i a disso cer tamente ser á env elhe c i mento pr ecoce e doenças psi c o ssomáticas. Esteja aler ta par a analisar e v ig iar constantemente o s seus pensamentos, pois são g e r ador es de sentimentos e comp o r t amentos. O pr imeir o passo é e st ar disposto a mudar e a olhar p ar a dentr o. Dessa for ma começar á a per ceber que os motiv os para as suas r eclamações têm or ig em aí mesmo, e não for a. A par tir d e então passar á a enx er g ar o q ue r ealmente é impor tante, e v e r á que o caminho está mais clar o , a música está mais audív el, e o t e u pr ópr io silêncio não lhe caus ar mais medo. A sua cadência vo l t o u à batucada or g ânica, a missão v e r dadeir a estar á à sua fr ente. http://br.freepik.com
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Comportamento_
Os benefícios da
Meditação
Entrevista com Pedro Farage Lia Ferreira Arquivo pessoal - Pedro Farage
P
edro Farage, psi-
por meio de outras leitu-
ciam, até descobrir alguma
cólogo jovem de
ras, quando tinha cerca de
forma de meditar que me
vinte-e-poucos
15 anos. Na época, não se
fosse mais agradável e que
anos, começou
tratava de nada mais que
fizesse sentido pra mim.
a meditar quando tinha
uma curiosidade quase
apenas 15 anos. Medita-
pueril pelo apelo estético e
Lia Ferreira: A meditação
ção consiste, em palavras
pela ideia muito comum de
está ligada necessaria-
simples, em técnicas para
que a meditação seria um
mente a algo transcen-
acalmar a mente. Confira
tipo de panaceia espiritu-
dental e espiritual?
logo a seguir a entrevista
al - medita-se e todos os
com o rapaz.
seus problemas emocio-
Pedro Farage: Na minha
nais estão resolvidos. Meu
perspectiva, não necessa-
Lia Ferreira: Quando você
contato mais sério com a
riamente. Apesar da medi-
começou a se interessar
meditação começou por
tação poder proporcionar
por meditação? O que te
meio da yoga e do budis-
esse tipo de experiência,
levou a buscar tal práti-
mo, aos 17 anos. A partir
especialmente entre os
ca?
daí, comecei a ler mais
praticantes mais recentes,
seriamente sobre o assun-
essa não é a diretriz que
Pedro Farage: Entrei em
to, pesquisei técnicas e as
orienta a meditação e, de
contato com a meditação
tradições às quais perten-
fato, pode até sabotá-la. É
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comum que pessoas que meditam pela primeira (ou primeiras) vez sintam uma torrente emocional que acaba acontecendo justamente porque é tão raro que paremos e façamos um esforço ativo para acalmar os ânimos e colocar as emoções em ordem. No entanto, a meditação é um instrumento de concentração e aquietação da mente, produzindo um momento no qual devemos abandonar todos os anseios e expectativas de resultados da prática - como uma ilha de segurança em meio a um mar turbulento de emoções. Como instrumento, pode e deve ser utilizado
Na foto, Pedro Farage medita nas pedras de uma cachoeira em Argirita - MG
por qualquer um que
alguma à qual você se
ferente do oriental?
se sinta confortável
adapte melhor.
Que linha do budismo você segue?
com esse hábito. Existem inúmeras
Lia Ferreita: Você é
maneiras de se me-
budista. O budismo
Pedro Rafage: O bu-
ditar, basta descobrir
ocidental é bem di-
dismo é uma religião
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antiquíssima, datando de
sociais e culturais nas quais
não os esteja deturpando,
aproximadamente 500 a.C.
estamos inseridos. Passei
mas inserindo-os na reali-
Portanto, acabou se adap-
pela cerimônia de refúgio,
dade em que vivo.
tando às culturas para as
na qual recebi meu nome
quais foi difundido, dando
budista, dentro da tradição
Lia Ferreira: Como você
origem às muitas tradições
Theravada, com a qual te-
concilia seu dia-a-dia
e escolas que temos hoje.
nho imensa afinidade.
com a prática do budismo?
O ocidente não é exceção. Herdamos, é claro, muito
Pedro Farage: Há uma his-
das tradições que chegam a nós do
tória de um brâmane que
oriente, onde
pergunta ao Buda o que
o budismo é
é que diferencia um
uma religião
seguidor de seus en-
fortemente
sinamentos de outros
institucionaliza-
praticantes, ao que ele
da e faz parte do
responde de forma muito
cotidiano das pessoas.
simples - seus seguidores
Por aqui, no entanto, o bu-
comem, bebem, dormem,
dismo ainda é flexível e está
Mas, justamente por per-
caminham. O brâmane
se adaptando às nossas
ceber que o budismo no
responde, então, que essas
tradições locais, aos nossos
ocidente é um processo em
coisas todos fazem, ao que
aspectos culturais e à nossa
construção, sinto-me livre
o Buda faz a tréplica: “Mas
mentalidade. Ser budista
para explorar as outras tra-
quando fazemos essas
no ocidente é fazer parte
dições e aproveitar aquilo
coisas, nós as fazemos com
de um empreendimento
que faz mais sentido, to-
atenção plena, indivisível”.
ousado, de encontrar equilí-
mando o cuidado de com-
Ser budista é estar aqui e
brio entre ensinamentos de
preender bem os conceitos
agora, estar consciente até
2500 anos e as exigências
e ideias, de forma que eu
mesmo das menores ações
49
disco rígido de um computa-
dos hábitos para se provocar
aprendendo a enxergá-las e
dor, de forma que a máquina
uma mudança real em suas
orientá-las sempre de forma
funcione mais eficientemente.
vidas. Que jamais subesti-
compassiva, compreensiva
O mesmo ocorre com nossas
mem o poder da Sangha, uma
e calma. Há práticas que se
mentes. Um acúmulo muito
comunidade de companheiros
pode incorporar à vida cotidia-
grande de “nódulos” emocio-
budistas dedicados, no esta-
na para auxiliar essa mentali-
nais pode turvar sua clareza e
belecimento de uma prática
dade, tais como a meditação.
funcionamento, e a meditação
saudável. Mas o conselho
O importante é que se reser-
é um instrumento de limpeza
mais importante já foi dado
ve espaço em nossas vidas
desses nódulos.
pelo primeiro patriarca Zen,
diariamente para incluir esses elementos em nosso dia-a-dia.
Bodhidharma: “Cai sete vezes, Lia Ferreira: Quais dicas você
levanta oito”. E bom caminho!
teria para quem deseja iniLia Ferreira: Quais benefícios
ciar a prática?
a meditação trouxe para o seu dia-a-dia?
Pedro Farage: Que essas pessoas sejam
Pedro Farage: Creio que o
felizes em sua jorna-
benefício mais visível a cur-
da, que a aproveitem
to prazo seja a capacidade
genuinamente, que
de organização do meu dia
busquem incessan-
proporcionada pela medita-
temente se informar,
ção. No entanto, tive como
com espírito questio-
professor um monge Therava-
nador e ousado. Que
da que costumava dizer algo
consigam avançar
muito interessante: “Não se
além das redundân-
medita para ganhar, medita-
cias intelectuais e que
se para perder”. Meditar, ele
percebam a impor-
dizia, era como formatar o
tância da prática e http://br.freepik.com
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que se pratica diariamente,
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Estilo_
DECORAÇÃO
Decorar a casa é colocar um toque criativo e pessoal em cada canto. Algumas lojas são tão especiais que já despertam a nossa criatividade e chamam a atenção. Um exemplo é a loja Tadah! Os produtos são todos fabricados no Brasil. Com preços acessíveis e muito charme, a loja é uma opção para quem gosta de um toque retrô. São várias as opções, desde luminárias que remontam ao faroeste, luminárias de gatinho, até móveis, prateleiras, enfim, tudo o que uma casa precisa em
móveis. “Nossos móveis são fabricados com madeira de pinus de reflorestamento e tem acabamento atóxico, com tinta e cera a base d´agua. O legal disso? Uma compra sustentável para você e para o fabricante, que não precisa se preocupar com produtos químicos prejudiciais à saúde. Já a nossa linha de crochês é confeccionada por artesãs da nossa comunidade! Os tecidos que utilizamos nas customizações dos produtos também são produzidos na nossa região, no Vale do
Itajaí (SC)”, afirma o site da loja. Outra loja interessante que segue o padrão de móveis sustentáveis é EcoDesign. A loja oferece produtos não tóxicos, feitos através de trabalho artesanal e um preço justo. Confira os sites: Tadah! www.tadah.com.br/ EcoDesign www.lojaecodesign.com.br/
01 Prateleira Pendura e Segura
03 Cadeira Pampa
05 Criado-mudo
07 Quadro de avisos
Esta prateleira é ideal para enfeitar a casa e dar um toque original ao local. pode ser encontrada na loja online da Tadah!
A loja Ecodesign oferece móveis sustentáveis coloridos. Cada cor representa uma região do país.
Esta versão com toques azuis e vermelhos é mesmo linda. Você encontra na Tadah!
Não quer esquecer nada? Então simplesmente compre um quadro de avisos sustentável.
02 Luminária Cactus Verde!
04 Placas decorativas Pin-Ups
06 Porta Bike
08 Mesa lateral
Divertida e com um toque oeste, esta fofura pode ser encontrada na loja online da Tadah!
Um estilo retrô de decoração você encontra na loja Tadah!
Artigo indispensável da EcoDesign para quem ama bikes!
Esta peça faz parte da Coleção Biomas Brasileiros da EcoDesign. Linda!
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Educação Educação de Jovens e Adultos: uma estratégia de desenvolvimento
Aline Fallaci http://br.freepik.com
A
Educação de Jovens e Adultos (EJA) se fez e ainda se faz necessária no Brasil. Traços do que viria a ser a EJA aparecem desde registros do Brasil Colônia, quando os padres jesuítas catequizavam e, ao mesmo tempo, ensinavam as primeiras palavras do Português aos índios. Porém, juridicamente, essa modalidade de ensino apareceu pela primeira vez só na Constituição de 1934, que estabelecia a criação de um Plano Nacional de Educação (PNE) e determinava a educação de adultos como dever do Estado. Nesse primeiro momento, a obrigação seria oferecer o Ensino Primário integral gratuito e com frequência obrigatória. Na década de 1940, surgiram as primeiras obras dedicadas ao Ensino
Supletivo e foi criado o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Em 1946, com a instalação do Estado Nacional Desenvolvimentista, o Brasil, antes agrícola e rural, começou a se estruturar em um modelo industrial e urbano, o que exigia mão-de-obra alfabetizada. Foi quando o Ministério da Educação (MEC), promoveu a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), com objetivos de, além de alfabetizar, também gerar a capacitação profissional. A essa altura, o tema já tinha se firmado na agenda nacional. Nas duas décadas seguintes, as ações ganharam força com campanhas de erradicação do analfabetismo e congressos sobre o assunto. No entanto, em 1964, o golpe militar paralisou as iniciativas ligadas à EJA. Em 1971, a implantação do Ensino Supletivo, com a criação de centros de estudos em todo o território nacional, representou a implementação da formação de massa, com baixo custo operacional, e marcou um capítulo importante na história da EJA no Brasil. Ainda na década de 1970, a ditadura militar deflagrou o início das atividades do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), com a meta bastante audaciosa de, em apenas 10 anos, eliminar o analfabetismo no Brasil – não deu certo. O primeiro Censo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), após esse período, apontou a taxa de analfabetismo de 25,5% entre a população brasileira com 15 anos de idade ou mais. O MOBRAL foi extinto em 1985 e substituído pela Fundação Educar. No início da década de 1980, já em meio ao processo de democratização, a EJA foi ampliada. Mais uma vitória foi conquistada com a Constituição de 1988 (BRASIL,2013), que garantia o Ensino Fundamental
gratuito também para jovens e adultos fora da idade escolar. A década de 1990, contudo, não foi boa. A Fundação Educar foi extinta pelo Governo Collor (1990 a 1992), e nenhuma ação educativa significativa, por parte do governo, foi adotada neste período. Em 2004, foi criada a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), que integrou à sua pasta o Departamento de Educação de Jovens e Adultos. Esta ação iniciou um movimento em direção à prioridade dispensada à área de educação de jovens e adultos (IRELAND, 2007). Desenvolver políticas públicas voltadas à EJA, é cumprir a demanda da Constituição Federal de 1988 (BRASIL,2013), descrita no inciso I do artigo 208° que expõe, pela primeira vez, o direito de acesso à escolarização e “assegura, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria” (OLIVEIRA, 2007). Os investimentos em programas de EJA têm motivações políticas e econômicas, compreendendo-se que, para o desenvolvimento do país, é preciso cuidar da deficiência escolar da população, pelo fato do sistema ainda não ter sido capaz de alfabetizar e/ ou formar, nas etapas do Ensino Básico, na idade esperada. A falta de escolaridade impede a qualificação profissional mais específica e, consequentemente, a conquista de empregos que ofereçam melhores condições de trabalho e salários. O cunho de política social do investimento em EJA se confirma ao analisar o Plano de Desenvolvimento da Educação lançado em 2007, no qual a Educação de Jovens e Adultos passa a constar do conjunto de variáveis do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).
A defesa da EJA, como estratégia de Desenvolvimento Sustentável (economia) e Qualidade de Vida (política), não é restrita ao Brasil. Trata-se de pauta internacional, sendo compreendida como necessidade coletiva e não apenas como direito individual pela Declaração de Hamburgo, escrita na V Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA), de 1997, que apresenta a seguinte reflexão:
“A educação de adultos torna-se mais que um direito: é a chave para o século XXI; é tanto consequência do exercício da cidadania, como condição para uma plena participação na sociedade. Além do mais, é um poderoso argumento em favor do Desenvolvimento Ecológico Sustentável, da democracia, da justiça, da igualdade entre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico, além de um requisito fundamental para a construção de um mundo onde a violência cede lugar ao diálogo e à cultura de paz baseada na justiça”.
Bibliografia
ADRIÃO, T.; PERONI, V. (orgs.) O Público e o privado na educação. São Paulo: Xamã. 2005. BRASIL Constituição ral, Editora Saraiva,
Fede2013.
CONFITEA, Declaração de Hamburgo. Agenda para o futuro da educação de adultos. Tema VII- SESI/UNESCO. 1999. IRELAND, T.D. Educação de jovens e adultos como direito: vencer as barreiras da exclusão e da inclusão tutelada” 16º Congresso de Leitura do Brasil – COLE - X Seminário de Educação de Jovens e Adultos UNICAMP, Campinas-SP, 11 a 13 de julho de 2007. OLIVEIRA, R.L.P. Educação de Jovens e Adultos: o Direito à Educação. 16º Congresso de Leitura do Brasil – COLE. X Seminário de Educação de Jovens e Adultos UNICAMP, Campinas-SP, 11 a 13 de julho de 2007.
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organizações da indústria e comércio, OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público). Os investimentos em soluções para a educação de jovens e adultos surgem, assim, pela Terceira Via, “esfera da sociedade que não se encontra nem no mercado nem no estado”, sendo a sociedade, o ativo que resolve seus próprios problemas completando as lacunas de um Estado em crise (ADRIÃO E PERONI, 2005, p. 142-143). O Telecurso é um exemplo desta realidade. Seja pela ação pública ou privada, a EJA demanda uma estrutura e práxis próprias para transformar o estado cultural, econômico e social dos alunos.
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Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE, em 2012, a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos de idade ou mais foi estimada em 8,7%, o que correspondeu a 13,2 milhões de analfabetos. Ainda, de acordo com a pesquisa, a taxa de analfabetismo se mostrou maior nos grupos de idades mais elevadas em todas as regiões. Entre aqueles que tinham de 15 a 19 anos de idade, a taxa foi de 1,2%; contra 1,6% entre os de 20 a 24 anos; 2,8% no grupo de 25 a 29 anos; 5,1% de 30 a 39 anos; alcançou 9,8% para as pessoas de 40 a 59 anos e foi de 24,4% entre os com 60 anos ou mais. Além do problema do analfabetismo, o país apresenta elevado déficit nos índices de qualidade da educação. Em 2011, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) realizada pelo IBGE, constatou uma média nacional de 8,7 anos de estudo para os jovens de 18 a 24 anos, aumentando para 9,4 anos de estudos dos adultos de 25 a 29 anos e apresentando curva de declínio após esta idade, alcançando apenas 7,4 anos de estudo dos adultos entre 30 e 59 anos. Mesmo a população que completou 11 anos de frequência escolar, não necessariamente concluiu o Ensino Médio. A EJA surge como uma oportunidade de retomada dos estudos pelos indivíduos que não conseguiram completar a Educação Básica na idade certa. Porém, verifica-se que leis, pareceres, planos e organizações públicas não têm sido suficientes para garantir o direito de todos à Escolarização Básica completa. Algumas iniciativas privadas que complementam as ações públicas, tornam a “estratégia EJA”, um compromisso assumido socialmente por fundações,
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Inclusão social
Fundação Dorina Nowill para Cegos Octavio Milliet http://br.freepik.com
U
ma das constantes preocupações na educação se refere à inclusão social. É necessário combater a marginalização de grupos dentro da sociedade. Se pretendemos, enquanto civilização,
afirmar bons valores humanos, devemos realizá-los de fato.
A Fundação Dorina Nowill para Cegos existe há
68 anos, dedicada à reabilitação de deficientes visuais, atendendo às famílias e aos indivíduos. Tendo como atividade central a produção de livros acessíveis, como braile, áudio livros e livros digitais em formato DAISY (Digital Accessible Interface System), sua atividade é educacional e comprometida com a política de inclusão social.
Em 2002, a Fundação passou por um proces-
so de profissionalização. A gestão de Alfreto Weisflog, presidente e dono da editora Melhoramentos, levou a Dorina Nowill de um modelo filantrópico baseado em voluntariado para uma organização sem fins lucrativos do terceiro setor, operada por profissionais.
A partir de 2006, a Fundação começou a desen-
volver um projeto de produção de livros digitais acessíveis num formato mundial chamado “Daisy”, criado pelo consórcio mundial DAISY (www.daisy.org). Implantou uma plataforma de produção e distribuição dos livros nesse formato, em parceria com a empresa Results que criou os softwares de leitura e produção dos livros
para as editoras na produção desse
Nowill para Cegos se tornou referência
brasileiros que são deficientes visuais,
formato, ampliando a sustentabilidade
na área da acessibilidade digital para
sem levar em consideração outras
de sua missão institucional e contri-
deficientes visuais no Brasil.
comunidades que se beneficiam deste
buindo para um salto significativo na
formato de livro, como os disléxicos e
inclusão educacional da comunidade
to especial de livro digital cuja leitura
deficientes físicos que não conseguem
de deficientes visuais no Brasil.
é feita por uma voz sintetizada (o que
manipular livros impressos e computa-
dispensa a narração gravada e facilita o
dores complexos.
alunos cegos ou deficientes visuais
processo de conversão), e os softwares
salta de 10 mil em 2007, para cerca
da Results, desenvolvidos por Pedro
dentro do programa de livros didáticos
de 70 mil em 2014. O projeto de livros
Milliet e Eduardo Peres, não apenas
das escolas públicas (PNLD – Programa
acessíveis da Fundação se ampliou
leem o texto como possuem diversas
Nacional de Livros Didáticos), o pro-
com o passar dos anos e hoje inicia a
outras funções práticas, como marca-
jeto MECDAISY. Nele, o MEC passou
implantação de uma rede internacional
ção de páginas, parágrafos, criação de
a exigir também de todas as editoras
latino-americana de produção de livros
notas localizadas e muito mais.
que vendem livros didáticos ao PNLD, a
digitais acessíveis.
entrega em formato DAISY. Com isso, a
Os livros DAISY são um forma-
Demograficamente, o universo
do qual estamos falando correspon-
Em 2009, o MEC lançou,
Dorina Nowill passou a prestar serviços
O número de matrículas de
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de a mais de 6,5 milhões de cidadãos
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digitais acessíveis. A Fundação Dorina
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A R T N CO
A H O L I T T I R E A C C N O
C E R P O
PENSAMENTOS O , OS E APENAS É ATITUDES AS MANUALDESCONSTRUÇÃO DE PEQUENO DE REVOLUCIONAR . ESTE PROCESSO É HORA COSTUMESUM LONGO E OS PARA . COMEÇO
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CONDICIONAMENTO
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ão: ç i u t nsti o de C a a d d e ci 3º a soa; Art. m ir u lidári u r t ons e so nal; o I – c , justa o i c na livre arantir ento reza e b m g ir II – nvolvi r a po reduz a e e des erradic zação e ociais i s III – rginal ades a ld e a m esigua mds e d b ; as nais er o ceito , o v regi promo precon xo, cor IV – s, sem raça, seoutras o tod rigem, isquer nação. i a de oe e qu iscrim d idad as de form PRE
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DES CONS
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CONDICIONAMENTOS uando nascemos, uma série de gostos, preconceitos, e convicções sociais começam a ser transmitidos para nós. Pensamos ser livres, mas... Sem que nós percebamos, acabamos reproduzindo o que há de mais perverso na sociedade. Nenhuma pessoa gosta de ser considerada preconceituosa. O primeiro passo é se informar a fim de reconhecer o erro. O segundo, procurar desconsruir o personagem que nos foi designado no palco da vida social.
Q
O modo com que falamos, o discurso que reproduzimos automaticamente sem nos darmos conta, enfim, tudo isso revela muito mais de nós que imaginamos. A linguagem é um instrumento de poder. Portanto, manter uma postura correta e digna é questionar o seu uso.
Não tenho preconceitos,
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“NENHUMA PESSOA GOSTA DE SER CONSIDERADA PRECONCEITUOSA. O PRIMEIRO PASSO É ADMITIR O ERRO. O SEGUNDO, PROCURAR DESCONSTRUIR O PERSONAGEM QUE NOS FOI DESIGNADO NO PALCO DA VIDA SOCIAL.
mas..
Esta frase soa alerta vermelho O "mas..." já disse tudo. Infelizmente, vivemos numa sociedade desigual, marcada por diferenças de cor, classe, gênero etc. Quem não reconhece tais diferenças, ou não se informou ou simplesmente deseja manter seus privilégios. Muita gente não sabe o que diz por pura falta de conhecimento. Há quem ainda confunda sexualidade como se fosse uma opção. Foi pensando nas pessoas desinformadas que criamos esta pequena cartilha contra o preconceito. Pode não ser o suficiente para que muita gente mude de postura, mas talvez seja algum começo. hadler www.freeimages.com
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VENCENDO
ETNOCENTRISMO
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ETNOCENTRISMO grego ethnós, -eos, raça, povo + centrismo) substantivo masculino Visão ou forma de pensamento de quem crê na supremacia do seu grupo étnico ou da sua nacionalidade. Fonte: Dicionário Priberam
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“Que povo m
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“LÁ SÓ TEM TERRORISTAS!”
Achar que sabe tudo a respeito de um povo; Apropriar-se da cultura alheia e modificá-la como bem entender; Julgar alguém de acordo com os próprios valores; Achar que sabe mais de uma cultura por estudá-la, mais até que uma pessoa nativa; Achar que vive na melhor cultura existente; Julgar todas as pessoas de uma cultura baseando-se no ato de alguns indivíduos
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Exemplos de etnocentrismo
ais atrasa
“pobre s!” “bando de “tinha que Burros!” ser do de tal luga “lá todo mun r” é assim!” “nós somos melhores no que fazemos”
do!”
o que fazer?
▲ Não reproduza disc ursos genéricos a respeito da vida de um povo; ▲ Não faça piadas so bre pessoas nativas; ▲ Não chame locais de “fim de mundo” e termos pejo rativos; ▲ Não trate pessoas baseando-se em esteriótipos
Quadrinho por Sahr
Vitor Teixeira
RACISM0 www.ouseja.jor.br / fevereiro 2015
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mal, para quem olha com as bancas e os promaior atenção, percebem gramas de televisão. que reproduzem um dis- É preciso ainda curso de ódio e segrega- questionar e problemação. Este discurso legitima tizar a apropriação da toda a violência contra o cultura negra e seu “empovo negro. É por isso que branquecimento”. Os praé preciso desconstruí-lo, tos típicos costumam ser para então conseguirmos menosprezados até serem uma nova lógica social. acrescentados à culinária Afirmar que não branca. Danças culturais e existe racismo no país de periferia também pastambém é um preconcei- sam pelo menos processo. to. Basta olharmos para Tendo tudo isto nossas escolas e univer- em vista, é preciso sasidades. A presença de ber se colocar no local pessoas negras ainda é de quem sofre a consmuito inferior a de sujei- tante opressão, de quem tos brancos. Já nas pri- acorda diariamente presões, o caso se inverte. cisando lidar com as conPor isso, fazer afirma- sequências da barbárie. ções vagas, desmerecer Cada pequena atitude a importância de deter- contra uma minoria apeminadas datas, como o nas reproduz os fatos dia da consciência ne- históricos que deveriam gra, por exemplo, são ser repudiados e densracismos do dia-a-dia. construidos a cada dia. Julga-se os traços físicos de pessoas negras, uma Racismo vez que o padrão eu(raça + -ismo) rocêntrico substantivo masculino de beleza ainda 1. Teoria que defende a superioridade de um d o m i n a grupo sobre outros, baseada num conceito de raça, preconizando, particularmente, a separação destes dentro de um país (segregação racial) ou mesmo visando o extermínio de uma minoria. 2. Atitude hostil ou discriminatória em relação a um grupo de pessoas com características diferentes, .notadamente etnia, religião, cultura, etc. Fonte: Dicionário Priberam
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E
ste preconceito ainda está muito arraigado na nossa sociedade, infelizmente. Por isso, é importante repetir: muitas vezes, pessoas praticam racismo sem nem ao menos se darem conta. Isto não apenas acontece em forma de violência física ou verbal. Pequenas atitudes do dia -a-dia podem revelar o preconceito, que é estrutural, ou seja, está intríseco na cultura. Por isso, todas as pessoas precisam desconstruir os discursos que reproduzem sem que sequer percebam. Querer clarear a pele de alguém, por exemplo, é um tipo de racismo. “Mas essa pessoa nem é tão negra”, ou então afirmar a clássica expressão: “Mas essa pessoa é negra de alma branca”. Ou ainda, utilizar cores como adjetivos: “Isto me parece claro” ou “Sua alma é muito negra, você é uma pessoa ruim” etc. Todas essas são formas brandas de racismo, que, se para alguns aparentemente não causam
GÊNERO
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G
ênero (ou sexo) é como a pessoa se identifica dentro de padrões do que é feminino ou masculino, ou mesmo a ausência de identificação dentro desses padrões. Nada tem a ver com atributos fisiológicos ou biológicos, já que gênero é algo construído socialmente. Pessoas trans são aquelas que não se identificam com o gênero que lhes foi imposto ao nascimento. Podem ser transexuais, transgêneros ou travestis, e não há como diferenciar essas três identificações, já que cada uma tem mais a ver com um posicionamento político do que com uma configuração diferente do que é ser trans. Uma única diferenciação que podemos ter é quando se fala de travesti, que geralmente é uma identidade exclusivamente feminina, mas não significa que toda pessoa trans que se identifica de forma feminina seja travesti. Existem três espectros de gênero que são os mais recorrentes: feminino, masculino e não-binário, o último englobando quase todas identidades fora do binarismo masculino-feminino, tendo pessoas de gênero neutro, gênero fluído e pessoas que se identificam com mais de um gênero ao mesmo tempo. Além das pessoas trans, existem as pessoas cis (cisgêneras ou cissexuais); quem se identifica com o gênero que lhe foi imposto no nascimento. A maioria das pessoas cis não aceita esse rótulo, entretanto, porque gostam de serem tidas como as “normais” e as pessoas trans como as “estranhas” que precisam ser rotuladas. Pessoas cis constroem na nossa sociedade a cisnormatividade. É a cisnormatividade que tenta impor regrinhas aos nossos
Celestiel Migurushi
Referências:
BUTLER, Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. Routledge, 1990. KIMMEL, Michael S. The Gendered Society, New York, Oxford University Press, 2000. PINTO, José Madureira. “Considerações sobre a produção social de identidade”, Revista Crítica de Ciências Sociais, 1991, nº 32, pp. 217-231 TGEU. 265 killings of trans people in the last 12 months reveals TGEU’s Trans Murder Monitoring project. Transgender Europe Media Release, 2012. Disponível em: <http://www.tgeu.org/265_Trans_ People_killed_in_last_12_Months> Acesso 16 nov. 2014
corpos. É um conjunto de comportamentos e ações que só dá legitimidade às narrativas cisgêneras, impondo dificuldades às pessoas trans, tais como grandes obstáculos institucionais (dificultar o acesso ao estudo, à saúde e ao trabalho), e pequenos obstáculos, por exemplo, agressões verbais individuais do tipo “na minha opinião você não pertence ao gênero que diz pertencer porque pra mim gênero é só genitália”. Um comportamento que a cis
normatividade gera é a transfobia, que é o ódio às pessoas trans de modo geral. Além disso, gera um outro comportamento, chamado de transmisoginia, que é a opressão que pessoas trans femininas sofrem diretamente pelo ódio voltado a elas. Essa transmisoginia vem de todos os lados: de outras pessoas trans, de homens cis e de mulheres cis. São esses dois comportamentos que levaram o Brasil a ter o maior número de assassinatos registrados de pessoas trans no mundo (de acordo com o TGEU) a cada 100 assassinatos de pessoas trans mundialmente, 40 são no Brasil. E isso porque não contamos suicídio ou outras mortes indiretamente relacionadas a ser trans, e muito menos as que não tiveram chances de serem identificadas como trans. Muitas das opressões citadas acima costumam vir dos próprios espaços feministas, que podem ser bem violentos e agressivos. Perseguem pessoas trans, as assediam em espaços públicos, tentam expor o nome de registro delas e “tirá-las do armário” para as pessoas próximas, o que pode levar até à morte da pessoa, dependendo do meio em que ela está inserida.
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Autor desconhecido
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MAchismo
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MACHISMO 1. Modos ou atitudes de macho. 2. Ideologia segundo a qual o homem domina socialmente a mulher. Fonte: Dicionário
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o que fazer?
▲ Não diga como a pessoa com quem você se relaciona deve vestir e não a trate como sua posse ou seu objeto; ▲ “Vadia na cama e dama na sociedade” é um esteriótipo de beleza feminino que precisa ser negado. ▲ Não reforce esteriótipos de gênero, tais como mandar a pessoa lavar a louça etc.
“LUGAR DE
Quadrinho por Sahr
MULHER É [
...]!”
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“COM ESSAS ROUPAS, QUERIA SER ESTUPRADA”
O machismo não se manifesta apenas através da violência doméstica, mas também por comentários no dia-a-dia e pela reprodução do discurso patriarcal. Por exemplo, quando uma vítima de estupro é culpabilizada por qualquer motivo: “a vítima bebeu demais”, “a vítima usava roupas curtas” etc. Nunca a culpa é da vítima. Roupas curtas não são convites para assédio.
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HOMOFOBIA |lesbofobia
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HOMOFOBIA
Lesbofobia
(homo- + -fobia) substantivo feminino
(lésb[ico]- + -fobia)
Repulsa ou preconceito contra
Repulsa ou preconceito contra
a homossexualidade ou os homossexuais.
Repulsa ou preconceito contra a homossexualidade feminina ou
substantivo feminino
as mulheres homossexuais. Fonte: Dicionário Priberam Fonte: Dicionário Priberam
quil www.freeimages.com
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“MAS NÃO TEM NEM JEITO DE VIADO”
O preconceito contra pessoas que gostam do mesmo sexo muitas vezes se esconde atrás de discursos moralistas, religiosos e sexistas, que reforçam papeis de gêneros.
“tenho até
“VIADO
amigos ga ys”
!” ?” “tinha S D I A EM T Ê C que ser “VO O A R BICHA” A P O Ã V “ INFERNO!” “DEUS AMA O PECADOR, MAS NÃO O PECADO”
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Exemplos
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TRANSFOBIA
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TRANSFOBIA (trans[exual] + -fobia) Repulsa ou preconceito contra o transexualismo ou os transexuais.
Fonte: Dicionรกrio Priberam
Transsexuais são pessoas que não se identificam com o gênero de nascimento. Podem recorrer a cirurgias de mudança de genitália ou não. Não se trata apenas de se “caracterizar” como o sexo com que se identificam, mas de se sentirem pertencentes a ele.
“ATÉ QUE VOCÊ PARECE MULHER”
“VOCÊ É HO
MEM OU MU
“VIADO!” S?” “tinha que ser D I A EM “VOCÊ T ha BICHA” l a b a r “Você t tuição?” sti o r p m co CHO “DEUS FEZ MA E FÊMEA”
LHER?”
o que fazer?
▲ Não chame a pessoa de “traveco”, “homenzinho ” ou similares. Se você está na dúvida de tratar a pessoa pe lo gênero feminino, masculino ou neutro, simplesmente pergun te como ela gosta de ser tratada . Mas pergunte com edução e não “você é homem ou mul her?”. Pergunte: “Como você gosta que te chamem?”
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Exemplos de TRANSFOBIA
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CAPACITISMO
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CAPACITISMO Capacitismo é uma série de práticas e comportamentos (tanto conscientes quanto inconscientes) contra pessoas que possuem algum tipo de deficiência.
Fonte: Página “Capacitismo é crime de ódio”
betacam www.freeimages.com
Precisamos de coisas específicas às vezes (rampas, acompanhantes, piso tátil, etc...) mas isso não é tratamento especial, é tratamento básico para podermos ter a mesma condição de locomoção ou estadia em um ambiente do que as pessoas sem deficiência. “Direitos iguais” não é o mesmo que ignorar necessidades específicas. Capacitistas constantemente tentam fazer com que odiemos quem somos, mas não vão conseguir. Eu me amo e eu não queria não ter deficiência. Eu não quero ser ~normal~... Tenho uma perspectiva única sobre o mundo por causa de tudo que passo e do tanto que isso me sensibiliza à dor dos outros ao meu redor. Ainda bem que eu consigo escrever pra expressar muito do que eu sinto e vejo, porque eu sei que outras pessoas com deficiência mental não conseguem (tanto por alguma inabilidade motora quanto por ser difícil de falar sobre isso mesmo). Não me normatizarão, eu tenho orgulho de ser quem eu sou, eu tenho orgulho de poder lutar pelos meus irmãos, irmãs e irmxs com deficiência que não podem ou não conseguem.
Às vezes acham que temos OBRIGAÇÃO de sermos “super heróis” e de superarmos nossa deficiência - como se fosse algo que dependesse de força de vontade e como se não tivesse muita gente que se sente confortável assim (eu, por exemplo, tenho muito orgulho de ter a deficiência que tenho). Pessoas com deficiência: vocês não são obrigadas a serem fortes o tempo todo. Vocês não são obrigadas a serem exemplos de superação só porque pessoas sem deficiência acham isso bonito. Se permitam chorar, desistir de um caminho que faz mal, se isolar um pouco às vezes... Isso é bom. Só não deixem tomar conta de suas vidas, claro, mas também não reprimam suas emoções dessa forma. Lembrem-se: vocês não “têm” que fazer nada - façam porque querem e não porque outras pessoas pressionam a fazer. No mais, desejo muita força a todxs nós pra seguir em frente! Texto por Rita Elizabeth *Esse texto é uma compilação de postagens da página Capacitismo é crime de ódio. *Rita Elizabeth é uma das administradoras da página. É uma pessoa com deficiência mental e com deficiência de locomoção. Apesar de sua deficiência mental, ela as vezes consegue se expressar bem através de textos. Siga a página para conhecer melhor sua história e ler outros textos sobre pessoas.
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de ônibus se negam a ativar o elevador pra pessoas com deficiência que não são cadeirantes (e, às vezes, até pras que são). Não somos inferiores nem superiores.
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C
apacitismo é uma série de práticas e comportamentos (tanto conscientes quanto inconscientes) contra pessoas que possuem algum tipo de deficiência. As pessoas que praticam capacitismo têm uma tendência de achar que a “nãodeficiência” é o normal e que pessoas que tem deficiências têm que se virar para se encaixar na norma ou se afastar das pessoas que não têm nenhuma deficiência. Capacitistas costumeiramente veem deficiência como um erro na vida, um jeito incorreto de se viver, e portanto costumam negar qualquer experiência de vida de pessoas com deficiência. É bom lembrar que sentir pena, lamentar ou idealizar a pessoa por ter deficiência é capacitismo da mesma forma. Também é quando, por exemplo, tratam a pessoa com deficiência como criança, quando acham que uma pessoa com deficiência mental é “burra”, quando acham que uma pessoa cadeirante é uma pobre coitada e saem empurrando a cadeira dela sem nem perguntar se pode, é quando negam a deficiência da pessoa, culpando-a por algo que ela não tem controle, é quando agridem verbalmente e fisicamente alguém por ter deficiência e várias outras coisas. Sem contar as barreiras e violências institucionais, como prédios que não têm acesso pra pessoa com deficiência; faculdades que não adaptam seu ensino pra pessoas com deficiências mentais, visuais, auditivas; policiais que abordam e agridem uma pessoa que não tem capacidade de fala; quando os motoristas
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TAR? COMO LU
NCEITO. O C RE P I SOFR GORA? EA
, lugar meiro i r p Em uem nte: q u g r e p uta? esta l a z i n go istas prota tagon o r p ão s eres s essoa Mulh mo. P s i h c a s aom onista contr rotag p o ã ss ndo negra . Segu o m s i c a o ra ção contr opula a, a p h n i l ta da esta gonis a t o r e ép fobia LGBT homo a r e t n o ê pod luta c e. Voc t n a i por d sas, assim as cau s a d o e rt ndo lh apoia e qua t n e e v m ial o de espec as nã M . o licitad causa for so mar a o t e fre erir em so interf as qu n e . p si. A sofre para r que o p e como sabe
e juda d . a e r u tes Proc elhan e m e s d seus upos r g e s i e Pesqu a Internet n apoio es sociais. d nas re r e quiser, de Se pu e alguma r procu que possa o: idade autor xiliar, com lhe au delegacia a, políci zada etc. É iali a espec ito seu ter re e um di ade física d i a integr esguardad s al r ment gida. Vamo e e prot r contra t lu a ! nceito o c e r p
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NCEITO. O C RE P O TENH GORA? EA . tificar s u j e a es Pare d rdão. Ouça e r Peça p e ela quise s vítima mas não a falar, e. Muita od incom de perdão pe gente ter alívio e b para o acalmar a a ara não p esconstru D . cê vítima onceito. Vo er rec seu p ão entend n pode ípio, mas é c a prin rio. Pague sá neces s erros. pelo
dreamer07 www.freeimages.com
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Direitos Humanos - 100 Central de Atendimento à Mulher no Brasil - 180 Disque-Defensorias Públicas 129 Ouvidoria do Ministério Público - 127 Procon- 151 Corpo de Bombeiros - 193 Policia Militar - 190 Polícia Rodoviária Federal - 191 Polícia Rodoviária Estadual 198 Defesa Civil - 199 SAMU (pronto-socorro) - 192 Receita Federal (Receita Fone) 146
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Capa_
As novas faces do
feminismo Entenda como as mulheres se organizam para combater o preconceito, as opressões e as desigualdades de gênero Saiba mais sobre os diversos movimentos feministas e o que o pensam as integrantes
Lia Ferreira Imagem de fundo: SheCat www.freeimages.com
ícones e vetores: http://br.freepik.com
7 a cada 10 mulheres já foram ou serÃo violentadas fÍsica e/ou sexualmente em algum ponto de suas vidas, segundo a ONU.
1 em cada 4 mulheres sofre física ou sexual durante a
violência gravidez.
Fonte: http://www.un.org/en/women/endviolence/situation.shtml
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Ser mulher “Nascer mulher tem definido a vida e a existência social do gênero feminino. Por isso, a ONU Mulheres
trabalha e coloca todo o seu esforço em favor dos direitos e da liberdade de mulheres e meninas em todo o
mundo”, assegura Nadine Gasman, a porta-voz da instituição, para o portal Terra.
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MATA MAIS E CUSTA MAIS QUE
GUERRAS
S A ERR GU
x
A C I T S É IA DOM
C N Ê L O I V
nove pessoas são mortas em desavenças interpessoais Para cada morte civil em um campo de batalha. A violência doméstica acontece principalmente contra mulheres e crianças.
8 TRILHÕES de dólares / ANO
170 BIlHÕES DE DÓLARES / ANO
cerca de
47x a mais
Fonte: http://www.project-syndicate.org/commentary/bj-rn-lomborg-shows-that--in-terms-of-global-welfare-costs--wars-are-the-least-of-our-problem
5 mil
do IBGE de 2010, publicados pela Exame.com, destas mulheres, as negras são as que mais se sentem inseguras em seus lares. Para se ter uma ideia da gravidade do problema, a violência doméstica mata mais e custa mais caro que guerras. É o que afirma um estudo feito por Anke Hoeffler, da Universidade Oxford, e James Fearon, da Universidade Stanford. Enquanto se gasta cerca de 170 bilhões de dólares por ano com guerras civis, o gasto com violência doméstica (que atinge principalmente mulheres e crianças), chega a ser maior que 47 vezes: cerca de 8 trilhões de dólares por ano. As informações foram publicadas no Project Syndicate.
• MULHERES MORREM POR CRIME DE HONRA NO MUNDO
100 milhões
• MENINAS PODERÃO SER OBRIGADAS A SE CASAR NA PRÓXIMA DÉCADA
+135 MILHÕES
• MULHERES JÁ FORAM MUTILADAS • CLITÓRIS E/OU GRANDES LÁBIOS SÃO RETIRADOS. EM CASOS GRAVES, A VAGINA INTEIRA É COSTURADA.
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acreditam que elas já venceram todas as lutas possíveis e que as verdadeiras feministas ficaram no passado. As estatísticas, contudo, comprovam que mulheres ainda sofrem com opressão moral, verbal e física. Desde cantadas que são sentidas como assédio e invasão do espaço privado, até violência doméstica. Andar nas ruas sem temer ser assediada ou até mesmo estuprada é um luxo raro para o dia-a-dia feminino. Em todo o mundo, elas morrem por crimes “de honra”, por não serem “castas o suficiente”. São obrigadas a se casar desde cedo, são mutiladas para não sentirem prazer, são submetidas a padrões de beleza inalcançáveis e não se sentem seguras na própria casa. Segundo dados
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F
eminismo é a ideia radical de que mulheres são gente. Esta frase impactante é um dos slogans do movimento feminista. Já foi grafitada nos muros das cidades e pode ser encontrada em capas e em desenhos compartilhados pelas redes sociais. Quando você pensa em “feminismo”, o que lhe vem à mente? Mulheres protestando com os seios à mostra? Guerra dos sexos? Você pode se perguntar: “Aliás, feminismo pra quê? Não é coisa do passado? Mulheres já podem votar, já podem trabalhar fora de casa...” Infelizmente, o cenário da liberdade feminina está muito distante do ideal. Antes de mais nada, é preciso entender por que este assunto é tão importante. Algumas pessoas
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CUSTA CARO
G
uerras civis custam cerca de
Portal Bol Notícias. Cláudia é uma das
tinuam à mercê da violência domés-
170 bilhões de dólares por ano. autoras do estudo e representante da
tica. Às vezes por ligação emotiva, às
Já os homicídios não relaciona-
vezes na esperança de que os parcei-
OMS, segundo informações do jornal
dos a brigas domésticas e,
ros irão mudar.
na maior parte de homens, 650 bilhões de dólares. São números chocantes e que merecem muita atenção. Mas estão muito
35%
Mas, segun-
Assassinatos de mulheres cometidos PELO PRÓPRIO PARCEIRO
complementar
do o caderno (homicídios de
longe dos 8 trilhões resultantes
mulheres no
de brigas domésticas. As maiores
Brasil) do Mapa de homens 5%Assassinatos cometidos PELa PRÓPRIa
vítimas? Mulheres e crianças. As táticas de violência incluem intimi-
PARCEIRa
dação, ameaça, privação econô-
da Violência de 2012, os casos de reincidência
mica e, inclusive, violência física.
O Estado de São Paulo.
de agressão à mulher no país chegam
a 51%. Ademais, o caderno afirma que
De acordo com um novo
Homens violentos dentro de
estudo publicado pela revista Lancet,
casa não necessariamente se compor-
o Brasil ocupa o 7º lugar do ranking de
em Novembro de 2014, uma em cada
tam de maneira criminosa fora do lar.
violência contra mulher, dentre 84 pa-
três mulheres no mundo é vítima
Eles exploram a própria agressividade
íses, com uma taxa de 4,4 homicídios
de violência conjugal. O estudo foi
assim por terem maior controle do
em 100 mil mulheres. Somos apenas
conduzido pela Organização Mundial
ambiente e por conhecerem melhor a
um pouco menos violentos que a Rús-
da Saúde (OMS) e visa alertar o mundo
vítima. Também costumam bater em
sia e a Colômbia, países notoriamente
sobre uma verdadeira epidemia social.
locais onde as marcas ficam ocultas
conhecidos pelo desprezo aos direitos
“Mesmo em lugares onde a liberda-
sob as roupas.
das mulheres.
de existe, o medo e a realidade da
violência persistem”, alertou Claudia
condições financeiras, apoio da família
um fenômeno global e historicamen-
Garcia-Moreno, citação retirada do
ou perspectiva de mudar de vida, con-
te foi escondida, ignorada e aceita.
Muitas mulheres, sem terem
“A violência contra a mulher é
acostumam com as estatísticas e veem o
sexual são silenciadas. Estupros são alvo
por uma parceira.
problema como algo minoritário.
de estigma mais da vítima do que do
criminoso, e a violência doméstica tem
nos dados:
sido considerada um assunto privado”,
afirmou Claudia.
cídio frequentemente vêm acom-
panhados de elevados níveis de ção da Lei Maria da Penha - em setembro
Quando nem mesmo estão
Mas há um problema intrínseco
Infelizmente, políticas públicas
ainda não são suficientes para superar os
“Altos números de femini- números. “Se no ano seguinte à promulga-
seguras no próprio lar, onde estarão?
tolerância da violência contra as de 2006 - tanto o número quanto as
“Em nosso caso, verificamos que 68,8%
mulheres e, em alguns casos, são taxas de homicídio de mulheres apre-
dos atendimentos a mulheres vítimas
o resultado de dita tolerância”, sentavam uma visível queda, já a partir
de violência, a agressão aconteceu na
afirma o relatório sobre O Peso Mundial
de 2008 a espiral de violência retoma os
residência da vítima”, afirma o Mapa da
da Violência Armada, de 2011.
patamares anteriores, indicando clara-
Violência.
mente que nossas políticas ainda são
das apenas por terem nascido mulheres
insuficientes para reverter a situação” ,
Terra, também são alarmantes: a Escola
e geralmente por seus parceiros (atual
afirma o relatório do Mapa da Violência.
de Higiene e Medicina Tropical de Lon-
ou ex). Sofrem violência dentro de suas
dres e a OMS chegaram à conclusão que,
próprias casas, onde não se sentem
próprias mulheres. Ao apoio mútuo
no mundo, mais de 35% dos assassina-
seguras. E é justamente este alto índice
feminino se dá o nome de feminismo.
tos de mulheres são cometidos por um
de violência que torna o assunto tão
parceiro íntimo, enquanto apenas 5% dos
tolerado. As pessoas, de certa forma, se
Outros dados, publicados pelo
Ou seja, mulheres são assassina-
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assassinatos de homens são cometidos
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[...] Crianças que são vítimas de abuso
O maior amparo é entre as
Tipos de violência
Força/espancamento Enforcamento Objeto contundente Perfurante/cortante Elemento quente Envenenamento Arma de fogo Ameaça
Fonte: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2012/
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F E M INIS
O
argumento de que um sistema opressor é grotesco, pois priva, induz, mata e tortura, infelizmente não é suficiente para algumas pessoas entenderem as diferenças do tratamento de gênero. As que mais sentem dificuldade e as que mais se afastam do movimento são aquelas que não fazem parte das estatísticas, que conhecem alguma exceção aos números e que acham que se adaptaram melhor ao sistema. Até hoje, apesar de todas as lutas do feminismo, algumas mulheres reproduzem o discurso opressor e veem o movimento feminista como desnecessário ou até mesmo radical demais. Mas, para entender a importância do feminismo nos dias atuais, é preciso estudá-lo. E mais que isso, vivenciá-lo, pois só os livros não bastam. O feminismo não é algo homogêneo. Tem várias linhas e vertentes, pois, claro, as mulheres são seres com vivências diferentes. O objetivo, contudo, é o mesmo: igualdade de gênero. O feminismo, portanto, não é o contrário de machismo. Algumas autoras, como Maggie Humm e Rebecca Walker, afirmam que o movimento teve três principais
ondas. A primeira onda feminista começou lá no final do século XIX e início do século XX. Foi quando as mulheres se organizaram por direitos civis básicos, como o voto. Naqueles tempos, mulheres não tinham direito à propriedade privada. Até mesmo os filhos eram “propriedade” dos maridos. As feministas se focaram, portanto, na igualdade dos direitos contratuais. Também se opunham aos casamentos arranjados. É importante ressaltar que esse feminismo é o ocidental. Até hoje, em diversos países, mulheres ainda são obrigadas a se casar e não têm direito à propriedade. A segunda onda do feminismo teve seu início da década de 1960 e perdurou até o final de 1980. O slogan “O pessoal é político”, cunhado pela autora feminista Carol Hanisch, se tornou sinônimo desta onda. É a continuidade da primeira onda, agora mais focada no fim da discriminação e na luta pela total igualdade de gênero. De novo, trata-se do feminismo ocidental. Que, aliás, já foi muito criticado por expoentes como Chandra Talpade Mohanty, apoiada por militantes do movimento feminista negro como Angela Davis e
Alice Walker. Elas afirmam que o feminismo ocidental é etnocêntrico, ou seja, muito focado no ocidente. Já a terceira onda, de 1980 para cá, foca-se em desigualdades mais abrangentes, como etnia, idade, condição socioeconômica, orientação sexual etc. É o feminismo que quer libertar as mulheres dos padrões de beleza e de comportamento. Que quer dar visibilidade às lésbicas, às bissexuais, às assexuais, às trans e tantas outras. Algumas ativistas acreditam que a terceira onda já acabou e que estamos vivenciando ondas pósmodernas. Mas, para entender melhor as discussões teóricas do próprio feminismo, recomendamos a observação de fóruns e debates na Internet. De qualquer forma, a imagem da mulher bem sucedida, que finalmente chegou à presidência da República, que hoje pode usar roupas curtas pelas ruas e dançar à vontade nas festas, leva os menos interessados a se perguntarem: “por que ainda precisam de feminismo, elas já não têm tudo?”.
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INIS M O “Bem, eu acredito que o feminismo seja uma luta fundamental por conta da gritante desigualdade de gênero que ainda existe. Mulheres não têm os mesmos direitos que homens, não temos salários iguais mesmo exercendo as mesmas funções, ainda somos objetificadas e inferiorizadas em propagandas e também no dia-a-dia. Sofremos violência estética. Desde muito novas, somos ensinadas a odiar nossos corpos, pois existe toda uma indústria da beleza voltada pra nós que prega padrões inalcançáveis. Sofremos também com violência obstétrica e não temos autonomia para decidir sobre nossos próprios corpos. Milhares de mulheres morrem todos os anos no Brasil por conta da criminalização do aborto, por exemplo. Acredito, sobretudo, que devemos
desconstruir os papéis de como pessoa cis e branca pra gênero e parar de demonizar provocar a reflexão sobre o feminino”, afirma a ativista Ra- racismo e transfobia, profaella Rey (foto / arquivo pessoal). curo introduzir o transfeminismo e o feminismo negro através de autoras negras e trans, divulgando textos de feministas negras e transfeministas. Tento sempre ter muito cuidado para não me apropriar da luta de ninguém, e tokenizar o oprimido. É importante lembrar que toda pessoa branca é racista, e a desconstrução é diária”, comple-
“Faço minha miltância vir-
tualmente. Tento sempre problematizar o machismo e a culpabilização da vítima, entre assuntos variados, dentre eles aborto e estupro. Também uso meus espaços
menta ela. Rafaella Rey é uma das mulheres que já estão na militância e a vivem profundamente. Alguns termos que ela usou são, inclusive, desconhecidos pelos leigos no assunto. Quando ela fala em pessoa “cis”, está usando uma abreviação para o termo “cisgênera”, ou seja, a pessoa que se identifica com o gênero designado. Exemplo: mulheres que foram identificadas como mulheres desde o nascimento e se identificam com tal gênero. Pessoas trans são aquelas que
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não se identificam com o gênero designado. Por exemplo: travestis, transexuais e outras. Já quando ela fala em “tokenizar” o oprimido, refere-se ao fato de pessoas usarem relações pessoais com oprimidas para justificar, desta forma, um ato de preconceito. Por exemplo, quando se fala: “não sou racista, tenho até amigas negras”, trata-se de uma forma de “tokenização”. Talvez pelos termos próprios ou até mesmo pelo estilo de vida, a palavra feminismo ainda é, inclusive, carregada de preconceito.
parceiros de lutas e que as mulheres são livres o suficiente para se adaptar às exigências sociais ou não, tais como depilação, padrões comportamentais etc. Esta linha tem como expoente, por exemplo, a escritora Virgínia Woolf (1882-1941). As feministas liberais também são conhecidas como libfem. Já o feminismo radical (radfem) acredita que a vivência feminista é exclusivamente da mulher, excluindo, muitas vezes, pessoas trans, o que é um problema.
“Sou bastante estigmatizada, muito homem tem aversão à palavra ‘feminismo’, e a partir do momento que você se declara feminista, parece que eles se fecham pra desconstrução e não absorvem nada do que é falado sobre o tema. Alguns por ignorância não fazem ideia do que significa a palavra, e acabam repetindo que feminismo é o contrário do machismo, ou que feministas pregam a superioridade e algumas baboseiras baseadas na falta de informação e embasamento sobre a causa. É importante falar que existem homens que não abrem mão de seus privilégios, e não querem que mulheres tenham direitos iguais. Com esses, eu acredito que diálogo não é uma opção. É importante lembrar que muitas mulheres acabam reproduzindo machismo, pois muitos conceitos machistas nos são passados e naturalizados na criação, não apenas dentro de casa, como em diversos setores da sociedade durante a nossa vida. Quando eu tento desconstrução para com outras mulheres, costumo fazê-las refletir usando exemplos das vivências que temos em comum”,
afirma Rafaella.
O feminismo tem vários tipos, linhas de pensamentos divergentes, ou seja, diversas correntes filosóficas. Mulheres se reúnem, em primeiro plano, de acordo com tais linhas, mas sempre tentando o diálogo com outras correntes. Há, por exemplo, o feminismo liberal. Em linhas bem gerais, o feminismo liberal luta pela igualdade e por espaço feminino no mercado de trabalho. Esta linha começou com mulheres burguesas, na maior parte brancas, e acredita que homens são
Existem, claro, conflitos a respeito deste tema e tudo é muito debatido. Elas acreditam que o homem é opressor por natureza e que tudo relacionado à mulher deve ser problematizado, ou seja, questionado como verdade ou não. São, em sua maioria, contrárias à prostituição. É claro que são apenas linhas gerais, nem todas as pessoas que se identificam como radfem pensam do mesmo modo, há
A questão do padrão de beleza também
é colocada em pauta por muitas feministas atuais, que se sentem acuadas.
“Acho que eles são extremamente negativos e danosos às mulheres, já que esses padrões se materializam no nosso cotidiano. Por exemplo, é mais difícil para uma mulher gorda encontrar roupas do que para uma mulher magra; mulheres gordas sempre são vistas como sujas e ‘relaxadas’. Isso sem falar dos transtornos alimentares anorexia e bulimia -, dos quais 90% das vítimas são mulheres. Enfim: é essencial que consigamos desconstrui-los, pelo bem estar e pela saúde de nós, mulheres”, afirma Nathália Lausch, militante feminista.
Ela também nos lembra que se trata de um movimento muito plural e precisa compreender o máximo de mulheres possíveis e suas mais diversas pautas:
Imagem: “Isto é o que uma feminista parece”, por Peter Alexander Robb
deficiência física e/ou mental, idade, tipo de corpo, religião, nível escolar e outros eixos de identidade — E o que isso quer dizer? Que cada uma de nós tem seu espaço de fala, e é importante que esses espaços existam para darmos voz a todo tipo de opressão, pois elas muitas vezes se mesclam entre si. O femi-
“Bem, no feminismo há mulheres gordas, há mulheres negras, há mulheres com deficiência, enfim: há todo o tipo de mulher que está fora dos padrões. Falar sobre isso é importante para que essas mulheres se empoderem e parem de odiar seus corpos e suas características físicas, além de conseguirmos desconstruir a gordofobia, o racismo e o capacitismo dentro do movimento. Quando falamos sobre isso, estamos ‘tocando na ferida’ de várias pessoas que ainda encontram certa dificuldade em aceitar que mulheres fora dos padrões consigam ter suas pautas levadas a sério”, afirma Nathália.
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nismo interseccional. O que consiste essa linha ideológica? De que todas nós mulheres somos oprimidas, mas não sofremos necessariamente o mesmo tipo de opressão. Existem inúmeras características biológicas, sociais e culturais — como gênero, raça, classe, orientação sexual,
nismo interseccional com ampliações a vários eixos de identidade compreende que opressões não funcionam sozinhas. A interseccionalidade é a ferramenta do feminismo que praticamos com atenção e espaço iguais às causas interseccionadas de forma específica, construindo e contribuindo a uma luta justa por direitos plenos e libertação de mulheres marginalizadas”, afirma Rafaella.
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sempre muito debate envolvendo cada tema. “Me sinto mais representada pelo femi
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O próprio feminismo, enquanto movimento, também é bastante problematizado. Muitas questões geram polêmicas e são debatidas entre as feministas. Grupos particulares são criados (de acordo com cada vertente de pensamento). Há também grupos mistos, onde homens podem participar para debater mais sobre cada tópico. Para que essa divergência não separe o movimento, Nathália deixa um recado:
“Atualmente, acredito que há confusão entre internet e ‘vida real’. A militância de internet é importantíssima - eu mesma a faço -, mas não é a ÚNICA. Precisamos construir o feminismo no nosso dia-adia, precisamos ajudar as mulheres que são vítimas de violências misóginas, precisamos ajudar as mulheres que ainda não se empoderaram. Outra coisa importante a ser citada é essa ‘separação’ entre mulheres de diferentes vertentes. Parece que se criou um muro entre feministas radicais e intereccionais, de forma que nenhuma interseccional pode manter contato com uma radical ou será tida como radical, por exemplo. Essas limitações são desnecessárias; não precisamos ter exatamente os mesmos pensamentos para que ajudemos umas às outras. Somos todas vítimas de misoginia, né? Precisamos nos unir nesses momentos em que homens nos oprimem.” Depois de lerem todos os dados e depoimentos, muitas pessoas ainda perguntam: “Mas e os homens?”. Esta frase, bastante comum, sempre quer nos lembrar de que homens também sofrem. Claro, todo ser humano sofre e passa por dificuldades. Mas é preciso tomar cuidado com a falsa simetria, ou seja, tentar comparar situações que não têm nada a ver. Não dá pra comparar, por exemplo, o fato de que homens não podem ser sensíveis e chorar (uma opressão, aliás, construída pelos próprios homens) com o fato de que mulheres correm risco de vida apenas por serem mulheres. Ou então tentar colocar uma exceção como se fosse regra. Sim, existem casos em que homens foram estuprados por mulheres e sofreram violência doméstica, mas os números estão aí, são casos raros. E não ajudar esses homens também é uma atitude machista. Uma pessoa feminista ajudaria o homem que sofreu violência a entender que é possível buscar ajuda, e que homem pode sim ser sensível e chorar. A opressão sofrida por homens é muito menor, como demonstram as estatísticas. Por exemplo, mulheres que são vítimas de estupro muitas vezes são culpabilizadas. “Ela estava pedindo, ela estava andando com roupas curtas, ela estava bêbada” etc. Homens, por outro lado, tendem a não serem punidos. Portanto, não dá para comparar o fato de que “homens não podem usar sandália em serviço” com o de que mulheres são assediadas diariamente nas ruas, independente do que vestem, só por serem mulheres e pelo assédio ser considerado como “elogio”. Assédio este que tira o espaço de mulheres e mostra o quanto estão vulneráveis. Muitos homens não desejam ser machistas, mas nem percebem quando o são, pois trata-se de algo naturalizado e institucionalizado. Reproduzir machismo é parte da cultura, por isso muitos se espantam quando as mulheres se sentem feridas e denunciam esse machismo.
Imagem: freepik.com
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As mulheres negras sofrem opressão de forma diferente que as mulheres brancas. Isto por que, além do machismo, têm que lidar com um preconceito estrutural ainda muito arraigado na sociedade: o racismo.
“No feminismo, há diversas mulheres e cada uma tem sua pauta. Minha pauta é totalmente diferente de uma irmã branca ou de uma irmã trans, nossas necessidades e opressões são diferentes, mas são opressões. Dizer que nossas pautas são iguais é apagamento de sofrimento, eu por ser cis não sofro de transfobia. É bastante importante mulheres negras no feminismo, o empoderamento da mulher negra é muito importante inclusive! A objetificação com a mulher negra é grande, os estupros estão em grande peso, os sub-empregos e rejeição dos homens é muito grande”, afirma Clara
Araújo, militante feminista.
Mulheres negras muitas vezes são colocadas como seres exóticos, hiperssexualizados. Na televisão, interpretam trabalhos secundários de serviçais, escravas ou dançarinas. Os meios de comunicação pouco exploram a história e a cultura negra a partir do ponto de vista das próprias negras. Até mesmo figuras históricas são interpretadas por mulheres brancas. O movimento negro dentro do feminismo denuncia o racismo de homens e mulheres. Questiona o fato de mulheres brancas continuarem contratando mulheres negras como serviçais. A mulher hoje é livre para trabalhar fora de casa, “liberdade” conquistada com muito esforço e graças ao movimento feminista. Mas essa liberdade muitas vezes só é possível se explorarem outras mulheres para cuidar de seus filhos e de suas casas. Geralmente, as serviçais são mulheres de baixa renda, na maioria das
vezes, negras. Ou seja, que liberdade é essa? É muito difícil, para uma mulher cosmopolita, conseguir conciliar a longa jornada de trabalho, de especialização, as horas no trânsito etc, com as obrigações da casa e dos filhos. Sem conseguir creches integrais com preços razoáveis, como agem essas mulheres? Acabam deixando de trabalhar ou delegando o trabalho familiar para outras mulheres que, aliás, também precisam cuidar da casa e dos filhos... Ou seja, o sistema de opressão continua vivo. É liberdade para explorar e ser explorada... O movimento negro no feminismo aponta justamente essa diferença de classe e de opressão. Enquanto conhecemos nomes históricos da cultura branca, pouco sabemos de mulheres como Dandara, Luiza Mahin e Mariana, mulheres que lutaram contra escravidão, que protagonizaram movimentos sindicais, que estiveram à frente da história, mas viram suas lutas apagadas. É por isso que o movimento negro é tão necessário: pois é uma forma das mulheres conseguirem desconstruir o racismo e se unirem contra o sistema patriarcal. “O movimento tá passando, mas
uma das grandes dores de cabeça é: homem roubando protagonismo, mulheres brancas silenciando mulheres negras, mulheres cis silenciando mulheres trans. Fora isso, o movimento tá ganhando bastante visibilidade”, conclui Clara.
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Movimento Negro e o Feminismo
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DEPOIMENTO_
GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA Paola Rodrigues Nicx Gomes
Hoje tomei coragem de contar o que me aconteceu no dia 3 de dezembro de 2008, que deveria ter sido um dia maravilhoso, mas até hoje me causa pesadelos. A única coisa que me motiva a cutucar essa ferida é a revolta de saber que milhares de mulheres passam por isso. Porque em 2008 eu não sabia o que tinha acontecido, mas agora, 6 anos depois, eu sei que foi uma violência, um ato hediondo e que isso ainda é tido como normal. Mesmo sabendo que isso pode me trazer sérios problemas, faço de coração aberto, porque quando fatiam seu corpo, a única coisa que te resta é aquilo que você é. Engravidei com 15 anos de idade do meu primeiro namorado e você já deve imaginar o inferno que foi isso. A vergonha, a culpa, o medo. Três coisas que me acompanharam durante 9 meses. Porque ninguém está preparado para uma mãe adolescente, nem ela, nem os pais dela, nem a moça da padaria ou o médico que costumava tratá-la. Senti na pele o preconceito nessa época e a constante sensação de que tinha destruído minha vida e que iria colocar um ser nesse mundo para sofrer pelo o meu terrível pecado. Ninguém diz que vai ser difícil, mas possível. Mostram como você vai parar de estudar, comentam como quem vai criar é a vó e existe aquele ar de que você é Madalena e fez sexo antes do casamento, antes da faculdade, antes de “crescer”. Como você é errada! São mães que sofrem pela hipocrisia de uma sociedade que ainda não entendeu que sexo sempre pode gerar gravidez, que gravidez não é um ato hediondo e que idade, nem sempre, determina o seu caráter. Quero contar a história de uma linda e corajosa bebê chamada Laura, que morreu no dia 10 de dezembro de 2008, após ficar uma semana na UTI e sobre algo que ninguém nunca assumiu a culpa e me destruiu por anos. A gravidez foi terrível, fiquei internada quase os 9 meses, pelo estresse e outros problemas de saúde. No fim, dois dias antes dela nascer e com 38 semanas, passei muito mal e desmaiei. Havia mudado de médico no fim da gravidez pela forma seca que era tratada pelo primeiro GO. Fazia
duas semanas que estava com o novo GO, que parecia muito doce. Como havia batido a cabeça e barriga na queda, minha sogra me levou ao médico e fui internada. Fizeram todos os exames e o bebê estava bem. Voltei para casa... Na noite do dia 2, comecei a sentir as contrações. Ficamos felizes, comecei a fazer a minha mala e terminar a mala da Laura. Tínhamos decidido esperar bastante para ir ao hospital, porque já estava com pavor de lá. Quando deu 2 da manhã, não suportei e pedi para me levarem. Chegando lá, descobri que meu GO estava em SP e só voltaria pela manhã, então me passaram que a plantonista iria me examinar. Após um exame de toque absurdamente doloroso, ela disse que o líquido amniótico estava limpo e que tinha 2cm de dilatação. Fui colocada num quarto e foi pedido para minha sogra se retirar, ninguém iria poder ficar comigo, me colocaram um soro e falaram que ia me ajudar. Se soubesse o que iria acontecer depois disso... Acho que por mais que anos e anos passem, nunca vou esquecer o que aconteceu. A dor piorou e muito. Fui informada que não devia gritar,
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que havia feito aquilo e devia suportar. Uma enfermeira me disse que meninas na minha idade são escandalosas, que na hora de fazer ninguém grita assim – ou grita e saiu dando risada. Pedia para ver a médica, me falavam que a médica estava ocupada. Durante horas fiquei morrendo de dor, com medo de contar para alguém, porque aquilo era minha culpa. Tive três ataques de pânico em 4 horas. Me agarrava no travesseiro em silêncio. Tinha certeza que iria morrer, comecei a pedir perdão para a minha filha, porque tinha engravidado, por ter feito aquilo com ela. Entre as visitas das enfermeiras, ia ouvindo piadas. Às 7 da manhã, estava exausta. Não sentia mais dor. Não conseguia falar direito. O meu GO
chegou e fui avisada que iria ser preparada para uma cesárea. A enfermeira entrou, mandou tirar a roupa, me depilou, colocou a sonda de uma forma tão grossa que fiquei semanas com problemas para urinar. Fui enviada para a sala de cirurgia implorando para não fazerem nada até meu namorado chegar. Ele chegou, mas até então eles estavam contando piadas ao me abrir. Falaram do almoço de domingo, tiraram sarro da anestesia. Parecia que era como fatiar um bife... estavam na cozinha de casa, falando de bobeiras e eu lá, chorando, vomitando, mas tudo bem, quem se importa? Quando finalmente me avisaram que iam “tirar o bebê”, percebi que havia algo errado. Foi tudo muito
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Deles que não era a culpa. Podia ser com o bebê também, uma mal formação no pulmão. Conheci minha filha deitada, entubada, sem previsão de melhoras. Era linda, ruiva, com grandes olhos espertos. Não acreditava que havia feito algo tão lindo e perfeito. Chorava sem parar sempre que estava na UTI e sempre para descobrir que ela havia piorado. No terceiro dia, fui informada que a sensação era como se ela estivesse afogando. No quarto dia, fui informada que devia tomar cuidado na hora de “aprontar”, porque dava nisso. No quinto dia, já sabia que ela teria sequelas graves devido a baixa oxigênação, talvez ficaria em estado vegetativo. No sexto dia, fui informada para me preparar e, no sétimo dia, recebi um telefonema que minha filha havia falecido de falência múltipla. Entrei naquele hospital como uma jovem grávida e saí quebrada, machucada, aleijada e sozinha. Nunca peguei minha filha no colo. Durante alguns anos depois disso, tive problemas para dormir, crises de pânico, fiquei com medo de sair de casa. Tentei suicídio algumas vezes e uma depressão severa me acompanhou no ano de 2010. Depois de tudo isso, jurei que nunca mais iria engravidar. Minha segunda filha tem 1 ano e 2 meses, aprendeu a andar faz uma semana e me faz correr pela casa toda, senão enfia o dedo na tomada. Hoje sou feliz fazendo minha parte pelos direitos da infância, sonho poder dar aulas, quero viajar o mundo, terminar meu livro, passar tardes de domingo na cachoeira e vejo que, apesar de doloroso, não é impossível se quebrar e conseguir forças para continuar. Descobri minha voz, minha força, minha luta. Mas acho que o ponto alto disso não é como gravidas são tratados e de como o parto no Brasil pode ser o evento mais traumático na sua vida. Como bebês vão para a UTI ou morrem e a culpa é de ninguém. Aliás, a culpa é da mãe, do bebê, da chuva, menos de quem é responsável por isso, mas como temos que parar de marginalizar jovens mulheres que engravidam. Temos que parar de podar seus sonhos, de impedir que elas exerçam o ato livre da maternidade, de cometer erros e de ser humanas. A vida toda pela frente não é interrompida com um bebê, mas se tornam duas vidas pela frente. Uma adolescente que engravida não é uma vagabunda, não é promíscua ou qualquer palavra que usem para descrever irresponsabilidade e falta de caráter. Enquanto tratarmos mulher assim, estamos criando na mente dela que ela não é capaz, que ela é culpada, que ela vai fazer tudo errado. Temos que mostrar que ela é forte, capaz, mãe, que terá um futuro lindo pela frente, que vai estudar, trabalhar, que vai se relacionar com o mundo da melhor forma possível porque ser mãe não diminuí suas chances na vida. Sua idade não dita seu futuro. E você, profissional da saúde que talvez leia isso, por favor, nós não somos gado. Nós não somos bifes. Respeitem o melhor dia das nossas vidas.
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rápido. Teve um choro baixinho, pouco, não deixaram vê-la. Me avisaram que iam mover tudo rápido, mas que estava tudo bem. Olhava desesperada para tudo e todos, ninguém me falava nada. Meu namorado seguiu com eles para fora e fui deixada lá, em pânico. Só fui avisada que minha pressão estava subindo e que seria medicada. Não lembro do que aconteceu depois, só que fui enviada para o quarto depois de muito tempo e me avisaram que minha filha estava na UTI, que havia ingerido e respirado mecônio, que podia ser várias coisas: gravidez na adolescência, algum descuido meu ou culpa de ninguém.
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VIAGEM_
Saco do
MAMANGUÁ
Longe da sociedade, sem luz elétrica, Internet e telefone.
Gaita, viol達o, bons livros! www.ouseja.jor.br / fevereiro 2015
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LITERA
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AT U R A www.ouseja.jor.br / fevereiro 2015
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Poesia_
DASPRATELEIRAS Rafael Vieira
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Nós provamos das prateleiras E devolvemos ao menor gosto amargo Que toca o paladar Contaminamos o amor Pra depois acusar traições Pra promover regras Que nem nós seguimos E nos privamos da entrega Da doce entrega! Pois quem se entrega Se trai É fraco É estranho Pintamos nossa couraça Com ouro E pisamos sobre as diferenças Não derramamos Uma lágrima Pela morte Pois já estamos todos mortos Mas choramos ao ser contrariados Nós somos a criança Gritando No chão do shopping Nós somos um monolito Em trajetória descendente Aterrisando de crânio no concreto.
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Confesso: sou uma discípula de Alberto Caeiro Ultramoderna Vejo, mas somente através da tela Vivo neste mundo excepcional, muito bem enfeitado De pixels ricos em detalhes, photoshopados A flor que enfeita meu cabelo é descartável As plantas da minha casa são de plástico O jardim que adoro existe, mas longe daqui Sinto-o tão perto quando os botões me permitem Não, não os botões das flores Mas dos computadores Que me levam aos mais belos oásis - Virtuais Acoplada ao mundo líquido sem fios, Vivendo para a tela e
para a Academia Caracteres bem escolhidos, trabalhados e pensados Cento-e-quarenta para os micros, alguns milhares para os macros São tantas letras, imagens e miragens Que me pergunto se algum dia sentirei Meu corpo novamente, de fato, vivo Se correrei sem ter que contar ao mundo que corri Se amarei sem ter que provar que sou amada Por frases de efeito e fotos compartilhadas Será que algum dia conversarei com Deus sem dizer uma só palavra Para todos os meus seguidores virtuais Dos quais sequer reconheceria a voz, o
tato e o abraço? Sinto o peso do mundo inteiro conectado Alguns minutos sem saber o que se passa Deixa-me culpada e apreensiva A tela pisca, pisca e pisca E sou escrava da informação imediata Como futura jornalista, é quase um parto Saber pouco é não saber de nada Mas nunca sei, de fato Que penso eu do mundo? Há loucura bastante em não pensar em nada...
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OS DONOS DO MUNDO
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Lia Ferreira
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Os donos do mundo podem ser o quiserem Como quiserem, quando quiserem Mas agora estão irritados Porque o povo se une em grupos seletos, secretos Em busca de um pouco de espaço Ai do povo se não eleger seu salvador Nos livros de história, Sempre houve um único herói O imaculado fabricado, claro, Por vencedores extasiados Rumo à imortalidade Mas o povo descobriu a horizontalidade Ninguém o representa, nenhuma voz fala em seu nome O povo já não precisa do herói da tela Batman morreu, era apenas lenda, coisa de cinema O empoderamento fere o orgulho Do privilegiado iluminado Voltaire era um ótimo poeta e grande iluminista Mas também traficava escravo
Ninguém quer se desconstruir Ninguém quer ceder espaço “Eu tenho o direito de estar em qualquer lugar” Mas este seu direito nunca lhe foi tirado! “Ciranda cirandinha, vamos todos cirandar” O povo não é obrigado a convidar o czar pra jantar O C.E.O da multinacional Acha bonito ser fotografado Ao lado dos sindicalistas Secretamente pensa: “É melhor tê-los ao lado E assim anteceder as greves Que deixá-los soltos e livres É bom ter sempre um olho aberto Pro que andam aprontando” Quem mora no sudeste Pode reclamar do nordeste Mas nada falam no carnaval Pra eles bolsa família é pra vagabundo Mas tudo bem, é “liberdade de
expressão” Os donos do mundo podem falar o que quiserem Quando quiserem, como quiserem O direito à voz sempre foi maior Para quem por ele pode pagar Os médicos não gostam muito Das reclamações das grávidas “Na hora de fazer não gritou, Na hora de fazer não reclamou Eu posso opinar porque conheço a dor” Socialites também querem Participar da reunião de empregadas Se veem no direito de opinar sobre seus salários “Pago escola do filho dela e dou presente de natal” Coração tão generoso nunca vi igual Na sociedade heteronormativa Lutar pelos direitos da comunidade LGBT É privilégio aos olhos do privilegiado Tanto batem até que ferem Mas tudo bem, é “liberdade de
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expressão” Os donos do mundo agora se irritam Porque o que falam tem consequências Mas tudo bem, suas multas sempre serão pagas Com facilidade E caso haja justiça, pra eles as celas são maiores “Férias fora de época”, liberdade
O direito de ir e vir sempre foi total Para quem por ele pode pagar Rolezinhos são proibidos E todo mundo quer discutir na Internet Quem pode no shopping entrar Entra quem tem o ingresso Fala, fala, fala quem já tem espaço Nos maiores meios de comunicação
Repete o discurso e age como o status quo Mas ai se for questionado Por favor, dê ao povo um espaço Mas ele deve implorar com cuidado Pois a falsa simetria é o pokémon mais usado Por quem não admite não ser convidado Pra festa da revolução.
MEUS TEMPOS DE PAZ E GUERRA https://apoetprince.wordpress.com
Meus Tempos de paz e Guerra Não faço mais com exércitos, a menos que dê dinheiro. Quando está fora do meu espectro, me retiro, hoje em dia deixo o povo fazer o trabalho, e ainda faço dinheiro. Não preciso mandar qualquer mensagem, as vontades pelo Capital que acesso fazem isso por mim. E minha vontade ecoa por seus meios de comunicação, faz-se valer minha verdade, minha ação,
meu ser é o ser do povo.
dinheiro, e não cheguei aqui de graça.
Eu sou o povo. Somente enquanto ele não percebe.
Eles gritam por nada, e nada retribui sozinho. Enquanto eu faço dinheiro.
Todo exército se divide em defesa e assalte. O povo não sabe, mas assim o faz, ignorante. Desse povo sou amante, quando guerreiam no asfalto, eu domino algo imaterial. Sou senhor do tempo, possuo uma besteira cinza que eles chamaram de
S. T.
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HERANÇA
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Rafael Vieira
Voltando pra casa, se flagrou num diálogo virulento consigo: “Você vive uma subvida, pega um subtransporte para chegar cedo ao seu subemprego. Se alimenta duma subcultura e pra quê?” Contou os postes, contou os grafites na volta pra casa. Contou os botões na camisa do sujeito da frente. Somou suas contas, as trágicas contas. Lembrar-se delas lhe deu uma inspiração luciferina. Então continuou seu discurso interno, mãos no palanque imaginário, gestos truculentosimaginários: “8 horas, 9 horas, 12 horas num emprego pra comprar dignidade, pra comprar respeito. Pra comprar uma vida decente. Se endividar pra comprar merda que você não precisa. Penhorar sua felicidade, pracomprar uma felicidade imposta como real. Histórias de vencedores agora se resumem a histórias, ou escória, de sucesso comercial,sucesso amoroso, sucesso financeiro. Não existem mais heróis. Herói hoje é quem consegue subir no patamar. Patamar feito com as cabeças degoladas de seu irmãos. Milhares de anos de evolução, nos tornamos predadores de nós mesmos!” O povo, imaginário, aplaudia. Não havia essa ordem de pensamento, é claro. Tudo vinha misturado. Os pensamentos e o calor, alternando, se misturando entre si. Havia menos eloquência e mais palavrões intercalados. Chegou na estação, desvencilhou-se das pessoas e de seus pensamentos. Procurou se distrair até chegar em casa. Lentamente abriu a porta. Procurou não fazer barulho. Procurou sua mulher e seu filho.
Livrou-se das roupas. “Porra nenhuma...”, murmurou. Deitou-se na cama, achou seu lugar. Testa a testa com o filho, imaginou se ele saberia que estava ali, que realmente voltou pra casa, já que saia antes do filho acordar, voltava quando ele já estava dormindo. Olhou para seu filho e tentou, telepaticamente, “falar” com ele, impor sua presença pra ele. Queria que o filho sentisse o calor patriarcal que emanava, queria ser notado. Ensaiou, telepaticamente ainda, repassar aquele discurso virulento, aquele exercício de auto-sadismo para o filho, prepará-lo praquele mundo que ele julgava tão escroto. Depois de 5 minutos parou, se sentiu escroto também. Levantou-se pra buscar água. Voltou ao quarto, voltou a sua posição, testa a testa, e fechou os olhos: “Valorize sua vida, valorize seus amigos, valorize seu amor. As verdadeiras riquezas não possuem cifrão na frente meu filho. Encha os pulmões de ar, use suas pernas pra correr atrás da felicidade. Encha sua cabeçade amor. Quando a música tocar, dance. Isso não é uma revolução se você não puder dançar.” Dessa vez o discurso veio sem atropelos, e nem era proferido de um palanque imaginário. Dessa vez mais eloquência, menos palavrões. Estava se sentindo idiota, tanto pela tentativa telepática, quanto pela lição que ele já estava achando piegas. Abriu os olhos, como se abrir os olhos desse um ponto final àquilo. Pegou seu filho num sorriso que só era possível quando se está dormindo. Pensou se o acordo telepático fora selado. Pensou se o filho havia recebido aquela lição. Desistiu de pensar.
No que não foi a surpresa que ambos estavam dormindo.
Olhou pela última vez para o filho antes de fechar os olhos e dormir, e lá estava: O sorriso, sem motivo, sem causa, como um adesivo estampado na cara.
Procurou não se abater.
E aí então permitiu-se sorrir também.
Sem sucesso. “É isso que quero passar pro filho? Trabalhar, acumular, pra depois, quem sabe, então viver? Porra nenhuma.”
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QUEM SOMOS HOLLE CAROGNE
Hölle Carogne é a alma por detrás do humano, do rígido. É curiosa, entusiasta e selvagem. Uma admiradora da arte, da dança, da literatura e da música. Dedica-se de forma amadora à escrita. Há alguns anos, vem se interessando pelo universo da dança. Seus textos e poemas são repletos de símbolos e enigmas, estando geralmente associados às suas experiências pessoais mais profundas. Suas letras são cortantes, afiadas, invasivas como um bisturi. Seu trabalho com dança é bem recente e completamente alternativo. Dedica-se, principalmente, à Dança Tribal, mas flerta, também, com outros estilos. Suas expressões e movimentos são pouco técnicos, mas elaborados de forma muito sentimental. Sua busca artística consiste em uma tentativa de autoconhecimento e evolução pessoal. Sabe que tem muito a aprender e tem muita sede de conhecimento. Considero-a uma artista esquisita. O “esquisito” a seduz. Seus poemas e seus movimentos estão impregnados de ideologias, de crenças.
Anastasia Pugacheva, formada em Artes Visuais, atualmente administra a página de ilustrações Insomnia e promove oficinas de fanzine pela cidade além de participar em eventos de arte independente.
ALINE FALLACI Aline Fallaci é jornalista e professora, especialista em Marketing pela PUC Minas e mestre em Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida pela Unifae. O texto faz parte da dissertação de mestrado defendida e aprovada em junho de 2014, com o título: “Comunicação a Serviço da Educação para Sustentabilidade: o Telecurso no Empoderamento de Jovens e Adultos”.
RAFAEL VIEIRA Projeto de pai, pseudoescritor. Péssimo em marketing pessoal e autobiografia.
HELOISA VIANA Heloisa Viana é jornalista e cineasta. Ama escrever roteiros curtinhos, crônicas do dia-adia e poesias, que podem ser lidos no blog Cantinho da Helô.
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ANASTASIA PUGACHEVA
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DESTAQUE Compassos pouco convencionais, cheios de misticismo, de oposição, de agressividade. Ocultismo, caos e luxúria sendo mesclados às suas criações e retratados de forma crua, orgânica, uterina.
“Arranjando-me em cores, texturas e dimensões; harmonizandome em melodias, sons e palavras; convertendo-me em intérprete, em artista, em fiel devoto... Erguendo minhas preces com a carne do corpo, já que a boca não sabe suplicar. Abrindo as fissuras da Terra e entrando em comunicação carnal com ela...” Relato de Diedry Ludwig sobre seu arquétipo Hölle Carogne
Karmencita, 33 anos, mora em São Paulo, é terapeuta. Colunista da Ou Seja, curte tudo o que é visceral e espiritual. Mas propõe a espiritualidade universal, que direciona o homem para a emancipação de religião e paradigmas/preconceitos sociais. Sua busca é pela transformação e cura de si e, consequentemente, do planeta. Ligada ao Sagrado feminino, mística por natureza e buscadora por excelência. Fala com as plantas e animais, mas ainda não conseguiu comunicação mais efetiva com o ser humano, motivo pelo qual gosta de escrever. “A comunicação deve ser afinada, como música. Somos notas musicais em cifras perfeitas... é só afinar o instrumento e deixar vir o som”...
SARAH HERICY Sahr é uma pisiciana com ascendente em escorpião descrente de signos, cinema e pessoas que descreve sua produção pessoal como o ato de pressionar a caneta contra o peito até sangrar e ser possível ver o preto do nankin se misturando com o vermelho do sangue. Feminista e estudante de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Buenos Aires. É de Brasilia, mas prefere ser cidadã do mundo. Também é ombudsman da revista Ou Seja e ilustradora da Página Sahr.
Quadrinho por Sahr
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KARMENCITA
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EDITORES lIA fERREIRA
Meio Lia, meio Lua. Prefere flores no cabelo a diamantes no pescoço. Ecofeminista, inclina-se para a esquerda quando se trata de política. Editora-chefe da revista e do Portal Ou Seja, estuda Comunicação Social na PUC-SP. Além disso, faz parte da Rede Brasileira de Jornalismo ambiental. Vegetariana, quer se especializar em Questões Ambientais e Direitos Humanos. É também voluntária e colaboradora do Greenpeace. Nasceu em Leopoldina, Minas Gerais. Passou sua infância e adolescência em Argirita, cidadezinha de apenas três mil habitantes. Aos dezoito, mudou-se para o Rio de Janeiro em busca de oportunidades profissionais. Começou a faculdade de Comunicação na PUC-Rio. Hoje
mora em São Paulo, capital. Lia é, em suma, escritora de polêmicas por determinação e aspirante de delírios fotográficos em preto-e-branco. Tenta criar arte (literatura e fotografia) sempre quando sobra um tempinho, mas é raro. No quis diz respeito às suas crenças, identifica-se com a filosofia budista secular. Também é defensora do Estado laico. Meio retrô, meio ecomelindrosa, considera-se filha da Art Déco e amante dos surrealistas. Aqueles que apenas amam seu lado doce se identificam com esta Lia. Por outro lado, tem um lado bastante irônico e sarcástico. Seres subversivos dificilmente sabem apreciar sua doçura. Pode parecer pequena e frágil por ser apenas
uma garota de vinte-e-poucos anos com as bochechas rosadas e o cabelo curto. Mas não se engane com a sua idade e aparência. Aprendeu a usar a meiguice com sabedoria. Não sabe receber elogios, acaba se atrapalhando e trocando de assunto, quando não troca as pernas e tropeça em algum canto. Costuma sorrir para disfarçar desconfortos. Mas quando não gosta de alguém, é bem provável que a pessoa tenha medo de seu olhar. É bastante criteriosa. Não é, contudo, extremista. A fotografia lhe ensinou que, entre preto e branco, há muitos tons de cinza. Ela é, de fato, muito sensível. Mas usa tal sensibilidade para demonstrar sua indignação.
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OCTAVIO MILLIET
É uma caderneta, uma pena, uma tinta e, se a sorte vier, uma boa atitude criativa. Hoje é Diretor de Redação da revista e do Portal Ou Seja e jornalista em formação na Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Mora em São Paulo, capital. Atento às questões ecológicas, considera-se um ambientalista que busca se aperfeiçoar por meio da informação (tanto própria quanto o trabalho de levar o conhecimento aos outros). É também voluntário do Greenpeace. Espera algum dia entrar para o Sea Shepherd, organização de conservação da vida marinha sem fins lucrativos. Ajudou a fundar um portal de divulgação cien-
tífica com mais de 300 mil leitores, Universo Racionalista, com o intuito de produzir e distribuir material educativo aos que procuram, e despertar interesse pelo tema. Além do ambientalismo, estuda a filosofia de Bento Espinosa, filósofo do século XVII, desde os dezoito anos de idade, considerando-se um seguidor de sua doutrina, ou um espinosano. Para Espinosa, Deus é a natureza. Ou Seja, se ferimos a natureza, estamos de fato e fisicamente ferindo a Deus. Quanto à política, é de esquerda. Luta pela laicidade do Estado e pelos Direitos Humanos. É gamer nas horas vagas, adepto das artes marciais. Também adora viajar para lugares distan-
tes. Viciado assumido de café fumegante, aprecia antiguidades e o universo geek. Interessa-se por ciência, literatura e filosofia. Faz poemas que o tempo e os seres podem roubar, mas não gosta tanto de divulgá-los. É discreto, bastante reservado, mas profundamente gentil com todas as pessoas ao seu redor. Procura se aperfeiçoar a cada dia, desconstruindose e reconstruindo-se através de debates instigantes e de arte guardada a sete chaves.
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eS MANDE SEU TRABALHO! ACEITAMOS: TEXTOS, REPORTAGENS, FOTOGRAFIAS, ILUSTRAÇÕES E MUITO MAIS!
Você te Alguma acanhe as mais acadêm
Mande ouseja
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SCREVA
em alguma dúvida sobre esta edição? a sugestão ou comentário? Não se e. Escreva para nós! Também aceitamos s diversas colaborações: jornalísticas, micas, literárias e muito mais.
e seu texto para: a.midia@gmail.com
Or.br
A
EV R C S E
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CIE
ANUN
Quadrinho por Sahr
Participe enviando sugestões, perguntas, textos. Queremos publicar sua ideia, arte ou inspiração na próxima edição. Escreva! ouseja.midia@gmail.com